43
Enquanto Ryan entrevistava Jason Gardner, o olhar de Laurie oscilava entre a conversa ao vivo e a imagem que estava a passar num ecrã ao lado do operador de câmara, na esperança de a versão a ser transmitida poder estar a sair melhor do que a realidade. Quando se apercebeu da expressão de preocupação do operador de câmara, compreendeu que não estava com sorte.
Jerry debruçou-se para lhe sussurrar ao ouvido.
— Parece que os dois estão a competir para ver quem é que consegue falar mais depressa. Não consigo perceber quem é que está mais nervoso. E o que se passa com aqueles cartões com apontamentos? Mesmo que cortemos a imagem na pós-produção, para não mostrarmos as mãos do Ryan, os olhos dele estarão sempre virados para baixo.
— Corta! — gritou Laurie. — Olhem, eu peço desculpa. Isto está a correr muitíssimo bem, mas estamos aqui com um problema de iluminação. Os candelabros estão a encandear-nos. Só precisamos de uns minutos para ajustar a luz, está bem? — Fez sinal a Ryan para ele a seguir até ao corredor. Quando ficaram sozinhos, estendeu uma mão para ele. — Dê-mos. Os cartões com os apontamentos.
— Laurie…
— Estou a falar a sério. Não precisa deles. Nós já revimos isto tudo de trás para a frente. — Ela não era fã de Ryan, mas o currículo dele era inquestionável. Ele nunca seria como Alex, mas era de certeza capaz de fazer melhor frente às câmaras do que ela tinha acabado de ver. — Isto não é uma sessão do Supremo Tribunal. Não está aqui nenhum juiz. O juiz são os espectadores. Eles têm de confiar em si e isso não vai acontecer se os deixar desconfortáveis.
— Mas eu tenho as minhas perguntas todas aí…
— Não — respondeu ela, arrancando-lhe os cartões das mãos. — Tem-nas nessa sua cabeça treinada em Harvard. Diga-me cinco coisas que queremos saber acerca do Jason Gardner.
Ele olhou para ela, visivelmente frustrado.
— Faz de conta que eu sou o Professor Importante e acabei de o questionar no meio de uma palestra apinhada. Rápido: cinco coisas.
Ele vomitou cinco coisas, com a mesma rapidez com que recitaria o alfabeto. Ela ficou impressionada.
— Pronto. Está preparado.
Cinco minutos depois de ter recomeçado a entrevista, Ryan acompanhava Jason na cronologia da noite da gala. A sua linguagem corporal era descontraída e a sua confiança parecia aumentar a cada segundo. Laurie sentiu que os seus punhos começavam a relaxar.
Segundo Jason, ele tinha falado com Casey apenas por um instante, quando chegou à gala, cerca das oito e meia. Nessa altura, ela parecia ter bebido um copo ou dois de vinho, mas não aparentava estar incapacitada, nem se queixou de nenhuma má disposição. Jason reparara que Casey saíra com Hunter, mas ele permanecera na festa até ao fim, com os colegas de trabalho, e tinha ido para casa sozinho. Quando terminou de estabelecer a cronologia com ele, Ryan já tinha atingido um dos seus objetivos para a entrevista de Jason e sabia que ele não tinha álibi para a hora da morte de Hunter.
— Disse-nos que o seu patrão tinha comprado uma mesa na gala, certo?
— Exato. Reservar uma mesa é uma das maneiras que as empresas usam para apoiar obras de solidariedade.
— E a sua empresa só tinha uma mesa?
— Tanto quanto me lembro, sim.
— São oito lugares. Mas a sua empresa tinha mais de cem analistas financeiros, além de pessoal administrativo e outros. Então, como é que a empresa decide quem vai estar presente num dado evento? Forçam-no a ir?
— Ah, não. Era uma situação voluntária.
— Portanto, sabia de antemão que ia assistir a uma gala que revertia a favor da Fundação Raleigh? — perguntou Ryan.
— Claro.
— Então certamente que estava à espera de se cruzar com a sua ex-namorada e com o noivo dela, Hunter Raleigh.
Jason pareceu entender finalmente a direção que as perguntas estavam a tomar, mas era demasiado tarde para evitar a implicação óbvia.
— Sim, imagino que seja verdade.
— Deixe-me dizer-lhe o que me baralha, Jason. No seu livro, Os Meus Dias com a Casey Louca, descreve uma mulher e uma relação que… bom, julgo que o título diz tudo. Se achava que a Casey era volúvel a ponto de se tornar louca, porque compareceu propositadamente a uma gala cujos anfitriões eram os membros da família do noivo dela?
— Bom, achei que seria um gesto simpático.
— Então, tinha uma relação amigável com ela?
Ele encolheu os ombros.
— Apesar de, como descreve no seu livro, numa ocasião se ter trancado na casa de banho do seu apartamento, porque tinha medo de que ela o agredisse fisicamente?
— Não estou certo de que medo seja a palavra correta.
— É melhor irmos buscar um exemplar do seu livro? Julgo que as suas palavras exatas foram que temeu pela sua vida e que desejou ter escondido as facas da cozinha.
— Isso é capaz de ter sido um exagero. É evidente que a editora quer vender livros.
Ryan estava a encontrar o seu ritmo. Tinha acabado de responder a mais uma questão: o livro de Jason não era o mesmo que um depoimento sob juramento.
— Por falar no seu livro, ele foi publicado pela Arden Publishing. Julgo que a sua editora foi uma mulher chamada Holly Bloom. Posso perguntar-lhe como aconteceu ter sido publicado pela Arden?
— Que quer dizer? Eu tinha um agente e ele ajudou-me.
— Certo. Mas o seu agente enviou o livro para várias editoras de Nova Iorque, ou foi diretamente ter com a senhora Bloom?
— Eu não sei bem. Teria de lhe perguntar a ele. Chama-se Nathan Kramer.
Laurie reconheceu o nome: era o mesmo agente que tinha negociado as memórias de James Raleigh, que também iam ser publicadas pela Holly Bloom, da Arden. Ryan confrontou Jason com essas coincidências.
— Jason, não é verdade que o general Raleigh o ajudou a publicar o livro extremamente depreciativo que escreveu acerca da Casey?
Os olhos de Jason dispararam à volta do salão, à procura de indicações.
Ryan debruçou-se para ele e Laurie preparou-se para o comentário sarcástico ou repulsivo que ia sair da boca dele. Em vez disso, Ryan pousou uma mão reconfortante no ombro de Jason.
— Oiça, faz todo o sentido. O filho do general tinha acabado de ser morto. Você era o «ex» da Casey. Quando ele percebeu que você tinha uma história para contar, porque não haveria de o ajudar? Tinham os dois algo a ganhar com a situação.
— É verdade — respondeu Jason, nervosamente. — Ambos queríamos que a verdade se soubesse.
O terceiro ponto estava esclarecido. O livro de Jason tinha a mão do general Raleigh.
— Só que, pelo caminho, algumas coisas foram exageradas.
— Certo.
— Jason, agradeço-lhe pela sua disponibilidade hoje. Só tenho mais uma pergunta, que nos podia ajudar a entender uma coisa que a Casey e a família dela nos disseram. Não vamos ter aqui um diz-que-diz. Acho que todos sabemos que o amor pode ser complicado. As relações têm interrupções. Num dia estamos com a cabeça nas nuvens e no outro estamos ressentidos. Estou certo?
Ryan tinha agora o braço por cima de Jason, como se eles fossem velhos amigos a partilharem histórias de namoros.
— A quem o diz — respondeu Jason, que agora concordava com tudo o que Ryan lhe dizia.
— Muito bem, eu só quero esclarecer mais uma coisa. Você ainda amava a Casey, não amava? Na verdade, foi por causa disso que foi à gala naquela noite. Ela achava que vocês não deviam manter o contacto, agora que estava noiva. Por isso, você foi à gala para lhe pedir, pela última vez, que voltasse para si.
Jason não disse nada. Ryan insistiu.
— A Casey já nos contou. A prima dela, a Angela, também.
— Sim, está bem. É como disse, é complicado. Nós éramos tóxicos um para o outro, mas a seguir deixávamos de ser e era mágico. A nossa relação era louca. Nós éramos loucos.
Ryan acertara em cheio no quarto ponto e a sua escolha de palavras não podia ter sido melhor.
— Decidi tentar uma última vez. Um grande gesto para declarar o meu amor. E, se ela escolhesse o Hunter, eu deixava-a ir.
— Então você surpreendeu-a ao aparecer na gala e declarou-lhe o seu amor. Mas ela não o aceitou de volta, pois não?
Ele abanou a cabeça.
— Ela disse que finalmente tinha percebido como o amor devia ser. Que não tinha de ser difícil. Nunca me vou esquecer. Ela disse que o Hunter a fazia sentir-se em casa.
— E o que é que isso o fez sentir? O facto de você a fazer sentir-se louca e ele fazê-la sentir-se em casa?
Jason afastou-se de repente do seu novo amigo.
— Espere. Você não pensa…
— Eu só estou a fazer perguntas, Jason.
— Oiça. Eu contei-lhe tudo o que sei. A minha carreira não estava a correr bem e eu estava com falta de dinheiro. Aceitei a oferta da família Raleigh para me ajudarem a publicar o livro. Nós estávamos todos fartos de ver a Casey a fazer-se de menina inocente. Mas se acha que eu matei o Hunter e a tramei, então, quem está louco é você. Vou telefonar a um advogado. Você não pode exibir isto — gaguejou ele, enquanto arrancava o microfone da lapela.
No momento em que Jason saiu do salão de festas, Laurie ergueu as duas mãos e bateu palmas a Ryan.
— Nada mau para o miúdo novo.
Ele fez uma vénia trocista.
Quatro factos estavam agora confirmados: Jason ainda amava Casey, o livro dele era um exagero e tinha sido patrocinado pelo pai de Hunter e ele não tinha álibi. Mas teria Jason matado Hunter Raleigh? Eles ainda não tinham a resposta para a quinta pergunta de Ryan, mas estavam a fazer progressos.
E Ryan podia não ser Alex, mas tinha estado à altura quando fora preciso.
— Laurie — disse-lhe ele, quando a equipa estava num momento de pausa —, obrigado pela motivação. Tinha razão. Eu só tinha de ser eu mesmo. Os meus instintos são os melhores. Como se diz, por trás de um grande homem está uma mulher.
Ela sentiu a sua recente boa vontade em relação a Ryan esvair-se como o ar a libertar-se de um balão. Era mais «Por trás de um homem convencido está uma mulher a revirar os olhos», pensou ela.
Grace e Jerry dirigiam-se rapidamente até junto deles, excitadíssimos.
— A Gabrielle Lawson chegou — anunciou Grace.
— E tu não vais acreditar no que ela traz vestido — disse Jerry. — É um sonho tornado realidade.
Laurie tinha indicado aos participantes no programa que a indumentária adequada às filmagens seria roupa formal de trabalho. No entanto, segundo parecia, Gabrielle Lawson ditava as suas próprias regras no que dizia respeito ao guarda-roupa. Eram apenas três e meia da tarde, mas ela apareceu envergando um vestido de festa de lantejoulas, cor de marfim, e o seu cabelo e maquilhagem coadunavam-se com uma passadeira vermelha que ali não existia. Havia alguma coisa no vestido que lhe era familiar.
Quando estava a agradecer a Gabrielle por ela ter vindo, Laurie apercebeu-se de onde tinha visto aquele vestido antes.
— Gabrielle, este é o vestido que trazia no dia da gala, há quinze anos?
— Pode crer que é — respondeu ela, excitada. — Eu sabia que um dia ele havia de vir a ter uma importância histórica. Vesti-o da última vez que vi o Hunter. Guardei-o num saco, à espera do dia em que viesse a ser preciso. E ainda me assenta que nem uma luva.
Enquanto Jerry colocava o microfone em Gabrielle, Grace sussurrou ao ouvido de Laurie:
— Eu sei que disse que a Casey tinha olhos de louca, mas esta senhora ganha a taça. Diz-me se for preciso chamar os homens dos coletes de forças e redes para caçar borboletas.