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Charlotte julgou ouvir um ruído à distância e a seguir viu o feixe de luz de uma lanterna. Estaria ali alguém? Alguém que pudesse ajudá-la? Era a sua única esperança. Charlotte via a escuridão que a esperava por trás das portas abertas do elevador. E sabia que não tinha forças para impedir Angela de a empurrar para ali.
Sentia uma dor de cabeça lancinante.
«A Angela é uma assassina. A Angela quer matar-me», pensou. Tinha de arranjar uma maneira de se salvar, de ganhar tempo. Tinha de conseguir que Angela começasse a falar. «Se está alguém aí, que me ajude, por favor.»
— Pelo menos diz-me a verdade — suplicou. — Foste tu que mataste o Hunter, não foste?
Charlotte sentiu um alívio momentâneo quando Angela deu um passo para trás e guardou o x-ato no bolso. Mas a seguir substituiu-o pela arma.
A voz de Angela era rápida e parecia histérica.
— Oh, Charlotte, tu foste tão simpática em deixares-me sair mais cedo todas as sextas-feiras para ir visitar a Casey! Ninguém sabia o gozo que me dava vê-la envelhecer naquele lugar horrível. Era maravilhoso e muito divertido. A minha priminha, minha irmã, sempre a mais esperta, a mais amada, acabou na prisão. E a seguir foi desprezada. Odiada por ter matado o Hunter. Quando éramos mais novas, ninguém pensou que eu viria a ser alguém especial. Eu era a filha da mãe solteira. Nunca tinha tão boas notas como a Casey, nem participava nas atividades todas da escola. Eu fui aquela que não foi para a faculdade, para ser modelo, para andar em festas. Nunca ninguém pensou que eu acabaria por ter uma carreira ou que poderia casar-me com alguém como o Hunter Raleigh. Mas os pais da Casey agiram sempre como se ela fosse especial.
— Mas porquê matar o Hunter? Porquê matares-me a mim? — A voz de Charlotte era agora um sussurro.
— Eu não quero que tu morras — disse Angela. — Da mesma maneira que não queria que o Hunter morresse. Só que fui estúpida ao ponto de achar que o programa da tua amiga conseguiria encontrar provas para me condenar. E agora olha o que eu fiz.
Angela começou a chorar.
— Tu vais contar a toda a gente o que aconteceu, o que eu te contei.
— Mas porque é que tu o mataste? — perguntou Charlotte, aflita.
— Isso não era suposto acontecer. Foi tudo culpa do Hunter.
Charlotte não conseguia extrair sentido dos pensamentos desconexos de Angela.
— Ele andava com a Casey da mesma maneira que andou comigo e com outras. Mas depois pediu-a em casamento, como se ela fosse especial, como num conto de fadas qualquer. A Casey disse-me que ele se foi abaixo, que lhe contou o que tinha sofrido ao ver a mãe morrer de cancro da mama. Ela teve a audácia de comentar que eles estavam unidos por uma perda comum. — A voz dela elevou-se num grito. — Mas a perda não tinha sido da Casey, tinha sido minha. Não percebes? Era minha. Ela pode ter perdido a tia, mas eu perdi a minha mãe, tal como o Hunter. Mas não, tinha de ser com a Casey que ele foi partilhar isso. Eles estavam a planear o casamento. Era um absurdo. A Casey estava armada em Menina Perfeita, mas o Hunter tinha de ver quem ela realmente era. Ele tinha-lhe perdoado algumas birras, mas ela ia ser uma vergonha para ele. Comprei Rohypnol no mercado negro e coloquei-lho no segundo copo de vinho. — Angela estava agora a rir. — Escusado será dizer que não foi preciso muito tempo.
— Continuo sem perceber — sussurrou Charlotte, na esperança de prolongar a história. «Ajudem-me», pensou. «Alguém me ajude. Enganei-me em relação à luz. Não está aqui ninguém.»
Angela parecia agora falar sozinha.
— Saí da gala mais cedo, tal como estava planeado, porque tinha uma sessão fotográfica no dia seguinte. Mas não fui para casa. Fui até à casa do Hunter. Estacionei ao fundo da rua. Quando eles chegaram, esperei um bocado. Fui até à casa. A porta não estava completamente fechada, por isso, empurrei-a. A Casey estava deitada no sofá. O Hunter estava debruçado sobre ela e dizia: «Casey, Casey, acorda, vá lá.» Quando ele me viu, eu disse-lhe que tinha ficado tão preocupada com a Casey que os tinha seguido. Apontei para ela e perguntei-lhe: «Hunter, olha para ela. Tu queres mesmo casar com esta bêbeda?» Ele disse-me para me calar e sair.
Por cima do ombro de Angela, Charlotte viu alguém. Laurie, a abrir caminho por entre os cenários semiconstruídos. Não fazia ideia de quanto tempo conseguiria manter Angela a falar. «Quando ela se calar», pensou, «atira-me para o poço do elevador.»
— O Hunter correu para o quarto. Segui-o. Tentei dizer-lhe que apenas estava a tentar ajudá-lo, a impedi-lo de cometer um erro. Mas ele não estava a prestar-me atenção. Foi então que decidi que, se eu não o podia ter, a Casey também não. Eu sabia que ele guardava a arma na mesa de cabeceira.
Laurie tinha parado atrás do sofá da «sala de estar», o último sítio onde se podia esconder. Charlotte acenou suavemente na sua direção, para confirmar que a estava a ver. «A Laurie está aqui, a Laurie está aqui. Continua a empatar!»
— Ele correu para a casa de banho. Ouvi a água a correr no lavatório. Peguei na arma enquanto ele ainda lá estava. Eu também sei usá-la. A Casey não era a única mulher que o Hunter tinha levado ao campo de tiro. Ele saiu da casa de banho com um pano húmido na mão. Acho que tencionava colocá-lo na testa da querida Casey. Mas não teve hipótese.
Angela fez um esgar.
— Ficou tão confuso quando me viu apontar-lhe a arma! Quando dei por isso, já ele estava em cima da cama, a sangrar, a morrer. Sabia que tinha de sair dali. Mas primeiro precisava de pensar. Tinha de parecer que fora a Casey a matá-lo. O Hunter deixou cair o pano no chão. Impressões digitais. Deixei algumas? Limpei a gaveta da mesa de cabeceira. Disparei contra a parede. Fui para a sala de estar.
Charlotte percebeu que Angela estava a reviver a noite do crime. Pelo tom da sua voz, parecia estar em transe.
— A Casey tinha de ser a última a usar a arma. Limpei-a. Pu-la na mão dela. Pus o dedo dela no gatilho. Disparei mais um tiro contra a parede. Peguei na arma com o pano. Escondi a arma debaixo do sofá. A Bela Adormecida nem se mexeu. Pensei nos comprimidos. Se a polícia analisar o sangue da Casey, vão saber que ela está drogada. E se ela se drogou? Tirei os outros comprimidos da minha mala. Limpei o saco onde os comprimidos estavam. Comprimi os dedos da Casey contra o saco. Guardei-o na mala dela. Não fui esperta?
— Como é que pudeste fazer isso à Casey? — perguntou Charlotte, ao ver Laurie aproximar-se delas.
Aquela pergunta despertou Angela do seu monólogo.
— Eu já disse tudo. — Angela mudou a arma para a mão esquerda e tirou o x-ato do bolso. — Vira-te — disse a Charlotte.
Era a única hipótese de Charlotte. Ela tinha de a aproveitar. Virou-se ligeiramente, para Angela conseguir cortar-lhe o top de ginástica que lhe prendia os pulsos. A seguir, baixou-se ligeiramente e depois ergueu-se de repente, batendo com a cabeça no queixo de Angela. O seu corpo foi atravessado por uma dor lancinante. Ouviu o eco de metal a bater no cimento quando a arma de Angela caiu no chão do armazém.