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Nessa noite, à hora do jantar, o aroma a manteiga, tomilho e frango magnificamente assado perfumava o apartamento de Laurie.
— Mas que delícia, pai!
Leo tinha agendado um encontro de amigos, com alguns colegas seus da polícia, na Gallagher’s Steakhouse. Para surpresa de Laurie, quando ela chegou a casa, o pai tinha o jantar a aquecer no forno. A noite de homens tinha sido cancelada, porque dois dos amigos de Leo, que ainda se encontravam ao serviço, tinham sido chamados a Times Square, na sequência de uma denúncia de que estava ali uma carrinha abandonada com uma embalagem suspeita. Duas horas depois, a polícia de Nova Iorque confirmava que se tinha tratado de um falso alarme. O condutor da carrinha tinha deixado o motor a trabalhar, inadvertidamente, enquanto subia ao apartamento da irmã para oferecer um brinquedo à sobrinha, e tinha-se demorado na visita à família. A cidade estava em segurança, e Laurie comeu uma refeição caseira deliciosa.
Timmy estava ansiosamente a repetir os relatos que Leo tinha recebido no seu telemóvel ao início da noite.
— Mãe, eles evacuaram três quarteirões, no meio de Times Square! Tinham lá viaturas das forças de intervenção e cães que detetam bombas. E o avô sabia de tudo antes de aparecer nas notícias.
Leo estendeu a mão para dar uma palmadinha no ombro de Timmy, mas parecia melancólico.
Quando Timmy pediu para sair da mesa, Laurie perguntou ao pai:
— Sentes falta disto? Do trabalho? De estar no centro da ação?
Provavelmente já lhe tinha feito aquela pergunta cem vezes ao longo dos últimos seis anos. A resposta dele consistia sempre numa variação do seu discurso habitual de que o melhor trabalho que alguma vez tinha tido fora ajudar a criar o neto. Mas, naquela noite, ele foi completamente honesto.
— Às vezes, sinto. Lembro-me daquele dia terrível, em 2001. Todos nós sabíamos que o mundo estava a mudar de maneiras inimagináveis, mas eu senti que estava a ajudar. Hoje, assei um frango. É uma vida mais pacata.
Ela não sabia o que dizer, por isso ficou em silêncio e beijou-o na bochecha, antes de levantar a mesa.
Não ficou surpreendida quando Leo a seguiu até à cozinha e lhe perguntou como estava a correr a produção do programa. Ela teve dificuldade em explicar os seus sentimentos ambivalentes. Por um lado, tinha tido a sorte de juntar tantas peças de forma tão rápida.
Em teoria, Gabrielle e Jason eram ambos suspeitos alternativos credíveis. Ela lera nos relatórios da polícia que ambos disseram que tinham ido sozinhos para casa no fim da gala, o que significava que qualquer um deles podia ter ido até ao Connecticut e matado Hunter. Mas ela ainda não tinha provas consistentes que apontassem para um outro homicida que não fosse Casey.
— Não sei, pai. Se calhar tinhas razão. Afinal, sou capaz de não ter nada a acrescentar à investigação inicial.
Ele encostou-se à bancada da cozinha e cruzou os braços. Ao vê-lo assim, ela lembrou-se do pai a dirigir uma reunião de polícias na esquadra, imediatamente antes da chamada, num dos dias de levar os filhos para o trabalho. Não podia acreditar que desde então tinha passado um quarto de século.
— Escuta — disse ele —, eu acho que o sistema funciona noventa e nove vírgula nove por cento das vezes, o que significa que, sim, acho que há poucas probabilidades de esta mulher ser inocente. Mas eu também sou teu pai e, por isso, no fim de tudo, estou do teu lado. A cada programa que produzes, ficas assoberbada com a quantidade de histórias que pairam à volta dos casos. Consegues sempre transformá-las num programa arrebatador. Até agora, já conseguiste que se fizesse muitas vezes justiça. Lembra-te que o teu principal objetivo é conseguir transmitir uma emissão televisiva justa e de qualidade. Deixa que sejam os espectadores a decidir o que eles pensam da Casey.
Era um bom conselho, mas o desejo de descobrir a verdade apoderava-se sempre dela.
— Talvez eu devesse ter ido antes para a polícia.
— Eras rebelde de mais — disse ele, piscando-lhe o olho. — Além disso, o próximo elemento da família a usar um distintivo vai ser o Timmy. Fica atenta. Já falaste dessas personagens com o Alex? Podes sempre aferir as tuas impressões pelas reações dele.
— Fazia, no passado — retorquiu ela, enfatizando aquela última palavra involuntariamente. — Agora que ele já não trabalha para o estúdio, tenho dúvidas se devo incomodá-lo com conversas de trabalho.
Leo abanou a cabeça.
— Quando é que vais aceitar que nada que tu lhe peças o incomoda? O Alex gosta de ti. Se o deixares, tenho a certeza de que ele tem todo o gosto em ouvir-te.
«O Alex gosta de ti», pensou ela. «Se o deixares…» Aquelas palavras ecoaram na sua cabeça e, de repente, sem mais nem menos, ela começou a chorar.
O pai agarrou-a imediatamente pelos ombros.
— Laurie, querida, que se passa?
— Eu tenho tentado, pai. Não fazes ideia de como tenho tentado.
O pai estava abraçado a ela e dizia-lhe que ia correr tudo bem, mas, de repente, uma onda de emoções invadiu-a. A noite em que Alex lhe disse que ia deixar o programa. O momento em que Brett lhe anunciou que ia contratar o sobrinho do seu melhor amigo. O desgaste dos últimos dias, a trabalhar de manhã até à noite. E, de repente, aquela sensação no estômago de que Alex estava a mentir-lhe.
— Quando tentei falar com o Alex acerca do caso, em casa dele, ele pareceu-me desconfortável. Eu pensei que eram as minhas queixas em relação ao Ryan que estavam a fazê-lo sentir-se culpado. Mas afinal ele conheceu a prima da Casey, a Angela… — As palavras saíam-lhe disparadas. — E conheceu o Hunter e a família dele num piquenique de uma firma de advogados. E quando eu o questionei a esse respeito na segunda-feira, ele foi… evasivo. Eu percebi que ele me estava a esconder alguma coisa.
— Queres que lhe telefone? Que tenha uma conversa de homem para homem com ele?
Ela riu-se e enxugou as lágrimas do rosto.
— Quantas vezes tenho de te dizer que as mulheres adultas não podem deixar que sejam os pais a resolver os seus problemas?
— Mas isto não devia ser um problema, Laurie. Nós conhecemos o Alex. Ele é um homem bom e honesto.
— Eu sei. Mas foste tu que me ensinaste a confiar sempre nos meus instintos. E eu estou-te a dizer que há algum motivo para o Alex não querer que eu fale com ele acerca deste caso. Ele está a esconder alguma coisa.
O pai dela estava prestes a sair novamente em defesa de Alex, quando Timmy irrompeu pela divisão. Tinha o iPad estendido nas mãos, que ainda eram pequenas ao ponto de ele precisar de ambas para segurar o tablet.
— Olha, mãe, tenho uma coisa para ti.
Da última vez que o filho lhe tinha passado o iPad tinha-a deixado viciada num jogo no qual plantas lutavam contra zombies. Naquele momento, ela não podia dar-se ao luxo de se distrair dessa maneira.
— Acho que não tenho tempo livre para começar um jogo novo, Timmy.
— Não é um jogo — insistiu ele. — Eu criei um alerta no Google com o teu nome e tenho um resultado novo. Uma blogger chamada Mindy Sampson escreveu tudo o que vai acontecer no teu próximo programa.