19
— Laurie, está a acompanhar isto tudo?
Foi Angela quem fez a pergunta. Laurie deu por si a olhar para Casey e a lembrar-se do comentário de Grace em relação aos «olhos de louca». Laurie tinha detetado um brilho nos olhos dela que atribuíra a inteligência e humor, mas agora conseguia imaginar um fogo a arder atrás deles.
— Desculpem — disse. — Estou a acompanhar. Mas é muita coisa para absorver.
Casey e Angela tinham chegado ao gabinete de Laurie com saídas em papel de comentários da Internet, publicados ao longo do fim de semana em histórias que faziam a cobertura da libertação de Casey da prisão. Tanto quanto elas se tivessem apercebido, o primeiro tinha aparecido num site de mexericos intitulado Falatório. Estava assinado RIP_Hunter.
— Encontrei mais quatro comentários publicados por RIP_Hunter noutros sites — disse Casey. — E basicamente dizem todos a mesma coisa. Que eu sou uma narcisista que matou o Hunter por saber que ele ia acabar comigo.
Angela pousou a mão no joelho da prima, num gesto protetor.
— Nunca se ganha nada a ler as secções de comentários da Internet.
— Como posso eu não ler? — perguntou Casey. — Veja o que dizem de mim. Parece que voltámos quinze anos atrás no tempo e que está tudo a acontecer de novo.
— Mas tu não estás em tribunal — recordou-lhe Angela. — Estás livre. Quem é que quer saber o que um monstro qualquer da Internet pensa acerca de ti?
— Quero eu. Quero eu, Angela.
Infelizmente, Laurie estava a par de como o trolling operava na Internet. Alguns anos depois da morte de Greg, tinha cometido o erro de verificar um painel de mensagens onde detetives «de sofá» opinavam acerca de crimes não resolvidos. Depois de ter lido os comentários de desconhecidos que estavam convencidos de que ela tinha contratado um assassino profissional para matar o marido à frente do filho de três anos, não conseguira dormir durante uma semana. Laurie folheou mais uma vez os comentários que Casey tinha imprimido para lhe trazer.
«Quem conhece a Casey… Todos nós temos medo de falar com os jornalistas, não vá ela vir atrás de nós também…»
— Ele, ou parece-me mais ela, fala como se a conhecesse pessoalmente — comentou Laurie.
— Precisamente — concordou Casey. — E foi isto que aconteceu naquela época.
— Como assim?
— Quando se deu o meu julgamento, a cobertura de notícias na Internet ainda era uma novidade. A maioria das pessoas ainda via as notícias nos jornais e na televisão. Mas havia painéis de mensagens onde se discutia o meu caso. Pode imaginar o tom da maior parte delas. Mas a verdade é que alguém publicava com frequência informações, supostamente em primeira mão, que me faziam parecer culpada, como se a pessoa me conhecesse. E assinava tudo como «RIP_Hunter».
— Porque é que parte do princípio de que se trata de um desconhecido? — perguntou Laurie.
— Porque ninguém que me conhecesse diria esse tipo de coisas a meu respeito, porque são mentira.
— Nem um conhecido que não gostasse de si?
Casey encolheu os ombros diante daquela hipótese.
— Suponho que seja possível. Ou então é alguém que tinha uma obsessão em relação ao Hunter. Os comentários não param de se referir ao quão maravilhoso ele era e como teria dado um excelente presidente de câmara ou mesmo da nação. E que eu lhe roubei o futuro, mas também todas as coisas boas que ele teria feito pelo resto da sociedade. Tentei encontrar os comentários antigos na Internet ontem à noite, mas não consegui chegar a lado nenhum. Se o Hunter tinha uma perseguidora, ela podia perfeitamente ter comprado um bilhete para a gala naquela noite. Talvez tenha sido essa pessoa que me drogou e depois nos seguiu até casa. Talvez o Hunter tenha pegado na arma para se defender e alguma coisa tenha corrido mal.
— Há alguma maneira de nós provarmos que alguém que usava o mesmo nome de utilizador a assediou durante o julgamento? — perguntou Laurie.
— Não tenho a certeza — respondeu Casey. — Falei disso com a minha advogada. E um dos jurados leu um dos piores comentários. Ele até enviou um bilhete ao juiz a esse respeito.
Era a primeira vez que Laurie ouvia falar da existência de um bilhete de um jurado.
— Que dizia esse bilhete?
— O jurado dizia que a filha tinha lido alguma coisa acerca do caso e tentou falar com ele a esse respeito. Ele explicou-lhe que não podia falar com ninguém acerca do julgamento até ele ter terminado, mas a filha dele deixou escapar que alguém andava a dizer na Internet que eu lhe tinha confessado o crime. O comentário dizia algo do género: «A Casey Carter é culpada. Foi ela que me disse. É por isso que ela não vai testemunhar.» E, obviamente, estava assinado por RIP_Hunter.
Laurie não era advogada, mas estava quase certa de que a exposição a um comentário daquele género era fundamento para afastar o jurado. E até podia constituir uma base para a anulação do julgamento.
— Isso é altamente prejudicial — comentou Laurie. — Os jurados não devem ler informação externa acerca do caso, nem especular a respeito dos motivos que levam um réu a não testemunhar. Já para não referir o facto de o autor alegar que a Casey tinha confessado.
— O que não é verdade! — exclamou Casey.
— Não vi nada acerca de um bilhete de um jurado nos documentos que me entregou. — Certamente que se lembraria de um bilhete do género do que Casey estava a descrever. — O jurado foi dispensado? E a sua advogada pediu a anulação do julgamento?
Angela interveio de rompante, parecendo indignada.
— Está a falar daquela aspirante a advogada, a Janice Marwood? Ela não fez nada. O juiz leu uma declaração pró-forma a todo o júri, lembrando que deviam evitar influências exteriores e que deviam centrar-se exclusivamente nas provas admitidas a julgamento. E quando a Casey questionou a Janice a esse respeito, ela disse-lhe que tinha de começar a confiar mais nela e a não pôr em questão todas as decisões estratégicas que ela tomava. Que tipo de estratégia é essa?
Laurie lembrou-se que Alex tinha descrito Janice Marwood como sendo uma advogada «Satisfaz menos». Aquela conversa fê-la recordar-se de que Casey tinha aceitado assinar um documento em que desistia do direito à confidencialidade entre advogado e cliente, para que Laurie pudesse contactar Marwood diretamente e ter acesso ao processo do caso. Abriu a porta do seu gabinete por um instante e pediu a Grace para redigir, juntamente com Jerry, os documentos relevantes que Casey teria de assinar, para que ela o pudesse fazer enquanto ali estava.
Tendo em conta o circo que envolvera o julgamento de Casey, não a surpreendia que alguns lunáticos tivessem feito alegações fora de contexto, aproveitando-se da fachada de anonimato da Internet, mas pareceu a Laurie que ela estava mais perturbada com o regresso da pessoa que se autointitulava RIP_Hunter. O recurso contínuo ao mesmo pseudónimo tinha provavelmente a intenção de perturbar Casey. Se assim fosse, aquela manobra parecia estar a resultar.
Laurie voltou a fechar a porta.
— Casey, sabe se a sua advogada pesquisou os comentários publicados na Internet?
— Quem sabe? — perguntou Casey, melancólica. — Agora, quando olho para trás, apercebo-me de que fui demasiado submissa em relação a ela. Às vezes, pergunto-me se não me teria saído melhor se me tivesse representado a mim mesma.
Laurie presumiu que tinha de haver maneira de encontrar as publicações originais que tinham sido redigidas durante o julgamento. Como se costuma dizer, a Internet não esquece. Estava a tomar nota de um lembrete para ligar aos técnicos informáticos do estúdio quando se apercebeu das horas.
— Peço desculpa por ter de vos deixar assim à pressa, mas tenho uma reunião com o diretor do estúdio. Se puderem aguardar, a Grace está a preparar uns documentos para a Casey assinar. Um é o do levantamento do sigilo profissional entre cliente e advogado, de que já tínhamos falado. E o outro é o acordo de participação que usamos habitualmente para o programa. Também vai haver um para si, Angela, uma vez que esteve com o Hunter e com a sua prima poucas horas antes do homicídio.
Seguiu-se um momento de silêncio constrangedor entre Casey e Angela.
— Eu pensei… — começou Angela.
— Angela — disse Casey —, preciso que me apoies nisto. Pediste-me que esperasse alguns dias e eu fi-lo. Tenho mais certeza do que nunca. Por favor.
Angela pegou na mão de Casey e apertou-a levemente.
— Claro. Não seria a decisão que eu tomaria, mas faço tudo o que puder para ajudar.
— Fantástico — disse Laurie. — Também gostava de ter uma lista das pessoas que a conheciam, a si e ao Hunter, como casal, Casey.
— Bom, há a Angela, claro. E o Andrew, o irmão do Hunter, mas nem quero imaginar as coisas horríveis que ele dirá acerca de mim atualmente. Houve um tempo em que sentia que conhecia toda a gente na cidade de Nova Iorque, mas perdi os meus amigos, uns atrás dos outros. Quando somos presos por homicídio, tornamo-nos basicamente uns párias. — Os olhos de Casey iluminaram-se de súbito, com uma ideia nova. Virou-se para Angela. — E o Sean? Nós os quatro saíamos imensas vezes juntos. Caramba, ao princípio era muito estranho.
A risada indicou a Laurie que se tratava de uma piada privada que ela não conhecia, mas sentiu a camaradagem existente entre as duas mulheres. Casey podia ter passado quinze anos na prisão, mas ela e Angela tinham uma tal ligação que era como se nunca tivessem estado separadas. Casey debruçou-se, como que para contar um segredo.
— A Angela e o Hunter tiveram uma história antes de eu o conhecer.
Angela riu-se.
— Chamar-lhe «história» é um exagero enorme. Saímos juntos algumas vezes. Nem foi… foram mais uns encontros platónicos. Se eu não andasse com ninguém e quisesse levar um acompanhante a um evento e ele estivesse livre, ele vinha comigo. E eu fazia o mesmo por ele.
— A sério? — perguntou Laurie. — Esses encontros aconteceram antes ou depois de o Hunter ter conhecido a Casey?
— Ah, uau, foram muito antes. A Casey terminara o curso dela em Tufts e tinha acabado de se mudar para a cidade. Depois, anos mais tarde, ela contou-me que andava com um homem maravilhoso que tinha conhecido na Sotheby’s. Quando me disse que era o Hunter Raleigh, deve ter ficado perplexa quando eu lhe contei que nós tínhamos saído juntos algumas vezes. De qualquer maneira, não foi nada de especial. O facto de que eu e o Hunter teríamos formado o pior casal de sempre tornou-se uma piada recorrente. Mas, com o Sean, as coisas foram sérias. Achei que podíamos mesmo vir a casar-nos — disse Angela, num tom saudosista. — Mas não faço ideia de como entrar em contacto com ele atualmente.
— Não se preocupe com isso — disse Laurie. — Nós somos muito bons a encontrar pessoas. Qual é o apelido do Sean?
— Murray — respondeu Angela. — Então, estas perguntas todas significam que está a pensar usar o caso da Casey na próxima emissão especial do Sob Suspeita?
— Não posso fazer-lhe promessas enquanto não falar com o meu chefe. Mas, Casey, tenho o prazer de lhe dizer que estou oficialmente a pesquisar a sua história para que seja o caso do próximo episódio.
— A sério? — Casey levantou-se do sofá e quase derrubou Laurie com o abraço que lhe deu. — Obrigada. E obrigada, Angela, por fazeres isto acontecer. É o primeiro vislumbre de esperança que tenho desde há quinze anos.
Quando os olhos de Casey se encheram de lágrimas, eles não pareceram minimamente loucos a Laurie.