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O apartamento era modesto, mas estava imaculadamente limpo. Talvez isso não fosse de admirar, tendo em conta que a proprietária, Elaine Jenson, tinha passado décadas no papel da governanta mais estimada da família Raleigh.

— Obrigada por me receber assim em cima da hora, senhora Jenson.

— Por favor, trate-me por Elaine. — A mulher era tão asseada como o seu apartamento. Envergava uma blusa turquesa impecavelmente engomada e calças pretas. Tinha, no máximo, um metro e cinquenta de altura. — Mas tenho de admitir que não tenho a certeza se teria concordado com este encontro se estivesse a par da natureza do seu programa de televisão. Parto do princípio de que o facto de me ter telefonado a fazer perguntas acerca do Hunter pouco depois da Casey Carter ter sido libertada não seja uma coincidência.

Quando Laurie lhe tinha telefonado, na viagem de regresso do Connecticut, tinha-lhe dito simplesmente que trabalhava nos estúdios Fisher Blake e que queria falar com ela acerca do seu antigo patrão.

— Não é coincidência. Na verdade, foi a Casey que me falou de si. — Os lábios comprimidos de Elaine deixaram claro que aquela ligação não era do seu agrado. — Presumo que não seja fã dela.

Fã? Não. Fui, em dada altura, mas já não sou.

— Acredita que ela seja culpada.

— Claro. Ao princípio, não queria acreditar. Eu adorava a Casey. Ela era jovem, mas era extraordinária e eu acreditava que ela era uma excelente escolha para vir a ser a futura mulher do Hunter, apesar das preocupações do pai dele. Ainda bem que eu nunca me manifestei, porque afinal o general tinha razão a respeito dela. Não que ele tivesse previsto um homicídio, claro.

— O pai do Hunter não aprovava a relação?

— Oh, meu Deus, está a ver? Como jornalista, eu assumi que sabia. Eu não falo da família. É melhor sair, senhora Moran.

— Eu não estou aqui para desenterrar velhos mexericos — disse Laurie. — A Casey não me disse que a família não a aprovava antes da morte do Hunter.

Elaine baixou os olhos na direção do regaço.

— Isso é porque o Hunter nunca lhe contou — comentou ela, discretamente. — Agora, por favor, não vou dizer mais nada. Estou reformada, mas os Raleighs foram maravilhosos para mim. Não me fica bem falar disto.

— Eu compreendo — disse Laurie, levantando-se da cadeira. — Tem um apartamento encantador — comentou, mudando de assunto. — Morou sempre na cidade?

Elaine ainda tinha o mesmo número de telefone que constava das listas dos relatórios da polícia aquando do homicídio de Hunter. Para encontrá-la, bastara-lhe fazer um telefonema.

— Esta é a minha casa desde que me casei, há vinte e seis anos, mas o Hunter sabia que os meus filhos adoravam a vida ao ar livre. Eu ia passar semanas seguidas com eles à casa de campo, no verão. Ficávamos na casa de hóspedes e dávamos uma ajuda por lá, mas habitualmente eu trabalhava para a família na cidade.

— E a Mary Jane Finder? Ela alguma vez ia à casa de campo?

— Não ia propriamente trabalhar, mas era mais certo ela estar com o general do que não estar — comentou ela, com uma nota de irritação na voz. — É claro que ela esteve na casa.

Laurie apercebeu-se da reprovação na voz da mulher e decidiu insistir.

— Julgo que ela também estava na gala da fundação com ele, na noite em que o Hunter foi assassinado. Isso não é comum para uma assistente.

— Eu achava o mesmo. Muitos de nós pensávamos assim, mas quem sou eu para dizer seja o que for?

Elaine podia proteger a família Raleigh, mas não a assistente do general.

— Ouvi dizer que o Hunter não aprovava essa relação.

Laurie apercebeu-se de que Elaine escolhia as suas palavras cuidadosamente.

— Ele tinha receio. O pai era viúvo. Era poderoso, tinha dinheiro. Não seria a primeira vez que um estranho entrava numa família para se aproveitar da situação.

— E o motorista do Hunter, o Raphael? Ouvi dizer que ele e a Mary Jane eram amigos. Mantém o contacto com ele? — Laurie tinha o seu nome na lista de pessoas a entrevistar. No mínimo, ele poderia descrever-lhe o estado de Casey na viagem de regresso a casa, quando deixaram a gala.

O rosto de Elaine ensombrou-se.

— Um homem encantador. Morreu há cerca de cinco anos. O Raphael era amigo de toda a gente. A maior parte do pessoal que eu conheci já saiu. Mas a Mary Jane não. Se dependesse dela, ficaria lá até ao último suspiro. E agora acho que já falei de mais.

Laurie agradeceu mais uma vez a Elaine por tê-la recebido. Quando estava perto da porta do apartamento, fez mais um comentário.

— O Hunter devia ser um homem maravilhoso.

Os olhos de Elaine iluminaram-se.

— Era um autêntico cavalheiro. Além de ser generoso e honrado, era um visionário. Teria dado um excelente presidente de câmara ou mesmo dos Estados Unidos.

— Julgo que ele chegou a conhecer o presidente, não é verdade? — perguntou Laurie.

— Ah, conheceu, sim — gabou Elaine. — Na Casa Branca. A Fundação Raleigh foi uma de cinco fundações escolhidas para exemplificar a importância dos donativos privados. E foi tudo obra do Hunter. A fundação já existia há vários anos, mas foi o Hunter que decidiu centrar a sua missão na prevenção e tratamento do cancro da mama, depois de a mãe dele ter morrido vítima da doença. Pobre menina Betsy. Ah, foi mesmo horrível — disse ela, com a voz trémula.

— Ouvi dizer que o Hunter ficou muito sensibilizado por ter sido reconhecido pela Casa Branca.

— E muito orgulhoso — acrescentou ela, parecendo também orgulhosa. — Ele até tinha uma fotografia dessa noite na mesa de cabeceira.

«Bingo», pensou Laurie.

— Na casa de campo?

Ela anuiu.

— A maioria das pessoas teria uma recordação desse género bem no meio da parede do seu escritório. Mas o Hunter não era do tipo de se gabar. Acho que manteve a fotografia num lugar especial, porque ela tinha um significado pessoal para ele.

— Sei que esta pergunta pode parecer estranha, mas será que essa fotografia estava na mesa de cabeceira na noite em que ele foi morto?

— É de facto uma pergunta estranha. Mas a resposta é sim.

— Porque era ali que estava sempre?

— Não, na verdade estou mais certa do que isso. Costumava ir à casa do Hunter no Connecticut uma vez por semana, para fazer a limpeza. Era o Raphael quem me levava e me trazia de volta. Mas nessa noite foi uma empresa de veículos de aluguer que me trouxe, porque o Raphael ia levar o Hunter à gala. Eu estava a limpar a fotografia dele com o presidente quando ele entrou no quarto. Quando ele estava de saída para ir para a gala, perguntei-lhe se iria tirar outra fotografia com o presidente lá. Ele riu-se e respondeu: «Não, o presidente não vai lá estar.» Fiquei a pensar naquela conversa quando ele se foi embora. Não fazia ideia de que aquela seria a última coisa que lhe diria.

— E depois disso esteve mais alguém na casa?

— Não, só eu. Quando saí, tranquei tudo. E claro que o Hunter e a Casey voltaram para New Canaan… — A voz dela cedeu.

Laurie conseguia visualizar a cena como se estivesse a acontecer hoje, mesmo ali à sua frente. Parecia-lhe completamente real. Ela acreditava na palavra de Elaine quando lhe disse que a moldura se encontrava na mesa de cabeceira quando Hunter saíra para a gala, o que significava que Laurie começava a acreditar que Casey era muito capaz de estar a dizer a verdade.

Mais alguém estivera com eles na casa, naquela noite.