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Uma semana depois, todas as superfícies do gabinete habitualmente organizado de Laurie estavam cobertas por papéis. A sua mesa de reuniões estava adornada com três quadros brancos, escritos a várias cores.
Jerry passava os dedos pelo cabelo com tal intensidade que ela receou que ficasse prematuramente calvo. Quando tinham começado a trabalhar naquele programa, tudo parecia bater certo. A família de Hunter concordara em participar. A escolha dos locais de filmagens tinha sido fácil — os locais principais eram o Cipriani e a casa de campo que pertencia agora ao irmão de Hunter. As transcrições do julgamento rapidamente tinham posto Laurie a par dos factos. Mas agora estavam a afogar-se em papéis, a três dias de arrancarem com a produção, e Laurie começava a arrepender-se de ter cedido à ridícula exigência de urgência imposta por Brett.
Grande parte da desordem gerada no gabinete de Laurie era atribuível à obsessão dela em identificar o utilizador da Internet que se autointitulava RIP_Hunter.
— Privacidade, que treta! — gritou Jerry, em toda a sua frustração. — Tem de haver alguma maneira de saber quem publicou todas aquelas mensagens.
Monica, da Informática, tentou pela décima sexta vez baixar as expectativas. Tinha vinte e nove anos, era muito magra e quase não chegava ao metro e cinquenta de altura. Havia elementos no Departamento de Informática com muito mais anos de experiência do que ela, mas, quando se tratava de computadores, era nela que Laurie confiava. Monica era trabalhadora, exaustiva e, o mais importante de tudo, conseguia explicar os pormenores técnicos de uma maneira simples.
— Vocês estão a esquecer-se — explicou Monica — que há quinze anos a Internet era usada por muitas pessoas como um quadro de mensagens informatizado. Só o facto de ser usada já era tecnologia de ponta, mas, na maior parte dos casos, a informação só fluía num sentido. Abria-se uma página e lia-se. A ideia de responder, quanto mais entrar em diálogo, era revolucionária. Os meios de comunicação publicavam conteúdos online, mas não havia maneira de responder.
— Ai, as saudades que eu tenho desses tempos — suspirou Laurie. Parecia-lhe que só os pontos de vista mais extremistas eram publicados na Internet. As próprias páginas dos seus programas nas redes sociais estavam cheias de elogios de espectadores, mas ela sentia sempre as ferroadas dos comentários mais duros.
Monica teclava numa grande excitação.
— O desejo de entrar em interação estava lá — explicou —, mas os meios de comunicação principais não criavam fóruns. Os utilizadores pioneiros encontravam pessoas parecidas com eles através de espaços para mensagens. Felizmente, encontrei alguns shadow sites, onde os conteúdos estão arquivados. Demorei dias a imprimir todas as conversas escondidas acerca do homicídio do Hunter e do julgamento da Casey. Se os sites ainda estivessem operacionais, podia tentar encontrar uma empresa disposta a ceder-nos endereços de IP. Mas eles já não estão ativos.
— Podes dizer isso agora em inglês? — perguntou Grace.
— Aquilo que nós estamos a ver — explicou Monica — são apenas palavras, como quando se escreve num teclado. Os dados subjacentes já não estão acessíveis. Resumindo, só se eu fosse médium é que vos conseguia dizer quem escreveu estas coisas.
O homicídio de Hunter aparecera nas notícias a nível nacional. Aos olhos do público, Casey passou rapidamente de namorada enlutada para «presumível culpada». Com a ajuda de Monica, eles também conseguiram aceder a milhares de comentários da Internet, escritos por seguidores do julgamento, que se encontravam uns aos outros em espaços de troca de mensagens e debatiam o caso intensamente.
O primeiro passo tinha sido identificar todos os comentários da autoria de RIP_Hunter. Quando conseguiram ler todos esses comentários juntos, aperceberam-se de duas tendências. O autor tendia a escrever com conhecimento de causa, como se ele ou ela tivesse acesso a informação privilegiada acerca de Casey e Hunter. «Todos os amigos da Casey sabem», por exemplo; ou «A Casey sempre teve um temperamento intempestivo, era uma falsa e também tinha sempre o caminho mais fácil dado de bandeja.» Ao longo de todo o caso, parecia que alguém com informação privilegiada andava a «perseguir» Casey e a fornecer boatos a Mindy Sampson.
Foi Jerry quem reparou numa outra característica ainda mais subtil. O autor tinha a tendência para acrescentar pontos adicionais recorrendo, à expressão «e também». «Qualquer pessoa que conheça a Casey irá dizer-vos que ela tem de ter sempre a última palavra e também tem de ser o centro das atenções.»
Partindo do princípio de que a pessoa que escrevia os comentários assinados «RIP_Hunter» podia ter publicado outros comentários, Monica tinha encontrado mais cinquenta e sete comentários que pareciam sugerir um conhecimento em primeira mão do caso e outros vinte em que era usada a expressão «e também», com algum lapso temporal entre os dois grupos.
— Parabéns pela nossa capacidade de organização — disse Laurie. — Mas agora o que fazemos com isto tudo? — Ela deixou-se cair no sofá do seu escritório, com o início de uma dor de cabeça, por ter lido tantas folhas impressas.
Pegou num bloco de apontamentos e fez uma lista de todas as perguntas para as quais precisava de resposta. Quem é o RIP_Hunter? Quem deu as informações sobre o programa a Mindy Sampson? Porque é que Alex a advertira para que tivesse cuidado, e estaria isso relacionado com o facto de ele ter conhecido o general James Raleigh quando estudava direito? Hunter tinha pedido uma auditoria às contas da fundação e estaria isso relacionado com a saída de Mark Templeton, quatro anos depois?
Laurie quase não ouviu o toque do seu telemóvel, e depois Grace a atender, até a rapariga lhe ter dito que a assistente do general Raleigh, Mary Jane, estava em espera.
— Ela quer saber quanto tempo deve reservar para a entrevista do general e para a dela também. Ofereci-me para conciliar horários, caso eles tivessem outro sítio onde estar, mas ela diz que o tempo dele é sempre muito limitado, todos os dias do ano. Diz que a Arden está a pressioná-lo com páginas, o que quer que isso queira dizer.
— Ele está a escrever as memórias — respondeu Laurie. Alguma coisa na pergunta de Grace estava a incomodá-la, mas ela não conseguia identificar do que se tratava. O mais provável era ser o facto de não fazer ideia de quanto tempo Ryan demoraria a conduzir as entrevistas. Alguma vez iria acostumar-se a trabalhar com Ryan em vez de Alex? — Vê se ele nos pode ceder uma hora. Presumo que ela seja mais flexível.
Dos suspeitos identificados por Casey, Mary Jane parecia ser a menos provável. Hunter podia estar preocupado com os motivos da assistente, mas quinze anos depois ela parecia continuar a trabalhar como uma empregada dedicada. E o general Raleigh não parecia ser o tipo de homem que permitia que se aproveitassem dele com facilidade.
Enquanto Grace regressava ao telefonema, Laurie voltou para a sua lista de perguntas, mas havia alguma coisa naquela chamada que continuava a incomodá-la. Arden. Onde é que ela tinha ouvido aquele nome recentemente? Quem mais tinha falado de uma editora? E foi então que ela se lembrou da sua conversa com Jason, o ex-namorado de Casey.
«Admito que ter-lhe chamado Casey Louca no livro foi um pouco injusto. Para ser franco, foi por insistência da Arden.»
Seria possível que o facto de o general Raleigh e Jason publicarem na mesma editora fosse coincidência?
— Jerry, quando falaste com o Mark Templeton, perguntaste-lhe pelo período que mediou entre a saída da Fundação Raleigh e o seu novo emprego na Holly’s Kids?
— Não. Tal como te disse, queria que ele pensasse que nós só queríamos saber se ele tinha visto a Casey e o Hunter na gala. Achei que devias ser tu a decidir se o devíamos pressionar com os rumores acerca do património da fundação.
Laurie dirigiu-se ao seu computador, escreveu «Holly’s Kids» no motor de busca e abriu a página dedicada à associação sem fins lucrativos onde atualmente Mark Templeton trabalhava como diretor. Clicou na lista dos membros da direção. Um nome saltou-lhe imediatamente à vista: Holly Bloom, como em Holly’s Kids, aparecia como membro da direção e como fundadora. Abriu a biografia de Holly e inclinou o visor do computador na direção de Jerry.
— A Holly da Holly’s Kids é a presidente da Arden Publishing, também conhecida por ser a editora do livro do Jason Gardner e das memórias do general Raleigh que estão prestes a sair.
Jerry fitou o ecrã.
— Eh lá! Acho que senti a sala a estremecer.
Laurie ainda não sabia quem tinha matado Hunter Raleigh ou se Casey Carter era inocente. Mas começava a juntar algumas peças do puzzle. Se estivesse certa, Casey nunca tivera a hipótese de ser alvo de um julgamento justo.
Pegou no telefone e ligou ao pai.
— Pai, tenho de te pedir um favor. Conheces alguém na polícia estadual do Connecticut?
— Claro. Posso já não estar ao serviço, mas o meu Rolodex ainda me é muito útil.
— Podes descobrir se alguém que tenha trabalhado no caso do homicídio do Hunter Raleigh está disposto a falar comigo oficiosamente? — Lembrou-se da expressão saudosa do pai na semana anterior, quando lhe pareceu que ele sentia a falta de estar envolvido numa investigação. — Talvez pudesses ir comigo?