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Para um homem que já tinha participado em vários julgamentos complexos com júri, Ryan parecia um pouco nervoso. Os olhos dele oscilavam entre o porteiro, a porta da frente e o elevador, quando o porteiro telefonou para o apartamento de Gabrielle Lawson, a anunciar a chegada deles.

— De certeza que esta não é a primeira vez que fala com uma potencial testemunha — sussurrou Laurie.

— Claro que não, mas habitualmente a pessoa está presa ou acompanhada pelo seu advogado.

O porteiro anunciou que a senhora Lawson iria recebê-los.

— Último andar — disse-lhes.

Gabrielle Lawson era uma daquelas mulheres que podia perfeitamente passar por ter qualquer idade entre os quarenta e os sessenta anos, mas Laurie sabia que ela tinha cinquenta e dois, a mesma idade que Hunter Raleigh teria se fosse vivo. Envergava um fato branco elegante, adornado por joias de ouro que revelavam bom gosto, e tinha o cabelo ruivo preso num impecável carrapito, no alto da cabeça. Não estava muito diferente do que era há quinze anos, quando a coluna de jornal «Falatório» publicara uma fotografia em que ela olhava apaixonadamente para Hunter Raleigh.

Passados quinze minutos de conversa, Laurie só tinha conseguido estabelecer contacto visual com Gabrielle duas vezes. A mulher estava completamente arrebatada por Ryan, que tinha menos vinte anos do que ela. Com base em tudo o que tinha lido sobre ela, Laurie sabia que ela se focava, de forma intensa, em atrair a atenção de homens bem-sucedidos e de preferência atraentes. Ryan preenchia os dois critérios.

Gabrielle ignorou a pergunta de Laurie em relação a quando cumprimentara Hunter na gala da Fundação Raleigh e, em alternativa, lançou-se no seu próprio interrogatório a Ryan.

— Como é que passou de comentador televisivo a produtor? — perguntou-lhe.

— Na verdade, eu não sou…

— Um mero produtor — disse Laurie, interrompendo a correção de Ryan. — Ele também é a nova estrela do programa. É ele que vai trabalhar, do princípio até ao fim, com todos os nossos participantes. Na verdade, ele é a alma do Sob Suspeita.

Laurie imaginava que ser a alma de um programa de televisão de cariz noticioso não tinha exatamente o mesmo apelo do realizador de cinema galardoado que Gabrielle tinha perseguido, mas já era capaz de chegar para ela se embeiçar por Ryan.

Ela esperou que Ryan pegasse naquela dica e usasse aquela dinâmica evidente a favor deles, mas em vez disso ele perguntou a Gabrielle se ela confirmava que se tinha casado e divorciado três vezes.

— Não vejo motivo para nos determos nisso — respondeu ela, calmamente.

— Penso que aquilo que o Ryan queria mesmo saber era se a senhora foi cumprimentar o Hunter na noite da gala da fundação. — Era a pergunta que ela já lhe tinha feito antes, mas Gabrielle pareceu ouvi-la pela primeira vez, agora que era atribuída a Ryan.

— Vejamos… se eu falei com o Hunter naquela noite? Bom, claro que sim. A páginas tantas.

Laurie sublinhou que a advogada de defesa de Casey tinha perguntado a todas as testemunhas da acusação se tinham visto Hunter e Gabrielle juntos. Ninguém vira, à exceção de um breve instante em que Gabrielle se tinha dirigido a Hunter, junto da mesa da família dele, e o tinha abraçado com entusiasmo. Tratava-se de um argumento subtil, destinado a minar a alegação da acusação de que Casey teria matado Hunter porque ele tencionava terminar o noivado de ambos para ficar com Gabrielle.

A defesa de Casey nunca argumentara que Gabrielle podia ter usado aquele momento para colocar uma droga no copo de Casey.

— Nós estávamos a ser discretos — disse Gabrielle, com recato. — O Hunter ainda não tinha dado a notícia à Casey. Ele era um homem muito digno. Nunca iria envergonhar nenhum de nós. Ia acabar com tudo discretamente, depois nós viríamos a público, após um período respeitável de tempo.

— Parece-me razoável — respondeu Laurie, apesar de não acreditar numa única palavra. — Mas tendo em conta que estavam a manter a discrição, como é que a Mindy Sampson conseguiu obter uma fotografia de vocês os dois na angariação de fundos para os Boys & Girls Clubs?

Gabrielle sorriu com um ar matreiro, como se elas fossem duas amigas a bisbilhotar.

— Bom, sabe como é. Às vezes, estas questões precisam de um empurrãozinho. Eu nunca imaginei que aquela fotografia levasse à morte do Hunter ou não o teria feito.

— Portanto, admite que deu a fotografia à Mindy — afirmou Ryan, como se estivesse a apanhar uma testemunha num contrainterrogatório.

Laurie conseguiu conter-se e não se encolher. A afirmação dele era demasiado arrojada e assertiva. Alex nunca cometeria um erro daqueles. É claro que Gabrielle negou imediatamente a acusação.

— Credo, não. Vi um fotógrafo a aproximar-se e inclinei-me para ele, para a fotografia. Mas foi só isso.

Laurie tentou imediatamente recuperar alguma ligação com Gabrielle.

— Então e a Casey? Ouvi dizer que ela estava num estado miserável naquela gala.

— Desleixada não chegaria para descrever o estado dela naquela noite — lançou Gabrielle. — Ela estava visivelmente embriagada, a arrastar a fala e quase a cair. Foi embaraçoso. Vi que o Hunter estava muito incomodado.

— Tão incomodado como o Hans Lindholm quando pediu aquela medida de providência cautelar? — perguntou Ryan num tom trocista.

Gabrielle cravou os olhos em Ryan.

— O senhor é uma gracinha, mas a sua mãe devia tê-lo educado melhor, senhor Nichols.

Laurie pediu-lhe desculpa exaustivamente e dirigiu-lhe um sorriso caloroso.

— O Ryan é advogado de formação — explicou. — As faculdades de Direito não investem muito tempo a ensinar etiqueta.

Gabrielle riu-se.

— Isso estou eu a ver.

— O nosso programa é visto por milhões de pessoas. Estaria disposta a partilhar as suas observações com os nossos espectadores? — perguntou Laurie.

Gabrielle hesitou e lançou um olhar cético a Ryan.

— Seria essencial, como contraponto às alegações de inocência da Casey — insistiu Laurie. — Nós queremos ter a certeza de que ouvimos as versões das duas mulheres na vida do Hunter, no nosso programa.

O rosto de Gabrielle iluminou-se com aquela descrição.

— Com certeza — respondeu. — Eu devo-lhe isso. Foi por causa disso que os meus outros casamentos nunca resultaram. Eu nunca consegui substituir o meu Hunter.

Gabrielle ainda estava a sorrir quando assinou o nome na linha pontilhada.

Quando se dirigiu para o elevador, Laurie deu por si a desejar que Alex estivesse ali. Por muito que lhe desagradasse a presença de Ryan, frequentemente pedira a Alex que a acompanhasse nestas entrevistas preliminares. Se tivesse sido ele a acompanhá-la, estariam os dois a partilhar as suas opiniões imediatamente. Como não tinha qualquer interesse em ouvir aquilo que Ryan estava a pensar, reviu os seus próprios pensamentos.

Acreditava na descrição de Gabrielle em relação ao estado alterado de Casey, mas isso era consistente com a hipótese de ter sido drogada involuntariamente. Contudo, ela não acreditava que Gabrielle tivesse uma relação próxima com Hunter. Tinha a certeza de que Gabrielle tinha conspirado com Mindy Sampson para que a fotografia dela e de Hunter aparecesse no jornal. Mas estaria ela obcecada ao ponto de matar Hunter? Laurie não fazia ideia.

Mal as portas do elevador se fecharam, Ryan atacou-a.

— Nunca mais peça desculpas em meu nome a alguém, nem faça piadas à minha custa. Eu sou bom naquilo que faço.

— O Ryan é que devia ter pedido desculpas, inclusive a mim. Você até poderá ser um bom advogado no tribunal, mas atualmente escolheu uma profissão na qual demonstra pouco interesse em aprender. Ia dando cabo desta entrevista — ripostou Laurie.

— Você chama àquilo uma entrevista? Mais parecia uma conversa de circunstância.

— A Gabrielle concordou em deixar-se filmar, o que, há uma hora atrás, você disse que seria impossível. Nós não somos representantes do estado. Não temos o poder de fazer convocatórias judiciais. Conseguimos as testemunhas por sermos simpáticos e calorosos e não sarcásticos e hostis. As perguntas difíceis fazem-se depois, quando estamos a filmar.

— Por favor. Aquela mulher não sabe nada de relevante. O Hunter Raleigh foi morto pela Casey Carter. Ponto final parágrafo.

Laurie levava-lhe uma dianteira de três passos enquanto atravessava o átrio e entrava para o banco de trás do automóvel.

— Você tem muito para aprender e ainda nem sequer sabe disso. Se estragar este caso, eu não quero saber quantos elementos da sua família conhecem o Brett, não volto a trabalhar consigo. E agora vou levar o seu automóvel para a minha próxima entrevista.

Bateu a porta de trás do veículo e deixou Ryan especado, sozinho, no passeio. Ainda sentia o rosto corado quando deu ao motorista a única morada que tinha de Jason Gardner.