18
Na segunda-feira seguinte, os pensamentos de Laurie foram interrompidos pelo palrar de Grace e Jerry à porta do seu gabinete, a compararem os respetivos fins de semana. Pelo que pôde perceber, Jerry consumira de enfiada uma temporada inteira de uma série de que ela nunca tinha ouvido falar, Grace fora a um terceiro encontro com alguém chamado Bradley e agora Jerry estava a pressioná-la para lhe fornecer mais pormenores.
Era raro Laurie conseguir chegar mais cedo ao escritório do que Grace e menos ainda do que o madrugador do Jerry. Mas hoje ela tencionava dizer a Brett que o seu próximo programa seria sobre a alegação de inocência por parte de Casey. Tinha de estar preparada.
— Então, tu e o Bradley já escolheram o serviço de mesa? — perguntou, ao abrir a porta do seu gabinete.
— Desculpa — disse Grace. — Não me tinha apercebido de que estavas aí. Precisas de café?
Laurie ergueu o copo de galão Venti que tinha trazido do Starbucks.
— Não vai haver casamento — anunciou Grace. — Já agora, não vai haver mais Bradley.
— Caramba — gracejou Jerry. — Qual é o problema deste?
Grace não tinha dificuldade em encontrar admiradores no sexo oposto, mas o reverso nem sempre era verdadeiro.
— Ele convidou-me para ser a acompanhante dele numa festa da empresa onde trabalha, no próximo fim de semana. E, antes de eu ter tido a oportunidade de aceitar, disse-me: «E eu obviamente pago-te uma roupa adequada à ocasião.»
— E o Bradley ainda respira? — perguntou Laurie, com uma gargalhada.
Grace sorriu.
— Eu deixei-o viver. Não ia querer acabar por ser o caso do nosso próximo programa, pois não? Mas bloqueei-o em todas as redes sociais. Tanto quanto me diz respeito, ele é um fantasma.
Laurie admirava o talento com que Grace se movia no moderno ambiente dos encontros, que por vezes era de cortar à faca. Antes de ter conhecido Greg, Laurie nunca se tinha sentido confortável no domínio das relações românticas. Nada lhe parecia mais triste do que um encontro amoroso desastroso. Já Grace via sempre o lado positivo da situação. Até mesmo um mau encontro acabava por dar uma boa história. E, acima de tudo, ela gostava de si tal como era, e nada mais interessava.
— Por falar na nossa próxima emissão — disse Laurie —, quero apresentar-vos a minha proposta antes de a mostrar ao Brett. E vocês vão dizer-me se vos parece bem.
Cada um deles pegou numa cadeira.
— Somos todos ouvidos — garantiu-lhe Grace.
Tinha passado tanto tempo a preparar-se que apresentou, sem falhas, as principais provas contra Casey, assim como as recentes informações que recolhera desde que tinha estado com ela.
Jerry bateu palmas brevemente quando ela terminou.
— Isto foi espantoso. Não sei bem se precisamos mesmo de um novo apresentador.
Grace ergueu um dedo indicador firme.
— Não se meta entre mim e aquele Ryan Nichols. Esse lugar pode ser muito perigoso, senhor Klein.
Tendo conhecido Ryan, Laurie tinha a sensação de que ele era capaz de não achar tanta piada aos gracejos de Grace como Alex.
— Por favor, tenta abster-te de assediar sexualmente o nosso novo apresentador, Grace. Para além do mais, és capaz de não gostar assim tanto dele quando o conheceres.
— Ui, ui, parece que alguém já te impressionou pela negativa — comentou Grace.
— Conta! — incitou-a Jerry, debruçando-se, à espera de mais pormenores.
— Esqueçam. Não devia ter dito nada. Que vos parece? Este caso é suficientemente bom para o programa?
Quando Laurie o conhecera, Jerry era um estagiário socialmente desajeitado que trazia as sandes para o almoço da equipa de produção. Com o passar dos anos ele tinha crescido, não só no sentido figurado, mas também no literal, e já não se curvava para disfarçar a sua figura alta e esguia. Sob Suspeita começara por ser o projeto de estimação de Laurie, mas era agora um projeto da equipa. Jerry conseguia pegar numa reportagem e transformá-la num programa de televisão visualmente arrebatador. E Grace tinha-se tornado o seu mais precioso teste de audiências, com a sua capacidade de identificar num instante a forma como a audiência iria reagir.
Jerry foi o primeiro a falar.
— Tu conheces-me. Eu penso sempre no cenário em primeiro lugar. Adoro a ideia de recriarmos a gala no Cipriani. É muito chique e elegante. A seguir, a transição para o cenário pastoral da casa de campo no Connecticut vai ser muito dramática. Por isso, do ponto de vista da produção, resulta. A família Raleigh e a própria Casey são grandes chamarizes de audiências. Não me sinto tão confiante em relação a como vamos expor as cenas financeiras da fundação, mas tenho a certeza de que havemos de arranjar uma maneira interessante de as apresentar. Que mais sabemos acerca do antigo diretor financeiro da fundação?
— Ele chama-se Mark Templeton — disse Laurie. — Pesquisei as notícias. Quando ele se demitiu, houve um jornalista que verificou as contas públicas da fundação e reparou que os bens tinham decrescido substancialmente ao longo dos últimos anos, tendo sugerido uma possível ligação entre a saída dele e o mau estado das finanças. Mas o pai do Hunter, James, pôs rapidamente termo à especulação, afirmando que as angariações de fundos tinham caído desde o homicídio do Hunter. Contratou um novo angariador de fundos e diretor financeiro a tempo inteiro e, desde então, a fundação parece ter uma base sólida. Quanto ao senhor Templeton, atualmente é diretor da Holly’s Kids.
— Que é isso? — perguntou Jerry.
— É uma associação sem fins lucrativos que se dedica a construir casas para adolescentes sem-abrigo. Parece ser um grupo sólido, mas ele esteve oito meses sem fazer nada depois de ter saído da Fundação Raleigh. Pode ter sido um período de pausa, mas também pode ser um indício de que os rumores pesaram na sua empregabilidade. Deixei-lhe uma mensagem na sexta-feira passada, mas ainda não obtive resposta.
Grace estava invulgarmente calada.
— Pareces-me preocupada — disse-lhe Laurie.
— Nunca me deixem jogar póquer. Não consigo esconder aquilo que estou a pensar, nem que tape a cara com um cobertor. Muito bem. Vou dizer. A Casey Carter é louca. Vê-se nos olhos dela. Já na época eu disse à minha mãe: «Mãe, aquela rapariga tem olhos de louca.»
Jerry riu-se.
— Grace, quando aquilo aconteceu, nós éramos miúdos.
— Pode ser verdade, mas eu sabia detetar uma miúda má, acreditem em mim. Ela tinha uma vida boa. Ia ser a senhora Hunter Raleigh III. Provavelmente já tinha escolhido o vestido para a tomada de posse dele como presidente. Mas ela estava um farrapo naquela gala. E, quando chegaram a casa, ele acabou com ela. Caso encerrado.
— E a moldura desaparecida? — perguntou Laurie. — Não te pareceu convincente?
— Provavelmente, ela atirou-a contra ele quando estavam a discutir, de seguida apanhou os estilhaços e enterrou a fotografia no bosque antes de ligar para o cento e doze, ou então levou-a como recordação depois de lhe ter limpado o sebo.
Jerry não estava convencido.
— Nesse caso, porque havia de ter esperado até agora para falar da fotografia perdida? A advogada dela podia tê-la usado em tribunal para criar uma dúvida razoável.
Foram interrompidos pelo toque do telefone que se encontrava em cima da secretária de Laurie. Grace atendeu.
— Gabinete da senhora Moran. —
Quando desligou, disse:
— Por falar no diabo, da receção dizem que estão lá em baixo uma Katherine Carter e uma Angela Hart para falarem contigo.