35
A mãe de Casey andava às voltas pela sala de estar. Por vezes, Casey perguntava-se se a mãe dispunha a mobília a pensar naquelas caminhadas.
— Eu sabia — bufou Paula, entre dentes. — Casey, tu foste mexer num ninho de vespas, quando falaste com aquela senhora da televisão. Não saíste da prisão há duas semanas e já estás outra vez nas notícias todas.
Casey estava sentada, de pernas cruzadas, à frente da prima Angela e da sua amiga Charlotte. Angela estava na cidade com Charlotte quando Casey lhe telefonou, em pânico, por causa do último artigo de Mindy Sampson. Charlotte tinha insistido em levar Angela de automóvel até ao Connecticut. Agora que ali estava, parecia ter vontade de se encolher e transformar-se numa partícula de pó invisível no sofá, para fugir ao olhar crítico de Paula.
«Ainda bem que a minha mãe não joga», pensou Casey. «As expressões dela são tão transparentes que já não teria um teto para se abrigar.» A mãe não confiava em Laurie Moran, o que implicava que também não confiava na sua amiga Charlotte.
— Como é que tu sabes se podes confiar naquela produtora, Casey? — protestou a mãe. — Ela não quer saber de ti. Só lhe interessam as audiências. É um conflito de interesses. Provavelmente é ela que está a enviar estes boatos para a imprensa sensacionalista, para gerar burburinho.
— Nós não sabemos isso, mãe.
Paula parou abruptamente.
— Cala-te, Casey! — Casey não se lembrava de a mãe alguma vez lhe ter dirigido aquelas palavras. — Que se passa contigo? Parece que és viciada em drama. Trazes este género de caos para a tua vida e não ouves mais ninguém. Foi assim que começaste por te meter nesta alhada!
A sala ficou em silêncio e Casey cravou o olhar na mãe.
— Vá, mãe. Diz. Tu achas que fui eu. Sempre achaste.
A mãe abanou a cabeça, mas não fez nada para desmentir aquela alegação.
Angela pegou na mão da tia.
— Isto é muita coisa — disse, com ternura. — É tarde e vocês estão as duas nervosas. Porque não dormem sobre o assunto e amanhã voltam a falar?
— Para que havemos de dar-nos a esse trabalho? — Paula lançou as mãos para o ar, em desespero. — Ela vai acabar por fazer o que lhe der na gana.
Casey não impediu Paula de ir para o seu quarto. Quando a porta se fechou e a mãe já não a podia ouvir, ela sentiu um peso sair de cima dos seus ombros e permitiu-se refastelar-se na sua cadeira.
— Não sei quanto tempo mais vou conseguir tolerar isto. Uma de nós vai acabar morta.
— Tu não digas isso nem a brincar — disse Charlotte.
Casey teve vontade de dizer à amiga de Angela para se meter na sua vida, mas deteve-se. Para além de Laurie Moran, Charlotte tinha sido a única pessoa na vida dela a tratá-la com gentileza, desde que fora libertada. «E eu para aqui com ressentimentos por ela estar aqui», pensou ela. «Fui sempre assim tão má? Ou foi a prisão que me fez ficar assim?»
— Vocês não sabem como isto é — lamentou-se, reservando a amargura para a mãe. — Os meus pais apoiaram-me, mas eles nunca acreditaram que eu fui incriminada. Sabem que ela vai à igreja rezar por mim? E está constantemente a dizer-me que já paguei a minha dívida à sociedade, como se eu tivesse alguma dívida a pagar. Juro que às vezes desejo voltar para a minha cela.
Angela assumiu um tom de voz sereno quando voltou a falar.
— Não me leves a mal por eu te dizer isto, Casey, mas ela é capaz de ter razão. Por atiçares o ninho de vespas, por assim dizer. O RIP_Hunter anda a publicar comentários horríveis a teu respeito. E, de alguma maneira, o Falatório teve acesso aos teus planos para o programa…
— Não foi a Laurie — disse Charlotte, num impulso.
— Quer tenha sido a Laurie ou não, isso não interessa — disse Angela. — O que eu quero dizer é que tu quiseste participar neste programa para limpares o teu nome e agora se calhar estás a sofrer retaliações. Eu achava que o Jason ou a Gabrielle podiam ser suspeitos alternativos, mas sem provas novas eles só vão repetir as coisas horríveis que disseram a teu respeito em tribunal. Queres mesmo que todas as coisas negativas do teu passado te sejam atiradas outra vez à cara, à frente das câmaras?
— Que estás a querer dizer? — perguntou Casey.
— Que talvez devesses repensar tudo isto, Casey. Que a tua mãe é capaz de ter razão.
— Que eu sou culpada? — Casey ouvia a raiva na sua própria voz. Sentia o olhar de Charlotte a penetrá-la.
— Não — respondeu Angela, com ternura. — Que devias passar despercebida durante uns tempos. Dar tempo a ti mesma para te estabeleceres numa vida nova.
— De maneira nenhuma — ripostou Casey. — Eu sei que tu estás a cuidar de mim, mas não entendes. Eu não estou a fazer isto para limpar o meu nome. Isto é pelo Hunter. Eu devo-lhe isto.
— Não te podes culpar…
— Mas culpo. Tu não percebes? Alguém me drogou e matou-o. Mas se eu não tivesse bebido naquela noite, nós teríamos percebido muito mais cedo que alguma coisa estava tremendamente errada. Teríamos saído da gala e ido às urgências de um hospital. Eu não teria desmaiado. Ele não estaria em casa. Mas, em vez disso, eu achei que talvez tivesse bebido um pouco de vinho a mais. Se não fosse eu, ele ainda estaria vivo.
Angela abraçou Casey quando ela começou a chorar convulsivamente. Quando recuperou a capacidade de falar, Casey olhou diretamente para Charlotte Pierce.
— Charlotte, diz-me tu. Posso confiar na Laurie Moran?
Charlotte respondeu imediatamente:
— Inequivocamente.
— Então, está decidido. Não quero ouvir mais uma palavra a respeito de desistir do programa. Estou farta de ficar calada.
Nessa noite, quando estava na cama, Casey pôs-se à escuta dos ruídos produzidos pela mãe a vaguear pela casa, mas não ouviu nada. Pensou em ir ao quarto dela pedir desculpa pela discussão, mas não queria começar outra. Podiam aligeirar o ambiente pela manhã.
Pegou no seu iPad e releu a publicação do blogue de Mindy Sampson.
«Achas mesmo que a Gabrielle e o Jason vão alterar as suas histórias? Podes estar a brincar com o fogo.»
Quando olhou para a fotografia, retocada em Photoshop, de Gabrielle Lawson, sentiu a tensão aumentar. Era capaz de se dispor a passar mais quinze anos na prisão para garantir que aquela mulher horrível tinha o destino que merecia.
Os relatos de Mindy Sampson nem sempre eram precisos, mas ela tinha razão em relação àquilo que Casey sentia por Gabrielle Lawson. Raiva era pouco para descrever o que ela tinha sentido quando vira o artigo do «Falatório» sobre Hunter e aquela mulher horrível. Será que ele não percebeu o que aquilo ia parecer? «Todas as minhas colegas, no trabalho, iam falar de mim como se eu fosse uma idiota!»
Aquilo que as pessoas muitas vezes referiam como o seu feitio intempestivo era simplesmente a sua paixão por ideias e argumentos. Mas naquele dia? Ela tinha ficado mesmo furiosa.
Quando estava a adormecer, disse em voz alta, na esperança de que o seu destinatário pudesse de alguma maneira ouvi-la:
— Desculpa, Hunter. Lamento tanto!