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A conversa, que anteriormente fluía com naturalidade, tornou-se pesada e desconfortável na presença de Ryan.

— Não tinha percebido que ia juntar-se a nós.

— Enviou-me um email com a hora da reunião. Porque não havia de vir?

Laurie não tinha enviado aquela mensagem como um convite a que ele estivesse presente, muito menos como uma diretiva nesse sentido. Na perspetiva de ser simpática para com o novo menino no recreio, tinha-o notificado de que iria reunir nessa tarde com Jerry e Grace, com vista a definir o calendário de produção.

— O Alex não costumava envolver-se até nós termos todas as testemunhas definidas e preparadas para as filmagens — disse-lhe ela. — E depois disso, então, é que começávamos a planificar os interrogatórios.

Ryan respondeu abruptamente:

— Laurie, eu acho que me sentiria mais confortável se estivesse por dentro desde o início. Foi isso que combinei com o Brett.

Jerry e Grace trocavam olhares furtivos apreensivos, como dois irmãos que estão a assistir a uma discussão dos pais. Eles sabiam que Ryan fazia de Brett o que queria e Laurie não podia reclamar por ele se envolver. Eles também sabiam muito bem que Laurie se tinha habituado a usar Alex como a sua caixa de ressonância de confiança.

Sem ver outra alternativa, Laurie fez sinal a Ryan para que ele se sentasse.

— Estávamos agora mesmo a verificar os contratos de participação das pessoas que queremos que entreviste.

Ela pô-lo a par da lista de nomes que tinham compilado até ao momento.

— Isto não é grande coisa — comentou ele, com desdém. — Era bom termos alguns amigos deles para ficarmos com uma ideia de como a Casey e o Hunter funcionavam juntos.

— Nós já tínhamos pensado nisso — disse Laurie. — Mas todos os amigos da Casey lhe viraram as costas quando ela foi presa e os do Hunter têm, obviamente, uma opinião enviesada dela.

— Quem é que diz que é enviesada? — perguntou ele. — Se calhar, ela é mesmo horrível como eles dizem.

Jerry pigarreou, para reduzir a tensão.

— E o tipo com quem a Angela andava?

— Sean Murray — recordou-lhe Laurie. — Ele telefonou ontem e não se quer envolver. É casado e tem três filhos. Disse-me que nenhuma mulher quer ser lembrada de que o marido já esteve com outras pessoas, especialmente se for alguém com o aspeto da Angela. Ele perguntou-me se ela ainda era linda.

— Dolorosamente — respondeu Grace. — É um bocado difícil não a odiar.

— O Sean disse que, de qualquer maneira, não tinha nada que pudesse acrescentar. Ele estava fora na noite da gala da fundação e já não via a Casey e o Hunter há pelo menos duas semanas. Tudo o que podia dizer era que eles pareciam muito apaixonados. Confirmou que ambos gostavam de discutir temas de interesse comum e que não se tratava de rixas. Mas disse que, depois de ela ter sido presa, lia as notícias e ficava a pensar se haveria um lado mais sombrio na relação dos dois de que ele não se tivesse apercebido.

Ryan ergueu o sobrolho.

— Parece ser um homem inteligente. Como estamos em relação a suspeitos alternativos?

Jerry já tinha uma resposta a postos.

— Eu tenho estado a investigar os nomes que me deste, Laurie — disse ele. Enfatizou o nome dela numa tentativa de lhe devolver o controlo da reunião. — Consegui falar com a socialite Gabrielle Lawson ao telefone e marquei-te um encontro com ela, para hoje, às três da tarde.

Grace interrompeu-o.

— Peço desculpa, mas o que raio é uma socialite? Eu sou secretária, o Jerry é assistente de produção e aqui o Ryan é um advogado dos bons. O que faz com que uma pessoa seja socialite?

Laurie sorriu.

— No caso da Gabrielle Lawson, eu diria que se trata geralmente de alguém proveniente de uma família proeminente e que gosta de andar em passadeiras vermelhas e ver o seu nome em colunas de mexericos.

Quando Grace ficou satisfeita com a resposta, Jerry prosseguiu.

— Na véspera da morte do Hunter, uma coluna de mexericos intitulada «Falatório» publicou uma fotografia da Gabrielle aparentemente muito íntima de Hunter numa angariação de fundos para os Boys & Girls Clubs. — Jerry entregou a Laurie uma impressão da fotografia em questão. Gabrielle fitava Hunter com um olhar de adoração. — Talvez não se trate de uma coincidência que a jornalista fosse a Mindy Sampson, a blogger que tem publicado notícias frequentes sobre a Casey desde que ela foi libertada. Quando ainda era colunista de jornal, a Mindy praticamente perseguia o Hunter, alegando que ele tinha voltado ao seu comportamento de playboy e que estava na iminência de romper o noivado com a Casey, porque andava embeiçado com a Gabrielle, que não escondia o seu interesse nele.

Passados quinze anos, as publicações constantes de Mindy no seu blogue eram o motivo que levava Brett a apressá-los com a produção.

— Também encontrei este artigo da «Sussurros» que saiu na semana anterior — acrescentou Jerry.

— Eu adorava essa coluna! — exclamou Grace. — Eles publicavam rumores sobre mexericos empolgantes, sem referir nomes.

Laurie leu em voz alta o artigo que Jerry tinha destacado com marcadores fluorescentes.

— «Qual dos homens mais cobiçados da cidade poderá estar novamente em vias de integrar o clube dos solteiros, em vez de subir ao altar?» E nós achamos que podia ser o Hunter? — perguntou ela.

— A imprensa achava que sim, depois de a Casey ter sido presa — respondeu Jerry. — Isso, a juntar à fotografia do Hunter com a Gabrielle, sugere que nem tudo estava bem no paraíso.

Em relação à Gabrielle Lawson, Laurie suspeitava do que ela iria dizer quando fosse entrevistada para o programa.

— A Gabrielle foi ouvida no julgamento da Casey. Segundo ela, o Hunter namoriscou com ela naquela angariação de fundos. As palavras dela foram: «ele não se comportou como um homem comprometido». Na gala, ela aproximou-se da mesa deles, abraçou-o e beijou-o. A acusação usou esse facto como mais uma prova que indiciava que o Hunter estaria prestes a romper o noivado com a Casey.

Laurie percebeu, na expressão ávida de Jerry, que havia mais para contar.

— Mas hoje nós sabemos que há mais coisas do que aquilo que a advogada de defesa da Casey sabia, há quinze anos. A Gabrielle Lawson foi casada e divorciou-se três vezes, pelo meio teve romances altamente mediáticos, cuja cobertura ela cede sempre à imprensa, quer sejam reais ou imaginários. Muitos dos seus avanços em relação a homens ricos e poderosos têm sido recusados. Uma das paixonetas dela, o realizador de cinema Hans Lindholm, até pediu uma providência cautelar.

Laurie, Grace e Ryan murmuraram as vagas memórias que tinham daquele escândalo passageiro, mas Jerry tinha pormenores.

— Segundo consta na petição do Lindholm, ele conheceu a Gabrielle de passagem, no Tribeca Film Festival, e depois disso ela começou a aparecer inesperadamente noutros eventos públicos nos quais ele participava. Ele alega que ela até telefonou a uma colunista da imprensa cor-de-rosa e lhe garantiu que os dois estavam à procura de um apartamento para comprarem juntos.

— Quem era essa colunista cor-de-rosa? — perguntou Laurie, de sobrolho arqueado.

— A inimitável Mindy Sampson. É claro que não há maneira de provar que a Gabrielle tenha sido a fonte da Mindy, mas o tribunal emitiu a dita providência cautelar.

Grace franziu a testa.

— Ela parece saída da Atração Fatal. Se calhar decidiu que, se ela não podia ter o Hunter, mais ninguém podia. Matou o Hunter e culpou a Casey pelo sucedido.

— Reparem que até a Grace está a começar a ver o outro lado desta história — comentou Laurie. — Como sabem, eu vou estar com a Gabrielle esta tarde. E eu própria também tenho andado a investigar o Jason Gardner. É o ex-namorado da Casey — disse a Ryan. — Era bancário e estava na mesa do patrão, na gala da Fundação Raleigh.

— Parece-me mais um potencial perseguidor — acrescentou Grace.

— Ryan — explicou Jerry —, a Grace é a nossa «conclusões precipitadas» residente.

— Dito de outra maneira — corrigiu Grace, num tom desafiador —, eu sou a pessoa com bons instintos acerca das pessoas. E comecei por estar certa de que a Casey era absolutamente culpada.

— Junta-te à equipa — ripostou Ryan.

— Mas agora abri os olhos — declarou Grace — e o Jason tornou-se o meu principal suspeito. Pensem bem. A vossa «ex» acaba de ficar noiva do Senhor Importante. A vossa grande empresa compra uma mesa obrigatória na gala, na qual o Hunter Raleigh deverá ser o centro das atenções. Uma pessoa normal preferiria estar em qualquer outro lugar da cidade de Nova Iorque, sem ser naquele salão. Em vez disso, o Jason aparece. Estou a dizer-vos: o homem tinha ciúmes.

— A tua suspeita pode ser válida — concordou Laurie. — Tanto a Angela como a Casey alegam que o Jason tentou reconquistá-la, mesmo depois de o noivado ter sido anunciado. E, à semelhança da Gabrielle, o Jason também tem vindo a acumular esqueletos no armário desde que a Casey foi condenada por homicídio. Primeiro chamou as atenções quando escreveu aquele livro escandaloso imediatamente a seguir a ela ter sido condenada. Desde então já se divorciou duas vezes. Ambas as ex-mulheres se queixaram à polícia de que ele passava às portas delas de automóvel mesmo depois de ter saído de casa. Ele chegou a confrontar o novo namorado da segunda ex-mulher num restaurante. Ela alegou que ele tinha problemas com o abuso de substâncias.

Ryan ergueu a mão para interromper.

— Eu não sei como é que vocês vão conseguir que alguma dessas pessoas fale comigo diante das câmaras.

Laurie teve a impressão de ver Grace e Jerry encolherem-se quando ele usou o pronome comigo. Ficou aliviada quando Jerry disse:

— A Laurie consegue ser muito persuasiva. Quem está inocente ajuda-nos, porque confia em nós. Os que não estão assim tão inocentes fingem confiar, porque têm medo de parecer culpados.

Laurie não teria dito melhor.

— Se conseguirmos contar com a Gabrielle e o Jason, já devemos ter o suficiente para arrancar com a produção. Se tivermos mais pistas, podemos sempre fazer uma segunda ronda de entrevistas.

— Parece-me um bom plano — comentou Ryan.

«É o nosso plano», pensou ela, «não o teu.»

Jerry arrumou a caneta na espiral do seu caderno.

— É uma pena não sabermos mais acerca deste assunto das finanças da fundação.

— Porquê? — perguntou Ryan.

— Porque a Casey disse-nos que suspeitava do Mark Templeton. Ele deixou a fundação envolvido numa nuvem de suspeita. Ela disse que achava que o Hunter estava a planear pedir uma auditoria à contabilidade da fundação.

— De acordo com o que saiu nas notícias naquela época — explicou Laurie —, os passivos da fundação tinham caído a pique.

— Isso é muito interessante — disse Ryan, num tom pensativo, mas não se explicou. — Muito interessante. — Ele não partilhou qualquer inferência que tivesse deduzido daquela informação. O homem era completamente inútil.

— Tenho de me despachar — anunciou Laurie. — O meu encontro com a Gabrielle é daqui a meia hora e o apartamento dela fica perto de Gramercy Park.

Ficou surpreendida quando encontrou Ryan à sua espera, minutos depois, do lado de fora dos elevadores.

— Eu disse ao Brett que ia acompanhá-la nas entrevistas para o programa. Está à espera de automóvel ou quer que eu chame o meu motorista?