40

Eram cinco e meia quando Leo e Laurie chegaram à cidade. Leo tentou convencer a filha a ir diretamente para casa, mas ela queria ir redigir as suas notas acerca da viagem ao Connecticut e trabalhava sempre melhor no escritório.

Estava habituada a ver Jerry sentado à secretária, mas ficou surpreendida quando viu que Grace também ainda estava a trabalhar. Ficou ainda mais surpreendida ao ver Ryan a acenar quando passou por ela no corredor, com um café da pastelaria Bouchon na mão.

— Que está o Ryan a fazer aqui? — perguntou ela a Grace.

— Tem estado à espera de que o escritório dele fique pronto. Devia ter ficado há uma hora, mas sabes como o pessoal da manutenção consegue ser lento. Só hoje de manhã é que começaram a pintar. Mas ele aproveitou o tempo para ficar a conhecer-nos melhor, a mim e ao Jerry. Acho que está ansioso por deixar de ser o miúdo novo na escola.

Laurie reparou numa embalagem de bolos da Bouchon em cima da mesa de Grace, que condizia com o copo de Ryan. Desconfiava seriamente do motivo pelo qual Grace tinha ficado até mais tarde.

Laurie passou pelo gabinete de Jerry e bateu à porta aberta.

— Por favor, diz-me que o Ryan não começou a namorar com a minha assistente enquanto eu me ausentei da cidade em trabalho por um dia.

Jerry riu-se.

— Tu sabes como é a Grace. É uma namoradeira nata, mas não passa disso. Além disso, o Ryan Nichols é demasiada areia para a camioneta dela. O gabinete dele só ainda não está pronto porque ele tem estado a dar instruções precisas aos funcionários do edifício acerca de onde devem colocar cada objeto e pendurar cada fotografia dele.

Laurie sentiu alguma satisfação no revirar de olhos que se seguiu.

Não conseguia acreditar que Brett tivesse dado um gabinete a Ryan. A ideia de arranjar um para Alex nunca surgira sequer.

— Ia mesmo agora ligar-te — disse Jerry, num tom mais urgente. — Acho que descobri uma coisa importante.

Uma vez sentados no gabinete de Laurie, ele explicou-lhe o porquê da sua excitação.

— Estive a pensar naquela história da «Sussurros» que nós encontrámos e que achávamos que falava do Hunter.

Pouco depois de ter divulgado a fotografia de Hunter com Mindy Sampson, a coluna «Sussurros», do jornal dela, tinha publicado uma «notícia anónima» que anunciava que um dos homens mais cobiçados da cidade estava prestes a ficar livre novamente. Laurie confirmou que se lembrava disso.

— Isso fez-me pensar que talvez nos tivesse escapado alguma coisa quando estávamos a investigar o Mark Templeton. O que encontrámos a propósito da saída dele da Fundação Raleigh apenas indiciava má gestão, na pior das hipóteses. — As notícias apenas referiam que ele tinha saído, que os passivos da empresa estavam em baixo e que ele não tinha anunciado o que iria fazer a seguir. Talvez tivesse havido gestão danosa na fundação e talvez Templeton estivesse envolvido, mas as provas não eram suficientes para permitirem aos jornalistas levantarem diretamente essa possibilidade.

Laurie estava a perceber aquilo que Jerry estava a pensar.

— É nessas alturas que as colunas de mexericos recorrem a artigos anónimos — disse ela. — Se o jornal não referir nomes, não pode ser processado. — Quando tinha pesquisado Templeton, ela conduzira uma pesquisa na comunicação social que lhe devolvesse referências ao nome dele ou ao da Fundação Raleigh. Mas uma notícia anónima que tivesse omitido intencionalmente os pormenores não apareceria numa pesquisa desse género.

— Descobriste alguma coisa? — perguntou ela.

— Acho que sim.

Ele entregou-lhe uma folha impressa de uma coluna arquivada da «Sussurros», datada de vários meses após Templeton se ter demitido do cargo de diretor financeiro da fundação. «Quem será o antigo fiduciário de uma associação sem fins lucrativos, ligada à nata da classe política, que foi visto a entrar no tribunal federal, acompanhado de um advogado de defesa criminal, há dois dias? Será que se avizinham acusações? Fiquem atentos.»

— Bom trabalho, Jerry. Suponho que eles pudessem estar a falar de outra pessoa, mas uma «associação sem fins lucrativos, ligada à nata da classe política»? Parece que só pode ser o Templeton. Será que podemos sondar o jornalista que escreveu isto? Talvez eles confirmem a notícia oficiosamente.

— Infelizmente, já tentei isso. A «Sussurros» nunca era assinada pelos seus colaboradores. Dei um tiro no escuro e contactei o tipo que era o principal jornalista financeiro do jornal na época, mas ele disse-me que não se lembrava de nada daquilo. Disse-me que era possível que tivesse sido o jornalista que pesquisava crimes a escrever a coluna, mas que ele morreu há uns anos.

Se não conseguiam chegar aos pormenores através do jornalista, teriam de descobrir outra maneira. Templeton tinha deixado bem claro que não tencionava falar do seu trabalho na Fundação Raleigh. Isso só lhes deixava uma alternativa.

Laurie perguntou a Grace que gabinete o estúdio tinha atribuído a Ryan e foi encontrá-lo lá, a ajeitar as almofadas decorativas do seu novo sofá.

— Ainda tem contactos na procuradoria-geral?

Ryan só trabalhara no gabinete do procurador-geral durante três anos, depois do seu estágio no Supremo Tribunal, mas acumulara um currículo de julgamentos impressionante, acusando criminosos de colarinho branco.

— Claro — respondeu ele. — Nem todos podemos ser ricos e famosos.

A piscadela de olho que se seguiu àquele comentário deu-lhe vontade de lhe fazer notar que, para já, ele não era nem uma coisa nem outra. O amigo do tio dele podia ter-lhe oferecido um emprego e um gabinete, mas Laurie sabia quanto é que ele recebia de salário. A frugalidade de Brett não se vergava diante de ninguém.

Laurie entregou-lhe uma cópia do artigo anónimo que Jerry tinha descoberto.

— É possível que o que quer que se tenha passado entre o Mark Templeton e a Fundação Raleigh fosse suficientemente grave ao ponto de ele ter contratado um advogado de defesa criminal. Que significaria se ele tivesse ido ao tribunal com o advogado dele, mas não houvesse registo de nenhuma acusação?

Ryan deu uma olhadela à folha, pousou-a em cima da secretária e pegou numa bola de basebol, que começou a atirar de uma mão para a outra.

— É possível que ele tivesse ido prestar depoimento, possivelmente diante de um grande júri. Ainda mais provável é que ele andasse a reunir com procuradores, possivelmente como informador.

— Há hipótese de verificar isso?

— Claro. Mas, mesmo que se passasse alguma coisa suspeita na fundação, isso pode não ter estado relacionado com o assassínio do Hunter.

— Se o Templeton soubesse que o Hunter andava atrás dele, isso podia constituir um motivo poderoso para o silenciar.

— Não estou a ver. — Ryan continuou a passar a bola de uma mão para a outra. — Os colarinhos brancos não gostam de sujar as mãos.

Ela resistiu a nomear todas as histórias nas quais tinha trabalhado e que desafiavam aquela suposição.

— Pode ou não ver o que consegue descobrir?

— Tal como eu disse, não há problema.

Ela já lhe tinha agradecido e estava quase a sair do gabinete dele, quando o ouviu gritar atrás de si:

— Laurie, pense rápido!

Ele ficou surpreendido quando ela apanhou a bola que voava na sua direção, sem esforço.

— Obrigada — respondeu ela, enfiando a bola no bolso do casaco. Sorriu e regressou ao seu gabinete. Talvez algum dia lha devolvesse.

Estava quase a sair do trabalho quando recebeu uma mensagem de Charlotte.

«Em cima da hora, mas tens tempo para uma bebida?»

Laurie quase não se lembrava do tempo em que podia fazer o que lhe apetecesse a seguir ao trabalho.

«O meu filho é capaz de deixar de me reconhecer se eu não for para casa. Queres passar por lá?»

Sentiu-se patética no momento em que enviou a mensagem. Não imaginava porque haveria Charlotte de querer passar uma noite de sexta-feira no apartamento dela, com o seu filho e o pai.

«Só se o fofo do teu pai também lá estiver. Eu levo o vinho.»

Laurie sorriu. Aquela sim, era uma boa amiga.