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A mulher que entrou no gabinete de Charlotte dali a dois minutos era dona de uma beleza deslumbrante. O seu cabelo cor de mel e ondulado caía em cachos perfeitos e, quando ela sorria, os seus dentes literalmente reluziam por trás de uns lábios vermelhos carnudos. Era ainda mais alta do que Charlotte — devia ter um metro e oitenta — e era elegante e graciosa. Tinha os mesmos olhos azuis amendoados da prima Casey.

Estava a tentar segurar uma mão-cheia de dossiers e de papéis.

— Estive a esboçar alguns planos para o desfile e já tenho o aluguer do armazém. Negociei um preço melhor, mas temos de ter os documentos prontos amanhã de manhã.

Parou de repente quando se apercebeu de que Charlotte tinha uma visita no gabinete. Libertou uma mão para cumprimentá-la rapidamente.

— Angela Hart.

Laurie apresentou-se como produtora do programa Sob Suspeita.

Angela pareceu aperceber-se imediatamente da ligação com a sua prima.

— Eu devia ter percebido que ela ia insistir. Quando a Casey mete alguma coisa na cabeça, não desiste de maneira nenhuma.

— Ela manifestou interesse no nosso programa?

— Mal saímos da prisão e entrámos no automóvel.

— Não me parece particularmente entusiasmada com a ideia.

— Peço desculpa. Não quero parecer negativa. Só queria que ela pensasse no assunto durante uns dias. Como é evidente, eu sei que a experiência foi positiva para a família da Charlotte e ia falar-te disso hoje, Charlotte, para depois transmitir à Casey. Mas esta situação do arrendamento tornou-se complicada…

— O espaço onde normalmente fazemos o desfile do outono sofreu um curto-circuito e incendiou-se na semana passada — explicou Charlotte. — Tivemos de encontrar um local alternativo em cima da hora. Um autêntico pesadelo.

— A Charlotte disse-me que é a responsável pelo marketing da empresa? — comentou Laurie, apercebendo-se de que tinha saltado demasiado abruptamente para uma conversa acerca do caso.

— Desde que a Ladyform abriu o escritório em Nova Iorque — respondeu Angela alegremente. — Foi há mais de doze anos. Se não fosse a Charlotte, eu provavelmente andava nas ruas à procura de latas de comida e garrafas.

— Cala-te — disse Charlotte. — Qualquer empresa que não te quisesse contratar só teria a perder.

— A Charlotte é boa de mais — comentou Angela. — A verdade é que eu era uma modelo em fim de carreira quando ela me contratou. Chegamos aos trinta anos e, de repente, os melhores contratos que nos oferecem são para anúncios de cintas e cremes antirrugas. Inundei a cidade com currículos, à procura de um emprego no mundo da moda, e nem sequer consegui uma entrevista. Não tenho licenciatura, nem outra experiência de trabalho para além de posar para as câmaras. Agora sou uma mulher de quarenta e quatro anos com uma carreira a sério, tudo porque a Charlotte me deu uma oportunidade.

— Estás a brincar? — disse Charlotte. — Tu é que nos deste uma oportunidade. Nem imagino o que terás pensado quando aqui chegaste para uma entrevista com a Amanda e comigo. Nós éramos umas miúdas!

Laurie sabia que tinham sido Charlotte e a sua irmã mais nova, Amanda, quem tinha levado a Ladyform numa nova direção, ao abrirem escritórios na cidade de Nova Iorque. Aquilo que em tempos tinha sido um pequeno negócio de família que fabricava «roupa interior modeladora» tornou-se uma marca de referência no domínio da roupa de desporto feminina.

— Seja como for — prosseguiu Angela —, a nossa entrevista durou uma hora e a seguir nós acabámos por ir ali ao lado e continuámos a conversar enquanto bebíamos vinho. Desde então que somos amigas.

— Eu sei como é — comentou Laurie. — Eu e a Charlotte conhecemo-nos quando o meu programa fez a cobertura do caso da irmã dela, mas ela certificou-se de que ficávamos amigas depois disso.

— Eu tenho de dizer — declarou Charlotte — que a minha família passou mais de cinco anos a viver num inferno, sem fazer ideia do que tinha sucedido à Amanda. O Sob Suspeita tirou-nos desse inferno. A Laurie podia fazer o mesmo pela Casey.

— Eu sei que o seu programa pode desenterrar provas novas — disse Angela —, mas eu e a minha tia temos receio que aumente a notoriedade da Casey. Há dez anos, quando ela estava ainda na prisão, seria diferente; mas agora ela é livre. Já cumpriu a sua pena. Percebo o desejo dela de convencer as pessoas de que não faria mal a uma mosca, muito menos ao Hunter. Ela amava-o do fundo do coração. Mas acho que ela não faz ideia do quanto o mundo mudou ao longo dos últimos quinze anos. Se no passado ela achava os cabeçalhos da imprensa sensacionalista maus, espere até ela perceber o que o Twitter e o Facebook lhe vão fazer. Não há maneira de ela pôr o passado para trás das costas.

— Presumo que a tia de que fala seja a mãe da Casey? — perguntou Laurie.

Angela anuiu.

— A tia Paula é a mãe da Casey e é irmã da minha mãe. Mas tanto a Casey como eu éramos filhas únicas e fomos criadas juntas. Eu devia ter uns cinco anos quando percebi que ela se chamava Katherine Carter, ou seja, que nós tínhamos apelidos diferentes. Lembro-me de a minha mãe ter de me explicar que ela não era realmente a minha irmã mais nova.

— Deve ter sido difícil para si quando ela foi condenada.

Angela suspirou.

— Foi absolutamente devastador. Eu estava convencida de que o júri ia perceber a verdade. Agora percebo como fui ingénua. Ela só tinha vinte e cinco anos na época, tinha-se licenciado não havia muito tempo. Agora tem quarenta e não faz ideia de como as coisas estão. Quando foi presa, tinha um telemóvel de concha e agora não faz ideia de como usar o meu iPhone para procurar alguma coisa.

— A Paula opõe-se à participação da Casey no programa?

— Opõe-se veementemente. Para ser franca, acho que a condenação da Casey causou a morte prematura do pai dela. Preocupa-me o que o stresse desta atenção renovada possa fazer à Paula.

Charlotte afagou a mão da amiga, num gesto de apoio.

— Eu senti o mesmo tipo de preocupação em relação aos meus pais, quando a minha mãe convenceu a Laurie a investigar o desaparecimento da Amanda. Eu achava que estava na altura de eles seguirem em frente. Mas agora, que sabem o que aconteceu, eles estão finalmente fora do limbo em que viveram durante cinco anos.

Laurie sentira o mesmo quando descobrira a verdade acerca do homicídio de Greg, há um ano. «Limbo» era a palavra perfeita para descrever o estado em que ela tinha deambulado até há pouco tempo.

— Esteve de alguma forma envolvida no caso? — perguntou Laurie, mudando o rumo da conversa. — Conhecia o Hunter?

— Como é evidente, eu não estava lá quando ele foi morto — disse Angela. — Mas vi-os aos dois nessa noite, na gala da fundação dele. E fui a primeira pessoa a quem ela ligou da casa de campo, depois do cento e doze, claro. Tinha uma sessão fotográfica agendada para a manhã seguinte, mas enfiei-me imediatamente no automóvel. Quando cheguei a New Canaan, no Connecticut, ela ainda estava completamente alterada. Para mim, era evidente que ela tinha sido drogada. Na verdade, fui eu que insisti com a polícia para lhe fazerem análises ao sangue. Claro que acusaram álcool e Rohypnol. E uma pessoa normal tomava Rohypnol por sua iniciativa? Claro que não. Não se trata de uma droga recreativa. Tanto quanto me disseram, ela transforma a pessoa num zombie.

Laurie lembrou-se da sua amiga Margaret, que estava convencida de que alguém lhe tinha colocado uma droga na bebida, numa vez em que estavam as duas num bar, pouco depois de terem acabado o curso. Lembrava-se que Margaret tinha referido sentir-se como se estivesse a observar tudo de fora do seu corpo.

— Então continua a acreditar que a Casey está inocente?

— Claro. Por isso é que ela recusou um acordo que lhe teria reduzido a pena para seis anos de prisão.

— E se eu e a Casey acabarmos por decidir avançar com o programa, ajuda-nos? Tanto quanto sei, a Angela e a mãe dela são as únicas pessoas que se mantiveram em contacto com ela.

— Há alguma maneira de eu a convencer a dar-lhe algum tempo para se adaptar antes de ela tomar uma decisão final? Tudo isto parece-me muito precipitado.

— Não, receio que não. Tenho prazos a cumprir.

— Seja sincera. Não precisa mesmo de mim e da Paula, pois não? Vai avançar independentemente do que nós pensarmos.

— Sim, desde que tenhamos a Casey e pelo menos alguns dos suspeitos alternativos.

— Nesse caso, o que posso eu dizer? Vou continuar a apoiar a Casey, porque foi isso que sempre fiz. Mas posso adiantar-lhe desde já que a Paula vai interferir o tempo todo. Ela está convencida de que a Casey está a cometer um erro terrível.

— Bom, espero que isso não seja verdade — disse Laurie. — E considero-me avisada.