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Desafio e resposta, 1935

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Os anos de esconderijos subterrâneos, de preparativos secretos ou disfar­çados, tinham chegado ao fim, e Hitler sentiu-se forte o suficiente para fazer seu primeiro desafio escancarado. Em 9 de março de 1935, anunciou-se a criação da força aérea alemã e, no dia 16, declarou-se o exército alemão, dali por diante, baseado no serviço militar obrigatório. As leis de implementação dessas decisões logo foram promulgadas, e as providências já tinham sido tomadas de antemão. Nesse mesmo dia momentoso, poucas horas antes, o governo francês, bem-informado sobre o que estava por vir, havia declarado a ampliação de seu serviço militar para dois anos. O ato alemão foi uma afronta franca e formal aos tratados de paz em que se fundamentava a Liga das Nações. Enquanto as transgressões tiveram a forma de evasivas ou de uma denominação enganosa das coisas, fora fácil para as nações vitoriosas responsáveis, obcecadas com o pacifismo e preocupadas com a política inter­na, evitar a responsabilidade de declarar que o Tratado de Paz estava sendo rompido ou repudiado. Mas nesse momento a questão surgiu com uma força rude e brutal. Quase no mesmo dia, o governo etíope apelou para a Liga das Nações contra as exigências ameaçadoras da Itália. Quando, em 24 de março, tendo esses acontecimentos por pano de fundo, Sir John Simon, em companhia de Mr. Eden, Lord do Selo Privado, visitou Berlim a convite de Hitler, o governo francês considerou impróprio o momento escolhido. Agora, ele próprio tinha de enfrentar, não a redução de seu exército, que lhe fora tão insistentemente solicitada por Mr. MacDonald no ano anterior, mas a ampliação do serviço militar obrigatório de um para dois anos. No estado da opinião pública, era uma árdua tarefa. Não só os comunistas, mas também os socialistas, tinham votado contra a medida. Quando M. Léon Blum disse que “os trabalhadores da França se levantarão para resistir à agressão hitlerista”, Thorez retrucou, em meio aos aplausos de sua facção ligada aos soviéticos: “Não toleraremos que as classes trabalhadoras sejam arrastadas para uma guerra supostamente em defesa da democracia contra o fascismo.”

Os Estados Unidos tinham lavado as mãos de qualquer preocupação com a Europa, exceto por desejar boa sorte a todos, e estavam certos de que nunca teriam que se incomodar com ela outra vez. Mas a França, a Inglaterra e também — decididamente — a Itália, apesar de suas discordâncias, sentiram-se obrigadas a contestar esse ato inequívoco de violação do tratado por Hitler. Uma conferência dos principais ex-aliados foi convocada em Stresa, sob a égide da Liga das Nações, e todos esses assuntos entraram em debate.

Houve uma concordância geral em que era impossível suportar a franca violação de tratados solenes, cuja existência custara a vida de milhões de homens. Mas os representantes ingleses deixaram claro logo de início que não considerariam a possibilidade de sanções, na eventualidade de violação do tratado. Isso, naturalmente, restringiu a conferência ao terreno das palavras. Aprovou-se unanimemente uma resolução no sentido de que as quebras “unilaterais” — com o que eles pretendiam dizer “por uma só das partes” — de tratados não seriam aceitáveis, e o conselho executivo da Liga das Nações foi convidado a se pronunciar sobre a situação descoberta. Na segunda tarde da conferência, Mussolini defendeu vigorosamente essa medida e foi eloquente contra a agressão de uma nação por outra. A declaração final foi:

As três potências cuja política tem por objetivo a manutenção coletiva da paz, dentro da estrutura da Liga das Nações, acham-se em completo acor­do em se opor, através de todos os meios exequíveis, a qualquer repúdio unilateral de tratados que coloque em perigo a paz da Europa, e agirão em estreita e cordial colaboração para esse fim.

O ditador italiano, em seu discurso, frisara as palavras “paz da Europa” e tinha feito uma pausa perceptível depois de “Europa”. Essa ênfase na Europa chamou imediatamente a atenção dos representantes do Foreign Office. Eles levantaram as orelhas e compreenderam perfeitamente que, embora Mussolini se dispusesse a trabalhar com a França e a Inglaterra para impedir a Alemanha de se rearmar, ele se reservava o direito de fazer qualquer incursão na África, contra a Abissínia, se assim viesse a decidir posteriormente. Conviria ou não levantar essa questão? Naquela noite, houve discussões entre os representantes do Foreign Office. Todos estavam tão ansiosos pelo apoio de Mussolini para lidar com a Alemanha, que se julgou indesejável, naquele momento, adverti-lo a não se envolver na Abissínia, o que, obviamente, muito o teria aborrecido. Assim, a questão não foi levantada, foi simplesmente omitida, e Mussolini achou — em certo sentido, teve razão para achar — que os aliados haviam aquiescido com sua afirmação e lhe dariam carta branca contra a Abissínia. Os franceses mantiveram-se mudos a esse respeito e assim se encerrou a conferência.

No devido tempo, em 15-17 de abril, o conselho da Liga das Nações examinou o alegado descumprimento do Tratado de Versalhes praticado pela Alemanha em sua decretação do serviço militar obrigatório universal. As seguintes nações estavam representadas no conselho: Argentina, Austrália, Chile, Dinamarca, Espanha, França, Inglaterra, Itália, México, Polônia, Portugal, Tchecoslováquia, Turquia e URSS. Todas aprovaram o princípio de que tratados não deveriam ser rompidos por ação “unilateral” e enca­minharam a questão ao plenário da Liga. Ao mesmo tempo, os ministros do Exterior dos três países escandinavos — Suécia, Noruega e Dinamarca — profundamente preocupados com o equilíbrio naval no Báltico, também se reuniram para dar seu apoio conjunto. Ao todo, dezenove países protes­taram formalmente. Mas quão inúteis eram todas as suas votações! Nenhum país ou grupo de países se dispunha a considerar o uso da força, ainda que em último recurso!

Laval não estava disposto a se aproximar da Rússia com a firmeza de es­pírito de Barthou. Mas, na França, havia agora uma necessidade premente. Acima de tudo, parecia necessário aos que se importavam com a vida do país que se obtivesse uma união nacional em torno dos dois anos de serviço militar, que tinham sido aprovados por uma pequena maioria em março. Somente o governo soviético poderia dar permissão ao importante setor dos franceses cuja fidelidade ele detinha. Além disso, havia na França um desejo generalizado de restauração da antiga aliança de 1895, ou de algo semelhante a ela. Em 2 de maio de 1935, o governo francês apôs sua assi­natura num pacto franco-soviético. Tratava-se de um documento nebuloso, que garantia assistência mútua na eventualidade de uma agressão por um período de cinco anos.

Para obter resultados palpáveis no campo político francês, Laval partiu então para uma visita de três dias a Moscou, onde recebeu as boas-vindas de Stalin. Houve discussões prolongadas, das quais é possível registrar um fragmento até hoje não publicado. Stalin e Molotov, é claro, estavam ansiosos por saber, mais do que qualquer outra coisa, qual seria a força do exército francês na frente ocidental — quantas divisões? Que período de serviço? Uma vez explorado esse terreno, Laval perguntou: “Vocês não podem fazer alguma coisa para incentivar a religião e os católicos na Rússia? Isso me ajudaria muito com o Papa.” “Ho, ho”, disse Stalin, “o papa! Quantas divisões tem o papa?” A resposta de Laval não me foi relatada, mas certamente é possível que ele tenha mencionado algumas legiões que nem sempre são visíveis nos desfiles. Laval nunca pretendeu comprometer a França com qualquer das obrigações específicas que é costume dos soviéticos exigir. Não obstante, obteve uma declaração pública de Stalin, em 15 de maio, aprovando a política de defesa nacional executada pela França a fim de manter suas forças armadas num nível de segurança adequado. Ante essas instruções, os comunistas franceses fizeram imediata meia-volta e deram um estrondoso apoio ao programa de defesa e ao serviço militar de dois anos. Como fator de segurança na Europa, o Pacto Franco-Soviético, que não continha ne­nhuma obrigação a comprometer qualquer das partes na eventualidade de uma agressão alemã, teve apenas vantagens limitadas. Nenhuma aliança real foi firmada com a Rússia. Além disso, em sua viagem de volta, o ministro do Exterior da França parou em Cracóvia para comparecer ao funeral do marechal Pilsudski. Ali conheceu Göring, com quem conversou com muita cordialidade. Suas expressões de desconfiança e desapreço pelos soviéticos foram devidamente comunicadas a Moscou através de canais alemães.

A essa altura, a saúde e a capacidade de Mr. MacDonald haviam declinado a um ponto que tornou impossível sua manutenção como primeiro-ministro. Ele nunca fora popular junto ao Partido Conservador, que o julgava, em virtude de seu histórico político e de guerra e de suas convicções socialis­tas, segundo um preconceito alimentado durante muito tempo e, em anos posteriores, abrandado pela piedade. Ninguém era mais odiado, ou odiado com mais razão pelo Partido Socialista-Trabalhista, que ele contribuíra tão grandemente para criar e que depois havia derrubado, através do que era visto pelos correligionários como sua traiçoeira deserção de 1931. Na maciça maioria do governo, ele só contava com sete de seus partidários. A política do desarmamento, à qual dedicara seus melhores esforços pessoais, havia-se comprovado um desastroso fracasso. Não poderia estar longe uma eleição geral em que ele não teria nenhum papel útil a desempenhar. Nessas circunstâncias, não houve surpresa quando, no dia 7 de junho, anunciou-se que ele e Mr. Baldwin haviam trocado de lugar e de cargo, e que Mr. Baldwin tornara-se primeiro-ministro pela terceira vez. O Foreign Office também trocou de mãos. Os esforços de Sir Samuel Hoare no Índia Office tinham sido coroados pela aprovação do Projeto de Lei do Governo da Índia e, a essa altura, ele estava livre para se voltar para uma esfera de importância mais imediata. Fazia algum tempo que Sir John Simon vinha sendo duramente atacado por sua política externa por conservadores influentes, estreitamente ligados ao governo. Assim, ele passou para o Ministério do Interior, com o qual estava bastante familiarizado, e Sir Samuel Hoare tornou-se ministro do Exterior.

Ao mesmo tempo, Mr. Baldwin adotou um expediente inédito. Nomeou Mr. Anthony Eden ministro para Assuntos da Liga das Nações. Por quase dez anos, Eden havia-se dedicado quase inteiramente ao estudo das relações exteriores. Retirado de Eton aos 18 anos para combater na Primeira Guerra Mundial, servira por quatro anos no 60° Regimento de Fuzileiros durante muitas das mais sangrentas batalhas e fora alçado à posição de ma­jor ajudante da Brigada, além de agraciado com a Cruz Militar. Ele deveria trabalhar no Foreign Office com status idêntico ao do ministro e com pleno acesso aos despachos e aos funcionários do ministério. O objetivo de Mr. Baldwin, sem dúvida, era granjear a simpatia da vigorosa corrente de opinião pública associada à União da Liga das Nações, mostrando a importância que atribuía à Liga e à condução de nossas negociações em Genebra. Quando, cerca de um mês depois, tive a oportunidade de tecer comentários sobre o que descrevi como “o novo plano de ter dois ministros do Exterior iguais”, chamei a atenção para seus defeitos evidentes.

Enquanto homens e coisas achavam-se nessa situação, um ato surpreen­dente foi praticado pelo governo inglês. Parte de seu impulso, pelo menos, veio do almirantado. É sempre perigoso quando soldados, marinheiros ou aviadores brincam de política. Eles entram numa esfera em que os valores são muito diferentes daqueles a que até então estiveram acostumados. Os almirantes, é claro, estavam seguindo a tendência ou até a orientação do primeiro Lord e do Gabinete, os únicos que tinham responsabilidade nisso. Mas veio um intenso vento favorável, proveniente do almirantado. Durante algum tempo, tinha havido conversações entre os almirantados inglês e alemão acerca da proporção das duas marinhas. Pelo Tratado de Versalhes, os alemães não podiam construir mais de seis navios blindados de dez mil toneladas, além de seis cruzadores leves que não ultrapassassem seis mil to­neladas. O almirantado inglês havia descoberto, pouco tempo antes, que os dois últimos “encouraçados de bolso” em construção, o Scharnhorst e o Gneisenau, eram de tamanho muito superior ao permitido pelo Tratado e de tipo muito diferente. Na verdade, tratava-se de cruzadores de batalha de disrupção do comércio, encouraçados e de 26 mil toneladas, que viriam a ter um papel destacado na Segunda Guerra Mundial.

Diante dessa violação impudente e fraudulenta do Tratado de Paz, cui­dadosamente planejada e iniciada pelo menos dois anos antes (em 1933), o almirantado, na verdade, julgou que valia a pena firmar um acordo naval anglo-alemão. O governo de Sua Majestade fez isso sem consultar seu aliado francês ou informar a Liga das Nações. Exatamente na ocasião em que es­tava recorrendo à Liga e arrolando o apoio de seus membros para protestar contra a violação por Hitler das cláusulas militares do Tratado, o próprio governo tomou providências, ao fazer um acordo particular, para extinguir as cláusulas navais desse mesmo tratado.

A principal característica do acordo era a marinha alemã não dever ultra­passar um terço da inglesa. Isso era um enorme atrativo para o almirantado, que se lembrava dos tempos anteriores à Primeira Guerra Mundial, quando nos déramos por satisfeitos com uma proporção de 16 para dez. Em nome dessa perspectiva e aceitando as garantias alemãs pelo que pareciam valer, os almirantes concederam à Alemanha o direito de construir subma­rinos, o que lhe era explicitamente negado no Tratado de Paz. A Alemanha poderia construir 60% da flotilha inglesa de submarinos e, se julgasse que havia circunstâncias excepcionais, chegar à construção de 100%. Os alemães, é claro, deram garantias de que seus submarinos nunca seriam usados contra navios mercantes. Por que, então, eram necessários? Pois se o restante do acordo fosse mantido, eles não poderiam influenciar a decisão naval no que concernia aos navios de guerra.

A limitação da esquadra alemã a um terço da inglesa facultou à Alemanha um programa de novas construções que poria seus estaleiros para funcionar a pleno vapor durante pelo menos dez anos. Assim, nenhuma limitação ou restrição prática de qualquer natureza foi imposta à expansão naval alemã. Eles poderiam construir com a rapidez que fosse fisicamente possível. A quota de navios atribuída à Alemanha pelo projeto inglês, na verdade, era muito mais exuberante do que a própria Alemanha julgava conveniente utilizar, sem dúvida considerando, em parte, a concorrência por chapas de aço entre a construção de navios de guerra e a de tanques. Hitler, sabemos agora, informou ao almirante Raeder que não havia probabilidade de uma guerra com a Inglaterra até 1944-45. Portanto, o desenvolvimento da mari­nha alemã foi planejado a longo prazo. Apenas no tocante aos submarinos é que eles construíram segundo o permitido pelos limites máximos postos no papel. Tão logo lhes foi possível ultrapassar o limite de 60%, invocaram a cláusula que lhes permitia construir até o limite de 100%. Na verdade, 57 submarinos estavam construídos quando a guerra começou.

No projeto dos novos encouraçados, os alemães tiveram a vantagem adi­cional de não estar sujeitos às disposições do Acordo Naval de Washington ou da Conferência de Londres. Bateram imediatamente a quilha do Bismarck e do Tirpitz e, enquanto a Inglaterra, a França e os Estados Unidos estavam todos presos à limitação de 35 mil toneladas, esses dois grandes navios fo­ram projetados com um deslocamento de mais de 45 mil toneladas, o que certamente os transformaria, uma vez concluídos, nos navios mais fortes a flutuar no mundo.

Foi também uma grande vantagem diplomática para Hitler, nesse mo­mento, dividir os aliados, ter um deles disposto a fechar os olhos às quebras do Tratado de Versalhes, e investir na reconquista da plena liberdade de rearmamento com a sanção do acordo com a Inglaterra. O efeito do anúncio desse acordo foi outro golpe contra a Liga das Nações. Os franceses tiveram todo o direito de reclamar que seus interesses vitais estavam sendo afetados pela permissão concedida pela Inglaterra para a construção de submarinos. Mussolini viu nesse episódio uma prova de que a Inglaterra não estava agindo de boa-fé com seus outros aliados e de que, desde que seus interes­ses navais especiais fossem assegurados, ela se disporia, aparentemente, a não medir esforços para chegar a um acerto com a Alemanha, com todo o prejuízo causado às nações amigas que estavam ameaçadas pelo crescimento das forças terrestres alemãs. O que se afigurou uma atitude cínica e egoísta da Inglaterra incentivou Mussolini a prosseguir em seus planos contra a Abissínia. Os países escandinavos — que, apenas uma semana antes, haviam sustentado corajosamente o protesto contra a introdução do serviço militar obrigatório por Hitler no exército alemão — constataram nesse momento, nos bastidores, que a Inglaterra havia concordado com uma esquadra alemã que, apesar de corresponder a apenas um terço da inglesa, seria, dentro desse limite, senhora do Báltico.

Ministros ingleses fizeram grande alarde de uma proposta alemã de cooperar conosco na abolição dos submarinos. Considerando-se que a condição estipulada para isso era que todos os demais países concordassem ao mesmo tempo, e sabendo-se que não havia a menor probabilidade de eles concordarem, tratava-se, para a Alemanha, de uma oferta muito segura. Isso também se aplicava à concordância alemã em restringir o uso de sub­marinos, de modo a eliminar a desumanidade da guerra submarina contra o comércio. Quem poderia supor que os alemães, possuindo uma grande flotilha de submarinos e vendo suas mulheres e filhos morrerem de fome por causa de um bloqueio inglês, iriam abster-se da mais plena utilização dessa arma? Descrevi essa opinião como “o cúmulo da credulidade”.

Longe de ser um passo em direção ao desarmamento, esse acordo, se tivesse sido cumprido por um certo número de anos, teria inevitavelmente provocado um desenvolvimento mundial de novas construções de navios de guerra. A marinha francesa, salvo os navios mais recentes, precisaria de reconstrução. Isso, por sua vez, causaria uma repercussão na Itália. Quanto a nós, era evidente que teríamos de reconstruir a esquadra inglesa em larguíssima escala, com o fim de manter nossa superioridade de três para um em matéria de embarcações modernas. É possível que a ideia de a marinha alemã corresponder a um terço da inglesa também se tenha afigurado ao nosso almirantado como a de uma marinha inglesa três vezes superior à alemã. Isso talvez preparasse o terreno para uma reconstrução razoável e já atrasada de nossa esquadra. Mas onde estavam os políticos?

Esse acordo foi anunciado ao parlamento pelo primeiro Lord do almirantado em 21 de junho de 1935. Na primeira oportunidade, eu o condenei: o que se fizera, na verdade, fora autorizar a Alemanha a construir usando sua capacidade máxima durante os cinco ou seis anos seguintes.

Enquanto isso, na esfera militar, o estabelecimento formal do recrutamen­to na Alemanha, em 16 de março de 1935, marcou o desafio fundamental a Versalhes. Mas os passos mediante os quais o exército alemão foi então ampliado e reorganizado não são apenas de interesse técnico. O nome de Reichswehr foi trocado para Wehrmacht. O exército passou a ficar subordina­do à liderança suprema do Führer. Todos os soldados prestavam juramento, não à constituição, como antes, mas à pessoa de Adolf Hitler. O Ministério da Guerra ficou diretamente subordinado às ordens do Führer. Planejou-se um novo tipo de formação — a divisão blindada, ou Panzer — da qual logo passaram a existir três unidades. Também foram feitos arranjos detalhados para a arregimentação dos jovens alemães. Começando nas fileiras da Ju­ventude Hitlerista, os meninos da Alemanha passavam voluntariamente, aos 18 anos, para as SA, por um período de dois anos. O serviço nos batalhões de trabalho, ou Arbeitsdienst, tornou-se obrigatório para todos os alemães do sexo masculino ao completarem vinte anos de idade. Durante seis meses, eles tinham que servir ao país construindo estradas, erguendo quartéis ou drenando charcos, o que os deixava física e moralmente aptos para o dever supremo dos cidadãos alemães: o serviço nas forças armadas. Nos batalhões de trabalho, a ênfase recaía na abolição das classes e na acentuação da união social do povo alemão; no exército, ela recaía sobre a disciplina e a unidade territorial da nação.

Iniciou-se então a gigantesca tarefa de treinar o novo órgão e expandir seus quadros. Em 15 de outubro de 1935, novamente desafiando as cláu­sulas de Versalhes, a escola de estado-maior da Alemanha foi reaberta em cerimônia formal por Hitler, acompanhado pelos chefes das forças armadas. Ali estava o ápice da pirâmide, cuja base, já então, constituía-se da miríade de formações dos batalhões de trabalho. Em 7 de novembro, a primeira turma, nascida em 1914, foi convocada para o serviço militar: 596 mil rapazes a serem instruídos no ofício das armas. Assim, de um só golpe, ao menos no papel, o exército alemão elevou-se para um efetivo de quase setecentos mil homens.

Reconheceu-se que, após a primeira convocação da classe de 1914, tan­to na Alemanha quanto na França, os anos seguintes trariam um número decrescente de recrutas, em virtude do declínio da natalidade durante o período da Guerra Mundial. Assim, em agosto de 1936, o período de serviço militar ativo na Alemanha foi ampliado para dois anos. A classe de 1915 totalizou 464 mil jovens e, com a retenção da turma de 1914 por mais um ano, o número de alemães em treinamento militar regular em 1936 foi de 1,5 milhão de homens. No mesmo ano, a força efetiva do exército francês, sem contar a reserva, era de 623 mil homens, dos quais apenas 407 mil estavam na França.

As cifras seguintes, que atuários puderam prever com certa exatidão, dispensam comentários:

Totais comparados de franceses e alemães das classes nascidas entre 1914 e 1920 e convocadas entre 1934 e 1940

Classe

Alemanha

França

1914

596.000

279.000

1915

464.000

184.000

1916

351.000

165.000

1917

314.000

171.000

1918

326.000

197.000

1919

485.000

218.000

1920

636.000

360.000

3.172.000 homens

1.574.000 homens

Até esses números se transformarem em realidade no decorrer dos anos, eles ainda foram apenas sombras de advertência. Tudo o que foi feito até 1935 ficou muito aquém da força e do poder do exército francês, com sua vasta reserva, sem falar em seus numerosos e vigorosos aliados. Mesmo nessa época, uma decisão resoluta, pautada na autorização da Liga das Nações, que seria fácil de obter, poderia ter detido todo o processo. A Alemanha poderia ter sido chamada aos tribunais, em Genebra, e solicitada a dar uma explicação completa e a permitir que missões de investigação aliadas exami­nassem a situação de seus armamentos e efetivos militares que transgrediam o Tratado. Na eventualidade de uma recusa, as cabeças de ponte do Reno poderiam ser reocupadas até que fosse garantido o cumprimento do Tratado, sem que houvesse qualquer possibilidade de resistência efetiva ou grande probabilidade de derramamento de sangue. Muitos dos fatos, bem como toda a sua tendência geral, eram conhecidos pelos estados-maiores francês e inglês e, em menor grau, reconhecidos pelos governos. O governo francês, que seguia seu curso ininterrupto no fascinante jogo da política partidária, e o governo inglês, que chegou aos mesmos vícios pelo processo oposto de um acordo geral para manter as coisas quietas, foram igualmente incapazes de qualquer ação drástica ou claramente definida, por mais justificável que ela fosse, tanto nos termos do Tratado quanto por mera prudência.