AS VESPAS DE PALERMO

A virgem sorri-me com boca de mosaico,

os meus olhos mergulham nos arabescos do chão,

geometria do sol descendo as ruas de Palermo.

Insectos aceleram bzz bzz até nas passadeiras

e Cristo impávido na igreja em frente.

Mas Cristo não atravessa as ruas:

está um pouco acima da cruz, um pouco antes.

Os anjos abandonam a escuridão do templo.

As vespas parecem pirilampos

e bzz bzz são as asas dos anjos

conversando sobre os turistas do dia.

O bzz bzz das vespas cá em baixo é de encontros

na noite de Palermo. Assentos tão etéreos

com um copo na mão, a outra na cintura

e nos punhos das vespas, vespas, vespas

atordoando o riso, o beijo passageiro.

E já os anjos estão a postos na sua nudez redonda

enquanto as vespas dormem um sonho de alcatrão.

A ceia prepara-se. Cristo não nega o seu lugar à mesa.

Entre um bzz bzz e outro, olho-te no b barroco ou bizantino

e não aceito a tua morte, tu que atravessas acima das vespas,

vespas, vespas, acima do Etna que sobe ao céu

enquanto dentro se cozinham os infernos: a tua ceia,

os restos que deixaste para nós no microondas.