13

Paula, a mãe de Casey, estava novamente a remexer-se no sofá.

— Eu sabia que isto era demasiado difícil para ti, que era demasiado cedo para o estares a enfrentar. Mal regressaste a casa. Talvez possamos continuar com esta conversa mais tarde, senhora Moran.

O lampejo de irritação que perpassou nos olhos anteriormente inexpressivos de Casey foi indesmentível.

— Mãe, eu estive praticamente metade da minha vida à espera de contar isto. Por favor, não te metas. Depois de ter ligado para o cento e doze, telefonei à minha prima Angela. Graças a Deus que a tenho. Não sei se teria aguentado estar presa se não fosse por ela. — Casey olhou imediatamente para a mãe e acrescentou: — E pela minha mãe, claro. A polícia encontrou-me em cima da cama, a agarrar o Hunter. O meu vestido não tinha alças e por isso eu tinha sangue nas mãos, nos braços e nos ombros. O Hunter ainda estava de camisa branca e com as calças do smoking. O casaco dele tinha sido atirado para cima da banqueta que havia aos pés da cama.

— Como é que a polícia entrou? — perguntou Laurie.

— Eles disseram que encontraram a porta da frente ligeiramente entreaberta, mas eu não me apercebi disso quando acordei no sofá.

— Não seria invulgar a porta estar aberta?

— Claro, mas era frequente nós não trancarmos aquela porta. O Hunter também tinha alarme, mas normalmente só o ativávamos quando íamos para a cidade. O Hunter devia estar atrapalhado quando me ajudou a entrar e não se lembrou de trancar a porta. O meu palpite é que a pessoa que o matou deve ter-se esgueirado pela porta antes de ele a trancar e depois deixou-a aberta, ao sair.

Para além dos dois ferimentos provocados pelas balas que mataram Hunter, a polícia tinha encontrado duas marcas de balas nas paredes entre a sala de estar e o quarto principal.

— E, quando a polícia chegou — disse Laurie —, encontrou a arma do Hunter na sala de estar?

Casey anuiu.

— Tal como disse antes, eu estava na cama, abraçada ao Hunter, quando a polícia chegou. Eles gritaram-me para que me afastasse do corpo. Pareceu-me que estava outra vez meio a sonhar. Quer tenha sido em resultado do choque ou das drogas, não obedeci imediatamente. Ainda estava muito zonza. Em parte, questiono-me se as coisas não teriam sido diferentes se eu tivesse sido mais expedita a obedecer às instruções deles. Eles andavam pela casa numa correria, verificaram as casas de banho e os roupeiros. Foram muito agressivos em relação a mim e insistiram que fosse para o vestíbulo. Tiveram de me arrancar de ao pé do Hunter. E quando eu estava no vestíbulo ouvi uma das agentes gritar: «ARMA!» Fiquei em pânico, a pensar que tinham descoberto um intruso escondido em casa. Mas foi então que a agente mostrou a arma que tinha encontrado debaixo do sofá da sala de estar. Ela perguntou-me se eu já a tinha visto. Pareceu-me a Walther P99 nova do Hunter. Uma pistola de nove milímetros — esclareceu ela. — Era a aquisição mais recente dele.

— O Hunter era um desportista e um colecionador muito empenhado — explicou Paula. — Eu achei que a Casey havia de o levar a alterar os hábitos dele, mas afinal, quando dei por isso, ela é que começou a ir para a carreira de tiro com ele. Eu e o Frank ficámos consternados.

Laurie registou que era possível que houvesse algumas convicções políticas enraizadas na família de Casey.

— Ele gostava daquele passatempo — explicou Casey. — Da mesma maneira que outros homens jogam golfe.

— Como é que reagiu quando a polícia descobriu uma arma debaixo do sofá onde disse que tinha dormido? — perguntou Laurie.

— Fiquei surpreendida. O Hunter normalmente guardava as armas todas num cofre fechado, à exceção daquela que tinha na mesa de cabeceira. Quando eu disse à polícia que aquela era a arma mais recente do Hunter, nunca me ocorreu que fossem pensar que eu a tinha usado para matá-lo.

De acordo com os resumos do julgamento que Laurie tinha revisto na véspera, Casey tinha dito à polícia que nunca tivera oportunidade de disparar a arma nova. Pensava que Hunter a devia ter levado consigo à carreira de tiro quando a comprara, mas jurou que ela «definitivamente» nunca lhe tinha tocado. Mas a polícia tinha encontrado impressões digitais dela na arma e vestígios de pólvora nas suas mãos.

Paula voltou a intervir.

— Quando a polícia pediu para testar a presença de resíduos de pólvora, disseram à Casey que era para eliminá-la como suspeita. Agora diga-me: isso é justo? Fizeram-na acreditar que estavam do lado dela, mas afinal andaram sempre atrás dela.

— Claro que eu concordei em submeter-me ao teste. Estava disposta a fazer qualquer coisa para ajudar. Não imagina como é aterrador pensar que eu estava lá naquela noite. Eu estava ali mesmo, enquanto alguém o perseguia desde a sala de estar até ao quarto, a disparar uma arma. Eu estava no sofá, a dormir, enquanto alguém matava o único homem que amei. Vou sempre questionar-me se ele gritou a pedir-me ajuda — a voz de Casey cedeu mais uma vez.

Paula exalou um suspiro exasperado.

— Não sei porque é que temos de estar a remexer nisto tudo outra vez. Não podemos voltar atrás no tempo. Se pudéssemos, eu obrigava-te a aceitares aquele acordo. Em vez disso, quiseste comparecer diante do júri. E depois a incompetente da tua advogada acabou por, sozinha, te condenar, quando alegou que naquela noite estavas fora de ti. Se a Casey quisesse ser acusada de homicídio involuntário, podia logo ter-se declarado culpada e teria uma sentença mais favorável.

Casey ergueu uma mão.

— Mãe, ninguém sabe melhor do que eu o preço que paguei por ter ido a tribunal.

Laurie olhou para a lista de cinco suspeitos alternativos que Casey lhe tinha fornecido: o seu ex-namorado, Jason Gardner; Gabrielle Lawson, a socialite que andava atrás de Hunter; Andrew Raleigh, que tinha ciúmes do irmão mais velho; Mark Templeton, o diretor financeiro da fundação; e Mary Jane Finder, a assistente pessoal que Hunter provavelmente andava a investigar.

— Está a escapar-nos alguém? — perguntou.

— Não me ocorreu mais ninguém — confirmou Casey. — Qualquer um deles podia ter-me colocado droga na bebida, saído da gala depois de nós e ir até ao Connecticut, confiante de que eu estaria a dormir profundamente quando lá chegasse.

— Mas e se não estivesse? — perguntou Laurie. Pelo que ela tinha ouvido dizer em relação ao Rohypnol, os efeitos da substância variavam imenso. O assassino não podia ter a certeza de que Laurie estaria completamente inconsciente.

— Eu pensei nisso — comentou Casey. — Por um lado, odeio o facto de ter estado a dormir e não ter podido ajudar o Hunter. Mas tenho de admitir que a pessoa que o matou ter-me-ia feito o mesmo, caso eu revelasse algum indício de que estava consciente.

Paula olhou para a filha com uma expressão suplicante. E implorou-lhe:

— Eu acho que tu estás a atirar-te demasiado depressa para isto. Nomear pessoas num programa de televisão? Já pensaste como estas pessoas vão reagir? Elas vão tentar destruir-te. Qualquer esperança que tenhas de virar a página e começar de novo vai ser eliminada.

— Mãe, eu já fui destruída e não preciso de uma nova página. Não quero começar do zero sendo outra pessoa. Quero a minha vida de volta. Quero andar no centro comercial sem tu ficares a olhar para as pessoas a tentar perceber se alguém me reconhece.

Sem oferecer nenhuma explicação, Casey levantou-se subitamente do sofá, desapareceu por instantes no corredor e regressou com uma fotografia.

— Eu passei dois dias a debruçar-me sobre cada um dos elementos do meu processo, tentando vê-los sob uma nova perspetiva. Não acredito que nunca vi isto, mas acho que sair daquela cela e estar num sítio diferente me abriu os olhos. Tive quinze anos para tentar encontrar uma maneira de provar que outra pessoa entrou em casa naquela noite e acho que finalmente consegui.