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A ponta da caneta Montblanc do general Raleigh pairava sobre o seu bloco A4, mas nessa tarde ele não era capaz de escrever uma única palavra. Estava a trabalhar nas suas memórias, já vendidas a uma grande editora. A caligrafia dele era tão impecável e ordenada — como todos os seus restantes atributos —, que Mary Jane não tinha dificuldade em ler o que ele escrevia e passar o texto para um ficheiro de computador. Habitualmente, as frases fluíam com facilidade. Tinha sido abençoado com uma vida excitante, desafiadora e recompensadora. Tinha visto o mundo a mudar e tinha muitas histórias para contar. Sabia que as outras pessoas agora o viam como um velho, mas ele não se sentia como tal.
Ele sabia porque estava a passar por um momento de bloqueio criativo. Estava a tentar escrever o capítulo acerca da perda do seu primogénito, Hunter. Tinha vivido tantas perdas na sua vida! O irmão mais velho, que também era o seu herói e melhor amigo, morto em combate numa idade tão prematura. Vira o amor da sua vida e mãe dos seus filhos a ser consumida pelo cancro. E, três anos mais tarde, Hunter — a quem ele dera o nome do seu irmão — fora-lhe roubado. Aquela morte tinha sido a mais terrível de todas. As guerras e a doença são pavorosas, mas fazem parte da vida. Perder um filho, ver um filho ser assassinado… por vezes, James ficava surpreendido por não ter morrido também, de desgosto.
Pousou a caneta na secretária, sabendo que não valia a pena tentar trabalhar naquele estado.
Os seus pensamentos divergiram subitamente para a recordação do mau humor de Andrew na biblioteca, nessa manhã. James sabia que tinha sido duro com o filho, mas o rapaz era uma enorme desilusão. «Tem cinquenta anos», pensou, «e eu ainda acho que é um miúdo. Isso diz tudo.»
James nem conseguia imaginar o que o Senador, que era como ele e o irmão se referiam ao pai, lhes teria feito se eles alguma vez se tivessem comportado de uma maneira tão mimada. Andrew não tinha qualquer noção de responsabilidade cívica. Encarava o dinheiro com a atitude mais banal e hedonista possível, como algo que se esbanjava por capricho, por pura diversão. As festas. As partidas. O saltar de colégio interno em colégio interno. O jogo. «Eu sou duro consigo, Andrew, porque me preocupo consigo. Não vou poder orientá-lo por muito mais tempo. Em breve, você será o último Raleigh vivo.»
Até à data, os esforços de James para arrastar Andrew até à maturidade tinham falhado, da mesma maneira que todos os empregos que lhe tinha arranjado. Tinha trabalhado na fundação, mas quase nunca aparecia lá. Por fim, James tinha-lhe dito que não se desse ao trabalho. Tinha insistido com Hunter para que ele se envolvesse no trabalho da fundação quando o filho começara a falar de dirigir a sua carreira para a política. Não tinha corrido bem, pelo que atualmente a fundação era dirigida primordialmente por funcionários assalariados, em vez da sua família.
Não era para ter sido assim. Se Hunter não tivesse morrido, teria acabado por escolher uma esposa adequada e teria dado continuidade ao nome da família. Ele podia ter pedido Casey em casamento e ter-lhe colocado um anel no dedo, mas nunca iria subir com ela ao altar. Disso, James tinha a certeza.
Por muito negligente que Andrew fosse na sua escolha de acompanhantes, pelo menos nunca tinha envergonhado a família a esse respeito. O mesmo não podia ele dizer em relação a Hunter. Casey tinha sido o seu calcanhar de Aquiles. A tensão arterial de James começou a subir quando se lembrou da noite em que ela tinha começado a manifestar as suas opções políticas aberrantes à mesa do jantar, à frente de um procurador-adjunto e de uma congressista recém-eleita. Como se ela tivesse feito alguma coisa na sua jovem e despreocupada vida que lhe conferisse uma opinião informada. Ele vira-se forçado a ter de pedir a Hunter que a levasse para casa. Aquela mulher não sabia comportar-se, era tão simples quanto isso.
Apercebeu-se de que tinha a caneta novamente na mão. Olhou para o bloco. Tinha escrito: «Eu sou responsável.»
Não era a primeira vez que aquelas palavras lhe ocorriam quando menos esperava. «Fui eu quem lhe disse que ele não podia permitir que aquela mulher entrasse para a nossa família», pensou. «Cheguei ao ponto de lhe dizer que, se tivesse filhos dela, estava proibido de lhes chamar Hunter.
Servi nas Forças Armadas ao longo de quarenta e quatro anos. Vi o mal e enfrentei muitas formas de perigo. Mas nunca o vi sentado à minha mesa de refeições. Nunca imaginei que estivesse a pôr o meu filho em perigo ao esperar que ele acabasse o relacionamento com uma mulher que não o merecia.
Eu sou responsável.»
Agora aquela assassina tencionava chorar à frente das câmaras para conquistar a compaixão das pessoas. Ele não podia permitir que isso acontecesse. Nem que ele tivesse de lutar até ao seu último sopro de vida, o mundo havia de ver quem ela realmente era, uma assassina cruel.
Dissera a Andrew que o seu papel se limitaria a fazer cara feia ao programa, mas na sua vida militar aprendera que um planeamento prévio impede um desempenho insuficiente. Andrew desempenharia o seu papel, ao expor a sociopata volúvel que Casey era, mas os esforços de James permaneceriam escondidos nos bastidores.
Pelo menos, Mark Templeton não iria dizer uma palavra a ninguém acerca de Hunter ou da fundação. James certificara-se disso mesmo quando falara com ele há algumas horas, depois de ter passado quase uma década sem o fazer.