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Laurie não se lembrava da última vez que tinha conseguido entrar num bar na cidade sem às tantas ter de se virar de lado para romper caminho por entre a multidão. O Bar Boulud, um lugar da moda muito concorrido, estava gloriosamente vazio naquele fim de tarde. Laurie ouvia o som dos seus próprios saltos a ecoar até ao teto abobadado, enquanto se dirigia à parte de trás do bar, onde encontrou Charlotte e Angela, sentadas na mesa mais longínqua. Tinham pedido três copos de vinho e uma magnífica tábua de charcutaria, com toucinho, chourição, patê e mais algumas coisas que Laurie tinha medo de comer.

Angela estendeu o braço e apertou ao de leve a mão que Laurie tinha livre.

— Foi amorosa por me ter recebido, e à Casey, hoje, sem marcação. A Casey telefonou-me ontem à noite, completamente louca com aqueles comentários da Internet. — Tapou imediatamente a boca com as mãos. — Ora bolas, que má escolha de palavras. Queria dizer que ela estava muito preocupada.

— E quem não estaria? — disse Laurie. — É muito estranho que passados quinze anos alguém recomece imediatamente a falar dela na Internet recorrendo à mesma alcunha. Dá a entender que se trata não só de alguém obcecado com o caso, mas que faz questão que a Casey saiba disso. Porquê usar o mesmo nome, a não ser que se pretenda enviar a mensagem de que alguém por aí nos odeia?

— Olá? — Charlotte fez um breve aceno. — Eu não faço ideia do que vocês as duas estão a falar. Fui eu que vos apresentei, lembram-se? Ponham-me a par, por favor.

— Desculpa — disse Angela. — Não quis falar disso enquanto a Casey estava no escritório comigo. Ela está tão chateada! — Angela não precisou de muito tempo para pôr Charlotte a par dos comentários de RIP_Hunter.

— Pode ser alguém que está obcecado com a Casey — comentou Charlotte. — Ou podem ser várias pessoas, todas a usarem a mesma identificação na Internet.

— Não percebo — disse Laurie. — Porque é que um grupo de pessoas se juntaria para publicar comentários negativos acerca da Casey como se se tratasse apenas de uma pessoa?

— Não, não é nenhuma espécie de conspiração. Lembro-me de quando andava na faculdade e usava painéis de mensagens para comentar as últimas separações entre famosos — não me julguem. As pessoas deixavam comentários do tipo «do lado da Equipa Jennifer» ou «do lado da Equipa Angie». É uma maneira de se tomar partido nos feudos da Internet. Passa-se a mesma coisa com os candidatos à política. Hoje em dia, seria no Twitter. Um milhão de pessoas publica a palavra hashtag seguida do nome de quem está a apoiar, mas não é sempre a mesma pessoa a escrever. Tanto quanto sabemos, RIP_Hunter podia ser uma etiqueta que se popularizou entre as pessoas que estavam do «lado» do Hunter, digamos assim, o que significa que elas achavam que a Casey era culpada.

— Como podemos descobrir do que realmente se trata? — perguntou Laurie.

— Terias de verificar se se trata do tipo de site no qual os utilizadores têm de criar uma conta verificada, com um nome de utilizador único, ou se qualquer pessoa pode simplesmente assinar RIP_Hunter.

Laurie registou mentalmente que tinha de estudar melhor os aspetos tecnológicos daquelas publicações. Fazia figas para que a advogada de defesa tivesse feito o mesmo, no passado, o que agora a pouparia a afundar-se num pântano de dados informáticos, que por vezes tinha muita dificuldade em compreender.

— Não sei nada a esse respeito — respondeu Angela. — Mas tenho andado a partir a cabeça a tentar pensar em pessoas que pudessem querer magoar o Hunter. Imagino que a Casey não tenha mencionado algumas possibilidades. Uma delas era o ex-namorado dela, Jason Gardner. Ele era extremamente ciumento. Sempre pareceu que ele continuava apaixonado pela Casey e que tentava reconquistá-la, apesar de ela estar noiva do Hunter. Mas depois de ela ter sido condenada, ele tramou-a por completo. Até publicou um livro de mau gosto e escandaloso. Também deviam investigar a Gabrielle Lawson. Trata-se de uma socialite mais velha que estava decidida a agarrar um homem como o Hunter. Eles estavam os dois na gala, naquela noite. E ambos passaram pela nossa mesa. A minha preocupação é que o facto de a Casey avançar com isto mate a mãe dela, da mesma maneira que a ida a tribunal matou o pai.

Angela falava com tal intensidade que nem se apercebeu de que Laurie e Charlotte trocavam um olhar ansioso.

— Angela — disse Charlotte delicadamente —, talvez devêssemos deixar a Laurie apreciar a hora de pausa dela. Que sentirias tu se ela nos torrasse a paciência com o desfile que tanto nos esgotou?

Laurie não conhecia Charlotte há muito tempo, mas não era a primeira vez que a amiga parecia saber o que ela estava a pensar. Na verdade, Laurie adorava falar de trabalho, mas parecia-lhe desadequado estar a discutir assim a investigação em curso, num contexto tão informal, com um membro da família de Casey. A sempre profissional Charlotte tinha encontrado uma maneira educada de mudar de assunto.

— Oh, meu Deus, claro — respondeu Angela, envergonhada. — Estamos oficialmente fora de horas de expediente. Não se fala de trabalho.

Laurie sentiu-se grata por Charlotte a ter salvado.

— Não há problema nenhum — disse ela. — Se a deixar mais descansada, nós já temos o Jason e a Gabrielle na lista de pessoas a contactar, com base na revisão que fizemos do caso.

— Então — disse Angela, à procura de novo assunto —, a Laurie é casada ou faz parte do clube das raparigas solteiras, como nós? Não estou a ver aliança.

Charlotte colocou um braço amigo por cima do ombro de Laurie.

— Eu devia ter-te avisado que a minha amiga Angela costuma ser muito direta.

Laurie percebeu que Charlotte tinha ficado envergonhada, mas na verdade sentia-se reconfortada por a amiga ainda não ter falado do seu passado a Angela. Por vezes, achava que o assassínio de Greg era a primeira coisa que as pessoas descobriam a seu respeito.

— Eu também não sou casada — respondeu. Parecia-lhe uma explicação suficiente, para já.

— A Charlotte diz que eu não me devia preocupar tanto em encontrar um homem. Que devia ser feliz sozinha, et cetera, et cetera. Mas admito que me sinto só por ainda não ter encontrado o homem certo.

Charlotte revirou os olhos.

— Tu fazes com que os quarenta anos pareçam noventa. Para além disso, és mais atraente agora do que a maioria das mulheres pode esperar ser, independentemente da idade que tiver.

— Sim, é verdade que eu saio muito, mas não leva a nada — riu-se. — Já estive noiva duas vezes, mas, quando a data do casamento se aproximou, perguntei a mim própria se queria ver a cara do mesmo homem todas as manhãs.

— Isto não é animador? — disse Charlotte. — Além disso, a Laurie tem tanto para contar nesse domínio que nem dá conta do recado.

Angela mordeu o isco.

— Que se passa? Parece interessante.

— É uma pessoa com quem já trabalhei. É complicado.

— Achas mesmo que ele não vai mudar de ideias em relação a voltar para o programa? — perguntou Charlotte. — O programa não será o mesmo sem aquela voz perfeita. — Ela fez a sua melhor imitação de Alex, num tom de voz de barítono. — «Boa noite. Sou o Alex Buckley.»

— Não — disse Angela, boquiaberta. — O Alex Buckley? A sério? O advogado?

Agora Laurie desejava que estivessem antes a falar do caso. Anuiu.

— O apresentador do nosso programa. Pelo menos até agora.

Okay, admito que nunca vi o programa.

Charlotte fingiu dar uma palmadinha na amiga.

— A Laurie vai fazer um programa acerca da tua prima e tu ainda nem o viste?

— Tencionava vê-lo online este fim de semana. É claro que eu estava ansiosa por vê-lo no mês passado, quando fizeram a cobertura do caso da tua irmã, mas tu disseste-me que não querias que toda a gente no trabalho o visse, porque era demasiado pessoal, sobre a tua família.

— Bom, obviamente que isso não se aplicava a ti — disse Charlotte. — Tu és uma das minhas melhores amigas.

— A sério — disse Laurie. — Não precisa de se justificar.

Quando a mesa ficou em silêncio, Angela abanou a cabeça.

— Caramba, o Alex Buckley. Mas que mundo tão pequeno.

— Conhece-o? — perguntou Laurie.

— Agora já não. Mas saí com ele uma vez, há um milhão de anos.

Charlotte sacudiu a cabeça.

— E porque tinhas de lhe contar isso?

— Porque é uma coincidência engraçada. E foi há mais de quinze anos. É passado. — Colocou de parte aquele pensamento, reforçando-o com um gesto da mão.

Charlotte continuava a olhar para a amiga com uma expressão reprovadora.

— O quê? A Laurie não está chateada, pois não? Acredite em mim, isto não é assunto, tal como a história do Hunter.

— Espera. Tu também andaste com ele? — perguntou Charlotte, pensativa. — Com quem é que tu não andaste?

— Não é nada disso, Charlotte — disse Angela. — Tu não me conheceste naquela altura. Eu saía todas as noites. Conheci jogadores de basebol, atores, um jornalista do New York Times. E não comeces a pensar aquilo que estás a pensar. Era tudo muito inocente. Éramos todos muito jovens e atiravam-nos para situações sociais de grande visibilidade nas quais era suposto levarmos acompanhante. É como a Casey dizia hoje, Laurie, que sentia que conhecia toda a gente em Nova Iorque. Para mim era igual, quando tinha vinte anos. Num momento estávamos numa passadeira vermelha, a seguir éramos apenas um grupo de pessoas sozinhas, que se riam e portavam como miúdos. Era como se fôssemos um clube não oficial de cem nova-iorquinos populares a fazer companhia uns aos outros. Nada de comportamentos arriscados.

Ela sorriu com a recordação.

— Meu Deus, o mundo é mesmo pequeno. Agora que penso nisso, conheci o Alex numa vez que me juntei à Casey e aos Raleighs para um piquenique em Westchester. Na altura, estava descomprometida. O Alex era esperto e giro. Alguém me disse que ele trabalhava como advogado no escritório do anfitrião. Nós conversámos durante a maior parte da festa e eu tentei a sorte e telefonei-lhe para o escritório a convidá-lo para almoçar comigo. Quando nos encontrámos, percebi que ele nem sequer ainda era advogado. Estava a fazer um estágio de verão e ainda andava na faculdade de Direito. Eu era uns anos mais velha, o que nos dias de hoje não é nada de especial, mas na época senti-me como a Mrs. Robinson. É claro que, olhando para trás, foi um grande erro. Olhem no que ele se transformou!

Alguma coisa na expressão de Laurie fez com que Angela se calasse.

— Talvez eu deva guardar o meu passado para mim, mas juro que foi só um almoço. Peço imensa desculpa se a chateei, Laurie.

— De maneira nenhuma. É como disse, o mundo é pequeno. Mas, se conheceu o Alex num piquenique a que os Raleighs a levaram, isso significa que o Alex também conheceu os Raleighs?

Ela encolheu os ombros.

— Não tenho a certeza.

Charlotte fez sinal ao empregado de mesa para trazer mais uma rodada, mas Laurie declarou:

— Não bebo mais. Talvez ainda consiga ter tempo para cozinhar para o meu filho hoje.

— Tens a certeza? Vais perder o meu interrogatório à Angela acerca daquela longa lista de namorados dos anos noventa?

Laurie estava de facto intrigada em relação a algo que Angela tinha dito, mas havia apenas uma pessoa no passado dela que lhe despertava curiosidade.

Enviou um SMS a Alex.

«Tens um minuto?»