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Quando terminaram as filmagens no Cipriani, Jerry, Grace e Ryan reuniram-se no gabinete de Laurie, para recapitularem os acontecimentos do seu primeiro dia de produção. Como era habitual, Jerry e Grace não estavam de acordo em relação a Andrew Raleigh.

— Ele estava muito alterado e a falar fora da sua vez — insistiu Jerry. — Por favor, se eu fosse acusado de homicídio de cada vez que faço comentários petulantes a respeito do meu irmão, a esta hora já estava no corredor da morte.

— Não, nem pensar. — Grace ergueu o dedo indicador no ar, o que indicava sempre que tinha uma opinião muito forte sobre determinado assunto. — Uma coisa é dizeres que o teu irmão é um chato ou um convencido, mas chamar ao Hunter o filho eleito? Isso demonstra um forte ressentimento contra o irmão e contra o pai. É caso para psicoterapia.

— Se nós não fizermos mais progressos — disse Laurie —, quem vai precisar de psicoterapia sou eu.

Depois de um dia tão bem-sucedido em frente às câmaras, Laurie estava à espera de que Ryan tomasse a dianteira na reunião, mas ele tinha permanecido calado, a verificar mensagens perdidas no telemóvel.

Laurie era filha única, assim como o seu filho, pelo que ela não tinha muita experiência com a rivalidade entre irmãos. Por um lado, ela já tinha visto o Andrew em ação e sabia que ele bebia de mais. Conseguia imaginá-lo a fazer comentários irreverentes, mas inofensivos, no bar. Por outro lado, quando o tinha conhecido na casa da cidade, ficara com a impressão de que ele era o filho preterido numa família de grandes sucessos. O comentário dele em relação a ser o único filho que restaria ao pai era perturbador, tendo em conta que tinha surgido a escassas horas de o irmão ser assassinado.

— Nós sabemos que o general Raleigh acompanhou um grupo de beneméritos até tarde, a seguir à gala — disse Laurie. — Mas supostamente o Andrew terá ido direto para casa.

— Veem? — disse Grace. — Isso explica porque o teria feito. O Hunter saiu mais cedo, porque a Casey se sentiu maldisposta. O Andrew provavelmente pensou: «Eis a minha hipótese de avançar e mostrar o que valho.» Mas o pai nem o convidou para aquela festa após a gala. Aposto que ele se passou.

— Isso não faz sentido nenhum — ripostou Jerry. — Porque havia ele de tramar a Casey? E como é que ele tinha o Rohypnol para esse efeito? Além disso, tu disseste desde o início que a Casey era culpada.

Uma ideia flutuava no limite da consciência de Laurie, mas ela não conseguia verbalizá-la. Olhou para Ryan, para tentar perceber se ele tinha alguma coisa a dizer, mas ele continuava a teclar no telemóvel. Obrigou-se a concentrar-se. Reviu os comentários de Jerry acerca do Rohypnol e depois pensou mais uma vez na entrevista com Gabrielle.

— O pai — murmurou.

— Ele parece ser um pesadelo — disse Jerry. — Está habituado a comandar no trabalho e em casa. Sabem o que eu penso? Penso que o Hunter amava mesmo a Casey. Ele não ia ceder à pressão do pai. E foi por isso que o Andrew disse que ia ser o único filho que restaria. Talvez o Hunter se preparasse para escolher a Casey em detrimento da família. Mas o general tinha outros planos. Ele conspirou com a Mindy Sampson, ou pôs a assistente, Mary Jane, a tratar do assunto, de modo a não sujar as mãos, para ela arranjar uma fotografia da Gabrielle com o Hunter. Ele estava a semear a discórdia. E, depois de o Hunter morrer, continuou a olear a engrenagem, ao controlar a comunicação social e ao publicar comentários na Internet que garantiam a condenação da Casey.

— É isso — disse Laurie. — O Rohypnol. Durante este tempo todo, era a droga que não batia certo em qualquer dos cenários. Mas e se tiver sido o pai do Hunter?

A este respeito, Jerry e Grace concordavam. Ambos sacudiram a cabeça. O general adorava o filho e, além disso, tinha um álibi.

— Não — explicou Laurie —, ele não matou o Hunter. Mas e se tiver sido ele a colocar a droga na bebida da Casey, para ela os envergonhar? Para o Hunter perceber finalmente que ela não estava à altura de ser sua mulher? Ele pode ter-lhe colocado mais alguns comprimidos no saco da roupa, com a intenção de a fazer parecer ainda pior se ela alegasse ter sido drogada involuntariamente. Depois, após a morte do Hunter, ele podia estar tão convencido da culpa dela que decidiu dar um empurrão ao caso, escrevendo comentários prejudiciais na Internet e ajudando Jason a publicar o seu livro. E, tendo em conta que a Mary Jane foi uma presença constante ao lado do general, ela provavelmente sabia de tudo ou, inclusivamente, foi ela quem fez o trabalho sujo, o que explicaria porque estava ela a tentar evitar ser entrevistada.

A sala ficou em silêncio. Aquela teoria fazia sentido. Se eles encontrassem uma explicação para a droga que não estivesse diretamente relacionada com o homicídio, isso abria todo um conjunto de possibilidades acerca de quem era o assassino de Hunter. Até o irmão dele podia ser o culpado.

Ryan estava outra vez a teclar no telemóvel.

— Ryan, tem alguma opinião? — perguntou-lhe Laurie.

— Desculpe, preciso de fazer um telefonema.

— A sério? Nós vamos interrogar o Andrew e o James Raleigh amanhã, na casa de campo. Precisamos de estabelecer uma estratégia. Tem de se concentrar nisto.

Jerry e Grace estavam ambos de olhos fixos nela. Nunca a tinham ouvido gritar no trabalho.

— Só preciso de fazer uma chamada.

Os três ficaram a vê-lo sair do gabinete de Laurie sem mais nenhuma explicação.

— Só para que fique claro — disse Grace, quando ele saiu. — Eu sabia que o Brett nunca devia ter contratado aquele homem.

— Claro que sabias — disse Jerry. — Claro que sabias.

— É tarde — disse Laurie. — Vocês os dois, vão para casa.

Vinte minutos depois, quando Ryan voltou, Laurie estava sozinha no gabinete. Ele bateu à porta antes de entrar.

— Pensei que se tivesse ido embora — disse ela.

— Não. O Jerry e a Grace já foram?

— Já.

— Posso entrar?

— Tem mesmo de ser?

— Foi por isso que perguntei.

— Vamos finalmente falar sobre como devemos lidar com os Raleighs amanhã?

Laurie trabalhava como jornalista há quinze anos, nos últimos dez como produtora de televisão, mas neste caso sentia-se completamente às escuras. Ela sabia como era perder alguém da família num ato de violência. Lembrava-se do que era saber, ou pelo menos desconfiar, que algumas pessoas sussurravam «a culpada é sempre a mulher», enquanto o homicídio de Greg não fora resolvido, ao longo de cinco anos. Era possível que o pai de Hunter tivesse drogado Casey. E era possível que Andrew tivesse tido algum envolvimento no assassínio do irmão. Mas, caso contrário, eles eram vítimas. Estavam de luto. Iam deitar-se à noite com saudades de Hunter. Ela não ia ter prazer nenhum em fazer-lhes as perguntas que lhe estavam a passar pela cabeça.

— Sim, havemos de falar dos Raleighs — respondeu Ryan. — Mas primeiro tenho de lhe contar outra coisa. Eu sei que provavelmente não seria a sua primeira escolha para apresentador do programa…

Ela ergueu uma mão.

— Isto é desnecessário, Ryan. Eu só quero fazer um bom programa. E você esteve muito bem hoje. Mas o trabalho não é só o que fazemos à frente das câmaras. Tem de tratar as entrevistas como se fossem um contrainterrogatório, como fez hoje com o Jason e a Gabrielle. O plano é fluido e está constantemente a mudar. E a Gabrielle lançou-nos uma bomba a respeito da família do Hunter. Temos de nos organizar antes das entrevistas deles, que são daqui a — Laurie olhou para o relógio — cerca de quinze horas. E quando eu tentei integrá-lo no trabalho, você estava completamente ausente.

— Mas não estava. Eu disse-lhe que precisava de fazer um telefonema e a Laurie não acreditou em mim. Tal como vi que não acreditou em mim quando lhe disse, hoje, que estava a trabalhar na obtenção de informações acerca do Mark Templeton. A Laurie tem-me tratado como se eu fosse o projeto de nepotismo do Brett…

— As palavras são suas, não minhas.

— Uau. Okay. Sinto-me mal por ter de lhe dizer o que tenho para lhe dizer, mas aqui vai. Ficou na dúvida se eu teria mesmo contactado os meus conhecidos no gabinete do procurador-geral, em relação ao Mark Templeton? Bom, depois de termos falado do assunto, fiz vários telefonemas. E fiquei calado porque estou a levar esta transição para o jornalismo muito a sério e quero verificar bem as minhas fontes antes de andar para aí a espalhar rumores. O Brett falou-me do seu empenho em manter a integridade jornalística. Foi por isso que aceitei participar neste programa, Laurie. Nunca fui seu inimigo. Tive outras propostas na área do jornalismo, mas foi esta que eu quis. As minhas fontes não aceitam ser filmadas, mas eu confio nelas. E tenho finalmente duas, o que julgo ser o padrão nesta área.

— Diga-me o que está a tentar contar-me, de uma vez, Ryan.

— A Laurie tinha razão em relação a haver algo estranho com a demissão do Templeton da fundação. Ele não encontrou outro emprego rapidamente porque, apesar daquilo que o James Raleigh dizia em público, ele recusou dar referências ao Templeton.

— Isso seria fatal para as perspetivas de empregabilidade dele. Então o que mudou?

— Ele fez um acordo qualquer. Não foram feitas acusações criminais, mas o gabinete do procurador esteve envolvido. O Templeton assinou uma espécie de acordo de confidencialidade com os Raleighs, mais ou menos na mesma altura em que começou a trabalhar no seu emprego novo. Ora aí está. Problema resolvido.

— Muito bem. Obrigada por investigar, Ryan. Peço desculpa se duvidei que estava a acompanhar o assunto. Porque é que se sentia mal em contar-me isto?

— O advogado de defesa com quem o Templeton foi visto no tribunal federal? Era o seu adorado apresentador anterior, Alex Buckley.