12
— De certeza que não quer um chá?
Era a terceira vez que Paula fazia a oferta. Entretanto, tinha endireitado a bainha da sua saia repetidamente, tinha-se levantado para ajustar um quadro na parede e mudado várias vezes de posição no canto do sofá onde se encontrava.
— Na realidade, seria ótimo.
Laurie não tinha vontade nenhuma de beber chá, mas até aceitaria beber leite azedo se isso a libertasse um pouco do nervosismo da outra mulher.
Quando Paula saiu da sala, Casey disse:
— Estou a lembrar-me da última vez que estive debaixo do mesmo teto que os meus pais, imediatamente depois de o Hunter ter sido morto. Eles viajaram de Washington e insistiram em ficar no meu apartamento, porque não queriam que eu estivesse sozinha. Eu também não tinha a certeza se queria ficar sozinha. Mas, durante dois dias seguidos, a minha mãe ofereceu-me fruta, queijo, sumo, chá. Levantava-se a meio de uma conversa e começava a lavar os balcões da cozinha. O chão estava tão limpo que conseguíamos ver o nosso reflexo nele.
Quando Paula regressou com uma bandeja de chá de prata esterlina, Laurie já tinha desviado a conversa para a noite do homicídio de Hunter Raleigh.
— A que horas saíram da gala no Cipriani? — perguntou.
— Pouco depois das nove horas. Eu senti-me terrivelmente mal por fazer o Hunter sair da sua própria festa. Os empregados estavam a começar a servir a sobremesa. Disse-lhe que apanhava um táxi, mas ele insistiu em ir comigo. Eu estava muito maldisposta, mal me aguentava de pé e acho que ele percebeu que havia alguma coisa muito errada comigo. Só mais tarde é que me apercebi que alguém me tinha drogado.
«Vamos decididamente chegar aí», pensou Laurie. Mas ela queria ouvir a história toda primeiro, do princípio ao fim.
— E nessa altura o motorista do Hunter levou-vos de volta a casa.
— Sim. O Raphael. Ele estava lá fora à espera, com o automóvel.
— Não preferiu ficar na cidade, uma vez que estava a sentir-se mal?
Para além da casa de campo que Hunter possuía em New Canaan, ambos eram proprietários de apartamentos em Manhattan.
Casey sacudiu a cabeça.
— Aquela casa era mágica. Pensei mesmo que quando lá chegasse ia sentir-me melhor. Passei a viagem toda a adormecer e a acordar. Devia ter percebido imediatamente que se passava alguma coisa, independentemente da hora. Habitualmente tenho muita dificuldade em dormir. Nunca consegui dormir em automóveis nem em aviões.
Até a acusação tinha reconhecido que Casey tinha Rohypnol na corrente sanguínea. A única dúvida era se tinha sido ela própria a tomar a substância depois de matar Hunter, para criar um álibi, ou se tinha sido outra pessoa a drogá-la ao início da noite.
Ao rever o caso, Laurie tinha descoberto que a polícia recuperara uma fotografia do automóvel de Hunter a passar na portagem da autoestrada Henry Hudson. Casey estava sentada, direita, no banco de trás, ao lado de Hunter. No julgamento, o advogado da acusação exibiu a imagem como prova que contestava a alegação de Casey de que estava drogada na gala e que não tinha sido ela própria a drogar-se depois do homicídio.
— O único sintoma que tinha era fadiga? — Quando Margaret, a amiga de Laurie, tinha sido drogada, ela referira sentir uma coisa muito diferente do simples cansaço.
— Não, foi horrível. Eu sentia-me tonta, confusa e enjoada. Tinha frio e calor ao mesmo tempo. Tinha muita dificuldade em falar, como se não me conseguisse lembrar das palavras. Lembro-me de sentir que não controlava a minha mente nem o meu corpo. E lembro-me de rezar a Deus para parar de me sentir assim.
Era precisamente o tipo de sensação que Margaret tinha descrito.
— Ligou para o cento e doze depois da meia-noite — observou Laurie. — À meia-noite e dezassete, para ser precisa. Que se passou entre a hora a que chegou a casa e a chamada de emergência?
Casey afastou a franja comprida dos olhos com um sopro.
— É tão esquisito estar a falar disto outra vez! Há anos que recordo repetidamente aquela noite na minha mente, mas, desde que fui presa, ninguém quis ouvir a minha versão da história.
Laurie ouviu a voz do pai na sua cabeça. «Se ela está mesmo inocente, porque não depôs?»
— Tenho de a corrigir, Casey. As pessoas queriam desesperadamente ouvir a sua versão, mas a Casey não se sentou no banco das testemunhas.
— A minha advogada aconselhou-me a não o fazer. Ela disse que tinham encontrado duas testemunhas que me ouviram em discussões violentas com o Hunter. Sim, isso ia desfavorecer-me em tribunal. A acusação ia dar cabo de mim ao confrontar-me com todas as situações em que perdi a calma. Lá porque digo o que penso, isso não faz de mim uma assassina.
— Se participar no nosso programa, irão ser-lhe feitas as mesmas perguntas. Entende isso? — perguntou Laurie.
— Claro que sim — respondeu Casey. — Eu vou responder a tudo.
— Com um polígrafo?
Casey concordou sem hesitar. Laurie não iria de facto recorrer àquela tecnologia, porque não era fiável, mas a disponibilidade de Casey para se submeter a um detetor de mentiras jogava a seu favor. Laurie decidiu confrontá-la com mais um teste à sua honestidade e perguntou-lhe se ela estaria disposta a abdicar da confidencialidade entre advogado e cliente, para que a sua advogada pudesse falar diretamente com Laurie. Uma vez mais, ela concordou.
— Por favor, prossiga com a sua história — incitou Laurie.
— Mal me lembro de ter entrado em casa. Como disse, estava a oscilar entre o sono e a vigília. O Hunter acordou-me quando estacionámos à porta. Como eu estava com dificuldades em sair do automóvel, o Raphael ofereceu-se para me ajudar, mas consegui entrar em casa, de mão dada com o Hunter. Devo ter ido diretamente para o sofá e desmaiado. Quando acordei, ainda estava com o vestido da gala.
— E o que aconteceu quando acordou no sofá?
— Fui a cambalear até ao quarto. Ainda me sentia zonza, mas consegui percorrer o corredor. O Hunter estava em cima da cama, mas não estava deitado como se estivesse a dormir. Parecia que tinha caído para cima da cama de costas. Sei, pelas fotografias, que o sangue estava na camisa dele e no edredão, mas naquele momento pareceu-me que ele estava completamente coberto de sangue. Corri até ele, sacudi-o e implorei-lhe que acordasse. Quando lhe tomei a pulsação, pareceu-me sentir alguma coisa, mas apercebi-me depois que era a minha mão a tremer. Ele já estava frio. Já estava morto.