Os limites da minha linguagem
denotam os limites do meu mundo.
(Ludwig Wittgenstein)
Alguns episódios da história do Brasil precisam ser retomados, ou, pelo menos, passar por uma releitura, de maneira que, na busca de uma análise ponderada dos fatos por eles trazidos, considerem-se todos os aspectos a eles inerentes, resultando, assim, na formação de uma visão ampla e consistente acerca do assunto sob enfoque. Esse comportamento impediria a prevalência apenas daqueles componentes enfatizados com o fim de atender a uma leitura oficial e perspectivista.
Canalizando a discussão para o campo da escravidão ocorrida no período colonial, e fazendo dela ponto de partida de debates que se ampliam mais adiante, torna-se indispensável ressaltar, em primeiro lugar, a relevância desse acontecimento para qualquer pretensão que se tenha em discutir e entender o país na sua essência, seja qual for o viés que se queira priorizar. Na minha maneira de entender, não há como pensar o Brasil de forma ampla, sem que, também de forma ampla, pensemos os dias marcados pelo exercício da escravidão. Se por um lado, pensar a escravidão implica pensar a trajetória descrita pelo negro em sua mais extensa, vertical e fiel intensidade, condição que requer que jamais se perca a referência de seu papel de sujeito histórico e englobante da construção de uma condição nacionalizante do Brasil, por outro lado, essa disposição exige que também pensemos na inteireza das ações práticas e intencionais, daquele que tanto quanto o negro foi engendrado pelo processo escravocrata colonialista: o branco dominador. Pelo fato de ter sido gerado nas entranhas da escravidão na mesma proporção que o negro, ele necessita, ipso facto, ganhar pertinência a qualquer tentativa de problematização sobre a presença do negro no panorama nacional, seja no plano das articulações sociais implementadas na colônia, seja no plano da consagração dessas articulações, num futuro que viria.
No cerne dos métodos educacional e informativo responsáveis pela formação do pensamento brasileiro, percebemos que a História oficial, nas oportunidades em que faz referência ao negro, sempre se posiciona de forma muito coarctada. Invariavelmente apelando para uma ótica que se efetua repetidas vezes, sempre a partir de um mesmo ponto e de uma mesma predisposição, ou seja, observando, analisando e expondo os fatos históricos e seus atores por meio de processos unilaterais, ela se formaliza como um foco que incide apenas sobre um ponto fixo, demonstrando certa incapacidade para abarcar os elementos que se posicionam ao redor desse ponto. Limitada pela utilização de pressupostos que contribuem para manter o negro em patamares marcados pela invisibilidade, tal predisposição confere ao negro, em vista disso, uma parca expressividade e um espaço também invisível nos diversos campos em que ele se insere.
Uma arqueologia da história do negro no Brasil − requisito indispensável a uma discussão que se pretenda abrangente e profunda −, é a proposta de que carecemos para convencer a todos, que os trabalhos forçados aos quais ele foi submetido é apenas parte de um desdobramento teratológico de inúmeros tentáculos. Uma vez avaliado de forma plena, esse desdobramento impede que limitemos a escravidão às condições em que o negro foi obrigado a cumprir duras lides diárias, executadas sob a crueldade do regime que lhe foi imposto. Qualquer situação que transcenda essa condição básica é parte constitutiva de um envoltório que circunda esse acontecimento. Por sua vez, ele deve ser examinado na sua inteireza, visto que a consistência das implicações proporcionadas pela escravidão, se configura muito mais pelas influências e pelas ações dos elementos que gravitam em torno dela, do que propriamente pelos fatos concernentes a uma atividade de predominância servil.
Ora, com uma visão mais imediatista, a historiografia oficial também nos contempla. O acesso que ela nos nega ao nível da informação é relativo à sujeição às implicações sociais, políticas e econômicas emergentes de um estado de servidão, bem como no que diz respeito à plenitude de uma trajetória traçada, não somente pelo negro, mas, sobretudo, por todos aqueles que, de alguma forma, com ele protagonizaram a lamentável ocorrência de quase quatro séculos de escravidão. Em consequência, este livro aprofunda e amplia uma proposta de análise crítica, abrindo possibilidades de trazer à luz, elementos que demonstrem que a escravidão colonial constituiu-se de mecanismos que extrapolaram condições de imposições meramente servis, presentes em situações de extenuantes trabalhos forçados. Para tanto, quero priorizar em sua origem, seu viés sociológico, e da mesma forma, trazer para o debate, elementos que justificam indeléveis marcas que ainda hoje encontramos no ethos do povo brasileiro, nos mais diferentes níveis de nossa conjuntura social. Segundo meu ponto de vista, a substância de tais linhas de raciocínio encontra respaldo no teor oportuno das observações feitas por Fernando Antonio Novais, e à medida que a elas se ajusta, revela também a homologia existente nas nossas formas de pensar esse tema, pois, também na minha maneira de analisar esses fatos, percebo que,
se há divergências fundamentais quanto à natureza da sociedade brasileira, às características das camadas e dos grupos sociais etc., isto não impede evidentemente o reconhecimento de um ponto de partida comum: a formação “colonial”. Cremos mesmo poder afirmar que este será talvez um dos poucos ou o único ponto de concordância unânime: todos estamos de acordo em que as feições hoje apresentadas pela sociedade no Brasil resultam de um processo de transformação, em cuja base subjaz algo um tanto vagamente descrito como “formação colonial”. Tanto maior seja a ênfase dada no processo histórico imanente às configurações atuais para compreendê-la, tanto maior será a compreensão do ponto de partida.8 [grifos meus]
Dentro dessa perspectiva, olhar para a fase colonial deveria significar, em princípio, pensar num espaço humanizado, pensar na ocupação desse espaço, pensar no povoamento e no surgimento de instituições políticas e sociais criadas para atender a fins comunitários. Apesar disso, a opinião de Novais, com quem persisto corroborar, revela que “o que substantivamente, se retém das considerações sobre o período colonial é a escravidão,”9 e complementa, defendendo a ideia de que “a escravatura é o ‘legado’ da colonização e o trabalho escravo a marca decisiva da nossa formação social”.10 [grifos meus] Dessa forma, configura-se o ponto de partida para caminhos que se abririam no futuro, principalmente os que conduziriam aquela sociedade às primeiras possibilidades de estratificação social. Uma vez centrada na escravidão, restou à sociedade sustentar-se numa divisão binária a partir da qual toda discussão posterior se enraíza, representada por dois segmentos básicos: o de senhores e o de escravos.
De um segmento de senhores que, mais que senhores- -de-escravos, eram senhores de si e da situação. Para que aquelas condições se mantivessem como hegemônicas, apelaram para a adoção de práticas que resultassem em domínio absoluto sobre os escravos; não para que estes simplesmente executassem o trabalho que se queria, mas para que as deliberações dos senhores fossem operadas como se queria, a partir do emprego de técnicas de dominação, e, consequentemente, de poder, entre elas, as utilizadas para atender aos propósitos de vigiar e punir. Conforme assevera Michel Foucault, “castigos como trabalhos forçados ou prisão − privação pura e simples da liberdade − nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: [...], expiação física, masmorra”,11 o que fez com que, em se tratando de Brasil--colônia, a punição fosse tomada como uma autêntica função social por parte de quem a aplicava, como deparamos em vários momentos da escravidão. Entretanto, acontece que, apesar de todas as ações punitivas serem executadas sobre o corpo físico, − mais uma vez estabelecendo como referência, premissas foucaultianas −, não se pode perder de vista os resultados que ações dessa natureza produzem na alma de quem as sofre. Olhando por essa ótica é de se inferir que, embora pareça que os objetivos de quem fez uso delas no espaço da escravidão, tenham sido no sentido de atacar de imediato a esfera física, essas ações atingiram, posteriormente, diferentes áreas como a psicológica, a moral, a existencial, enfim, todas as camadas da condição humana, como efetivamente acabou acontecendo, no atendimento de propostas que circulam à margem das medidas diretas.
Por isso a prática do açoite, das correntes, do ferro em brasa, do tronco, da máscara de flandres, das algemas, dos cadeados, das tenazes, dos grilhões e de uma infinidade de instrumentos utilizados para produzir toda sorte de torturas e maus tratos. Outro exemplo emblemático dessa orientação era a calceta, espécie de argola de ferro que circundava a cintura do escravo e da qual pendia uma corrente atada ao tornozelo, não somente para tornar a fuga mais difícil, mas visando, pelo estardalhaço produzido, também denunciar a infâmia da sua situação.12 Por isso a desintegração da família, o abuso sexual de meninas e a submissão delas e de mulheres, à prostituição. Por isso as aplicações de castigos assistidas pelos demais escravos com o intuito de revesti-las de caráter exemplar. Por isso as execuções oficiais realizadas em praças públicas e anunciadas a toques de caixa, com a finalidade de atrair espectadores, conferindo a elas uma concepção de espetáculo. Assim, se é verdade que este conjunto de castigos impingidos pelos senhores-de-escravos intentou, pela via da lesão física, evidenciar a intimidação e o desestímulo à adoção de comportamentos de rebeldia, por atuar de imediato sobre o corpo físico, é igualmente verdadeiro que essa mesma condição degradou, humilhou e aviltou também o espírito, lesionado que fora pela via moral, como sintetiza Frantz Fanon:
A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições, para substituir a língua deles pela nossa, para destruir a sua cultura sem lhes dar a nossa; é preciso embrutecê-los pela fadiga. Desnutridos, enfermos, se ainda resistem, o medo concluirá o trabalho: assestam-se os fuzis sobre o camponês; [...] Se resiste, os soldados atiram, é um homem morto; se cede, degrada-se, não é mais um homem; a vergonha e o temor vão fender-lhe o caráter, desintegrar-lhe a personalidade.13 [grifos meus]
Na mesma proporção, se é verdade que esse conjunto de práticas produziu um ser humano degradado, humilhado e envilecido, − o escravo negro −, é verdade também que o exercício do mesmo conjunto de ações denuncia a existência de uma instituição que, pelos seus procederes, além de engendrar o escravo ao qual me refiro, simultaneamente engendrou outro ser: o escravocrata. Este, um homem branco que se habituou a ver, a conviver e a assimilar como elementos espontâneos a compor a ordem natural dos acontecimentos, um repositório de arbitrariedades institucionalizado por uma conjuntura que a todo o momento o convenceu de estar agindo, também com espontaneidade. Enfim, o que não se admite desconsiderar nas abordagens dessa natureza é a referência que comprova que a escravidão não é mãe de filho unigênito; com absoluta convicção podemos afirmar que ela pariu irmãos siameses. Gerados que foram por superfetação, inevitavelmente, escravo e escravocrata nasceram juntos.
Um dado que contribuiu muito para a compreensão de tal fato é encontrado na Constituição de 1824, em seu artigo 179, alínea XIX, estabelecendo que “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis (sic)”, e, se abolidos, significa que esses mecanismos de sevícia e de degradação humanas eram naturalmente utilizados. No entanto, em que pese essa decisão administrativa, sabe-se que a prática demonstrou o contrário, sobretudo porque os senhores, refratários ao cumprimento de quaisquer leis, a não ser as impostas por eles mesmos, persistiram em fazer com as próprias mãos, o que entendiam como ações de justiça. O fato de a Constituição estabelecer esse tipo de coibição autoriza supor que aquelas práticas estivessem, de tal maneira introjetadas no modus vivendi da sociedade colonialista, que os resultados contraproducentes que se sabe, ocorreram, a exemplo de reações violentas de muitos escravos, chegando, não raramente, a assassinatos de alguns senhores, acabaram por justificar tal intervenção.
A despeito da conformação desse panorama, o que interessa destacar é a dimensão da espontaneidade que certamente o homem branco da colônia empregava em sua relação com o escravo. Numa análise mais detalhada, percebemos que a primeira Constituição do Brasil só foi elaborada em 1824, e na ocasião de sua promulgação, se a sociedade colonial distava apenas 64 anos da Abolição, havia já, 324 anos, que ela estava diuturnamente envolvida com uma situação na qual desempenhava um papel marcado pela soberania e pela autossuficiência, advindo daí, tanta naturalidade em sua forma de encarar as atrocidades empregadas na sua relação com a população escrava.
Os mais de três séculos de escravidão vividos sob os auspícios da dominação incumbiram-se de desmoronar qualquer sentimento de respeito à condição humana dos escravos, e por isso mesmo, não havia por que esperar que depois de tantos anos, na índole do homem branco dominador ainda restasse o mínimo resíduo de um senso que Hannah Arendt chama de “mundo comum”. Na visão da filósofa alemã, a noção de “mundo comum” se essencializa quando “a presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”.14 A afirmação de Hannah Arendt dá conta de que a mundividência da sociedade colonial trazia marcas da indigência, justamente por alijar o escravo de sua forma de interpretar o mundo ou por lhe atribuir como valor, apenas um des-valor, e nessa medida, acabava por conceber uma visão de mundo monofacetada. Entre outras características de “mundo comum,” Hannah Arendt ainda acrescenta uma, por meio da qual ele
reúne-nos na companhia uns dos outros e, contudo, evita que colidamos uns com os outros, por assim dizer. O que torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é este o fato fundamental; antes, é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e separá-las.15
A filósofa prossegue destacando que, segundo uma perspectiva mais ampla,
somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar--se de maneira real e fidedigna. Nas condições de um mundo comum, a realidade não é garantida pela <<natureza comum>> de todos os homens que o constituem, mas, sobretudo pelo fato de que, a despeito de diferenças de posição e da resultante variedade de perspectivas, todos estão sempre interessados num mesmo objeto.16
Pela conclusão de Hannah Arendt, percebe-se que, a rigor, o homem da colônia encontrava-se num estágio em que sua noção de “mundo comum,” simplesmente inexistia, na medida em que suas práticas cotidianas justificavam um conceito, segundo o qual, “o mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite uma perspectiva”.17
Foi exatamente no bojo dessa conjuntura, que homens e instituições do Brasil-colônia foram plasmados, e nesse âmbito, construíram uma concepção de mundo sob a qual foram adestrados para dispensar pelo escravo negro, uma perspectiva única que só lhes permitia vê-lo como coisa. Essa leitura dos homens e das instituições daqueles tempos precisa ser priorizada para que possamos analisá-los, e duma análise ponderada, apreender o quanto eles,− apesar de também nascidos do mesmo processo escravagista −, com tanto comprometimento e intencionalidade, formalizaram predisposições fenomenológicas sobre o negro. A visão deles sobre o negro é a expressão de ações subjugantes imprimidas, que não eram exceção, mas regra, e, beneficiados pelo devagar depressa dos tempos, homens e instituições habituaram-se a ver e a pensar, de formas passíveis de serem encontradas ainda nos dias atuais.
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O senso comum e a visão elaborada pela historiografia oficial fomentam uma noção de escravidão que nos remete, por caminhos equivocados, a um enredo vivido por um personagem único, - o negro -, quando a realidade mostra que muitos são os copartícipes desse evento, e que esta questão possui uma dimensão muito maior.Definitivamente, não há mais espaço para que abordagens baseadas na escravidão, não tenham a coragem e a honestidade de mencionar a participação decisiva de segmentos sociais englobantes do processo de geração, de manutenção e das implicações próprias da atividade escravocrata que no Brasil se desenvolveu. Uma interpretação fiel desses fatos não se coaduna com omissões à participação da Igreja, da Coroa Portuguesa, do Estado, bem como às resultantes trazidas por questões político-internacionais, − a exemplo do Tratado de Methuen −,18 todos, componentes de uma engrenagem que forjou e sustentou a escravidão.
Em igual intensidade, não mais podemos permitir que continuem a ser invisibilizados pela historiografia, acontecimentos da verticalidade do Levante dos Malês,19 ocorrido no ano de 1835, na Bahia. Sedimentado sobre aspirações de primazia sociopolítica e cultural, esse episódio representa uma passagem em que o negro desempenhou, em especial na busca de uma conscientização, um papel atuante em prol da consecução de sua respeitabilidade e da reversão de um quadro que lhe era desfavorável sob todos os aspectos. A vertente revolucionária do levante é apenas uma das componentes desse episódio, entre uma infinidade delas, que precisa ser conhecida em toda sua extensão. Essa exigência deve ser atendida, até mesmo para que possamos extrair desse acontecimento, informações que nos possibilitem chegar a uma interpretação dotada de maior completude, cuja configuração depende do grau de aliança entre as partes desse todo, pois, embora uma ou outra parte pareça secundária, todas elas, dada sua importância, vão de fato atuar decisivamente na compreensão do levante como um todo. Um exemplo dessa necessidade reside no fato de os haussás terem trazido da África, uma bagagem cultural que lhes serviria para “dar sentido à vida, sob e contra a escravidão em solo baiano,”20 mostrando que o domínio de fatores como este vai exigir que sejam repensadas opiniões dadas como certas acerca desse assunto. Neste particular, faz-se mister apontar um simplismo, cuja presença continuada limita os objetivos desse episódio a pressupostos unicamente religiosos de origem islâmica, − como se uma característica desse porte pudesse deslustrá-lo −, implicando na perda do foco de uma revolta que combinou luta religiosa, luta racial, luta étnica e luta de classe. Vale ressaltar ainda, que o teor religioso do levante, exatamente pela sua índole islâmica, é o referendário indispensável para a percepção, naquele processo revolucionário, duma componente que transcende o anseio de conquista de uma liberdade vinculada apenas ao aspecto físico-corporal. É pela presença dele que se releva, também, a luta pela questão cultural, tendo em vista que os haussás, de presença predominante entre os rebelados, justamente por serem islamizados, liam o Corão e chegaram a fundar escolas em templos e casas de libertos, aonde ensinavam o árabe. Dados dessa natureza, por si sós, se não evidenciam, possibilitam supor a dimensão intelectual embutida naquele processo revolucionário.
Outra condição em torno da história do negro que assume significância dentro desse aspecto, diz respeito a Palmares, e por consequência, a Zumbi. Pela sua importância nos planos sociopolítico e histórico-cultural, não se pode perder de vista o investimento feito por nossa historiografia, − em relação ao Quilombo e ao seu líder −, no sentido de nos privar de um tratamento que demonstre as pretensões de Zumbi, em pensar aquele movimento como um meio que pudesse ultrapassar propostas de rebeldia, e instituir-se como uma organização de concepções republicanas. De maneira recorrente e em detrimento da revelação desses emblemas, os textos históricos perdem o foco sobre a relevância deles, e se mostram incapazes de dimensionar o significado de Palmares como ponto de preservação de tradições culturais africanas e como forma de resistência, o que demonstra que os palmarinos tinham consciência de que o enfrentamento era ponto de honra. Mesmo a luta sendo desigual e poder lhes custar as próprias vidas, os palmarinos não hesitaram em adotar o combate. A consciência de que a derrota implicaria na morte, era a mesma que tinham, de que a mesma morte era a alternativa digna para não mais retornarem a uma vida sem dignidade. Para não ter que desvelar facetas dignificantes desse episódio erigido sobre raízes de índoles sociais, a historiografia prefere dispensar a ele, um tratamento que apenas lhe confira contornos próprios de um mero valhacouto.
A omissão de elementos dessa relevância empobrece a formação de qualquer tipo de percepção sobre os fatos e impede que ela seja diversificada, na mesma intensidade que contribui para que as marcas características dessa percepção sejam a desfiguração e a incompletude. É esse o tratamento que entendo ser dispensado de maneira recorrente às discussões que envolvem a figura do negro, quando o assunto tem por sedimento a escravidão, e é a partir dessa predisposição, marcada pela ausência de informações reais ou pela indigência delas, que o encontramos representado nos mais diferentes segmentos da sociedade. A rigor, comportamentos com esse caráter passam a constituir a matéria-prima utilizada como principal incremento nas abordagens sobre o negro.
O repositório de informações negadas sobre elementos constitutivos de uma engrenagem de maiores proporções, não tem limites, refletindo-se num comportamento da História que evita difundi-los ou os distorce na difusão. Tanto um quanto outro artifício utilizado resultam em omissões que acabam por gerar e gerir uma nebulosidade perniciosa em torno da participação do negro em acontecimentos de relevância e na composição de nossa realidade cotidiana, mantendo, dessa forma, o status quo. Quando assim não ocorre, o que se verifica é o reforço com mais percuciência ainda, de expectativas criadas sobres situações intestinas ao período da escravidão, ou, na perseguição dos mesmos fins, o que se dá é a busca de propostas que consigam vestir com novas roupagens, elementos que têm sua origem, também no espaço da escravidão.
Nessa mesma trilha, também se realizam como contribuições prestadas nesse sentido, o desdobramento de textos escritos posteriormente, pois, da forma como tratam o assunto, reforçam pontos de vista que se coadunam com interesses da sociedade colonialista, embora entre os textos escritos ulteriormente e ela, haja uma distância considerável.
A adoção da prática do desprezo a elementos essenciais à escravidão, presente nos discursos históricos, ganha consistência à medida que, daquela topografia, migra e é assimilada pelos discursos de teor literário. Expedientes de tais índoles manifestam-se nos textos literários, nas oportunidades em que escravos protagonizam episódios estruturados por conotações que contrariam a natureza humana, bem como qualquer formalidade lógica,21 denotando a clara intenção de consumar premissas propostas pela classe dominante.
Tão incisivas e comprometedoras, porque às vezes, veladas, como aquelas informações inerentes às circunstâncias que forjaram e mantiveram a escravidão, encontram-se algumas associadas ao evento da Abolição, de forma a caracterizar o cotidiano do período pós-Abolição. Exclusivamente em relação a este evento, a História também dispensa um tratamento que procura negar abordagens que incidam sobre sua essência, porque adota comportamentos narrativos que apelam para a utilização de artifícios que resultam na acentuada visibilidade de um envoltório que prioriza aparências, impressões e dissimula sua natureza.
A necessidade premente de se desenvolver raciocínios a partir da valorização desses aspectos coloca-nos em contato com duas componentes que repercutem com propriedade, a implementação de alternativas através das quais o texto mantém essa linha identificadora. A primeira delas diz respeito à total ausência da noção de contraponto nos textos que tratam do assunto; a segunda, que num certo sentido pode ser vista como consequência natural da primeira é a tendência que a concepção resultante dessa proposta sempre apresenta, em atender a uma perspectiva única. Por conseguinte, considero míope qualquer visão formadora de uma imagem do negro, elaborada a partir desses princípios. Neste caso, entramos em contato com uma vertente do texto que, pela omissão, contribui para a formação de ideias e de imagens de perspectivas monolíticas, à medida que deixam de revelar outras possibilidades de percepção. Como a historiografia oficial geralmente omite especificidades da gente negra, uma vez ampliadas as discussões, surge a necessidade de retomar, elencar ou mesmo trazer para o debate, outros enfoques, também pertinentes à matéria.
As abordagens sobre a trajetória do negro são marcadas pela total ausência do contraponto, nos mais diferentes vieses que venhamos a encontrá-las da História à Antropologia, perpassando as mais variadas formas de cultura e saber, como o Cinema, o Teatro, a Telenovela, a Sociologia e, principalmente, a Literatura. O contraponto é o outro olhar, a outra perspectiva, a outra possibilidade de. Contraponto é, acima de tudo, referência; e só a referência impede a atribuição de valores absolutos a noções que podem ser relativas. Sem ele, entendo que aumenta em muito a possibilidade de se estabelecer uma discussão marcada pelo desequilíbrio, a menos que a meta perseguida pela História e pela Literatura seja exatamente esta, como invariavelmente parece ser.
É vastíssimo o conjunto de obras e documentos de que dispomos, específicos de uma produção cultural que trata da colonização brasileira, constituindo formas de revelar conhecimentos sobre a sociedade da época e contribuir para o entendimento da futura, em toda sua densidade. A preferência por uma linha de abordagem que não reconhece a valorização de elementos essenciais à constituição dos fatos, bem como despreza o contraponto, naturalmente impede que a tessitura de um texto que tenha por escopo tratar da presença do negro, seja organizada de forma a proporcionar ao leitor, um leque de perspectivas que confiram a sua leitura, a possibilidade de formar uma opinião mais acendrada acerca da matéria sob enfoque.
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Em se tratando de obras que versam sobre o tema, estabeleço como paradigma, três, dos livros mais lidos e estudados, já produzidos neste país: Os Africanos no Brasil, de Raimundo Nina Rodrigues; Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Para complementar as discussões, recorro ainda à obra As Religiões Africanas no Brasil, Contribuição a uma Sociologia das Interpenetrações de Civilizações, de Roger Bastide, especialmente para sustentar questões relativas à propagação e ao culto das religiões de origem africana, e também por entender que sua índole transcende o tema sob enfoque.
Essas obras são eivadas de situações em que seus autores recorrem aos expedientes do mito, do estereótipo e da ausência de contraponto, denotando por meio deles uma pretensão em manter um quadro social que perdura há muitos séculos. Para as pretensões da linha crítica deste livro, esses comportamentos vêm a calhar, e mais se acentuam, tendo em vista que é exatamente a dimensão das sua diferentes pesquisas, o aspecto que considero como fator responsável pelos poderes de penetração desses textos, nos mais diferentes meios culturais. Uma conquista que considero proveniente das suas próprias conformações.
Até mesmo com o objetivo de dispensar respeitos ao aspecto cronológico, decidi estabelecer como ponto de partida a obra de Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, por tudo que ela encerra como polo modelador desse tipo de abordagem. Apesar de surgir já nos derradeiros anos do século XIX, é indubitável seu pioneirismo, obviamente, não pelo que se relaciona a questões cronológicas, mas, sim, por sua proposta em abranger aspectos até então quase inexplorados sobre o negro, a exemplo do tratamento dispensado a elementos pertinentes à geografia e a comportamentos culturais da África. Muito provavelmente, Nina Rodrigues não seja o autor mais lido entre os responsáveis pelo corpus eleito para tratar da questão do negro no Brasil. No entanto, da mesma forma, poucos autores desenvolveram um trabalho que favoravelmente contasse, tanto quanto ele contou, com situações paralelas e com um panorama cientificista capazes de causar influências tão marcantes na sociedade em geral, e no universo literário, em particular, em vista de o olhar científico sobre o racismo ter-se tornado o grande leitmotiv dos debates políticos e culturais daquele final de século.
Quando sugiro situações que circundam ao redor de sua pesquisa, quero destacar, inicialmente, o momento político e sócio-histórico que o país vivia, isto é, última década do século XIX, por tudo o que aquele período representou para o Brasil, que começava a delinear-se como nação, a arquitetar sua própria cultura e a dar formas a seu espaço social e econômico. Apesar de já estar próximo do seu final, o século XIX acaba sendo um grande trunfo para Nina Rodrigues, pela aliança que se firma entre sua condição de médico legista e um construtivismo cientificista preponderante, união que se faz elemento legitimador de suas ideias. Em que pese tal associação, a estrutura de seu texto não me convence em que medida sua formação profissional pode ter contribuído, epistemologicamente, com a essência do trabalho antropológico que se apregoa ter ele realizado. Nem mesmo “a coleção de cabeças de bandidos e criminosos memoráveis”,22 que detinha como objetos de estudos antropométricos, apresenta qualquer nexo que justifique as relações que estabelecia entre as características físicas e mentais de indivíduos, chegando, por meio desses estudos, a conclusões que fundamentavam o caráter científico de suas ideias racistas.
Outra situação que funciona como suporte para os propósitos de Nina Rodrigues é a Abolição da escravatura. Ele conta com as implicações trazidas por uma Abolição incipiente, que embora fato já quase consumado, sabe-se que não caiu nas graças da classe dominante e muito menos na simpatia da população branca em geral, não sendo digerida nem por um, nem por outro desses segmentos. Vista pela sociedade como uma questão mal resolvida, por isso mesmo, constitui o húmus necessário para que se disseminasse, com sucesso, naquele âmbito, teses de natureza preconceituosa que se faziam apreender como resultados de descobertas pretensamente científicas, ainda que em sua essência não o fossem. Acrescentem--se a isto, as influências produzidas e sofridas por Nina Rodrigues, no e do próprio meio, como se evidencia no destaque feito por ele mesmo em relação a uma posição externada em 1879, por Sílvio Romero:
O negro não é só máquina econômica; ele é antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um objeto de ciência. Apressem-se os especialistas, visto que os pobres moçambicanos, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangues... vão morrendo.23
E diante das palavras de Sílvio Romero, Nina Rodrigues assume uma posição:
São decorridos mais de vinte anos e infelizmente não apareceu até hoje o especialista que devia satisfazer o apelo, justo e patriótico, do distinto escritor. [...] Assim me pareceu esforço útil e meritório coligir, para o estudo da raça negra no Brasil, os documentos históricos e científicos referentes às colônias africanas que as introduziram no país.24
Embora percebamos que Nina Rodrigues atende a reivindicações de diferentes segmentos, e que neste caso, é de alguém do meio literário, é preciso que se diga que, neste particular, os impactos causados são muito mais incisivos na crítica literária do que o contrário.
Em linhas gerais, o que encontramos em Os Africanos no Brasil é, em princípio, um trabalho de distinção das diferentes procedências geográficas, tribais e religiosas dos negros que primeiramente vieram escravizados para o Brasil. Além disso, o que se evidencia, também, é a explícita intenção do texto em, com muita percuciência, apresentar como escopo, a condição de desigual e inferior dos negros escravos, a partir do apelo a abordagens que atribuem um traço único à raça negra como um todo. O texto insiste na proposta de ratificar na raça negra, a presença de aspectos que a colocam numa posição de total desvantagem em relação à raça branca, qualquer que seja o ponto de vista que queiramos priorizar. O autor desenvolve sua pesquisa, sustentando-se sempre na noção de que o negro é um ser inferior, um problema para o país, um problema no Brasil.
Bem arredio do meu espírito andava, por certo, o pensamento de que os modestos ensaios, tentados em 1890 a benefício da clínica sobre as imunidades mórbidas das raças brasileiras (1) e, mais tarde, prosseguidos nas suas aplicações médico-legais às variações étnicas da imputabilidade e da responsabilidade penal, (2) viessem colocar-me um dia face a face com essa esfinge do nosso futuro − o problema “o negro” no Brasil. 25 [grifos meus]
Para resolver este “problema”, Nina Rodrigues apresenta a seguinte solução simplista:
Mas, como da primeira vez, celebrou-se de novo e agora com maior estrondo a solução definitiva do magno problema. Os negros existentes se diluirão na população branca e estará tudo terminado.26 [grifos meus]
A partir dessas âncoras, as abordagens de Os Africanos no Brasil, de maneira objetiva, irão desconstruir a figura do negro, por meio da negação de aspectos e características que lhe são inerentes, e não raro, esta predisposição é avocada por intermédio de suposições ou de ilações feitas por um trabalho que se pretende científico. Ora, como a desconstrução pela negação objetiva, necessariamente, implica uma construção pela subjetividade, a presença desse processo dialético passa a caracterizar as abordagens de Nina Rodrigues, autorizando-nos a tomar como exemplo primeiro, o questionamento que faz sobre a capacidade de revolta dos escravos, asseverando que
pode-se avançar com segurança que até hoje ficaram inteiramente incompreendidas no seu espírito e na sua significação histórica as repetidas sublevações de escravos que, em curtos intervalos, se sucederam na Bahia, durante a primeira metade do século XIX. Para os cronistas, eram simples manifestações dos sentimentos perversos dos selvagens de pele negra [...] Para espíritos mais benévolos, os levantes apenas constituíam justas represálias de seres brutalizados por senhores desumanos. Os escritores de ânimo liberal viam nas insurreições dos negros uma nobre revolta de oprimidos contra a usurpação da sua liberdade, em cuja reivindicação davam, por vezes, notáveis exemplos do mais belo heroísmo. De tudo isto podiam participar as revoltas dos africanos, mas seguramente elas não eram isso. 27 [grifos meus]
Embora faça uma referência direta aos movimentos de insurreição ocorridos na Bahia, Nina Rodrigues deixa transparecer que o elemento que lá sustentou as rebeliões − o islamismo − foi o responsável pelas reações dos escravos que o adotavam como crença religiosa, permitindo concluir que aqueles que se abstiveram dessa crença foram incapazes de reações semelhantes. Ele entende que onde faltou o estímulo religioso, vigorou a fragilidade do nexo ao desígnio de um esforço pela liberdade física ou cultural:
Mas o islamismo, que por toda a parte na África, de inopinadas guerras santas, faz surgir como por encanto impérios e reinos de duração mais ou menos efêmeras, era, no fanatismo dos negros, dos camitas e dos seus mestiços, a mola e a origem de todas essas explosões.28
Outro elemento marcante na história dos escravos que o texto procura desconstruir é o quilombo de Palmares. Na versão de Nina Rodrigues, o quilombo não passou de uma grande fantasia criada por alguns historiadores que, impropriamente, o batizaram de República dos Palmares. Para Nina Rodrigues, o historiador Rocha Pita atribui a Palmares “grandezas que não podia possuir”29 e em “desacordo com tudo o que se sabe da capacidade e cultura dos palmarinos”.30 Especificamente nesses casos, ele recorre a suposições, assim como o faz ao dizer que “as cidades de Palmares ‘deviam ser’ verdadeiros agrupamentos de pequena vilas”.31 Ainda quanto a Palmares, o autor conclui, também baseado em conjecturas, que o governo de Palmares “muito ‘devia haver’ de importado das práticas e costumes da colônia portuguesa”.32
Os Africanos no Brasil evidenciam ainda, uma proposta de resolver a questão do negro pela sua eliminação, posição que o autor procura minimizar usando o eufemismo “diluição na sociedade branca”, muito embora esta eliminação, de certa forma, tenha se configurado em termos práticos. O quilombo de Palmares, ao qual Nina Rodrigues se refere como exemplo da “necessidade” que o governo de Pernambuco teve em eliminá-lo, em função das sucessivas retomadas que se verificavam depois de cada investida das forças regulares, é o modelo acabado de ações responsáveis pela veleidade incontida da classe dominante, em executar seus projetos de eliminação.
Tal acontecimento legitima a pesquisa que, no futuro, Célia Maria Marinho de Azevedo desenvolveria, sob a denominação de Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites, um trabalho, cujo próprio título já traduz o quanto a classe dominante se sentia insegura diante da presença do negro. Como consequência, a insurgência deste à determinação daquela classe, em não reconhecer seu direito de se autogerir, acabava configurando-se como uma ameaça aos interesses da classe dominante, no que se refere à prática espontânea de conferir a si mesma, poderes para sistematizar as relações sociais na colônia, da forma desmedida com que o fez.
Em seu aspecto geral, o texto de Nina Rodrigues mantém o negro numa vitrine que exibe aquilo que a classe dominante considera nocivo à sociedade, mesclando com o destaque de características que, sempre na ótica dessa classe, ele entende serem positivas. Como exemplo, referências tais como: “negros dessa procedência são submissos, ordeiros e zelosos” enquanto os “daquela procedência são aptos à lavoura”. Em síntese, Os Africanos no Brasil constituem-se na fôrma definitiva que dá forma aos textos subsequentes. A diferença básica entre o texto de Nina Rodrigues e os que o sucedem é que, estes conseguem ser menos incisivos que aquele, no que diz respeito ao quesito preconceito.
Seus sucessores, em muito minimizam este comportamento próprio do século XIX que, de forma marcante, migra para a crítica literária de então, conforme se apresentam nos seus contemporâneos, Sílvio Romero e José Veríssimo. Embora grandes desafetos no terreno das discussões literárias, dessa feita, nele, ambos se unem por um mesmo ideal, colocando-se como sectários do pensamento de Nina Rodrigues, condição que se evidencia em suas críticas, orientadas sempre por critérios naturalistas e evolucionistas, e não raramente, movidas por motivações pessoais.
A começar por Sílvio Romero, destaco o quanto, em sua atividade crítico-literária, ele se deixa nortear por aspectos próprios dos atributos pessoais dos autores negros, os quais analisa, como se percebe, em especial nos trabalhos que têm como objeto a produção de Cruz e Sousa, uma referência consagrada no universo literário. Sílvio Romero não deixa de reconhecer e considerar as qualidades do poeta simbolista, entretanto, o registro da sua condição de negro, sem razão de ser, pulveriza as abordagens de proeminência estética, imanentes ao texto. No campo crítico-literário é sempre válido mencionar elementos que autorizam a crítica a transcender a imanência do texto, desde que explorados em níveis que não resultem na sujeição predominante de exterioridades, sob pena de transformar em personalista uma referência que, na sua essência, deve primar pela valoração estética. É esta a impressão que deixa a leitura da crítica romeriana, possível de ser percebida no fragmento que segue, pontuado que é pelos aspectos mapeados:
Ele é o caso único de um negro, um negro puro, verdadeiramente superior, no desenvolvimento da cultura brasileira. Mestiços notáveis temos tido muitos; negros, não, só ele; porque Luiz Gama, por exemplo, nem tinha grande talento, nem era um negro pur sang. Assim outros sofrem os terríveis agrores de sua posição de preto e pobre desprotegido e certamente desprezado. Mas a sua alma cândida e seu peregrino talento deixaram sulco bem forte na poesia nacional.33
A leitura do fragmento sugere perguntas que não podem deixar de ser feitas: em que medida a cor de uma alma − e como defini-la como branca − pode deixar trilhas a serem seguidas na poesia? Quanto ao peregrino talento, com certeza; entretanto, o que me parece sintomático é que a proposta de atribuir uma “alma cândida” a alguém dotado de atributos que, na visão do crítico, só aos negros são pertinentes, nada mais é do que uma tentativa de minimizar suas habilidades artísticas ou até de reconhecê-las, sim, mas sem aceitá-las com nobreza de ânimo.
José Veríssimo, por sua vez, mantém-se muito próximo de Sílvio Romero, na medida em que adota comportamento semelhante, dando consistência a uma mundividência que não é apenas sua, mas, também, daquele próprio século, como se vê com clarividência em sua análise crítica sobre o mesmo Cruz e Sousa, admitindo que
os Últimos Sonetos, de Cruz e Sousa (Paris, Aillaud e Cia., 1905) publicação póstuma devido à tocante piedade de alguns amigos, e prefaciada pelo mais dedicado deles, outro poeta, o Sr. Nestor Vitor, modificaram de muito o juízo que desde o seu primeiro livro de versos fiz do malogrado poeta preto. Nunca ousei dizer que em Cruz e Sousa não houvesse absolutamente matéria de poesia, nem sensações e sentimentos, ideação bastante, dons verbais, capazes de fazer um poeta. Admiti sempre que os havia, mas o que não senti então, além da música das palavras, do dom da melodia, que é comum nos negros, era a capacidade de expressão, e essa incapacidade escondia-me a sua inspiração.34 [grifos meus]
Em meu entendimento, reduzir, ou na melhor das hipóteses, associar a sonoridade presente nas palavras da criação artística de Cruz e Sousa, a algo pretensamente natural à genética dos negros é de um acacianismo extremo, e demonstra total desconhecimento da relação existente entre música e poesia, tão marcante na estética simbolista e proposta desde sempre por Mallarmé. Para este poète maudit, a música une-se ao verso para formar poesia, compreensão que exige que não se perca de vista, a verdadeira noção de musicalidade empregada pela estética simbolista, e que por sua vez, nada tem a ver com um conceito simplista, que, com objetividade, tem a pretensão de vincular a noção de musicalidade a princípios melódicos, como, equivocadamente, o crítico estabelece.
E Veríssimo prossegue em sua tentativa de convencer o leitor de que seu pensamento, sua análise e sua visão não pautam por priorizar as características físicas de Cruz e Sousa, apesar de insistir no recurso a evidências que autorizam o mais ingênuo dos leitores, a perceber que é exatamente isto o que ele faz, principalmente nas ocasiões que conclui, problematizando
se a poesia, como toda arte, tende ao absoluto, ao vago ao indefinido, ao menos das comoções que há de produzir em nós, quase estou certo em dizer que Cruz e Sousa foi um grande poeta, e os dons de expressão que faltam evidentemente ao seu estro, os dons de clara expressão, à moda clássica, os supriu o sentimento recôndito, aflito, doloroso, sopitado, e por isso mesmo trágico, das suas aspirações de sonhador e da sua mesquinha condição de negro, de desgraçado, de miserável de desprezado. É desse conflito pungente para uma alma sensibilíssima como a sua, e que humilde de condição se fez soberba e altiva para defender-se dos desprezos do mundo e das próprias humilhações, que nasce a espécie de alucinação da sua poesia, e que faz desta uma flor singular, de rara distinção e colorido, de perfume extravagante, mas, delicioso, no jardim da nossa poesia.35 [grifos meus]
Infelizmente, o que se vê na crítica de um intelectual do porte de José Veríssimo é uma ânsia desenfreada em vincular o que ele mesmo vê como qualidade artística de Cruz e Sousa, a sua condição de negro. E o que é muito pior: a de negro marcado por toda sorte de infortúnios que, inevitavelmente o acompanham, pelo simples fato de ser ele negro. Na verdade, esse tipo de análise crítica desvela muito mais o sujeito crítico em toda sua dimensão, do que propriamente o objeto analisado, considerando que tanto Silvio Romero quanto José Veríssimo demonstram uma preocupação muito maior com aspectos físicos do autor, do que com a essência do artefato literário por ele produzido. Nessa perspectiva, ambos são referências de como o pensamento do século XIX atuou, causando influências em campos do saber que dividem com a História, o espaço reservado ao conhecimento. Assim se reconhece de forma tácita, que Nina Rodrigues fez escola, e para autores de trabalhos da mesma natureza ou de natureza diversa, produzidos ulteriormente, na sua plenitude, o seu texto é uma referência que funcionou muito mais como espelho, que como farol.
***
A despeito da sua importância documental e da diversidade de linhas de abordagem que concentra na sua organização intratextual, Casa-Grande e Senzala não consegue dissimular seu compromisso maior: analisar o comportamento de negros escravizados no período colonial, a partir da perspectiva do dominante. É verdade que tal comportamento não inviabiliza sua qualidade, mas é igualmente verdadeiro que ele a consagra como reducionista. Analisada por esse prisma, a produção de Gilberto Freyre traduz uma visão a distância, de fora para dentro, paternalista, e, portanto, de pouca densidade. Representa um foco que consegue incidir da Casa-Grande à Senzala, mas mostra-se incapaz de fazê-lo da Senzala à Casa-Grande, dando prosseguimento à forma, historicamente consagrada, de se olhar para o negro e para a conjuntura da qual ele faz parte. A exemplo de muitas outras obras comprometidas com a ideologia dominante, ela também não “escreve a história da escravidão, mas, sim, passa a ser parte da história escrita sobre a escravidão,”36 à medida que lesa o leitor em uma interpretação mais objetiva sobre a realidade social brasileira.
Estruturado sobre uma atmosfera “romântica,” o texto freyriano procura a todo o momento revelar e enfatizar um “lado bom” da atividade escravocrata, caracterizado pelas contribuições prestadas pelos negros, fundamentalmente no que diz respeito à formação da família brasileira. Por esse motivo, configura como algo extraordinário a união da cultura negra às culturas branca e índia, − àquela em muito maior proporção que a esta. Ressalte--se ainda, que os seus posicionamentos são sempre inclinados a revelar um homem negro, cuja utilidade maior tem como razão de ser, justamente a posição por ele ocupada na tessitura social: a de escravizado. Outra preocupação visível do texto é a sua insistência em forjar um caráter “humanitário” presente nas relações entre alguns senhores e escravos domésticos, “‘tão acentuadas’ que em alguns casos os escravos até se sentavam à mesa com os senhores.”37 [grifo meu] É pela presença desses recursos que o texto potencializa suas intenções em demonstrar a existência de uma componente de “doçura”, num convívio que em sua essência pautou por ser, eminentemente, suserano e vassalar.
Quanto ao contraponto mencionado em capítulo anterior, também desta feita ele se faz ausente, e entendo que, semelhantemente, nesta oportunidade, sua exploração seria vital para se chegar à inteireza da real significação do tema abordado.
Ainda no que diz respeito à contextura de Casa-Grande e Senzala, torna-se oportuno destacar que o perfil do autor, em face de sua indiscutível importância nos meios culturais, é outro fator decisivo para consolidar concepções que só uma leitura imediatista pode proporcionar. Este princípio ganha determinação no fato de sua obra encontrar-se cercada por um sem-número de recomendações e de opiniões apresentadas por figuras notáveis da Literatura, da Política, da Sociologia, bem como de componentes dos mais diversos campos da intelligentsia brasileira. Atualizado a cada nova edição, tal expediente não só a consolida, como também contribui para sacralizá-la como uma instância de análises quase inquestionáveis.
Da mesma forma que intelectuais referendam a obra de Gilberto Freyre, ele também, pelos mesmos motivos, por vezes foi chamado a contribuir com posicionamentos semelhantes como se pode verificar no prefácio da 4ª edição de O Tronco do Ipê, de José de Alencar. Esse expediente contribui para o surgimento de conjunturas que, espontânea e naturalmente, preservam interesses dos mais variados matizes.
Na obra em questão, no prefácio intitulado José de Alencar, Renovador das Letras e Crítico Social, Freyre ressalta qualidades de Alencar como crítico social, traduzidas pela defesa de ideias das quais sabemos que ele, Freyre, também comunga. É possível perceber tal proposta na passagem onde Freyre relata que, ainda como adolescente, ao escrever uma tese sobre a sociedade patriarcal brasileira, procurou “sugerir que o escravo no Brasil de então era tratado melhor pelo senhor rural que o operário de fábrica na Europa da mesma época”.38 Conforme relato do próprio autor, ele acredita que sua afirmação “inconscientemente seguiu sugestões de um Alencar lido com entusiasmo e até fervor na meninice”.39 [grifo meu]
As proposições de Freyre servem para mostrar a importância e a influência das ações que a Literatura imprime sobre o leitor, a ponto de possibilitar que ele extraia do texto, uma mundividência que, neste caso específico, quando de seu contato com outros segmentos, atinge maiores proporções porque norteia ações e formaliza pontos de vista. O que se caracteriza nesse caso, portanto, é uma situação que, na falta de um termo que a defina com precisão, opto por tratá-la como relação de ingerências mútuas entre realidade e ficção, entre relações sociais do cotidiano e Literatura. É dessas ingerências que aflora uma natural predisposição nossa, em atribuir à Literatura, toda forma de sustentabilidade ao que observamos, quando, de fato, o que nela se encontra, lá está em virtude de sua capacidade em atuar como caixa de ressonância da sociedade. Quanto a essa característica do artefato literário, convém acrescentar, que a obra não se presta, simplesmente, a fazer uma mera reprodução do mundo empírico, mas, em relê-lo, de forma a transformar, o que em certa medida reflete. No geral, os leitores têm uma propensão em reduzir a interpretação de um texto literário, à visão que têm do dia a dia, não percebendo que o apanágio do texto está na sua competência em difundir, simbolicamente, uma realidade que lhe é exterior.
Em consequência de tais intercursos, o que começa a postular ponderação é a capacidade que algumas abordagens históricas ou literárias têm, tanto de formar quanto de deformar ideias, opiniões e perspectivas, nas oportunidades em que, visivelmente, conjugam esforços no sentido de atender a propostas específicas. Como se pode perceber, a asserção de Freyre é um tácito reconhecimento de que aquilo que ele chama de inconsciente é, na verdade, a constatação cabal da existência de um imaginário vigente, no âmbito do qual, muitas concepções são, não apenas sedimentadas, mas, também legitimadas. Quando motivos determinantes das mais variadas ordens procuram passar por conteúdos inconscientes, estamos, de fato, diante de manifestações, prioritariamente ideológicas, considerando o seu conceito de falsa consciência. Neste particular, Casa-Grande e Senzala encontra-se, em grande medida, ancorado num discurso literário que, do ponto de vista ideológico, vai ao encontro dos propósitos de seu discurso histórico. Sendo assim, verificamos que acontecimentos dessa ordem conferem ao discurso literário, uma capacidade de se configurar como eficaz mecanismo de fortalecimento de discursos hegemônicos, de naturezas diversas.
Ainda no referido prefácio, Freyre salienta que,
com efeito, literatura e arte refletiram e, até certo ponto continuam a refletir, no Brasil, condições e motivos de convivência principalmente de família; e essa família, a patriarcal e, por longo tempo, a escravocrata ou a desenvolvida à margem do sistema escravocrata.40
Corroboro as palavras de Freyre, entretanto, defendo que um exame da realidade que em princípio o discurso literário articula, exige que se faça neste a distinção de especificidades estéticas, de forma a evitar que a compreensão do todo seja mutilada ou se torne carente de uma interpretação mais adequada aos seus próprios princípios. Esta é a visão que tenho sobre a questão, considerando que essas especificidades estéticas, embora subjacentes ao discurso, são o principal credenciamento do qual ele dispõe para atuar como elemento englobante de processos que, se bem observados, revelam que, subliminarmente, interesses de caráter hegemônico são atendidos. O que vai conferir ao discurso literário tais poderes é exatamente sua capacidade de pulverizar o texto, de forma dissimulada, com essas especificidades que lhe são inerentes, às quais dedico um capítulo em que as trato como medidas estratégicas utilizadas no ato da criação.41
É interessante perceber que a imagem de Alencar associada à de Freyre, na mesma intensidade que as opiniões abalizadas deste, conjugadas à visão de mundo daquele, configuram significações resistentes a contestações que não tenham por base, leituras possíveis de serem desenvolvidas somente por leitores possuidores de um arcabouço teórico, no mínimo razoável, que, como se sabe, não é o caso da esmagadora maioria do público ledor. As marcas dessa associação legitimam e credenciam a obra como fonte de esclarecimentos, tanto quanto o fato já anteriormente citado de ela contar com uma distinção atribuída por figuras notáveis nas diversificadas áreas do conhecimento. Esse tipo de recurso confere à obra uma autossuficiência e uma soberania no processo de elaboração de temas que, embora complexos em sua gênese, acabam sendo acolhidos a partir de uma tendência espontânea que pode levar o leitor a subsumir seu conteúdo. Portanto, em virtude de priorizar o ponto de vista do dominante, o texto freyriano contribui em muito para a construção de representações, de mitos, de estereótipos e até de um imaginário que colaboram para a manutenção do establishment.
Suas argumentações são sustentadas, fundamentalmente, em pressupostos etnológicos, e embora esse dado seja parcela responsável pelo crédito de seu trabalho, elas não devem, necessariamente, ser consideradas como verdades livres de questionamentos. O próprio teor etnológico já é limitado em si, por não se poder dizer que a ocorrência de um mesmo fenômeno sempre se dá em função das mesmas causas, e por não provar que a mente humana obedece às mesmas leis em todos os lugares. Da mesma forma, também não se pode dizer que a passividade, a inação e até uma repetitiva proposta de conformismo, atribuídas ao negro e sempre exploradas pelos textos que tratam dele, significam, obrigatoriamente, a tradução fiel de uma linha de pensamento ou de comportamento. Quanto a este aspecto, Lévi-Strauss expressa que,
todas as vezes que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte ou de estacionária devemos, pois, perguntarmo-nos se este imobilismo aparente não resulta da nossa ignorância sobre os seus verdadeiros interesses, conscientes ou inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não é, em relação a nós, vítima da mesma ilusão.42
E é pela insistência dessa ótica que prevalece o investimento feito por Freyre na exploração de elementos desse porte. Comparando raças, exalta a índia em detrimento da negra: “muito auxiliou o índio ao bandeirante mameluco, os dois excedendo ao português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro;” [...].43
Poucas situações ou raras formas de vida, talvez exijam tanto de uma pessoa o exercício da mobilidade, da audácia e do ardor guerreiro, quanto se pode supor que o cotidiano do negro escravo dele tenha exigido, em razão das implicações advindas da sua posição dentro da engrenagem social. Acentuando-se, sobretudo, diante do enfrentamento que se lhe deparava nas oportunidades em que decidia pela adesão aos quilombos, uma vez concretizada a fuga, o domínio da nova morada, por tudo o que esta condição exigia, encontrava-se dependente do seu destemor, do seu espírito aguerrido e da sua capacidade para manter sob controle a nova situação. O cotidiano do escravo, em especial do rebelde, era marcado pela inevitável proximidade com o combate, e a execução da ação de fuga, necessariamente implicava planejamento, estratégia, e acima de tudo, determinação e coragem. Estes requisitos são pertinentes, não apenas ao escravo, mas à própria essência humana, e ipso facto, muito utilizados por quem convivia com aquele tipo de adversidade, na medida em que é natural do ser humano, não admitir escravizar--se. Com essas argumentações não pretendo heroicizar o negro, mas tenho, sim, a pretensão de chamar a atenção para o quanto é de bom alvitre desferir sobre essa questão, olhares atilados a ponto de fazer entender que as características aguerridas encontradas no escravo, não apresentam como justificativas sua condição de negro, mas, sim, sua condição de escravizado. Uma vez que esta premissa seja ponderada na análise dos fatos, seremos conduzidos à percepção do quanto esses dados transcendem determinantes de natureza racial ou étnica.
As linhas de análise e raciocínio eleitas por Freyre prosseguem pontuando o texto. Mantendo o recurso da confrontação, ele tende a amenizar uma característica considerada como deficiência do índio, e ao mesmo tempo, difunde e fortalece, quanto ao negro, uma imagem e uma impressão que lhe contornam há séculos: a sina de ter nascido para ser escravizado. Em sua visão, as razões do fracasso do índio encontram-se, por um lado, na natureza “enfadonha” do trabalho em si; por outro, por não dispor de dotes físicos e psicológicos próprios do negro e indispensáveis à índole do trabalho que devia ser desenvolvido. Enfim, Freyre consegue “fragilizar” o índio, que no imaginário popular vigente ainda hoje, continua sendo referência de robustez, sem, no entanto, deslustrar uma visão secular construída sobre ele, imposta por esse mesmo imaginário, a partir da utilização do negro, dessa vez, sim, como contraponto:
[...] sua capacidade de ação e de trabalho falhou, porém, no rame-rame tristonho da lavoura de cana, que só as reservas extraordinárias de alegria e de robustez animal do africano tolerariam tão bem.44 [grifos meus]
Não raramente seu texto dá a impressão de querer destacar o caráter abjeto da escravidão, mas, a despeito disso, a cada momento oportuno ele semeia uma ideia de que tudo foi engendrado pelo próprio negro. Construindo e por vezes conjecturando uma natural superioridade da raça branca sobre a negra, o tempo todo Freyre procura proteger o colonizador, e por vezes, o próprio índio, como se por meio desses artifícios, pudesse transferir responsabilidades e justificar o injustificável, negando a responsabilidade do crime, colocando a culpa na vítima.
No caso brasileiro, porém, parece-nos injusto acusar o português de ter manchado, com instituição que hoje tanto nos repugna, sua obra grandiosa de colonização tropical. O meio e as circunstâncias exigiriam o escravo. A princípio o índio. Quando este, por incapaz e molengo, mostrou não corresponder às necessidades da agricultura colonial − o negro. Sentiu o português com o seu grande senso colonizador, que para completar-lhe o esforço de fundar agricultura nos trópicos − só o negro. O operário africano. Mas o operário africano disciplinado na sua energia intermitente pelos rigores da escravidão.45 [grifos meus]
Percebe-se com relativa clareza as pretensões do texto freyriano em dispensar aos princípios do escravagismo, o mesmo tratamento que se dispensa a uma atividade trabalhista. Muito mais grave que querer tratar a escravidão como uma simples concentração de operadores servis é a ambição do texto em circunscrevê-la e disseminá-la como se fosse uma modalidade de trabalho ou um ramo do operariado. Todos sabemos que a transcendência desse acontecimento encontra-se posicionada nas marcas de crueldade, encontradas numa trajetória de vida que foi muito mais do que simplesmente ocupacional. Marcas tão cruéis quanto as deixadas por um manifesto interesse pelo impedimento da propagação do fato em toda sua profundidade, em toda sua real abrangência e com todas suas responsabilidades e implicações.
Uma demonstração explícita da capacidade que o processo escravocrata possui em exorbitar de seu patamar, aparências meramente ocupacionais, encontra-se na criação da figura do “mané-gostoso”, criança negra que era oferecida à criança branca como objeto de posse. Neste caso, o direito de domínio da criança branca sobre a criança negra abrangia das mais diversificadas determinações de autoridade, até a realização dos desejos de maus--tratos, tais como espancar, cuspir, beliscar, cavalgar sobre ela e lhe impingir toda sorte de sevícias que o repertório de maldades de uma criança seja capaz de açambarcar.
O livro de Gilberto Freyre em suas primeiras páginas ostenta uma ilustração sobre a dimensão física e o dia a dia de uma Casa--Grande. Nesse recurso há uma gravura que ostenta uma criança negra fazendo-se passar por animal de tração, conduzida por uma criança branca que nas mãos exibe uma espécie de relho.46 Como se sabe, o expediente do “mané-gostoso,” por ser implementado na tenra idade da criança branca − e da criança negra também − além de configurar um eficaz processo de “socialização” da criança branca, tinha como finalidade maior, a prática de introjetar nela a concepção de superioridade de sua raça sobre a raça negra, de forma a fazê-la adentrar a idade adulta apta a identificar no escravo um ser inferior. Convencido de que a escravidão era parte da ordem natural dos acontecimentos, no homem branco esse pensamento permanecia como baliza para todo o sempre, e como é evidente, o processo procurava ainda engendrar no negro a assimilação da inferioridade pela dominação. Irônica e estrategicamente, a obra apresenta a questão do “mané-gostoso” ao nível da estampa, no entanto, dada sua pungência, pouco a explora como conteúdo, como objeto de discussão e muito menos como motivo de um debate mais aprofundado. Além de apenas tangenciar o tema, Freyre denomina-o “companheiro de brinquedo”47 e propõe apenas “supor a repercussão psíquica”48 daquelas relações infantis sobre os adultos. [grifos meus] Para muitos, é também de brincadeira a concepção que se faz presente em nossa Literatura, como observamos num de seus expoentes, Machado de Assis, criticado por quem o considera um escritor que pouco teria se envolvido com a questão do negro. É possível que Freyre tenha lido apenas superficialmente as palavras de Brás Cubas:
Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia − algumas vezes gemendo −, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um “ai, nhonhô”, ao que eu retorquia:
− Cala a boca besta!49 [grifos meus]
Ideias centradas em posicionamentos dessa natureza são responsáveis pela propagação dos mitos e dos estereótipos que se encontram circulando em torno da figura do negro. Revelando uma capacidade de transcender o espaço histórico e de penetrar em todos os demais, conseguem, de forma indelével, marcá-lo, prejudicialmente. Esta é uma recorrência que venho procurando demonstrar como sendo um dos elementos-chave deste capítulo, em virtude de sua competência em também integrar o processo de formação de um homem branco que, exatamente em função das substâncias que o plasmaram, necessita ter sua performance avaliada, quando se tem por meta a atingir, a interpretação e a compreensão em sua inteireza, de um panorama tão amplo.
Ainda como estratégia para limitar o tema a níveis de menor contundência, o texto expressa os anseios do autor em blindar figuras históricas, isentando-as de responsabilidades inerentes às implicações causadas pelo processo escravagista.
Infelizmente as pesquisas em torno da imigração de escravos negros para o Brasil tornaram-se extremamente difíceis, em torno de certos pontos de interesse histórico e antropológico, depois que o eminente baiano, conselheiro Rui Barbosa, ministro do Governo Provisório após a proclamação da República de 1889, por motivos ostensivamente de ordem econômica − a circular emanou do Ministro da Fazenda sob nº 29 e com data de 13 de maio de 1891 − mandou queimar os arquivos da escravidão. Talvez esclarecimentos genealógicos preciosos se tenham perdido nesses autos-de-fé republicanos.50 [grifos meus]
Somente uma proposta fundada na pretensão de preservar conjunturas ideológicas dominantes pode explicar o recurso ao termo “imigração”, como referência à vinda dos escravos negros para o Brasil, na medida em que é de conhecimento geral o fato de não terem eles vindo para cá na condição de imigrantes. Para tanto, seria indispensável que o trabalho por eles executado, fosse, na pior das hipóteses, remunerado; como se sabe, uma das justificativas básicas para que um trabalho seja classificado como escravo é, justamente,o fato de ser ele desprovido de remuneração.
Em igual conformidade, afirmo que a queima de documentos, − mesmo a determinação partindo de uma “eminência” −, ilustra com profundidade, a incoerência e a falta de respeito e ética dispensada aos direitos de um segmento social em particular; aos do povo de um país, em geral, e à espécie humana como um todo, bastando, para perceber tal dimensão, que se olhe para o fato através de uma lente grande-angular que permita um alcance que vá além do primeiro e imediato efeito ótico. Nessa proporção, tal atitude, com certeza, e, não, possivelmente, como apregoa o autor, reduz a cinzas objetos de pesquisa genealógica, causando, com isso, uma irreparável mutilação à História do Brasil.
É lamentável que em sua principal obra, um ícone da cultura brasileira como Gilberto Freyre tenha tratado com tanto simplismo um acontecimento de tamanha envergadura e tão marcante na vida pregressa do Brasil, elevando-o à categoria de ato fortuito, e pela adoção de tais métodos, despercebendo implicações futuras. É inegável o valor de Casa-Grande e Senzala como fonte de transmissão de conhecimentos, da mesma forma que não podemos deixar de notar a contribuição prestada à ampliação da visão do brasileiro, acerca da formação de nossa própria nacionalidade. Entretanto, ao omitir destaques de elementos englobantes do processo ao qual se propõe a desenvolver, e pelo investimento feito na formação de um imaginário conciliador, deformado e deformador, tudo a partir de uma linguagem utilizada em conformidade com ideologias ajustadas a interesses dominantes, o texto freyriano constitui-se num instrumento que, além de criar, em muito fortalece a expectativa de que esse tipo de lacuna, por vezes, vem para tentar convencer de que no Brasil, jamais houve escravidão.
***
Outra obra emblemática da proposta de se conhecer e reconhecer o Brasil é Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, em vista das discussões que propõe e pela capacidade em se revelar como ponto de afluência de várias gerações de leitores. No intuito de buscar informações e diante da possibilidade de ampliar uma visão geral acerca do país e de nossa própria evolução genealógica, ainda hoje, muitos a ela acorrem com frequência considerável.
Entre outras características, esse livro também é muito bem prefaciado, na medida em que o é por Antonio Candido. Portanto, uma proposta imediata, − a de legitimação da obra −, é satisfeita de forma inequívoca, tendo em vista o respeito que todo o universo cultural, devidamente, dispensa ao referido sociólogo.
Estabelecendo como substrato as raças índia, branca e negra, a obra, como não poderia ser diferente, reserva ao negro um âmbito delimitado, a partir de sua posição num cenário que apresenta o branco e o índio em primeiro plano, e neste caso específico, dispensa ainda ao branco uma primazia em virtude de suas proximidades genéticas com o europeu de origem ibérica.
No trabalho desenvolvido por Holanda, deparamos com uma proposta central que, em certa medida, confere à obra um aspecto dicotômico. O foco das discussões é centrado sobre a questão do surgimento de um Brasil urbano que se opõe a um Brasil agrário decadente, tendo como divisor de águas, a Abolição da escravatura. Muito embora a Abolição em si − por tudo o que a cerca, do ponto de vista político, administrativo e econômico −, não traduza com inteireza a verdadeira expressão dos anseios de liberdade de toda a população negra escravizada, entendo que ainda assim, este fato histórico não pode ser reduzido a um simples marco delimitador entre duas cronologias.
Em algumas passagens de Raízes do Brasil, encontramos sérias representações dessa visão deformadora, principalmente em afirmações segundo as quais
a grande revolução brasileira não é um fato que se registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem durando pelo menos há três quartos de século. Seus pontos culminantes associam-se como acidentes diversos de um mesmo sistema orográfico. Se em capítulo anterior se tentou fixar a data de 1888 como o momento talvez mais decisivo de todo o nosso desenvolvimento nacional, é que a partir dessa data tinham cessado de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento de um novo estado de coisas, que só então se faz inevitável. Apenas nesse sentido é que a Abolição representa, em realidade, o marco mais visível entre duas épocas.51 [grifos meus]
Como uma ruptura marca o declínio de uma estrutura social de predomínio agrário, Holanda entende que “o quadro político instituído no ano seguinte quer responder à conveniência de uma forma adequada à nova composição social.”52 Esse novo panorama ao qual o autor se refere é tratado por ele, baseado numa visão prioritariamente econômica, e nesta nova topografia social, continua não havendo espaço para o negro da mesma forma que essa derivação também deixa de ser contemplada por discussões que, segundo elas mesmas, têm aspirações radiculares.
À medida que atribui a aspectos sócio-históricos pré e pós- -abolicionistas, a responsabilidade pelo surgimento de um contexto econômico, o texto confere à Abolição, importância apenas meramente econômica, e a reduz a um simples referente temporal, revelando preferência por atitudes que minimizam a participação do negro naquele processo. Nesse sentido, a própria obra também se torna reducionista. A começar por este fato, percebemos que, para uma proposta de dissecação do Brasil a começar por sua base, a participação do negro mais uma vez é elaborada por uma linguagem que traz em seu bojo, um húmus ideológico que atua como mecanismo de mensuração da pouca abrangência e da quase nenhuma profundidade da sua contribuição, prestada na construção do nosso edifício social.
Até mesmo com base numa predisposição semântica, no que diz respeito ao nome da obra, entendo que ela frustra expectativas do leitor, justamente por conferir um espaço e um tratamento pouco expressivos às relações de convívio entre as diferentes raças e às muitas implicações advindas daí, principalmente as de teor econômico. Ainda quanto ao aspecto semântico é preciso ressaltar que o texto, ao tomar questões relativas a um processo de complexidade racial contundente como o ocorrido no Brasil e diluí-las numa conjuntura social mais ampla, está, em grande escala, e de formas gradativa e silenciosa, contribuindo para seu desaparecimento.
Em seu aspecto geral, o texto traz marcas sintomáticas de um discurso conciliador que se desenvolve na esperança de justificar as causas da escravidão, por intermédio do apelo a uma conversação fastidiosa e desprovida do menor poder de persuasão. A defesa repetitiva da tese de que, à conjuntura colonial não restou outra alternativa, e por isso se viu forçada a aproveitar o negro na aplicação de trabalhos extenuantes, fundamenta-se na proposta de difusão de uma fantasiosa incapacidade do índio e na facilidade de obtenção de mão-de-obra escrava. Tanto um quanto outro expediente surgem como estratégias de convencimento de que a exploração do negro foi produto de atitudes involuntárias, aspiração que podemos constatar na citação que segue:
E verificou-se, frustradas as primeiras tentativas do emprego do braço indígena, que o recurso mais fácil estaria na introdução de escravos africanos. Pode-se dizer que a presença do negro representou sempre fator obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais.53 [grifos meus]
Outra evidência com a qual deparamos ao longo das abordagens de Raízes do Brasil é uma supervalorização do europeu, que se dá por intermédio de afirmações, tais como a que atribui à Península Ibérica a responsabilidade pela origem da “forma atual de nossa cultura,”54 considerando o que resta, como “matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma,”55 quando sabemos que a discussão sobre o assunto é bem mais ampla. O que é visível nesse tipo de afirmação é a pretensão do texto em exaltar sintomas europeus presentes em nossa formação cultural, de forma a fazer deles um caráter “enobrecedor” de nossas origens, e, ao mesmo tempo, contrapontear uma considerada “indigência” cultural que, por assim ser, credita-se como herança de negros e índios. Na realidade, nossa cultura é, sim, um caleidoscópio formado por diferentes contributos culturais, o que em muito dificulta uma definição em termos de qual povo seria o responsável por maior ou menor contribuição, embora este questionamento seja irrelevante, mesmo porque, nossa riqueza cultural, em grande medida, existe, justamente, em razão da diversidade que a caracteriza.
Interposta entre duas extremidades pouco recomendáveis socialmente; uma, marcada pela nódoa da escravidão; outra, pela atmosfera de embusteirice criada ao redor do índio, à classe dominante restou o apego aos dotes físicos e culturais do colonizador, que por serem extraídos de gente oriunda da Europa, foram considerados uma espécie de componente depurada de nossa brasilidade. E nem se diga que a condição pouco representativa dos ibéricos dentro da realidade européia da época tenha sido levada em conta como qualquer tipo de restrição para a realização de projetos oníricos de inclinação nobre, alimentados pela elite brasileira.
No processo formador do pensamento de nosso povo, representativo do ponto de vista da ótica da classe dominante, coube ao negro o papel de menor distinção. À insignificância do índio, a própria classe dominante incumbiu-se de criar dispositivos de superação, fortalecidos e disseminados, sobretudo, pela Literatura do século XIX. O discurso sócio-histórico de Raízes do Brasil também estabelece um cruzamento com o discurso literário, atendendo a pressupostos que são objeto de demonstração do que ora se busca. E mais do que isso, convence que marcas, indícios e características próprias de um texto, podem perfeitamente apresentar-se na configuração de outro, nele provocando ou dele recebendo significativas influências. Portanto, a tese de que o discurso literário é um tópos de legitimação de uma visão concebida pela classe dominante encontra repercussão em passagens do texto de Holanda.
Sistematicamente, os textos literários que tratam do assunto, apelando para uma visão quimérica, revestem o índio de foros de nobreza, de virtudes próprias de paladinos e até de gladiadores, além de, em alguns casos, atribuir-lhe, inclusive, laivos físicos de europeu. Não se pode perder de vista que, sob a exaltação exacerbada de pseudoqualidades do índio, subjaz a intenção de manter o negro num patamar de inferioridade, a exemplo do que ocorre em outros textos de natureza semelhante. Neste particular, o discurso literário, na mesma proporção que as demais formas discursivas, encontra no construtivismo cientificista daquele século, o ancoradouro desejado e indispensável à exploração, disseminação e posterior consagração de seu telos ideológico.
De forma mais objetiva, Holanda imerge no universo ficcional literário, fortalecendo ideias defendidas pela intelectualidade e consagradas pelo imaginário popular, tornando-as ainda mais consistentes em função do prestígio dos escritores e dos textos aos quais recorre, a exemplo de José de Alencar, Gonçalves Dias e José Lins do Rêgo. Quanto aos dois primeiros escritores, ele atribui o seguinte modus faciendi literário:
[...] iriam reservar ao índio virtudes convencionais de antigos fidalgos e cavaleiros, ao passo que o negro devia contentar-se, no melhor dos casos, com a posição de vítima submissa ou rebelde.56 [grifos meus]
Já, em relação a Lins do Rêgo, Holanda transforma a obra Fogo Morto numa espécie de espelho, quando propõe discutir formas de ver e pensar uma realidade. Para ele, Fogo Morto é a expressão consagrada de todo um panorama político, social e econômico, resultante da extinção de um modelo patriarcal e escravagista pelo qual Holanda, claramente, revela simpatias:
Um romancista nordestino, o sr. José Lins do Rêgo, fixou em episódios significativos a evolução crítica que ali também, por sua vez, vai arruinando os velhos hábitos patriarcais, mantidos até aqui pela inércia; hábitos que o meio não só já deixou de estimular, como principia a condenar irremediavelmente.57 [grifos meus]
Ainda no que diz respeito à obra de Lins do Rego, o recurso ao texto reveste-se ainda de teores poético, patético e saudosista como mecanismos de fundamento ideológico que visam persuadir pela via do apelo ao emocional:
O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda de prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores de empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanos indicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução.58 [grifos meus]
Minimizando aspectos relativos ao discurso literário e priorizando discussões próprias do discurso sócio-histórico, até mesmo com a intenção de considerar evidências objetivas que traduzem a essência das abordagens efetivadas, vale destacar a consistência das convicções ideológicas de Sérgio Buarque de Holanda. As evidências sobre essa determinação acentuam-se nos momentos em que ele, de forma explícita, impregna o texto de opiniões pessoais, nitidamente em defesa de sua forma de ver e pensar o Brasil, especialmente no que tange o ponto de vista político.
É compreensível que a Abolição não tivesse afetado desastrosamente as regiões onde a cultura do café já preparara assim o terreno para a aceitação de um regime de trabalho remunerado. Aqui a evolução para o predomínio urbano fez-se rápida e com ela foi aberto o caminho para uma transformação de grandes proporções. Nos estados do Norte, onde a baixa dos preços do açúcar no mercado mundial já tinha acarretado uma situação que o 13 de Maio veio apenas referendar, nada compensaria a catástrofe agrária. Aos barões do açúcar não restava, com a desagregação dos seus domínios, senão conformarem-se às novas condições de vida.59 [grifos meus]
Nas páginas de Raízes do Brasil, em momento algum se percebe a menor preocupação de Holanda, em, ao menos, tentar velar a parcialidade com que pontua o texto. Emergindo da emissão de juízos de valor a respeito de uma mudança estrutural no panorama sociopolítico, essa feição do texto coloca-nos diante de uma situação, a que ele, com contundência, se opõe. Holanda mostra-se avesso à transformação de um Brasil rural em urbano, muito menos por força de possíveis implicações objetivas do que propriamente pela extensão de uma ruptura política − passagem de Monarquia para República −, e atribui à Abolição, a razão pela qual o país aderiu a um regime político, em sua perspectiva, catastrófico. Quando se trata de exprobar a República, Holanda não mede palavras; tampouco se preocupa em poupar adjetivos, se a meta é tecer loas à Monarquia, revelando-se, assim, um obstinado defensor da visão de mundo dos homens dos tempos do Império.
Os velhos proprietários rurais tornados impotentes pelo golpe fatal da Abolição e por outros fatores não tinham como intervir nas novas instituições. A República, que não criou nenhum patriciado, mas apenas uma plutocracia, se assim se pode dizer, ignorou-os por completo. Daí o melancólico silêncio a que ficou reduzida a casta de homens que no tempo do Império dirigia e animava as instituições, assegurando ao conjunto nacional certa harmonia que nunca mais foi restaurada. Essa situação não é mais efeito do regime monárquico do que da estrutura em que este se assentava e que desapareceu para sempre. A urbanização contínua, progressiva, avassaladora, fenômeno social de que as instituições republicanas deviam representar a forma exterior complementar, destruiu esse esteio rural, que fazia a força do regime decaído sem lograr substituí-lo, até agora, por nada de novo.60 [grifos meus]
Em virtude de sua expressão como documento de proeminência histórica e sociológica, e também por concentrar discussões tão importantes, numa esfera que reduz o Brasil a um embate entre espaço rural e espaço urbano, considero que Raízes do Brasil traz subsídios muito mais percucientes quanto ao aspecto de atender interesses hegemônicos, que propriamente no sentido de proporcionar apreensões sobre nossa realidade histórica.
Impressiona a inversão de valores emitida pelo texto, a ponto de creditar à Abolição características deletérias ao todo social, especialmente ao segmento composto pelos barões do açúcar. Como é notório, tratando-se de conscientização crítica, sabemos que a Abolição não apresenta aspecto algum que nos convença a vê-la como ponto de canalização de um processo que tivesse sido, intencionalmente, amadurecido ao longo do tempo. Entretanto, avalio como incongruente a pretensão de transformar a Abolição num fato que deva ser visto como um problema posto ao Brasil, no sentido da assimilação do negro como cidadão e como força atuante dentro de uma realidade social incipiente. Embora entenda que em grande medida a Abolição tenha sido problema sim, o fato concreto é que sua vertente problemática encontra como sustentação a absoluta falta de preparo e de projeto sociopolítico no sentido de que, a partir de sua implantação, o conjunto da sociedade, e não somente os escravos, pudessem colocar em prática um modus vivendi que estivesse em consonância com uma nova realidade que se avizinhava para todos.
Na mesma intensidade, impressiona também a tomada de posição em favor dos oligarcas, que da condição de escravocratas detentores do poder são alçados à condição de vítimas, simplesmente porque perderam a oportunidade de continuar acumulando riquezas a custo da exploração, da humilhação e dos maus-tratos dispensados a seres humanos, além de promoverem a destruição de sua cultura. Impressiona, ainda, a extrema superficialidade com que o texto administra acontecimentos importantes de nossa história, omitindo ou tratando com indiferença situações que, por menos que se queira, estão entranhadas na essência da questão por ele mesmo levantada, perdendo espaço devido a um conveniente desvio do foco. Tais propostas se esclarecem e se expõem principalmente se for considerado o fato de que, a certa altura, Sérgio Buarque de Holanda faz um verdadeiro encômio ao povo e ao Estado brasileiros, pelo fato de sermos uma das “primeiras nações que aboliram a pena de morte em sua legislação, depois de a termos abolido muito antes na prática”.61 É lamentável − além de ideologicamente sintomático −, que em momento algum este mesmo texto tenha feito qualquer referência de natureza semelhante sobre o fato de termos sido a última nação no mundo a abolir a escravidão, na teoria, e mesmo depois disso, continuar a mantê-la na prática, revelando quanto a isso, um apelo para um silêncio que, também do ponto de vista ideológico, é muito menos plangente que indiciário. Preservadas algumas poucas peculiaridades, em seu aspecto geral o texto de Holanda endossa as propostas ideológicas apresentadas pelos textos de mesmo teor, especialmente Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre.
Nessa linha, Raízes do Brasil desenvolve uma discussão que pouco acrescenta à essência da proposta embutida no próprio título. Na minha maneira de ver, buscar as raízes do que quer que seja, requer penetrar em profundidade no âmago de questões que suscitam o surgimento da coisa examinada, e, não, tratar superficialmente, um assunto eleito dentre uma composição que precisa ser avaliada na sua diversidade. O tratamento dispensado por Holanda à Abolição, sobretudo por ser reducionista e parcial, o máximo que proporciona ao leitor é a possibilidade de se questionar, então por que raízes?
***
A índole de determinados acontecimentos impõe à historiografia oficial, na sua função de informar, a adoção de desdobramentos, dos quais é parte inseparável um natural processo que revela a responsabilização, e, por vezes, a culpabilidade até, de pessoas e instituições, na construção ou mesmo nos destinos dos eventos a serem por ela examinados. Entretanto, percebemos que na condução dos fatos a instruir, a fatalidade de ter de fazer tais revelações contraria interesses, e diante desse embaraço, a historiografia, não por acaso, exime nomes, desfigura fisionomias e omite datas.
Dentro dessa perspectiva, um aspecto que precisa ser revestido de toda sua abrangência, em qualquer discussão que envolva o negro, considerando sua condição de escravo e as implicações que daí emergem é o que diz respeito à participação da Igreja, tanto por seus contributos prestados ao processo de produção, quanto pela manutenção daquele regime. Como é de conhecimento público, a responsabilidade da Igreja no processo escravocrata perpassa da aquiescência ao desdobramento da atividade − fazendo vista grossa −, à conquista de dividendos financeiros gerados pelo escravismo. Além de manifestar apoio à adoção do trabalho escravo, de entremeio, coube-lhe, ainda, fortalecer a ideologia da escravidão e transformar o processo escravocrata numa atividade coadunável com princípios cristãos, como destaca João José Reis:
Os Brasileiros nascidos e educados entre escravos, notando desde crianças diferença de cor, de cabelos e de costumes, observando os maus tratamentos e abjeção em que os escravos são tidos por seus pais, os empregados a que são destinados, prevenidos pela educação e pelo hábito, julgam justa a escravidão, principalmente quando os Ministros da Religião possuem também escravos, e nunca declararam na cadeira da verdade que este fato era contrário à natureza e ao Evangelho. Demais julgam os escravos indispensáveis à vida.62 [grifos meus]
Em grande medida, o exercício da escravidão encontrou respaldo no consentimento da Igreja, pois, para esta instituição, mais do que um fato social, aquela atividade foi um lucrativo negócio, sobretudo, porque, 5% da arrecadação da Casa dos Escravos63 tinham como destino os cofres da Ordem de Cristo.64 Portanto, a grande preocupação da Igreja para continuar amealhando dinheiro, sem dispêndio de qualquer esforço, consistia, simplesmente, em compactuar com o desdobramento da atividade escravocrata e investir num processo de demonização contra o negro. O negro do qual ela tanto se serviu, não só como indireta fonte de renda, mas, também, como mão-de-obra decisiva, quer para trabalhos internos, quer na construção de seu patrimônio histórico, cultural e, principalmente, religioso, como encontramos em todos os recantos deste país:
[...] em 1685, o rei concedia a outra irmandade, de elite, sediada em Angola, a permissão de mandar, por quatro anos consecutivos, 500 escravos para serem vendidos no Brasil, a fim de custear a construção de uma igreja.65
José do Patrocínio, um nome expressivo da história do Brasil, era filho do padre João Carlos Monteiro com a escrava Justina, que prestava serviços em sua paróquia. Tal fato constitui um tácito reconhecimento de que, ao longo dos anos de colonização, a Igreja não só compactuou com ideais escravagistas, como deles participou ativamente, à medida que também explorava o trabalho escravo. A origem paterna de José do Patrocínio denuncia, também, que o tratamento dispensado à mulher negra, do ponto de vista da exploração sexual, não se restringiu apenas aos limites da Casa-Grande. Apesar disso, a Igreja sempre procurou se manter, ora numa posição de aparente isenção, ora numa posição de aparente solidariedade aos escravos, sendo que esta última proposta se configura de maneira concreta nos seus discursos conciliadores, retóricos e embusteiros, especialmente, nos proferidos pelo padre Antonio Vieira, em alguns de seus sermões.66 O fato concreto é que o discurso da Igreja nunca esteve em consonância com seu comprometimento prático. Não só a essência dos próprios sermões do padre Vieira assim o demonstra, como o demonstra, também, o exame que fazem alguns poucos e corajosos historiadores, nas oportunidades em que à Igreja atribuem responsabilidades em acontecimentos de natureza que não se coadunam, sequer, com os mais elementares princípios recomendados pelos seus próprios estatutos.
A certa altura das abordagens, afirmei que não se pode mais admitir que a invisibilidade caracterize quaisquer efeitos práticos pertinentes à questão do negro. Postular essa condição, não significa limitá-la à proposta de trazer à luz, apenas acontecimentos construídos pelas ações dos negros, que, quando apresentam alguma possibilidade de serem vistos como notáveis, têm sua divulgação marcada pelo tratamento absconso. É imprescindível revelar, dar visibilidade e dispensar atenção devida, a ações deletérias cometidas por importantes setores do segmento dominador, a exemplo de uma impingida pela Igreja, à população escrava, que ultrapassou o ponto paroxísmico da indignidade da pessoa: a reprodução humana em cativeiro.
Inexplorada pela historiografia oficial, e por isso, gerando carências de comprovações científicas, quiçá pela “contribuição” prestada por Rui Barbosa no episódio do “auto-de-fé”, - situação que será menos grave se este for o motivo real, - sabe-se que a reprodução em cativeiro passou a ser uma prática alternativa de burlar o tráfico que havia sido extinto por pressões do Bill Aberdeen, em torno de 1850. Embora sempre apelando para o eufemismo, ou seja, denominando-a “reprodução vegetativa”, Jacob Gorender é um dos poucos a tratar do assunto, destacando que “ao que parece, somente as ordens religiosas tinham a preocupação sistemática com a reprodução vegetativa dos seus plantéis”.67 Segundo ele, as instituições religiosas deixavam “seus engenhos e fazendas cheios de escravatura numerosa, onde era raro achar negro da costa da África”,68 o que significava que a presença majoritária era de crioulos, isto é, negros nascidos no Brasil, portanto, produtos daquela infame reprodução. Jacob Gorender prossegue afirmando que seria tolice supor a inexistência, por parte dos senhores, de qualquer interesse na procriação de seus escravos e no incremento vegetativo dos plantéis (convém ressaltar que o autor, invariavelmente, utiliza este termo). Sua pesquisa revela que os frades incentivavam a procriação a ponto de permitirem casamentos entre homens livres e escravas, porém, o contrário, não. É ainda Jacob Gorender quem atribui à Ordem dos Beneditinos a manutenção de um criatório centralizado num estabelecimento rural na Ilha do Governador, de onde os negros nativos, cuidados até atingir certa idade, partiam para trabalhar nas propriedades da Ordem no interior do país,69 gerando lucros àquela instituição.
Já, na opinião de Manuela Carneiro da Cunha, outro nome que também de forma solitária trata do assunto, os casamentos propostos pelos frades tinham por finalidade preservar o “‘enegrecimento’ dos escravos que os criatórios das ordens religiosas estimulavam, analogamente em intenção ao ‘embranquecimento’ dos bem-sucedidos”.70 Ainda no que diz respeito ao envolvimento da Igreja, embora a partir de enfoques pálidos, Manuela Carneiro da Cunha destaca que
não só as ordens religiosas tinham seus escravos, até quase às vésperas da Abolição, mas algumas se especializaram, e parecem ter sido as únicas empresas do gênero no Brasil, na reprodução de escravos. Os carmelitas tinham, por exemplo, criatórios de escravos na província do Rio de Janeiro e os beneditinos na ilha do Governador. O que houve, sim, foi o papel importante das irmandades religiosas, associações de leigos à sombra da Igreja, de organização local e sem nenhuma centralização, que defendiam os interesses corporativos de seus membros.71 [grifos meus]
A timidez que cerca as abordagens sobre assunto de tanta relevância encontra razão de ser no repositório de omissões que, em geral, impregnam os textos históricos a ponto de resultar em formas de conhecimento sustentadas pela especulação ou pela versão. Esta condição dificulta em muito a passagem do plano da especulação para o epistemológico, fato que, inevitavelmente, mais uma vez nos leva a pensar nas contribuições prestadas por Rui Barbosa.
Ainda assim, merece leitura, destaque e, principalmente, reflexão, a reportagem veiculada pela revista Terra, intitulada O Brasil na Ponta dos Cascos, cuja matéria trata de uma viagem feita a cavalo, por um grupo de pessoas, da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, no interior de São Paulo. Trata-se de uma retomada histórica em que se refaz o percurso de viagens desenvolvidas por tropeiros que no século XVIII transportavam muares, daquele estado para o interior paulista. Quem narra os principais momentos da viagem é um cidadão de nome Jakzam Kaiser, um dos idealizadores do projeto de quem reproduzo a seguinte passagem:
No segundo dia visitamos a Fazenda da Tropa Velha, antiga sede da Estância Real do Bojuru, importante criatório de muares para abastecer a feira de Sorocaba. A fazenda hoje é apenas sombra do que foi, mas ecos do passado glorioso ainda se fazem ouvir na sede ainda de pé. A única porta do quarto das moças, sem janelas, se abre para o quarto dos pais. Num extremo da casa fica o antigo cômodo do escravo reprodutor, hoje sem grades na janela, mas ainda com marcas na moldura das crias que ele gerou. Naquela época, uma vaca valia o equivalente a 60 éguas; e um escravo a 60 vacas.72 [grifos meus]
Relatos desse teor, talvez não sejam tão expressivos se olhados apenas como casos isolados. Entretanto, na composição de conjunturas mais amplas, contribuem, sobremaneira, para que comecemos a entender, por que temos de conviver, ainda hoje, em nossa sociedade, com problemas semelhantes a feridas a incomodar como “fundas vermelhidões de velhas chagas em sangue, abertas, correndo em rios...,”73 que teimam em não cicatrizar. Ao lado de pesquisas como as desenvolvidas por Gorender e Manuela Carneiro da Cunha, esses relatos ganham novas dimensões, provocam reflexões, questionamentos e fazem com que olhares mais agudos sejam desferidos a tais pesquisas.
Acontecimentos desse teor colocam como grande questão que tem de ser posta na berlinda, o fato de a Igreja, pelas ações do clero e da forma mais vergonhosa possível, ter-se divorciado das atribuições que o Evangelho lhe incumbiu, na medida em que não se solidarizou com os sofrimentos de uma gente oprimida, como lhe é de praxe pelo menos no plano retórico. Além de não fazer da sua atividade-fim, ao menos uma modalidade de abrandamento do cativeiro, a Igreja também não teve coragem (ou quem sabe, condições morais?) para dizer a verdade aos senhores-de-engenho, pelo fato de ser aliada deles e desse conluio obter juros e dividendos financeiros.
A reprodução humana em cativeiro, além de significar o suprassumo da deliquescência moral, tanto de quem a protagoniza quanto de quem a promove, também caracteriza um fator de identificação do Brasil. Basta que se lhe dispense observância rigorosa de verdade, e pela noção de identidade, um sentido que rompa com tentativas de impô-la como um conjunto de ideias que se supõem fixas, coerentes e estáveis, admitindo vê-las como ideias que, tanto admitem considerar que o Brasil tem palmeiras, quanto conseguem enxergar que o Brasil, também tem Palmares.
Qualquer análise realizada sobre o papel desempenhado pela Igreja, no desenrolar dos acontecimentos relacionados à escravidão no Brasil, automaticamente, conduz, também, à responsabilidade do Estado,74 considerando a natural associação histórica existente entre esses dois segmentos. Talvez, o que os diferencie seja apenas o percentual do lucro operacional destinado a cada um, visto que contra os 5% destinados à Igreja, couberam 10% à Coroa. Como se sabe, do ponto de vista ideológico e tendo a escravidão como fim comum, Igreja e Estado sempre se constituíram como faces distintas de uma mesma moeda. Ainda sobre o enlace de ambas instituições em busca de interesses comuns, talvez a passagem mais emblemática do autoritarismo delas encontre-se na Constituição de 1824, que acrescentava aos poderes da Igreja, significativos instrumentos de soberania, de pressão e de opressão, como o direito de impedir a construção de templos de qualquer índole religiosa que não fosse a católica, como estabelecido em seu artigo 5º:
Art. 5º. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo (sic).75 [grifos meus]
Ganha pertinência nessa discussão política, o artigo 103. De certa maneira ele complementa o artigo 5º, amplia e preserva os interesses da Igreja e demonstra o quanto, desde aquela época, o poder dessa instituição é incomensurável junto ao poder público:
Art. 103. 0 Imperador antes de ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber. (sic)76 [grifos meus]
Ora, naquela conjuntura sócio-histórica, falar em outra religião, como registra o Art. 5º, significava, automaticamente, falar em religião de origem africana. Além da crença indígena, a Igreja, na prática, só confrontou, como atividade religiosa em toda sua extensão e profundidade, com aquelas trazidas pelo escravo africano; daí a atribuição a elas dos epítetos de feitiçaria, magia negra e bruxaria, como componentes de um processo de demonização.
Como se sabe, a proibição do culto à religiosidade africana sempre existiu, hajam vista a presença da própria Companhia de Jesus e a prática do sincretismo religioso por parte daqueles que viam obstaculizadas suas incursões no terreno da fé. No entanto, a evolução política do país trouxe mecanismos de cerceamento mais eficazes, a exemplo do que encontramos na já citada Constituição de 1824. É indispensável ressaltar que a extensão de tal ato não se resumiu à esfera administrativa. O impedimento da construção de templos significou, por extensão, a impossibilidade do exercício da crença religiosa em sua plenitude, e mais do que isso, significou uma coibição que, de forma permanente, efetuou-se por meio da violência física contra seus adeptos. Considerando essas premissas, diria que apenas num passado muito recente as religiões de origem africana começaram a livrar-se daquele tipo de agressão. Enfim, a união do Estado à Igreja significa a associação de uma política de presença a uma política de ideias, e demonstra que, irmanados pela preservação de interesses comuns, jamais tiveram o menor pudor em fazer dos fins a que almejavam, justificativas para os meios utilizados, simplesmente, porque, em relação à escravidão, ambos sempre desenvolveram ações norteadas pela cupidez.
As obras da historiografia oficial que tratam do tema sobre a escravidão, ao se verem diante do episódio envolvendo Rui Barbosa e a queima dos arquivos dela, fazem-no a partir do recurso a técnicas que procuram minimizar a importância daquele acontecimento. Geralmente, procuram blindar sua figura e dar maior ênfase a outros aspectos pertinentes ao fato, evidenciando o compromisso de muitos autores em procurar ignorar sua atitude. Quase sempre, os autores constroem uma visão de que a imagem consagrada de Rui Barbosa supera em grandeza o ato deletério por ele cometido, quando na realidade o que sucede é o oposto. Sua atitude ofusca, enche de mácula e põe em questionamento a existência de uma auréola que este país construiu ao redor de sua cabeça. Como consequência, enquanto uns autores preferem não tocar no assunto, outros o fazem tangencialmente, como Nina Rodrigues, que “lamenta” a impossibilidade de se obter informações em “escavações de arquivos,” que ele considera “pouco frutuosas” e acrescenta:
Bem pouco restará hoje delas. Destruiu-as a preocupação, tão sentimental quanto improfícua, da atual geração brasileira, de apagar da nossa história os vestígios da escravidão, fazendo consumir pelo fogo documentos em que se continha aquela verdade histórica a que, a mais de um respeito, nenhum povo se pode furtar, nem é lícito procurar iludir. Se o fogo a que se mandou entregar o arquivo da escravidão não é capaz de cancelar a história impressa dessa instituição, mais impotente há de ser para esgotar o sangue africano que, nas veias do nosso povo, estará a atestar de contínuo, na sua emigração da terra natal, a instituição que a promoveu.77 [grifos meus]
A impressão que se tem num primeiro momento é a de que Nina Rodrigues parece não compactuar com as atitudes de Rui Barbosa; entretanto, nas páginas em que trata do assunto, nem uma vez sequer atribui a ocorrência dos fatos ao seu verdadeiro autor. A proposta de preservar o nome de Rui Barbosa se esboroa, justamente, na existência do documento que “mandou queimar os arquivos da escravidão.” Na medida em que estampam número, data e origem, − nº 29, de 13 de maio de 1891, da Circular do Ministério da Fazenda −, os dados expressos na Circular demonstram, de forma inequívoca, que o responsável pela ação executada foi uma pessoa, e, não, uma abstração.
Alguns autores preferem, ainda, tratar do assunto recorrendo à utilização de eufemismos, a exemplo do que faz Roger Bastide. Para Bastide, tudo não passou de uma “infelicidade”78 que veio “apagar a mancha escravocrata do brasão do país.”79 Além de incapazes de configurar defesa, suas palavras revelam a profundidade da inconsequência de Rui Barbosa, condição que se agrava, quando, associada à citação anterior, ele procura fortalecer a ideia de que o “incêndio” foi um “gesto sentimental”,80 quando todos sabemos que, na verdade, o gesto foi maquiavélico e delituoso.
Outra questão sobre a qual a historiografia oficial mascara a essência dos fatos, diz respeito ao processo de imigração que se desenvolveu no país, sobretudo se encarado como parte da evolução natural de um processo de Abolição que se vislumbrava de maneira inevitável. Para os interesses da classe dominante, o processo imigratório, acima de tudo, significava o repto de realizar um projeto que visava organizar uma nova concepção da formação da nacionalidade brasileira, cuja realidade prática esbarrou em dificuldades trazidas, justamente, pela Abolição. Uma vez finalizada a atividade escravista, os condutores dos rumos político e socioeconômico que norteavam o país viram-se diante de uma questão crucial, ou seja, a necessidade de construir uma nação e uma identidade nacionais, problemática a partir de então, considerando a presença de uma nova categoria de cidadãos, resultante do processo abolicionista, isto é, os ex-escravos negros, na prática, desconsiderados como tais.
Célia Maria Azevedo observa que, para atender a esses pressupostos, tornava-se imperioso investir num imigrante ativo, laborioso, inteligente, progressivo. Por sua vez, para vir para o Brasil seria necessário que o país lhe oferecesse “condições de bem-estar para si e para sua família, impossíveis de se encontrar na Europa.”81 Uma vez preenchido esses requisitos, ele viria então a ser o amálgama que, de uma só vez, atenderia a dois interesses da classe dominante: encarregar-se da produção do trabalho considerado menos nobre, e ao mesmo tempo, começar a promover no Brasil um processo de branqueamento.
Refiro-me a um processo de embranquecimento semelhante ao que Nina Rodrigues vaticinara e propusera no final do século XIX, mas que Frederico Burlamaque, muito antes, já revelara as metas de um tratado proposto pela classe dominante, cujo êxito seria alcançado, desde que se repatriassem ou expatriassem os negros libertados pela Abolição. Sobre este tema, Burlamaque dispensa tratamentos que exibem a vertente cruel e desumana de um projeto que traz em sua índole, a real intenção da classe dominante, traduzida por seu anseio em expulsar e se livrar de pessoas que lhe provocavam uma situação considerada incômoda:
Em todo o caso, os perigos que devem temer os possuidores d’escravos são mais eminentes continuando a escravidão, do que se ella for regularmente abolida. No primeiro caso a exterminação e a expoliação da classe dominante (se esta cathastrophe tiver lugar) hade ser feita com toda a barbaridade dos selvagens, com a energia da desesperação; no segundo caso, o temor e a previsão do futuro poderá fazer achar remédios que previnão parte dos males; e em todo o caso, a cathastrophe não póde ser tão temível, pelo que então o benefício chamará a gratidão, e a passagem da escravidão á liberdade não será tão rápida; salto funesto em que as reacções são terríveis. O que tiver lugar a respeito das colônias Inglezas, cuja escravatura acaba de ser emancipada, nos illustrará a tal respeito; mas ja há exemplos que nos podem servir de norma. No espaço de quarenta annos, virão-se seis exemplos de hum grande numero de escravos libertados em massa, sem que d’isto resultassem graves inconvenientes.
Supondo que todos concordarão na necessidade da abolição da escravidão convem indagar o como ella deve ser feita; applicar-se para tornal-a útil, sem que perigue a segurança da raça branca e sem a ruína do paiz; finalmente a maneira de supprir a actual população escrava, de sorte que formemos pelo decurso do tempo, huma Nação homogenea.
Quanto á abolição, deve ser ella gradual e lenta? Todos concordarão n’este principio; a controversia será sómente sobre a maneira de a levar a effeito.
Convirá que fique no paiz huma tão grande população de libertos, de raça absolutamente diversa da que a dominou? Não haverá grandes perigos a temer para o futuro, se as antigas tyranias forem recordadas, se os libertos preferirem a gente da sua raça a qualquer outra, como he natural? Poderá prosperar e mesmo existir huma Nação, composta de raças estranhas e que de nenhuma sorte podem ter ligação? Eis uma serie de questões que convem discutir.
Não se pense que, propondo a abolição da escravidão, o meu voto seja de conservar no paiz a raça libertada: nem isto conviria de sorte alguma á raça dominante, nem tão pouco á raça dominada. Os primeiros terião a soffrer as reacções, e os segundos terião sempre a supportar os resultados de antigos prejuizos, que nunca cessarião a seu respeito.
Que a abolição deve ser lenta he evidente, se o contrário se intentasse o paiz se arruinaria, sem que os proprios libertados ganhassem muito. [...] He necessario reconhecer francamente, que hum escravo he hum homem feito como os outros, e não hum movel, huma maquina fragil, que póde ser despedaçada á vontade.
Para reconhecer-se este principio e dar-lhe applicação, hum acto do Legislativo he bastante; mas este acto immortal deve ao mesmo tempo precaver os futuros acontecimentos, e garantir a segurança dos membros da Nação. Porem um acto do Legislativo deve preceder a este, isto he a maneira de supprir os braços dos homens que devem ser transportados para o seu paiz originario.
Mas deixando isto por ora de parte, indaguemos sobre que bases deve ser construído esse magestoso edifício da emancipação, por meio do qual se saptisfaria ao mesmo tempo a humanidade, os nossos interesses, nossa futura gloria e grandesa. [...] O mesmo acto authorisaria o governo executivo a estabelecer d’esde ja em qualquer lugar da Africa, huma colônia á imitação das que possuem os americanos do Norte, decretando fundos suficientes para a compra do local, transporte dos escravos libertados, compra dos mantimentos e utensis necessarios, e sua subsistência no primeiro ano.
Decretaria igualmente rendas para a formação de hum caixa de piedade, para que fossem d’esde ja libertando se muitos dos escravos actuaes, comprando os a seus donos, preferindo-se no principio os escravos de officio, e em todo o caso os das Cidades aos dos campos, os moços aos velhos, com igualdade numerica entre os sexos.
Compete ao governo a melhor escolha do local da colonia ou Colonias; a indagação dos gêneros que alli podem ser cultivados; a administração e escolha dos directores coloniais; finalmente o transporte o mais breve e o mais commodo dos negros que se forem libertando. (sic)82 [grifos meus]
Como é inevitável perceber, a exposição de Burlamaque denuncia a preocupação de uma classe que se vê acuada diante de um problema que ela mesma criou, embora não perceba a escravidão dessa forma. A despeito da avaliação que faz, sente-se ameaçada, justamente em função dos rumos que ela imprimiu a um processo que estava na iminência de ser abolido, ao qual ela mesma se incumbiu de atribuir contornos cruéis e desumanos, sob todos os aspectos que se possa imaginar. Na visão da classe dominante, os negros eram uma ameaça, punham em risco a sua segurança e poderiam levar o país à ruína, se libertados em massa e de forma imediata. O que se depreende desses acontecimentos é que essa classe, de fato, nunca soube e nunca teve interesse em resolver essa contundente questão social. No seu entendimento, a solução para aqueles problemas sociais era uma questão dupla-face. Por um lado, ela pensava na adoção da via rápida, isto é, no descarte de uma população para a qual ela não possuía qualquer projeto de vida digna; por outro lado e em termos de futuro, a elite mostrava-se segura de que a solução mais acertada e definitiva seria a eugênica.
O texto de Burlamaque revela um caráter da nossa nacionalidade, do qual ainda não nos livramos completamente. Dele, aflora, com veemência, um sentimento que sabemos não se tratar apenas da projeção de um individualismo, mas, tratar-se, sim, de uma visão de mundo imperada nas mentes da colônia. Com o advento da Abolição, essa visão recrudesce a intenção em concretizar o projeto de descartar o negro e mandá-lo de volta à África, anseio que só não foi executado devido ao alto custo financeiro que demandaria uma jogada política já elaborada e aderida por um grande número de simpatizantes. A disposição em livrar-se de quem tanto lhes servira por quase quatro séculos, através das artimanhas que se pretendia utilizar, comprova a presença ainda hoje, entre nós, de um sentimento que não brota repentinamente e muito menos é capaz de desaparecer da noite para o dia. Considerando a presença frequente e a influência dessas tendências nos dias atuais, torna-se pertinente trazê-las, com urgência, para debates do tempo presente.
Na obra O Abolicionismo, Joaquim Nabuco mapeia aspectos da vida brasileira no século XIX, os quais não são encontrados nas páginas dos textos componentes da historiografia oficial. Tais fatos contribuem para que se entendam as origens dos motivos pelos quais, ainda atualmente, se formem constructos sobre o negro. Assim, com mais abrangência e maior profundidade, compreendemos, também, as ações de um construtivismo espontâneo que em grande medida dá sustentação à certeza que as pessoas acreditam ter, acerca da realidade que as cerca. Na citada obra, Nabuco destaca um repositório de expedientes punitivos e degradantes, que por volta de 1883, ainda eram utilizados contra o negro, segundo ele, vigorando “legalmente”. O fato de tais medidas punitivas continuarem sendo aplicadas aos escravos, embora vivêssemos, já havia muitos anos, sob a égide da Constituição de 1824, que extinguia práticas dessa natureza, demonstra o quanto o descumprimento de tais normas, legitimava as ações do homem branco na sua relação direta com o escravo.
Entre os tópicos expostos por Nabuco, destaco cinco que reproduzem com total abrangência e fidelidade a feição de uma conjuntura social que norteava suas ações em noções preconcebidas, cujo exercício continuado contribuía, cada vez mais, para a solidez desses pressupostos:
A lei não marca máximo de horas de trabalho, mínimo de salário, regímen higiênico, tratamento médico, condições de moralidade, proteção às mulheres, em uma palavra, interfere tanto na sorte da fábrica de uma fazenda quanto na dos animais de serviço. [grifos meus]
Qualquer indivíduo que saia da Casa de Correção ou esteja dentro dela, por mais perverso que seja, brasileiro ou estrangeiro, pode possuir ou comprar uma família de escravos respeitáveis e honestos, e sujeitá-los aos seus caprichos. [grifos meus]
Os senhores podem empregar escravas na prostituição recebendo os lucros desse negócio, sem que isso lhes faça perder a propriedade que tem sobre elas; assim como o pai pode ser senhor do filho.
Os escravos são regidos por leis de exceção. O castigo de açoites existe contra eles, apesar de ter sido abolido pela Constituição; os seus crimes são punidos por uma lei bárbara, a lei de 10 de junho de 1835, cuja pena uniforme é a morte. [grifos meus]
O Estado não protege os escravos de forma alguma, não lhes inspira confiança na justiça pública; mas entrega-os sem esperança ao poder implacável que pesa sobre eles, e que, moralmente, os prende ou magnetiza, lhes tira o movimento, em suma os destrói83.
Como é possível perceber, esse conjunto de disposições estabelece um nexo entre os planos legal e consuetudinário, revelando a preponderância deste sobre aquele, sobretudo, se considerarmos que não há nenhuma plausibilidade em, sequer, pensar em julgar como ato legal, a adoção de atitudes e comportamentos que contrariam o estabelecido pela Constituição.
Embora as informações prestadas por Nabuco não possibilitem uma interpretação exata do termo “legalmente”, por ele empregado, o dado concreto é que o exercício contumaz, por parte dos detentores do poder, dos itens daquelas disposições, implica a insubmissão declarada de seus agentes a uma lei magna. O que também se depreende desses fatos é que, a visão que a época tinha sobre o panorama sociopolítico e a sua concepção de mundo eram muito mais produtos do hábito em apreender aquela realidade como uma situação padronizada, que propriamente do hábito em agir fundado em leis estabelecidas. Não é necessária muita atenção para se perceber que, em 1883 o país estava apenas cinco anos distante da Abolição, e, aquelas práticas, ainda vigorando com eficácia, “legalmente” ou não, comprovam a insignificante densidade crítica do processo abolicionista, e faz crescer a chance de levar a acreditar que, no Brasil, o que ocorreu não foi, simplesmente, escravidão: foi apartheid.
O sentido de um tópico com enfoques dessa natureza encontra-se na intenção de apresentar circunstâncias que ampliam possibilidades de revelar aspectos congênitos do discurso histórico, comprovando que a “‘história’ nunca é apenas a história, mas sempre a ‘história-para’, a história escrita no interesse de algum objetivo ou visão intracientíficos”.84 É a presença dessa componente de natureza ideológica destacada por Lévi-Strauss, não raramente prioritária nesse tipo de discurso, que faz com que o registro sobre o negro favoreça uma interpretação historicizante e perspectivista. Assim sendo, a tendência é que o leitor engendre e valorize apenas imagens que se aproximam de constructos sobre o negro, e desconsidere o agente possuidor de densidade social e histórica que ele, em sua essência é.
Se não há motivos para se supor que a busca da inteligibilidade culmine na História como seu ponto de chegada, é inevitável propor, o quanto esta ciência funciona como ponto de partida para a busca do inteligível, advindo, daí, a importância do texto histórico. Entretanto, sua capacidade em conduzir à inteireza das informações precisa ser avaliada com ponderação. O descumprimento dessa premissa resulta na necessidade de se ter de olhar para além dela, a fim de se conhecer, não apenas como os fatos são, mas, sobretudo, conhecer como e por que eles vieram a ser do jeito que são. Desprovido desse tipo de determinação, o discurso histórico tende a disseminar sob as marcas da limitação, acontecimentos de contornos muito mais amplos e de muito maior profundidade, como se dá com considerável recorrência, quando tem como foco, o negro no Brasil, como produto da escravidão.
Os textos históricos utilizados como base das discussões levantadas, não só neste tópico, mas, em todo o capítulo, foram trazidos para o debate por representarem um modelo sistematizado e sistematizante de tratamento dispensado à temática em destaque. Comprometidos com a manutenção do establishment, percebem a escravidão como uma instituição responsável por engendrar um negro dominado; mas, são letárgicos quanto à capacidade dela em engendrar um branco dominador, e juntamente com este, uma mentalidade à qual ainda não conseguimos imprimir mudanças significativas. Em semelhante intensidade, também são indiferentes às ações da escravidão como instituição social revestida de interesses econômicos, e para suprir carências da sua organização interna, os textos de índole histórica sonegam informações imprescindíveis, criam mitos, estereótipos e optam por uma linha isenta de tensão. Associados, esses elementos compõem uma malha de estratégias discursivas que, tanto quanto na Literatura, alimentam formas de discurso, e nesta perspectiva, quando o sujeito sob ênfase é o negro e o pano de fundo é o Brasil, ambas, Literatura e História, produzem, mais do que retratam, seu devir de referência.
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Notas
8 Novais, Aproximações:Ensaios de História e Historiografia, p 141.
9 Id., p. 142.
10 Id. ib.
11 Foucault, Vigiar e Punir, p. 20.
12 Para obter mais detalhes sobre punições impostas aos escravos, Cf. Goulart, Da Palmatória ao Patíbulo: Castigos de Escravos no Brasil.
13 Fanon, Os Condenados da Terra, p. 9.
14 Arendt, A Condição Humana, p. 60.
15 Id., p. 62.
16 Arendt, A Condição Humana, p. 67.
17 Id., p. 68.
18 Tratado econômico-financeiro firmado entre Portugal e Inglaterra em 1703, no qual Portugal comprometia-se a comprar produtos manufaturados da Inglaterra, e em troca, vender apenas vinho, atitude desastrosa que gerou grande prejuízo para os portugueses. Diante das dificuldades para o cumprimento do tratado, Portugal adotou a escravidão negra no Brasil como saída para evitar a decadência total do país.
19 Cf. João José Reis em Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês em 1835.
20 Reis, Rebelião Escrava no Brasil: A Hitória do Levante dos Males em 1835., p. 214.
21 Esta questão é aprofundada no Cap. 4- Cotidiano e Literatura, subtítulo 4.4- Macedo: as vítimas duplamente vítimas.
22 Ventura, Estilo Tropical, p. 55.
23 Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, p. 16.
24 Id., p 17.
25 Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, p.1.
26 Id., p. 5.
27 Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil, p. 38.
28 Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, p. 42.
29 Id., p. 76.
30 Id. ib.
31 Id. ib.
32 Id., p. 77.
33 Romero, História da Literatura Brasileira, p. 1824.
34 Veríssimo, Estudos de Literatura Brasileira, pp. 96-97.
35 Veríssimo, Estudos de Literatura Brasileira, p. 100.
36 Chiavenatto, O Negro no Brasil, p. 189.
37 Freyre, Casa-Grande e Senzala, p. 435.
38 Alencar. O Tronco do Ipê, p. 30.
39 Id. ib.
40 Alencar, O Tronco do Ipê, p. 11.
41 Trata-se do Capítulo 3- Estratégias Discursivas da Criação Literária.
42 Lévi-Strauss, Raça e História, p. 36.
43 Freyre, Casa-Grande e Senzala, p. 163.
44 Freyre, Casa-Grande e Senzala, p. 163.
45 Freyre, Casa-Grande e Senzala, p. 322.
46 Veja lado direito do Anexo à página 325.
47 Freyre, Casa-Grande e Senzala. p. 419.
48 Id., p.420.
49 Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 191.
50 Freyre, Casa-Grande e Senzala. pp. 383-384.
51 Holanda, Raízes do Brasil, pp. 171-172.
52 Id., p. 171.
53 Holanda, Raízes do Brasil, p. 48.
54 Holanda, Raízes do Brasil, p. 40.
55 Id. ib.
56 Holanda, Raízes do Brasil p. 175.
57 Id., p. 56.
58 Id., p. 176
59 Holanda, Raízes do Brasil, p. 175.
60 Holanda, Raízes do Brasil, p. 176.
61 Holanda, Raízes do Brasil, p. 177.
62 Reis. A Rebelião Escrava no Brasil: História do Levante dos Malês, p. 515.
63 Balcão de comércio escravagista existente nos países exportadores, cuja função era prender, acorrentar, pesar e examinar os escravos, e a partir de então estabelecer preços para os países colonizadores.
64 Ordem Religiosa de inclinações militares (séc XVI) que visava dar continuidade aos propósitos da Ordem dos Cavaleiros Templários Medievais. Atuando sob a tutela dos reis de Portugal, a Ordem incentivou a navegação e a expansão do Império português, custeando com seus vastos recursos as despesas de tais empreendimentos. Tinha ainda como escopo a propagação da fé e do culto cristão, associada à conquista de terras.
65 Cunha, Antropologia do Brasil, p. 130.
66 É o que expressam mais objetivamente os Sermões da XIVª, da XXª e o da XXVIIª.
67 Gorender, O Escravismo Colonial, p. 344.
68 Id., p. 345.
69 Id. ib.
70 Cunha, Negros Estrangeiros: Os Escravos Libertos e sua Volta à África , p. 89.
71 Cunha, Antropologia do Brasil, p. 129-130.
72 Revista (Os Caminhos da) TERRA, veiculada em setembro de 2006, p. 20.
73 Cruz e Sousa, Antífona, In: Obra Completa, p. 64.
74 Coroa portuguesa num primeiro momento e Estado brasileiro após a independência.
75 Cf. Constituição do Brasil de 1824, Título 1º, Art. 5.
76 Cf. Constituição do Brasil de 1824, Título 5º, Cap II. Art 103.
77 Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil, p. 23.
78 Bastide, As Religiões Africanas no Brasil, v. I p. 50.
79 Id. ib.
80 Bastide, As Religiões Africanas no Brasil, v. I p. 50.
81 Azevedo, Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites, p. 53.
82 Burlamaque, Memoria Analytica á Cerca do Commercio D’Escravos e á Cerca dos Males da Escravidão Domestica, pp. 94-95-96.
83 Nabuco, O Abolicionista, pp. 99-100.
84 Lévi-Strauss, O Pensamento Selvagem, p. 293.