Mr. Eden ministro do Exterior: sua demissão
O ministro do Exterior tem uma posição especial num gabinete inglês. É tratado com extremo respeito em seu cargo de alta responsabilidade, mas costuma conduzir seus assuntos sob a supervisão contínua, se não de todo o Gabinete, ao menos de seus membros principais. Tem a obrigação de mantê-los informados. Manda circular entre seus colegas, como praxe, todos os seus telegramas executivos, os relatórios vindos de nossas embaixadas no exterior e o registro de suas conversas com embaixadores estrangeiros ou outras altas personalidades. Ao menos, assim foi durante minha experiência na vida ministerial. Essa supervisão, é claro, é especialmente efetuada pelo primeiro-ministro, que, em pessoa ou através de seu Gabinete, é responsável pelo controle e tem o poder de controlar os rumos da política externa. Em relação a ele, pelo menos, não deve haver segredos. Nenhum ministro do Exterior consegue fazer seu trabalho sem o apoio constante de seu superior. Para que as coisas funcionem bem, deve haver não apenas um acordo entre eles quanto aos princípios fundamentais, mas também harmonia de pontos de vista e mesmo até de temperamento. Isso é ainda mais importante quando o próprio primeiro-ministro dedica uma atenção especial aos assuntos estrangeiros.
Eden foi ministro do Exterior de Mr. Baldwin, que, salvo por seu conhecido e preponderante desejo de paz e sossego, não tinha nenhuma participação ativa na política externa. Mr. Chamberlain, por outro lado, procurava exercer um controle dominante em muitos ministérios. Ele tinha opiniões fortes sobre os assuntos externos e, desde o começo, afirmou seu incontestável direito de discuti-las com os embaixadores estrangeiros. Sua posse no cargo de primeiro-ministro, por conseguinte, implicou uma mudança sutil mas perceptível na posição do ministro do Exterior.
A isso se acrescentou uma profunda diferença de temperamento e de opiniões, ainda que, a princípio, fosse apenas latente. O primeiro-ministro desejava estabelecer relações cordiais com os dois ditadores europeus e acreditava que o melhor método para isso era evitar qualquer coisa que tendesse a ofendê-los. Eden, por outro lado, havia conquistado sua reputação em Genebra ao arregimentar as nações da Europa contra um ditador e, se o assunto ficasse por sua conta, bem poderia ter levado as sanções à beira da guerra, e talvez mais longe. Era um adepto fervoroso da Entente com a França. Ansiava por ter relações mais íntimas com a Rússia soviética. Sentia e temia o perigo de Hitler. Estava alarmado com a insignificância de nossos armamentos e com a repercussão disso nos assuntos externos. Quase se poderia dizer que não havia muita diferença de opinião entre ele e eu, exceto, é claro, pelo fato de que ele estava no cargo. Assim, desde o começo, pareceu-me provável que surgissem divergências entre essas duas figuras ministeriais preponderantes, à medida que a situação mundial se tornasse mais aguda.
Além disso, o primeiro-ministro tinha em Lord Halifax um colega que parecia compartilhar suas opiniões sobre os assuntos externos com simpatia e convicção. Minha longa e íntima associação com Edward Halifax datava de 1922, quando, na época de Lloyd George, ele se tornara meu subsecretário no Ministério dos Domínios e Colônias. As divergências políticas — mesmo sérias e prolongadas quanto as que surgiram entre nós a propósito de sua política como vice-rei da Índia — nunca haviam destruído nossas relações pessoais. Eu acreditava conhecê-lo muito bem e tinha certeza de que havia um abismo entre nós. Achei que esse mesmo abismo, ou coisa parecida, estava-se abrindo entre ele e Anthony Eden. Teria sido mais sensato, vendo bem, que Mr. Chamberlain tivesse feito Lord Halifax ministro do Exterior ao compor seu Gabinete. Eden teria ficado muito mais satisfeito no Ministério da Guerra ou no almirantado, e o primeiro-ministro teria tido um espírito afinado com o dele e um homem de sua confiança no Foreign Office. Entre o verão de 1937 e o fim desse ano, cresceram as divergências de método e de objetivos entre o primeiro-ministro e seu Foreign Office. A sequência de acontecimentos que levou à renúncia de Mr. Eden, em fevereiro de 1938, seguiu um caminho lógico.
Os pontos de divergência originais surgiram a respeito de nossas relações com a Alemanha e a Itália. Mr. Chamberlain estava decidido a insistir em seus pleitos junto aos dois ditadores. Em julho de 1937, convidou o embaixador italiano, o conde Grandi, a Downing Street. A conversa ocorreu com o conhecimento mas não na presença de Mr. Eden. Mr. Chamberlain falou de seu desejo de um aprimoramento das relações anglo-italianas. O conde Grandi sugeriu-lhe, como gesto preliminar, que seria interessante o primeiro-ministro redigir um apelo pessoal a Mussolini. Mr. Chamberlain sentou-se e redigiu essa carta durante a entrevista. Ela foi despachada sem ser encaminhada ao ministro do Exterior, que estava em seu ministério a alguns passos dali. A carta não produziu qualquer resultado visível, e nossas relações com a Itália, em virtude de sua crescente intervenção na Espanha, foram piorando cada vez mais.
Mr. Chamberlain estava imbuído do sentimento de ter uma missão especial e pessoal de estabelecer relações amistosas com os ditadores da Itália e da Alemanha, e se imaginava capaz de consegui-lo. A Mussolini, desejava dar o reconhecimento da conquista italiana da Abissínia, como prelúdio para um acerto geral das divergências. A Hitler, estava disposto a fazer concessões coloniais. Ao mesmo tempo, mostrava-se pouco inclinado a considerar abertamente o aperfeiçoamento dos armamentos ingleses ou a necessidade de uma colaboração estreita com a França, tanto no nível militar quanto no político. Mr. Eden, por outro lado, estava convencido de que qualquer acordo com a Itália deveria fazer parte de um acerto geral no Mediterrâneo, que deveria incluir a Espanha e ser obtido mediante um estreito entendimento com a França. Na negociação desse acordo, nosso reconhecimento da posição da Itália na Abissínia seria, claramente, um importante elemento de barganha. Jogá-lo fora logo no prelúdio e dar mostras de uma ansiedade de iniciar as negociações eram, na opinião do ministro do Exterior, uma insensatez.
Durante o outono de 1937, essas divergências tornaram-se maiores. Mr. Chamberlain concluiu que o Foreign Office obstruía suas tentativas de iniciar discussões com a Alemanha e a Itália, e Mr. Eden achou que seu superior demonstrava uma pressa descabida em se aproximar dos ditadores, particularmente quando o armamento inglês estava tão fraco. Houve, na verdade, uma profunda divergência prática e psicológica de pontos de vista.
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Apesar de minhas diferenças com o governo, eu tinha muita simpatia por seu ministro do Exterior. Parecia-me a figura mais resoluta e corajosa daquela administração. Embora, como secretário parlamentar de Mr. Austen Chamberlain e, mais tarde, como vice-ministro no Foreign Office, ele tivesse tido que se adaptar a muitas coisas que eu havia atacado e que continuo a condenar, eu tinha certeza de que sua intuição estava certa e de que ele havia captado a essência da questão. Por sua vez, ele fazia questão de me convidar para as recepções do Foreign Office e mantínhamos livre correspondência. Naturalmente, não havia nenhuma impropriedade nessa prática, e Mr. Eden aderia ao precedente já bem-estabelecido de que o ministro do Exterior tem o costume de se manter em contato com as figuras políticas proeminentes da época no que tange a todas as grandes questões internacionais.
No outono de 1937, Eden e eu havíamos chegado, embora por vias um pouco diferentes, a um ponto de vista semelhante, contrário à intervenção ativa do Eixo na Guerra Civil Espanhola. Sempre o apoiei na Câmara dos Comuns quando ele tomou medidas enérgicas, ainda que em escala muito limitada. Eu sabia muito bem quais eram suas dificuldades com alguns de seus colegas seniores do Gabinete e com seu chefe, e que ele agiria de maneira mais ousada se não o entravassem. Logo surgiu no Mediterrâneo uma crise que ele administrou com firmeza e habilidade e que, por conseguinte, foi solucionada de um modo que trouxe um lampejo de crédito para nossa linha de ação. Alguns navios mercantes tinham sido afundados pelos assim ditos submarinos espanhóis. Na verdade, não havia dúvida de que não eram espanhóis, mas italianos. Aquilo era pura pirataria e havia impelido à ação todos os que tomaram conhecimento do fato. Uma conferência dos países do Mediterrâneo foi convocada para 10 de setembro, em Nyon. Para lá seguiu o ministro do Exterior, acompanhado por Vansittart e Lord Chatfield, primeiro Lord do almirantado. A conferência foi curta e bem-sucedida. Concordou-se em criar patrulhas antissubmarinas inglesas e francesas, com ordens que não deixavam dúvidas quanto ao destino de qualquer submarino encontrado. A Itália deu sua aquiescência ao que se decidiu na conferência e os ataques cessaram imediatamente.
Embora tenha sido um incidente, essa é uma prova de quão poderosa teria sido a influência conjunta da Inglaterra e da França — expressa com convicção e com a disposição de usar da força — no estado de ânimo e na política dos ditadores. Não se pode afirmar que tal política houvesse impedido a guerra nesse estágio. Mas tê-la-ia facilmente adiado. A verdade é que, enquanto o “apaziguamento”, em todas as suas formas, só fazia incentivar a agressão dos ditadores e dar-lhes maior poder junto aos seus próprios povos, qualquer sinal de uma contraofensiva decidida por parte das democracias ocidentais produzia imediatamente um alívio das tensões. Essa norma prevaleceu durante todo o ano de 1937. Depois disso, o cenário e a situação ficaram diferentes.
Durante novembro, Eden passou a preocupar-se cada vez mais com a lentidão de nosso rearmamento. No dia 11, encontrou-se com o primeiro-ministro e procurou transmitir seus receios. Mr. Neville Chamberlain, após algum tempo, recusou-se a ouvi-lo. Recomendou-lhe que “fosse para casa e tomasse uma aspirina”. Em fevereiro de 1938, o ministro do Exterior viu-se quase isolado no Gabinete. O primeiro-ministro tinha um forte apoio contra seu ponto de vista. Uma ala inteira de importantes ministros considerava perigosa e até provocadora a política do Foreign Office. Por outro lado, alguns dos ministros mais jovens dispunham-se a compreender o ponto de vista de Eden. Alguns queixaram-se, mais tarde, de Eden não haver confiado neles. Ele nem sequer considerou a formação de um grupo contra seu líder. Os chefes de estado-maior não podiam ajudá-lo. Na verdade, recomendavam cautela e discorriam sobre os perigos da situação. Estavam relutantes em se aproximar demais dos franceses, temendo que assumíssemos compromissos que não pudéssemos cumprir. Tinham uma visão sombria do poderio militar russo depois do expurgo de Stalin, do qual voltaremos a falar mais adiante. Julgavam necessário lidar com nossos problemas como se tivéssemos três inimigos — a Alemanha, a Itália e o Japão — que poderiam nos atacar em conjunto, e poucos amigos para nos ajudar. Poderíamos solicitar bases aéreas na França, mas no começo não teríamos possibilidade de enviar um exército. Mas até essa modesta ideia deparou com uma intensa resistência no Gabinete.
A ruptura efetiva, no entanto, surgiu de uma questão nova e própria. Na noite de 11 de janeiro de 1938, Mr. Sumner Welles, subsecretário de Estado americano, visitou o embaixador inglês em Washington. Era portador de uma mensagem secreta e confidencial do presidente Roosevelt para Mr. Chamberlain. O presidente estava profundamente inquieto com a deterioração da situação internacional e propunha-se a tomar a iniciativa — convidando os representantes de alguns governos a comparecerem a Washington — para discutir as causas subjacentes das dificuldades que existiam. Antes de tomar essa medida, entretanto, desejava consultar o governo inglês para ouvir-lhe a opinião sobre esse plano, estipulando que nenhum outro governo fosse informado da natureza ou da existência da proposta. Ele pedia que, no máximo até 17 de janeiro, fosse dada uma resposta a sua mensagem, e deixou implícito que somente se sua sugestão recebesse “a aprovação cordial e o sincero apoio do governo de Sua Majestade” é que ele iria entrar em contato com os governos da França, da Alemanha e da Itália. Ali estava um passo portentoso e de grande alcance.
Ao encaminhar essa proposta secretíssima a Londres, o embaixador inglês, Sir Ronald Lindsay, insistiu da maneira mais veemente em sua aceitação. O Foreign Office recebeu o telegrama de Washington em 12 de janeiro e, naquela noite, enviaram-se cópias ao primeiro-ministro, que estava no interior. Na manhã seguinte, ele voltou a Londres e, por instrução sua, seguiu uma resposta à mensagem do presidente. Mr. Eden, nessa ocasião, estava desfrutando de um breve período de férias no sul da França. A resposta de Mr. Chamberlain foi que ele muito apreciava a confiança do presidente Roosevelt em consultá-lo daquela maneira acerca de sua proposta de um plano para aliviar a tensão existente na Europa, mas desejava explicar a situação de seus próprios esforços para chegar a um acordo com a Alemanha e a Itália, particularmente no caso desta última.
“O governo de Sua Majestade estaria disposto, de seu lado, se possível com a autorização da Liga das Nações, a reconhecer de jure a ocupação italiana da Abissínia, caso constate que o governo italiano, por sua vez, se dispõe a dar mostras de seu desejo de contribuir para o restabelecimento da confiança e de relações amistosas.”
O primeiro-ministro estava mencionando esses fatos, prosseguia a mensagem, para que o presidente pudesse avaliar se sua proposta atual não iria interferir com o esforço inglês. Assim, não seria mais sensato adiar o lançamento do plano americano?
Essa resposta foi recebida por Mr. Roosevelt com certo desapontamento. Ele indicou que daria uma resposta a Mr. Chamberlain por carta em 17 de janeiro. Na noite de 15 de janeiro, o ministro do Exterior voltou para a Inglaterra. Fora instado a voltar, não por seu superior, que estava satisfeito em agir sem a presença dele, mas pelos funcionários do Foreign Office mais ligados a ele. O atento Alexander Cadogan estava à sua espera no cais de Dover. Mr. Eden, que trabalhara arduamente, durante muito tempo, para melhorar as relações anglo-americanas, ficou profundamente perturbado. Enviou imediatamente um telegrama a Sir Ronald Lindsay, tentando minimizar os efeitos da desalentadora resposta de Mr. Chamberlain. A carta do presidente chegou a Londres na manhã de 18 de janeiro. Nela, ele concordou em adiar o anúncio de sua proposta, em vista do fato de que o governo inglês estava contemplando negociações diretas, mas acrescentou que ficava seriamente preocupado com a indicação de que o governo de Sua Majestade pudesse dar reconhecimento à posição italiana na Abissínia. A seu ver, isso teria um efeito sumamente prejudicial sobre a política japonesa no Extremo Oriente e a opinião pública americana. Mr. Cordell Hull, ao entregar essa carta ao embaixador inglês em Washington, expressou-se de modo ainda mais enfático. Disse que esse reconhecimento “despertaria um sentimento de repulsa, reavivaria e multiplicaria todos os temores de que se desse apoio a um ato ilícito e seria interpretado como uma barganha corrupta, feita na Europa à custa dos interesses no Extremo Oriente, nos quais os EUA estavam intimamente envolvidos”.
A carta do presidente foi examinada numa série de reuniões do comitê de assuntos estrangeiros do Gabinete. Mr. Eden conseguiu uma modificação considerável da atitude anterior. A maioria dos ministros pensou que ele estivesse satisfeito. Ele não lhes deixou claro que não estava. Após essas discussões, duas mensagens foram enviadas a Washington na noite de 21 de janeiro. A essência dessas respostas foi que o primeiro-ministro acolhia calorosamente a iniciativa do presidente, mas não se dispunha a aceitar nenhuma responsabilidade por seu fracasso, caso as iniciativas americanas fossem malrecebidas. Mr. Chamberlain desejava assinalar que não aceitávamos irrestritamente o método sugerido pelo presidente, que claramente irritaria os dois ditadores e o Japão. O governo de Sua Majestade tampouco achava que o presidente houvesse compreendido inteiramente nossa posição acerca do reconhecimento de jure. A segunda mensagem, na verdade, era uma explicação de nossa atitude nessa questão. Tencionávamos dar esse reconhecimento apenas como parte de um acordo geral com a Itália.
O embaixador inglês relatou sua conversa com Mr. Sumner Welles quando entregou essas mensagens ao presidente, em 22 de janeiro. Informou que Mr. Welles lhe dissera que “o presidente considerava o reconhecimento uma pílula desagradável que ambos teríamos de engolir, e desejava que a engolíssemos juntos”.
Foi assim que a proposta do presidente Roosevelt de usar a influência americana para reunir as principais potências europeias, a fim de discutir as probabilidades de um acordo geral — implicando, é claro, por mais relutantemente que fosse, o maciço poderio dos Estados Unidos — foi repelida por Mr. Chamberlain.
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Estava claro que uma demissão do ministro do Exterior não se poderia fundar no rechaço da iniciativa do presidente por parte de Mr. Chamberlain. Mr. Roosevelt, na verdade, estava correndo grandes riscos em sua própria política interna, ao implicar deliberadamente os Estados Unidos no anuviante cenário europeu. Todas as forças do isolacionismo despertariam se alguma parte desse intercâmbio houvesse transpirado. Por outro lado, nenhum acontecimento teria mais probabilidade de adiar, ou até prevenir a guerra, do que a entrada dos Estados Unidos no circuito dos ódios e temores europeus. Para a Inglaterra, era quase uma questão de vida ou morte. Ninguém consegue aquilatar, em retrospecto, o efeito que isso teria surtido no curso dos acontecimentos na Áustria e, depois, em Munique. Devemos encarar essa rejeição — pois isso é o que ela foi — como a perda da última tênue chance de salvar o mundo da tirania de outro modo que não pela guerra. O fato de Mr. Chamberlain, com sua visão limitada e sua inexperiência no cenário europeu, ter tido a autossuficiência de desdenhar a mão que se estendia num gesto de oferta através do Atlântico é, ainda hoje, tão assombroso que chega a tirar o fôlego. É estarrecedora a falta de qualquer senso de proporção e até de qualquer sentimento de autopreservação que esse episódio revela, num homem íntegro, competente e bem-intencionado, encarregado do destino de nosso país e do de todos os que dependiam dele. Hoje em dia, é impossível sequer reconstituir o estado de ânimo que teria possibilitado esse gesto.
Deve ter sido com decrescente confiança no futuro que Mr. Eden foi a Paris, em 25 de janeiro, deliberar com os franceses. Agora, tudo girava em torno do sucesso da aproximação com a Itália, da qual fizéramos tamanha questão em nossas respostas ao presidente. Os ministros franceses deixaram clara a Mr. Eden a necessidade da inclusão da Espanha em qualquer acordo geral com os italianos; quanto a isso, na verdade, ele já estava convencido. Em 10 de fevereiro, o primeiro-ministro e o ministro do Exterior encontraram-se com o conde Grandi, que declarou que os italianos estavam prontos, em princípio, para dar início às conversações.
Em 15 de fevereiro chegou a notícia da submissão do chanceler austríaco, Schuschnigg, à exigência alemã de que fosse introduzido no Gabinete austríaco o principal agente nazista, Seyss-Inquart, como ministro do Interior e superintendente da polícia austríaca. Esse grave acontecimento não evitou a crise pessoal entre Mr. Chamberlain e Mr. Eden. Em 18 de fevereiro, eles tornaram a se reunir com o conde Grandi. Foi a última negociação que conduziram juntos. O embaixador recusou-se a discutir a postura italiana em relação à Áustria e a examinar o plano inglês de retirada dos voluntários, ou os assim chamados voluntários — nesse caso, cinco divisões do exército italiano regular — da Espanha. Grandi solicitou, no entanto, que se iniciassem conversações gerais em Roma. O primeiro-ministro as desejava, e o ministro do Exterior opôs-se firmemente a essa medida.
Houve prolongadas discussões e reuniões do Gabinete. No fim, Mr. Eden deu sumariamente sua demissão, em função da realização das conversações italianas naquele estágio e naquelas circunstâncias. Diante disso, seus colegas ficaram atônitos. Não haviam percebido que as divergências entre o ministro do Exterior e o primeiro-ministro tinham chegado ao ponto de ruptura. Evidentemente, se era o caso da demissão de Mr. Eden, surgia uma nova questão que suscitava problemas maiores e mais gerais. Entretanto, todos eles se haviam comprometido com o mérito do assunto em debate. O restante desse longo dia foi gasto em esforços para induzir o ministro do Exterior a mudar de ideia. Mr. Chamberlain ficou impressionado com a aflição do Gabinete. “Ao ver como meus companheiros ficaram surpresos, propus um adiamento até o dia seguinte.” Mas Eden não viu nenhum proveito em continuar à procura de fórmulas e, à meia-noite do dia 20, sua demissão tornou-se definitiva. “O que a meu ver o recomenda enormemente”, observou o primeiro-ministro. Lord Halifax foi prontamente nomeado ministro do Exterior em seu lugar.
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Claro, sabia-se que havia sérias divergências no Gabinete, embora a causa fosse obscura. Eu ouvira alguma coisa a esse respeito, mas me abstivera cuidadosamente de qualquer comunicação com Mr. Eden. Tinha esperanças de que ele não se demitisse por motivo algum sem antes fundamentar a defesa de suas ideias e sem dar a seus muitos amigos do parlamento uma oportunidade de avaliar as questões. Mas o governo, nessa época, era tão poderoso e arredio que o combate foi travado dentro do conclave ministerial, e principalmente entre os dois senhores.
Em 20 de fevereiro, tarde da noite, sentado em minha velha sala em Chartwell (como muitas vezes sento-me agora), recebi um telefonema informando que Eden havia se demitido. Devo confessar que meu coração ficou pesado e, por algum tempo, cobriram-me as águas escuras do desespero. Numa vida longa, tive muitos altos e baixos. Durante toda a guerra que logo viria, e em seus momentos mais tenebrosos, nunca tive nenhuma dificuldade de dormir. Na crise de 1940, quando tamanha responsabilidade recaiu sobre mim, e também em muitos momentos angustiantes e difíceis nos cinco anos seguintes, sempre consegui cair na cama e adormecer depois de encerrado o dia de trabalho — sujeito, é claro, a qualquer chamado de emergência. Dormia um sono profundo e acordava refeito, sem ter que lutar com nenhum sentimento, exceto o apetite para examinar com empenho e coragem o que quer que trouxesse o correio matinal. Mas nessa noite de 20 de fevereiro de 1938, e só nessa ocasião, o sono me abandonou. De meia-noite até o amanhecer, fiquei deitado na cama, consumido por sentimentos de pesar e de medo. Parecia haver uma figura jovem e forte que enfrentava longas correntezas, sinistras e arrastadas, de inação e rendição, de avaliações equivocadas e de vontades débeis. Minha condução dos negócios teria diferido da dele em vários aspectos; mas, naquele momento, ele me parecia encarnar a esperança vital da nação inglesa, da grandiosa e velha raça britânica que tanto fizera pelos homens e que ainda tinha tanto a dar. E agora, ele se fora. Vi a luz do dia infiltrar-se pouco a pouco pelas janelas e, ante os olhos da mente, tive uma visão da Morte.