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Tchecoslováquia

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Quando a invasão da Áustria ia a pleno vapor, Hitler disse, no carro, ao general von Halder: “Isto vai ser muito inconveniente para os tchecos.” Halder percebeu logo a importância do comentário. Para ele, o futuro se esclareceu. Mostrou-se a intenção de Hitler e, ao mesmo tempo, a seu ver, a ignorância militar de Hitler. “Era praticamente impossível”, explicou, “que um exército alemão atacasse a Tchecoslováquia pelo sul. A única linha ferroviária que passava por Linz ficava completamente exposta a ataques e não havia nenhuma possibilidade de surpresa.” Mas a concepção político-estratégica central de Hitler estava certa. O Muro do Oeste estava crescendo e, apesar de estar longe da conclusão, já confrontava o exército francês com terríveis lembranças do Somme e de Passchendaele. Ele estava convencido de que nem a França nem a Inglaterra lutariam.

No dia do avanço dos exércitos alemães para a Áustria, ouvimos dizer que Göring dera ao embaixador tcheco em Berlim a garantia solene de que a Alemanha não tinha “qualquer mau intento em relação à Tchecoslováquia”. Em 14 de março, o premier francês, M. Blum, declarou solenemente ao embaixador tcheco em Paris que a França honraria irrestritamente seu compromisso com a Tchecoslováquia. Essas garantias diplomáticas não conseguiam esconder a sinistra realidade. Toda a situação estratégica do con­tinente havia-se modificado. Argumentos e exércitos alemães podiam, a essa altura, concentrar-se diretamente no limite ocidental da Tchecoslováquia, cujos distritos fronteiriços eram alemães em caráter racial, contando com um Partido Nacionalista Alemão agressivo e ativo, ansioso por funcionar como quinta-coluna na eventualidade de distúrbios.

Na esperança de dissuadir a Alemanha, o governo inglês, de acordo com a determinação de Mr. Chamberlain, buscou um acordo com a Itália no Mediterrâneo. Isso fortaleceria a posição da França e permitiria que os franceses e ingleses se concentrassem nos acontecimentos na Europa Central. Mussolini, até certo ponto aplacado pela queda de Eden, e sentindo-se em forte posição para negociar, não repeliu o arrependimento inglês. Em 16 de abril de 1938, assinou-se um acordo anglo-italiano que efetivamente deu à Itália carta branca na Abissínia e na Espanha, em troca do valor imponderável da boa vontade italiana na Europa Central. O Foreign Office mostrou-se cético ante essa transação. Diz-nos o biógrafo de Mr. Chamberlain que ele escreveu, numa carta pessoal e particular: “Você devia ter visto o rascunho que me foi submetido pelo Foreign Office; era de congelar urso polar.”1

Eu compartilhava das apreensões do Foreign Office acerca desse lance.

Hitler observava a cena atentamente. Também para ele, o alinhamento final da Itália numa crise europeia era importante. Conferenciando com seus chefes de estado-maior no fim de abril, ele examinou maneiras de forçar o ritmo. Mussolini queria carta branca na Abissínia. A despeito da aquiescência do governo inglês, era possível que ele acabasse precisando do apoio alemão nessa empreitada. Se assim fosse, ele aceitaria as medidas alemãs contra a Tchecoslováquia. Era preciso fazer com que essa questão chegasse a um ponto crítico para que, na resolução da questão tcheca, a Itália ficasse do lado alemão. As declarações dos políticos ingleses e franceses, evidentemente, foram estudadas em Berlim. A intenção dessas potências ocidentais de persuadir os tchecos a serem razoáveis, em nome da paz europeia, foi notada com satisfação. O Partido Nazi dos sudetos, liderado por Henlein, formulou então suas reivindicações de autonomia nas regiões do país fronteiras com a Alemanha, e os embaixadores inglês e francês em Praga visitaram o ministro do Exterior da Tchecoslováquia, pouco depois, para “expressar a esperança de que o governo tcheco fosse aos limites mais extremos para solucionar essa questão”.

Durante o mês de maio, os alemães na Tchecoslováquia receberam ordens de aumentar a agitação política. Havia eleições municipais previstas e o governo alemão começou uma deliberada guerra de nervos. Já circu­lava o boato persistente da movimentação de tropas alemãs em direção à fronteira tcheca. Os desmentidos alemães não tranquilizaram os tchecos, que, na noite de 20 para 21 de maio, decretaram uma mobilização parcial de seu exército.

Fazia algum tempo que Hitler estava convencido de que nem a França nem a Inglaterra lutariam pela Tchecoslováquia. Em 28 de maio, ele convocou uma reunião de seus principais assessores e deu instruções para os preparativos de um ataque à Tchecoslováquia. Seus assessores militares, no entanto, não partilhavam unanimemente de sua confiança esmagadora. Era impossível persuadir os generais alemães, considerando a preponderância ainda imensa das forças aliadas, exceto no ar, de que a França e a Inglaterra cederiam ao desafio do Führer. Subjugar o exército tcheco e penetrar na linha fortificada da Boêmia, ou contorná-la, exigiria praticamente 35 divi­sões inteiras. Os chefes de estado-maior alemães informaram a Hitler que o exército tcheco devia ser considerado eficiente e atualizado em armas e equipamento. As fortificações do Muro de Oeste ou Linha Siegfried, apesar de já existirem como fortificações temporárias de campanha, estavam longe de concluídas; além disso, no momento de atacar os tchecos, apenas cinco divisões efetivas e oito da reserva estariam disponíveis para proteger toda a fronteira ocidental da Alemanha contra o exército francês, que poderia mobilizar uma centena de divisões. Os generais estavam horrorizados por terem que correr esse risco; se pudessem esperar uns poucos anos, o exército alemão seria o mais poderoso. Embora o julgamento político de Hitler se houvesse revelado correto na Renânia e na Áustria — em função do pacifismo e da fraqueza dos aliados no tocante ao recrutamento — o Alto Comando alemão não conseguia acreditar que o blefe pudesse ter êxito pela quarta vez. Parecia muito além dos limites da razão que grandes nações vitoriosas, possuidoras de uma evidente superioridade militar, mais uma vez aban­donassem o caminho do dever e da honra, que também era, para elas, o caminho do bom senso e da prudência. Além de tudo isso, havia a Rússia, com suas afinidades eslavas com a Tchecoslováquia, e cuja atitude para com a Alemanha, naquela conjuntura, estava repleta de ameaças.

As relações da Rússia soviética com a Tchecoslováquia como nação, e com o presidente Benes pessoalmente, eram de amizade íntima e sólida. As raízes disso estavam numa certa afinidade racial e também em aconteci­mentos relativamente recentes, que exigem uma breve digressão. Quando o presidente Benes visitou-me em Marrakech, em janeiro de 1944, ele me contou essa história. Em 1935, ele recebera de Hitler uma proposta de respeitar em qualquer situação a integridade da Tchecoslováquia em troca de uma garantia de que ela permaneceria neutra na eventualidade de uma guerra franco-alemã. Quando Benes apontou para o tratado que o obrigava a agir em conjunto com a França num caso desses, o embaixador alemão retrucou que não havia nenhuma necessidade de cancelar o tratado. Bastaria rompê-lo, se e quando chegasse a hora, simplesmente não mobilizando as forças armadas ou não realizando uma ofensiva. A pequena república não estava em condições de manifestar indignação ante uma sugestão dessa ordem. Seu medo da Alemanha já era grande, especialmente uma vez que a questão dos alemães da região dos sudetos poderia ser levantada e fomen­tada pela Alemanha a qualquer momento, causando extrema dificuldade e perigo crescente. Assim, eles haviam deixado o assunto morrer sem nenhum comentário ou compromisso e, durante mais de um ano, ele não se alterara. No outono de 1936, foi transmitida ao presidente Benes mensagem de uma alta fonte militar da Alemanha, dizendo que, se ele quisesse beneficiar-se da proposta do Führer, era melhor apressar-se, pois logo haveria acontecimentos na Rússia que tornariam insignificante qualquer ajuda que ele pudesse dar à Alemanha.

Enquanto Benes ponderava sobre essa perturbadora sugestão, chegou ao seu conhecimento que, através da embaixada soviética em Praga, estavam em curso comunicações entre personagens importantes da Rússia e do governo alemão. Isso era parte da chamada conspiração militar e da velha-guarda co­munista para derrubar Stalin e criar um novo regime, baseado numa política pró-Alemanha. O presidente Benes não tardou em comunicar a Stalin tudo o que conseguiu descobrir.2 Seguiu-se então um expurgo militar e político implacável, mas talvez não desnecessário, ocorrido na Rússia soviética, bem como a série de julgamentos de janeiro de 1937, na qual Vyshinsky, o promotor público, desempenhou um papel tão magistral.

Conquanto seja altamente improvável que os comunistas da velha-guarda houvessem buscado juntar forças com os líderes militares, ou vice-versa, é certo que eles estavam muito enciumados de Stalin, que os havia expulsado. Por conseguinte, talvez tenha sido conveniente eliminá-los ao mesmo tempo, segundo os padrões mantidos nos estados totalitários. Zinoviev, Bukharin e outros dos líderes originais da Revolução, o marechal Tukachevsky, que fora convidado a representar a União Soviética na coroação do rei George VI, e muitos outros oficiais de alta patente do exército foram fuzilados. Ao todo, nada menos de cinco mil oficiais e funcionários acima da patente de capitão foram “liquidados”. O exército russo foi expurgado de seus elementos pró-alemães a um custo elevado para sua eficiência militar. O viés do governo soviético pendeu acentuadamente contra a Alemanha. Stalin estava cônscio de ter uma dívida pessoal para com o presidente Benes, e um fortíssimo desejo de ajudá-lo e de auxiliar seu país ameaçado contra o perigo nazista animava o governo soviético. Essa situação, claro, era plena­mente compreendida por Hitler, mas não tenho ciência de que os governos inglês e francês estivessem igualmente informados. Para Mr. Chamberlain e os estados-maiores inglês e francês, o expurgo de 1937 apareceu principal­mente como um esfacelamento interno do exército russo e retrato de uma União Soviética dilacerada por ódios e vinganças ferozes. Talvez isso tenha constituído uma visão exagerada, pois um sistema de governo baseado no terror pode muito bem fortalecer-se através de uma afirmação implacável e bem-sucedida de seu poder. O fato a destacar, no que tange ao presente relato, é a estreita associação da Rússia com a Tchecoslováquia e de Stalin com Benes.

Mas nem as tensões internas da Alemanha nem os laços entre Benes e Stalin eram conhecidos do resto do mundo, e tampouco aquilatados pelos ministros ingleses e franceses. A Linha Siegfried, apesar de não aperfeiçoa­da, parecia um meio assustador de dissuasão. A força e o poder de combate exatos do exército alemão, por mais novo que ele fosse, não podiam ser avaliados com exatidão e eram certamente exagerados. Havia também o perigo incomensurável dos ataques aéreos a cidades indefesas. E, acima de tudo, havia o ódio à guerra no coração das democracias.

Não obstante, no dia 12 de junho, M. Daladier, então premier da França, renovou o juramento de seu predecessor, feito em 14 de março, e declarou que os compromissos da França com a Tchecoslováquia eram “sagrados, não se pode fugir deles”. Essa declaração imponente afasta qualquer discussão em torno da ideia de que o Tratado de Locarno, datado de 13 anos antes, houvesse, por implicação, deixado tudo vago no Leste Europeu, na depen­dência de um Locarno Oriental. Não há, perante a história, nenhuma dúvida de que o tratado de 1924 entre a França e a Tchecoslováquia tinha plena validade, não apenas nos termos da lei, mas de fato. Isso foi reafirmado por sucessivos chefes do governo francês em todas as situações de 1938.

Mas, no que tange a isso, Hitler estava convencido de que apenas seu julgamento era bem-fundado. Em 18 de junho, deu instruções finais para o ataque à Tchecoslováquia, no correr das quais procurou tranquilizar seus generais ansiosos. Disse a Keitel:

Só decidirei agir contra a Tchecoslováquia se estiver firmemente conven­cido, como no caso da zona desmilitarizada [da Renânia] e da entrada na Áustria, de que a França não marchará e, portanto, de que a Inglaterra não intervirá.3

Em 26 de julho de 1938, Chamberlain anunciou no parlamento a missão de Lord Runciman em Praga, com o objetivo de buscar uma solução nego­ciada entre o governo tcheco e Herr Henlein. No dia seguinte, os tchecos divulgaram um projeto de lei referente às minorias nacionais, que deveria servir de base para as negociações. No mesmo dia, Lord Halifax declarou no parlamento: “Não creio que os responsáveis pelo governo de qualquer país da Europa de hoje desejem a guerra.” No dia 3 de agosto, Lord Runciman chegou a Praga e houve uma série de discussões intermináveis e complicadas com as várias partes interessadas. Em 15 dias, essas negociações foram interrompidas e, desse ponto em diante, os acontecimentos se sucederam rapidamente.

Em 27 de agosto, Ribbentrop, já então ministro do Exterior, relatou uma visita que recebera do embaixador italiano em Berlim, que “havia tido outra instrução por escrito de Mussolini, pedindo que a Alemanha comu­nicasse em tempo hábil a data provável da ação contra a Tchecoslováquia”. Mussolini pedia essa notificação a fim de “poder tomar, no devido tempo, as providências necessárias na fronteira francesa”.

A ansiedade aumentou cada vez mais durante agosto e, na tarde de 2 de setembro, recebi do embaixador soviético mensagem de que ele gostaria de vir ter comigo em Chartwell imediatamente, para falar sobre uma questão urgente. Fazia algum tempo que eu mantinha relações pessoais amistosas com Mr. Maisky, que também se dava muito com meu filho Randolph. Re­cebi prontamente o embaixador e, após alguns preâmbulos, ele me contou em detalhes precisos e formais a história exposta adiante. Antes que ele se estendesse muito, percebi que fazia uma declaração a mim, como indiví­duo, porque o governo soviético preferia esse canal a uma gestão direta no Foreign Office, que talvez esbarrasse em rechaço. Havia uma clara intenção de que eu relatasse o que me estava sendo dito ao governo de Sua Majestade. Isso não foi realmente explicitado pelo embaixador, mas ficou implícito pelo fato de não ter havido qualquer pedido de sigilo. Visto que o assunto pareceu-me de imediato ser da máxima importância, tomei o cuidado de não prejudicar seu exame por Halifax e Chamberlain através da assunção de qualquer compromisso de minha parte, ou do uso de uma linguagem que provocasse controvérsia entre nós.

É a seguinte a essência do que me disse o embaixador:

O chargé d’affaires da França em Moscou (estando o embaixador de licença) havia procurado Mr. Litvinov, naquele mesmo dia e, em nome do governo francês, perguntou que ajuda a Rússia daria à Tchecoslováquia contra um ataque alemão, considerando, em especial, as dificuldades que poderiam ser criadas pela neutralidade da Polônia ou da Romênia. Litvinov retru­cara que a União Soviética estava decidida a cumprir suas obrigações. Ele reconhecia as dificuldades criadas pela atitude da Polônia e da Romênia, mas achava que, no caso da Romênia, elas poderiam ser superadas. Se, por exemplo, a Liga decidisse que a Tchecoslováquia fora vítima de uma agressão e que a Alemanha era o agressor, isso provavelmente persuadiria a Romênia a permitir que as tropas e a força aérea russas passassem por seu território.

Mesmo que o Conselho da Liga não fosse unânime, Mr. Litvinov julgava que uma decisão majoritária seria suficiente, e que a Romênia provavel­mente se associaria a ela. Assim, ele recomendava que o Conselho fosse convocado, nos termos do Artigo 11, uma vez que havia perigo de guerra, e que as nações da Liga deliberassem em conjunto. Quanto mais cedo isso fosse feito, melhor, já que o tempo poderia ser muito curto. Deveria haver conversações imediatas entre os estados-maiores da Rússia, da França e da Tchecoslováquia sobre os meios e modos de prestar assistência. Era também a favor de uma consulta entre as nações pacíficas quanto ao melhor método para preservar a paz, com vistas, talvez, a uma declaração conjunta que incluísse a França, a Rússia e a Inglaterra. Ele acreditava que os Estados Unidos dariam apoio moral a essa declaração.

Foi o que expôs Mr. Maisky. Eu disse ser improvável que o governo inglês considerasse qualquer medida adicional, até ou a menos que houvesse uma nova interrupção das negociações Henlein-Benes, cuja culpa não se pudesse de modo algum atribuir ao governo da Tchecoslováquia. Não gostaríamos de irritar Hitler, caso ele realmente se estivesse inclinando para uma solução pacífica.

Enviei um relatório sobre tudo isso a Lord Halifax, tão logo acabei de ditá-lo. Ele me respondeu de maneira cautelosa, em 5 de setembro, dizendo não achar, naquele momento, que uma ação do tipo proposto nos termos do Artigo 11 pudesse ser útil, mas afirmando que teria isso em mente. “Por ora, como você indicou, penso que devemos rever a situação à luz do relatório com que Henlein voltou de Berchtesgaden.” E acrescentou que a situação continuava muito tensa.

Em seu editorial de 7 de setembro, disse o Times:

Se, neste momento, os sudetos pedem mais do que o governo tcheco está disposto a conceder em seu mais recente conjunto de propostas, só se pode inferir que os alemães estão indo além da mera eliminação de empecilhos para os que não se sentem à vontade dentro da República da Tchecoslováquia. Nesse caso, talvez valha a pena o governo tchecoslovaco considerar se deve abandonar por completo o projeto, que encontrou apoio em alguns escalões, de fazer da Tchecoslováquia uma nação mais homogênea, por meio da cessão da faixa de populações estrangeiras que é contígua à nação a que elas estão unidas pela raça.

Isso implicaria, é claro, a cessão de toda a linha fortificada da Boêmia. Embora o governo inglês declarasse prontamente que esse artigo do Times não representava sua visão, a opinião pública no exterior, particularmente na França, ficou longe de se tranquilizar. M. Bonnet, então ministro do Exterior da França, declara que no dia 10 de setembro de 1938 formulou a seguinte pergunta a nosso embaixador em Paris, Sir Eric Phipps: “Amanhã, Hitler pode atacar a Tchecoslováquia. Se ele o fizer, a França se mobilizará imediatamente. E se voltará para vocês, dizendo: ‘Nós marcharemos; vocês marcharão conosco?’ Qual será a resposta da Inglaterra?”

Foi a seguinte a resposta aprovada pelo Gabinete, enviada por Lord Halifax através de Sir Eric Phipps no dia 12:

Naturalmente, reconheço a importância que teria para o governo francês o recebimento de uma resposta clara a essa pergunta. Mas, como o senhor assinalou a Bonnet, a pergunta em si, apesar de clara na forma, não pode ser dissociada das circunstâncias em que seria formulada, e estas, no presente estágio, necessariamente, são totalmente hipotéticas.

Ademais, no tocante a essa questão, é impossível o governo de Sua Majes­tade levar em conta apenas sua própria posição, uma vez que, em qualquer decisão a que chegasse ou em qualquer providência que viesse a tomar, estaria, na verdade, comprometendo os Domínios. Os governos destes, com toda a certeza, não se disporiam a ter sua postura decidida em seu nome em qualquer sentido em antecipação de circunstâncias que eles próprios desejariam julgar.

Assim, tanto quanto me acho em condições de dar uma resposta à pergunta de M. Bonnet neste estágio, ela teria de ser que, embora o governo de Sua Majestade jamais possa admitir que a segurança da França seja ameaçada, ele está impossibilitado de fazer declarações exatas quanto ao caráter de suas medidas futuras, ou quanto ao momento em que elas seriam tomadas, em circunstâncias que ele não tem meios de antever neste momento.4

Diante da afirmação de que “o governo de Sua Majestade jamais possa admitir que a segurança da França seja ameaçada”, os franceses pergunta­ram que ajuda poderiam esperar, se ela o fosse. A resposta de Londres foi, segundo Bonnet: duas divisões não motorizadas e 150 aviões, durante os primeiros seis meses de guerra. Se M. Bonnet estava procurando um pretexto para deixar os tchecos entregues à própria sorte, há que se admitir que sua busca teve certo êxito.

Nesse mesmo dia 12 de setembro, numa manifestação partidária em Nuremberg, Hitler desferiu um violento ataque contra os tchecos, que retrucaram, no dia seguinte, com a decretação da lei marcial em certos distritos da república. Em 14 de setembro, as negociações com Henlein foram definitivamente interrompidas e, no dia 15, o líder sudeto fugiu para a Alemanha.

Era chegado o auge da crise.

1 Keith Feiling, Life of Neville Chamberlain, p. 350.

2 Há indícios, contudo, de que as informações de Benes tinham sido anteriormente transmitidas à polícia tcheca pela KGB [a polícia política secreta soviética], desejosa de que elas chegassem a Stalin através de uma fonte estrangeira amistosa. Isso não reduz o serviço que Benes prestou a Stalin e, por conseguinte, é irrelevante.

3 Nuremberg Documents, parte II, nº 10.

4 Reproduzido por Georges Bonnet, De Washington au Quai d’Orsay, pp. 360-1.