59
O dia estava a chegar ao fim, mas Laurie decidiu que tinha de tentar entrevistar Sean Murray. Encontrou a morada dele, desceu e apanhou um táxi. «Sou capaz de ter mais sorte cara a cara do que teria com um telefonema», pensou.
A casa de tijolo de Sean Murray em Brooklyn Heights ficava situada numa rua sossegada, ladeada por árvores, onde as crianças podiam ir de bicicleta pelo passeio até Prospect Park e pequenos cães de raça passeavam livremente nos relvados rodeados por cercas. Laurie tinha pensado muitas vezes em mudar de casa, para dar a Timmy uma casa maior e mais espaço exterior, mas ele adorava a escola e os amigos, parecendo perfeitamente feliz no seu apartamento no Upper East Side.
No degrau em frente à casa, ouviu o ribombar de passos apressados lá dentro, em resposta à campainha.
— Paaaa…aaai! — gritou uma voz jovem. — Está uma pessoa crescida à porta. Posso abrir?
Uma voz mais grave deu uma resposta que ela não percebeu e, em breve, estava a olhar para Sean Murray, o homem que namorava com Angela quando Hunter fora morto. Ela reconheceu-o de algumas fotografias que Casey lhe tinha fornecido para uma montagem. Percebeu que Sean reconheceu o seu nome quando se apresentou.
— Queria voltar a falar consigo em relação à possibilidade de ajudar o nosso programa. — Baixou a voz, de seguida. — Afinal, a Angela não vai participar no programa. Achei que isso podia alterar os factos.
Ele recuou para a deixar entrar e conduziu-a a uma sala de estar na parte da frente da casa. Ela ouviu vozes de crianças e o ruído de uma televisão vindo do andar de cima. Sean sentou-se numa cadeira de braços à frente dela.
— Sei que não tinha a certeza de como a sua mulher se sentiria em relação ao programa — disse Laurie. — Talvez nos devêssemos encontrar noutro local.
Sean deu uma gargalhada discreta.
— Eu senti-me patético assim que disse que a minha mulher se importaria. A Jenna não é nada ciumenta…
— Então porque disse que tinha a ver com a Jenna?
— Porque eu minto pessimamente mal — respondeu ele, e riu-se mais uma vez.
— Só não queria falar comigo — concluiu ela.
Começou a agarrar na pasta, assumindo que a viagem tinha sido em vão.
Ele ergueu uma mão para a deter.
— Não é isso. É que… ora, o melhor é eu dizer-lhe. A Angela pediu-me para dar uma desculpa para não participar no programa.
«Inacreditável», pensou Laurie. Angela tinha deixado claro que estava preocupada com a decisão de Casey de participar no Sob Suspeita, mas afinal ela tinha andado a boicotar ativamente o programa.
— Isso foi porque a Angela sempre acreditou que a Casey era culpada?
Sean arregalou os olhos.
— De maneira nenhuma — insistiu ele. — Pessoalmente, acho que foi a Casey, mas não tenho a certeza. Mas a Angela? — Ele abanou a cabeça. — Ela era a maior defensora da Casey. Apoiar a prima fez vir ao de cima o melhor lado dela.
— Como assim? — perguntou Laurie.
— Não faço ideia de como a Angela está atualmente, mas, naquela altura, toda a identidade dela girava em torno do facto de ser modelo. Mas ela estava a começar a perder trabalhos, sempre para mulheres mais jovens. Começou então a viver no passado, como se os seus melhores dias tivessem acabado. Não era fácil. A Angela conseguia ser vaidosa — e amarga. Mas deixou de ser egoísta, de todo, quando o Hunter foi morto. Ela dizia a quem a quisesse ouvir que a prima era inocente. Era quase como se ser a maior apoiante da Casey se tivesse tornado a sua nova identidade.
— Então, porque é que ela não queria que falasse com o programa?
Laurie percebeu que Sean estava num dilema em relação a se devia ou não revelar uma conversa privada.
— Muito bem, vou dizer-lhe, porque é para o bem dela. Ela e a Casey eram como irmãs. Não devia haver segredos entre elas. A Angela não queria que eu falasse consigo, porque ela nunca disse à Casey que ainda estava apaixonada pelo Hunter.
— Ela ainda estava apaixonada por ele? Mas ela e a Casey disseram-me que eles só tinham saído juntos duas vezes. Elas até brincaram em relação a isso.
— Acredite, eu também assisti ao número de comédia. Não, decididamente era mais do que isso. A Casey estava tão preocupada com todas aquelas mulheres da alta sociedade a pairarem à volta do Hunter que nunca reparou na forma como a própria prima olhava para ele. Mas eu reparei. Um dia, apanhei a Angela a olhar para uma fotografia dele no jornal com uma expressão sonhadora e confrontei-a, sem rodeios: «Tu sentes alguma coisa pelo noivo da tua prima?» Ela tentou negar, ao princípio, mas quando lhe disse que não podia continuar a namorar com ela se não fosse honesta comigo, ela admitiu. Disse-me que a determinada altura tinha-o amado. E fez-me prometer nunca contar à Casey.
— Ficou com ela, mesmo depois de ela lhe ter mentido?
— Bom, ela não me mentiu, propriamente, só não me contou a verdade toda. — Laurie não conseguiu evitar pensar no seu próprio desencontro com Alex. Ou teria sido o fim da linha para eles? Forçou-se a concentrar-se em Sean, que continuava a explicar: — Ironicamente, saber da relação passada da Angela com o Hunter fez-me sentir mais próximo dela. O amor que ela sentia pela Casey era mais forte do que aquilo que alguma vez tinha sentido pelo Hunter. Ela queria que a Casey fosse feliz e não queria fazer nada que lhe causasse problemas no casamento. Eu admirava o altruísmo dela. Mas não posso acreditar que ela continue a esconder isso da Casey, ao fim de todos estes anos. Que importa agora? Quando muito, só demonstra como a Casey era importante para ela. Mas, quando ela me contou, foi como se um muro se tivesse erguido entre nós.
Laurie tentou afastar os seus pensamentos acerca do seu próprio muro, aquele que existia entre ela e Alex. Aquele que ela parecia não conseguir derrubar.
— Então, porque é que a vossa relação acabou?
— Porque ficar um pouco mais próximos não é o mesmo que amor verdadeiro. Acredito que a Angela tentou realmente amar-me, mas eu não era ele.
— Quer dizer, o Hunter.
Ele anuiu.
— Senti-me mal quando ele morreu. Para ser honesto, costumava desejar que alguma coisa de mal lhe acontecesse, por saber que a Angela sempre sentira algo por ele. Esperava que, depois de ele ter sido morto, ela o esquecesse finalmente e me deixasse entrar no coração dela. Mas, certa noite, quando estava a mexer no roupeiro do corredor da casa dela, à procura de uma lâmpada para substituir uma outra da sala de jantar, encontrei uma caixa que ela tinha guardado do tempo em que saíra com o Hunter, uma espécie de «caixa de recordações». Fiz-lhe um ultimato. Disse-lhe que, para continuarmos juntos, ela tinha de se livrar daquilo. Ela ficou furiosa. Nunca a tinha visto assim. Francamente, assustou-me. Ela provocou-me e disse-me que eu nunca seria um homem tão bom como o Hunter.
Laurie percebeu que aquelas palavras ainda tinham efeito nele, passados todos aqueles anos.
— Foi o fim da nossa relação. Não se consegue ultrapassar algo assim.
«Pois não», pensou Laurie. Há coisas que não se conseguem ultrapassar. Ela esperava que não fosse esse o caso em relação a Alex.
— Mas acabou por correr tudo bem — disse Sean, com uma voz radiante, alegre. — Dois anos mais tarde conheci a verdadeira mulher da minha vida. Não consigo imaginar a vida sem a Jenna e os miúdos.
A descrição que Sean fizera de Angela não coincidia em nada com a impressão que ela tinha deixado em Laurie. Aquilo que ela tinha descrito como alguns encontros casuais com Hunter, tinha obviamente tido muito mais significado para ela do que deixava perceber. Se a relação dos dois alguma vez tivesse sido séria, Hunter teria falado disso a Casey. E nem o pai nem o irmão de Hunter tinham mencionado que ele alguma vez tivesse namorado com a prima de Casey. Em vez disso, havia uma piada corrente de que Hunter e Angela teriam dado um péssimo casal.
Mas talvez Angela não concordasse. Talvez ela fingisse rir-se, ao mesmo tempo que guardava uma caixa de recordações dedicada a Hunter no seu roupeiro. Laurie imaginou Angela, com falta de trabalho como modelo e sem outros planos de carreira, a tirar o conteúdo lá de dentro quando estava sozinha. Sentada na cama, a sonhar com uma realidade na qual Hunter Raleigh III a tinha escolhido a ela e não à sua prima mais nova.
— Sean, a caixa que encontrou. Por acaso tinha lá dentro uma fotografia do Hunter com o presidente?
Ele sorriu.
— Vocês são bons. Como descobriu que essa fotografia lá estava?