PRÓLOGO
— Levante-se a ré, por favor.
Os joelhos de Casey vacilaram quando ela se levantou da cadeira. Ergueu-se com uma postura perfeita — ombros para trás, olhar para a frente —, mas os pés debaixo de si estavam instáveis.
A ré. Ao longo de três semanas, todos os presentes naquela sala de audiências se tinham referido a ela como «a ré». Não como Casey. Não pelo seu nome de batismo, Katherine Carter. Muito menos como a senhora Hunter Raleigh III, o nome que teria adotado se tudo tivesse sido diferente.
Naquela sala, ela fora tratada por um epíteto jurídico, não como uma pessoa real, uma pessoa que amara Hunter mais profundamente do que alguma vez julgara possível.
Quando o juiz a olhou do alto do seu estrado, ela sentiu-se mais pequena do que a sua estatura de um metro e setenta e quatro. Ela era uma criança apavorada no meio de um pesadelo, que olhava um feiticeiro todo-poderoso.
As palavras que o juiz pronunciou de seguida provocaram-lhe um arrepio que percorreu todo o seu corpo.
— Senhora porta-voz, o júri chegou a um veredito unânime?
Uma voz feminina respondeu:
— Sim, Meritíssimo.
O grande momento tinha chegado por fim. Três semanas antes, doze residentes do condado de Fairfield tinham sido escolhidos para decidir se Casey seria libertada ou se iria passar o resto da sua vida na prisão. Em qualquer dos casos, ela nunca viria a ter o futuro que antecipara para si. Nunca se casaria com Hunter. Hunter estava morto. Quando fechava os olhos à noite, Casey ainda via o sangue.
Janice Marwood, a advogada de Casey, tinha-a aconselhado a não tentar decifrar as expressões faciais dos jurados, mas ela não conseguiu resistir. Olhou de soslaio para a porta-voz do júri, uma mulher baixa e roliça, com um rosto calmo e meigo. Parecia alguém ao lado de quem a sua mãe poderia sentar-se num piquenique da igreja. Casey recordava-se, da apresentação dos jurados, que ela tinha duas filhas e um filho. E que fora avó recentemente.
Certamente que uma mãe e avó veria Casey como um ser humano e não apenas como a ré.
Perscrutou o rosto da porta-voz, em busca de algum indício de esperança, mas não viu nada a não ser uma expressão vazia.
O juiz falou mais uma vez.
— Senhora porta-voz, pode fazer o favor de ler o veredito, para que conste das atas?
A pausa que se seguiu pareceu-lhe uma eternidade. Casey esticou o pescoço, para olhar à volta da multidão que se encontrava sentada na sala do tribunal. Imediatamente atrás da mesa da acusação estavam o pai e o irmão de Hunter. Há pouco menos de um ano, ela estava para fazer parte daquela família. Agora, eles olhavam-na como se ela fosse a sua derradeira inimiga.
Desviou rapidamente o olhar para a «sua» fila, onde ele se cruzou de imediato com um par de olhos azuis, brilhantes como os seus e quase igualmente amedrontados. É claro que a sua prima Angela estava lá. Ela tinha estado ao lado de Casey desde o primeiro dia.
De mão dada com Angela estava Paula, a mãe de Casey. Estava pálida e tinha perdido cinco quilos desde a detenção inicial da filha. Casey esperava que alguém também estivesse a agarrar a outra mão da mãe, mas, do outro lado do banco, estava sentado um estranho, com um bloco de notas e uma caneta. Mais um jornalista. Onde estava o pai dela? Casey percorreu a sala com o olhar, procurando avidamente o rosto dele, na esperança de não ter dado por ele.
Não, os seus olhos não lhe tinham falhado. O pai não estava lá. Como podia não estar, logo naquele dia?
«Ele avisou-me», pensou Casey.
— Aceita o acordo — dissera. — Tens tempo para viver uma vida nova. Eu ainda te hei de levar ao altar e conhecer os meus netos.
Ele queria que os bebés lhe chamassem El Jefe, «Chefe».
Mal se apercebeu que o pai não se encontrava na sala de audiências, Casey teve a convicção de que sabia precisamente o que estava prestes a acontecer-lhe. O júri ia condená-la. Ninguém acreditava que ela estivesse inocente, nem sequer o pai.
A mulher de rosto dócil que transportava o envelope com o veredito falou finalmente:
— Em relação à primeira acusação, de homicídio em primeiro grau, o júri considera a ré… — A porta-voz tossiu naquele preciso momento e Casey ouviu um gemido na galeria.
— Inocente.
Casey levou as mãos ao rosto. Tinha acabado. Oito meses depois de se ter despedido de Hunter, podia pelo menos começar a antever o futuro. Podia ir para casa. Não iria ter a vida que tinha planeado ao lado de Hunter, mas iria dormir na sua própria cama, tomar duche sozinha e comer aquilo que lhe apetecesse. Estaria livre. Amanhã, teria início um novo futuro. Talvez arranjasse um cachorrinho, algo de que pudesse cuidar, que a amasse mesmo depois do que tinha sido dito a seu respeito. E talvez no ano que vem ela voltasse para a universidade, para fazer o seu doutoramento. Enxugou lágrimas de alívio.
Porém, foi então que se lembrou de que ainda não tinha acabado.
A porta-voz aclarou a garganta e prosseguiu:
— Em relação à acusação alternativa de homicídio involuntário, o júri considera a ré culpada.
Por um instante, Casey pensou que devia ter ouvido mal. Porém, quando se voltou para a bancada do júri, a expressão da porta-voz deixara de ser indecifrável e o seu rosto já não era amável. Ela tinha-se unido à família Raleigh e olhava para Casey com uma expressão condenatória. Para a Casey Louca, como os jornais lhe chamavam.
Casey ouviu alguém chorar atrás de si e, quando se voltou, viu a mãe a fazer o sinal da cruz. Angela levara ambas as mãos à cabeça, num gesto de profundo pesar.
«Pelo menos há uma pessoa que acredita em mim», pensou Casey. «Pelo menos a Angela acredita que eu estou inocente. Mas, seja como for, vou para a prisão por muito tempo, tal como o advogado de acusação me garantiu. A minha vida acabou.»