A tragédia de Munique
Muitos volumes foram e continuarão a ser escritos sobre a crise que se encerrou em Munique com o sacrifício da Tchecoslováquia, e aqui se pretende apenas fornecer alguns dos fatos centrais e estabelecer a linha geral dos acontecimentos. Na Assembleia da Liga das Nações de 21 de setembro, uma advertência oficial foi feita por Litvinov:
... Neste momento, a Tchecoslováquia vem sofrendo interferências em seus assuntos internos por parte de uma nação vizinha e sendo publicamente ameaçada de ataque, em alto e bom som. Um dos povos mais antigos, mais cultos e mais trabalhadores dentre os povos europeus, que conquistou sua independência após séculos de opressão, pode decidir pegar em armas, hoje ou amanhã, em defesa dessa independência. (...) Quando, dias antes de eu embarcar para Genebra, o governo francês indagou pela primeira vez qual seria a nossa atitude na eventualidade de um ataque à Tchecoslováquia, dei, em nome de meu governo, a seguinte resposta, perfeitamente clara e sem ambiguidade:
“Pretendemos cumprir nossas obrigações nos termos do Pacto e, juntamente com a França, dar assistência à Tchecoslováquia pelos meios que estiverem ao nosso dispor. Nosso ministério da Guerra está pronto a participar, imediatamente, de uma conferência com representantes dos ministérios da Guerra francês e tchecoslovaco, a fim de discutir as medidas apropriadas ao momento. (...)”
Há apenas dois dias, o governo tchecoslovaco endereçou ao meu governo uma indagação formal, a saber, se a União Soviética está disposta, de acordo com o Pacto Soviético-Tcheco, a fornecer ajuda imediata e efetiva à Tchecoslováquia, caso a França, fiel a suas obrigações, preste uma assistência similar, ao que meu governo deu uma clara resposta afirmativa.
Essa declaração pública e irrestrita por parte de uma das maiores potências interessadas não teve qualquer influência nas negociações de Mr. Chamberlain ou na condução francesa da crise. A oferta soviética foi ignorada. Não foi posta na balança contra Hitler e foi tratada com uma indiferença — para não dizer desdém — que deixou marcas na mente de Stalin. Os acontecimentos seguiram seu curso como se a Rússia soviética não existisse. Mais tarde, pagaríamos caro por isso.
Na noite do dia 26, Hitler discursou em Berlim. Referiu-se à Inglaterra e à França em termos conciliatórios, desferindo, ao mesmo tempo, um ataque grosseiro e brutal contra Benes e contra os tchecos. Disse, categoricamente, que os tchecos precisavam cair fora dos sudetos, e que, uma vez resolvido isso, ele não teria maior interesse no que acontecesse com a Tchecoslováquia. “Esta é a última reivindicação territorial que tenho a fazer na Europa.” Por volta das vinte horas, Mr. Leeper, então chefe de imprensa do Foreign Office, apresentou ao ministro do Exterior um comunicado cujo ponto essencial foi o seguinte:
Se, a despeito dos esforços feitos pelo primeiro-ministro inglês, houver um ataque alemão à Tchecoslováquia, o resultado imediato deverá ser que a França estará obrigada a socorrê-la, e a Inglaterra e a Rússia certamente marcharão com a França.
Esse texto foi aprovado por Lord Halifax e imediatamente emitido. Parecia que o momento do embate tinha chegado e que as forças adversárias haviam-se alinhado. Os tchecos tinham 1,5 milhão de homens armados atrás da mais forte linha fortificada da Europa e estavam equipados com uma máquina industrial altamente organizada e poderosa. O exército francês estava parcialmente mobilizado e, ainda que com relutância, os ministros franceses dispunham-se a honrar seus compromissos com a Tchecoslováquia. Às 11h20 do dia 28 de setembro, o almirantado deu ordens para que os ingleses se mobilizassem.
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Uma luta intensa e incessante já havia começado entre o Führer e seus assessores especializados. A crise parecia exibir todas as circunstâncias temidas pelos generais alemães. Entre trinta e quarenta divisões tchecas estavam tomando posição nas fronteiras orientais da Alemanha, e o grosso do exército francês, numa proporção de quase oito para um, começava a chegar maciçamente ao Muro do Oeste. Uma Rússia hostil poderia operar a partir de campos de aviação tchecos, e os exércitos soviéticos poderiam avançar através da Polônia ou da Romênia. Alguns dos generais fizeram um complô para prender Hitler e “imunizar a Alemanha desse louco”. Outros declararam que o moral baixo da população alemã seria incapaz de sustentar uma guerra europeia, e que as forças armadas alemãs ainda não estavam prontas para ela. O almirante Raeder, chefe do almirantado alemão, fez apelo veemente ao Führer, enfatizado poucas horas depois, quando chegou a notícia de que a esquadra inglesa estava sendo mobilizada. Hitler vacilou. Às duas horas da manhã, a rádio alemã desmentiu oficialmente que a Alemanha pretendesse mobilizar-se no dia 29 e, às 11h45, na mesma manhã, uma declaração semelhante da agência oficial de notícias alemã foi entregue à imprensa inglesa. A pressão sobre aquele homem solitário e sobre sua assombrosa força de vontade, nesse momento, deve ter sido extrema. Evidentemente, ele chegara à beira de uma guerra generalizada. Seria capaz de mergulhar nela, diante de uma opinião pública desfavorável e da solene advertência dos comandantes de seu exército, marinha e força aérea? Poderia ele, por outro lado, arcar com um recuo, depois de viver de prestígio por tanto tempo?
Mas Mr. Chamberlain também estava agindo e, a essa altura, tinha o controle completo da política externa inglesa. Lord Halifax, a despeito das dúvidas crescentes que derivavam do clima de seu ministério, seguiu a orientação de seu chefe. O Gabinete ficou profundamente perturbado, mas obedeceu. A maioria governista na Câmara dos Comuns foi habilmente conduzida pelos whips. Um homem, e um só, conduziu os nossos destinos. Ele não recuou nem da responsabilidade que estava assumindo, nem dos esforços pessoais exigidos. Em 14 de setembro, havia telegrafado a Hitler, por iniciativa própria, propondo-se a visitá-lo. Por três vezes, ao todo, o primeiro-ministro inglês voou para a Alemanha, estando ele e Lord Runciman convencidos de que somente a cessão das áreas sudeten dissuadiria Hitler de invadir a Tchecoslováquia. A última dessas ocasiões foi em Munique, com a presença de M. Daladier, premier da França, e de Mussolini. Nenhum convite foi feito à Rússia. Tampouco os próprios tchecos tiveram permissão de participar das reuniões. O governo tcheco foi informado em termos sucintos, na noite de 28 de setembro, de que haveria uma conferência dos representantes das quatro nações europeias no dia seguinte. Um acordo foi rapidamente obtido entre “os Quatro Grandes”. As conversações começaram ao meio-dia e duraram até as duas horas da manhã seguinte. Um memorando foi redigido e assinado às duas horas do dia 30 de setembro. Consistia, em essência, na aceitação das exigências alemãs. A região dos sudetos deveria ser evacuada a partir de 1° de outubro, em cinco etapas a serem concluídas num prazo de dez dias. Uma comissão internacional deveria determinar as fronteiras definitivas.
O documento foi entregue aos representantes tchecos. Eles se curvaram às decisões. “Desejavam”, segundo disseram, “registrar seu protesto perante o mundo contra uma decisão de que não tinham participado.” O presidente Benes renunciou, porque “poderia agora revelar-se um empecilho às condições a que nosso novo estado terá que se adaptar”. Deixou a Tchecoslováquia, encontrou abrigo e foi acolhido na Inglaterra. O desmembramento da Tchecoslováquia prosseguiu. Os alemães não foram os únicos abutres sobre a carcaça. O governo polonês enviou aos tchecos um ultimato de 24 horas, exigindo a restituição imediata do distrito fronteiriço de Teschen. Não houve meios de resistir a essa ríspida demanda. Os húngaros também apareceram com suas reivindicações.
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Enquanto os quatro estadistas aguardavam que os especialistas redigissem o documento final, o primeiro-ministro perguntou a Hitler se ele gostaria de uma conversa em particular. Hitler “concordou pressurosamente”. Os dois líderes conversaram no apartamento de Hitler em Munique, na manhã de 30 de setembro, a sós, salvo pela presença do intérprete. Chamberlain puxou um projeto de declaração que havia preparado, dizendo que “a questão das relações anglo-alemãs é da máxima importância para os dois países e para a Europa” e que “consideramos o acordo assinado na noite passada, bem como o Acordo Naval Anglo-Germânico, símbolos do desejo de nossos dois povos de jamais voltarem a entrar em guerra um contra o outro”.
Hitler leu e assinou sem demora.
Chamberlain voltou para a Inglaterra. Em Heston, onde aterrissou, agitou no ar a declaração conjunta que fizera Hitler assinar e leu-a para o grupo de notáveis e outros que o receberam. No carro que atravessava a multidão ovacionante à saída do aeroporto, ele disse a Halifax, sentado ao seu lado: “Tudo isso estará acabado em três meses”— mas, das janelas de Downing Street, tornou a agitar no ar seu pedaço de papel e usou estas palavras: “Esta é a segunda vez em nossa história em que a paz volta com honra da Alemanha para Downing Street. Creio que é paz em nosso tempo.”1
A opinião de Hitler, mais uma vez, fora decisivamente confirmada. O Estado-Maior alemão ficou sumamente desconcertado. Mais uma vez, o Führer tivera razão, afinal. Somente ele, com seu talento e intuição, havia realmente avaliado todas as circunstâncias militares e políticas. Mais uma vez, tal como na Renânia, a liderança do Führer tinha vencido a obstrução dos chefes militares alemães. Todos aqueles generais eram patriotas. Ansiavam por ver a pátria reconquistar sua posição no mundo. Dedicavam-se, dia e noite, a todos os processos capazes de revigorar as forças alemãs. Por conseguinte, sentiram-se atingidos no coração por se haverem mostrado tão aquém do nível dos acontecimentos e, em muitos casos, seu desagrado e sua desconfiança em relação a Hitler foram sobrepujados pela admiração por seus dons de comando e sua sorte miraculosa. Sem dúvida, ali estava uma estrela a ser seguida, ali estava um guia a quem obedecer. Foi assim que Hitler finalmente se tornou o senhor inconteste da Alemanha, abrindo o caminho para o grande projeto. Os conspiradores se encolheram — e não foram traídos por seus companheiros de farda.
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Não é fácil, nos dias atuais, depois de todos havermos atravessado anos de grande tensão e de esforços morais e físicos, retratar para uma outra geração as paixões que campearam na Inglaterra a propósito do Acordo de Munique. Entre os conservadores, famílias e amigos de íntimo convívio dividiam-se de um modo que nunca vi igual. Homens e mulheres que tinham estado longamente unidos por laços partidários, por amenidades sociais e ligações de família encaravam uns aos outros com raiva e desdém. A questão não era de um tipo que pudesse ser resolvido pelas multidões aclamadoras que haviam recepcionado Mr. Chamberlain na volta do aeroporto e apinhado Downing Street e suas imediações, nem tampouco pelos formidáveis esforços dos whips e membros do partido. Nós, que éramos minoritários naquele momento, pouco nos importávamos com as piadas ou as carrancas dos defensores do governo. O Gabinete fora abalado em seus alicerces, mas o evento tinha acontecido e eles se mantiveram unidos. Apenas um ministro se destacou. O primeiro Lord do almirantado, Mr. Duff Cooper, demitiu-se de seu grandioso cargo, que havia dignificado com a mobilização da esquadra. No momento do esmagador domínio da opinião pública por Mr. Chamberlain, ele abriu caminho pela multidão exultante para declarar sua total discordância em relação ao seu líder.
Na abertura do debate de três dias sobre Munique, ele fez seu discurso de demissão. Foi um incidente marcante em nossa vida parlamentar. Falando com fluência e sem alterar a voz, ele manteve hipnotizada por quarenta minutos a maioria hostil de seu partido. Para os trabalhistas e liberais que faziam uma ardorosa oposição ao governo da época, foi fácil aplaudi-lo. Era uma briga dilacerante dentro do partido tory.
O debate que se seguiu não foi indigno das emoções despertadas e das questões que estavam em jogo. Lembro-me bem que quando afirmei que “sofremos uma derrota completa e absoluta”, o tumulto com que fui recebido tornou necessária uma interrupção de algum tempo antes que eu pudesse retomar a palavra. Havia uma admiração difundida e sincera pelos esforços perseverantes e inflexíveis de Mr. Chamberlain para manter a paz e pelo empenho pessoal que ele havia demonstrado. É impossível, neste relato, deixar de assinalar a longa série de erros de cálculo e erros de avaliação de homens e fatos em que ele se baseou; mas os motivos que o inspiraram nunca foram impugnados, e o curso que ele adotou exigiu o mais alto grau de coragem moral. A isso rendi homenagem, dois anos depois, em meu discurso que se seguiu à sua morte.
Havia também uma linha de argumentação séria e prática, ainda que não lhe fosse favorável, em que o governo podia basear-se. Ninguém podia negar que estávamos pavorosamente despreparados para a guerra. Quem se mostrara mais zeloso em provar isso do que eu e meus amigos? A Inglaterra havia-se deixado ser amplamente ultrapassada pelo poderio da força aérea alemã. Todos os nossos pontos vulneráveis estavam desprotegidos. Mal se conseguiam encontrar cem canhões antiaéreos para a defesa da maior cidade e centro populacional do mundo; e, em sua maioria, eles estavam nas mãos de homens sem treinamento. Se Hitler estivesse sendo sincero e uma paz duradoura houvesse de fato sido obtida, Chamberlain teria estado certo. Se, infelizmente, ele tivesse sido enganado, ao menos teríamos ganho tempo para respirar, a fim de reparar as piores de nossas negligências. Essas considerações, bem como o alívio e regozijo gerais por termos evitado temporariamente os horrores da guerra, dominaram o leal assentimento da massa de defensores do governo. A Câmara aprovou a política do governo de Sua Majestade, “pela qual a guerra foi evitada na crise recente”, por 366 votos a 144. Os trinta ou quarenta conservadores dissidentes não puderam fazer mais do que registrar sua desaprovação por meio da abstenção. Foi o que fizemos, como um ato formal e unido.
Em 1° de novembro, um personagem inexpressivo, o dr. Hacha, foi eleito para o cargo vago de presidente do que restava da Tchecoslováquia. Um novo governo foi empossado em Praga. “A situação da Europa e do mundo em geral”, disse o ministro do Exterior desse governo desalentado, “não é de natureza a nos dar esperanças de um período de calma no futuro próximo.” Hitler também pensava assim. Uma divisão formal dos despojos foi feita pela Alemanha no início de novembro. A Polônia não foi perturbada em sua ocupação de Teschen. Os eslovacos, que tinham sido usados como peões pela Alemanha, conseguiram uma autonomia precária. A Hungria recebeu um naco de carne à custa da Eslováquia. Quando essas consequências do pacto de Munique foram mencionadas na Câmara dos Comuns, Mr. Chamberlain explicou que a oferta francesa e inglesa de uma garantia internacional à Tchecoslováquia, fornecida depois do Pacto de Munique, não concernia às fronteiras existentes daquela nação, mas se referia apenas à questão hipotética de uma agressão não provocada. “O que estamos fazendo agora”, disse ele com grande impassividade, “é assistir ao reajustamento das fronteiras criadas no Tratado de Versalhes. Não sei se as pessoas responsáveis por aquelas fronteiras acharam que elas continuariam permanentemente como foram traçadas. Duvido muito que achassem. Provavelmente, esperavam que, de tempos em tempos, as fronteiras tivessem que ser corrigidas. (...) Penso que já falei o bastante sobre a Tchecoslováquia.” Mas ainda haveria outra ocasião.
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Tem-se debatido se foi Hitler ou se foram os aliados que mais aumentaram seu poderio no ano que se seguiu ao encontro de Munique. Na Inglaterra, muitas pessoas que sabiam de nossa penúria experimentaram uma sensação de alívio à medida que nossa força aérea foi-se desenvolvendo mês a mês, e à medida que se aproximou o lançamento dos modelos Hurricane e Spitfire. O número de esquadrilhas organizadas aumentou e os canhões antiaéreos se multiplicaram. Além disso, a pressão geral por preparativos industriais para a guerra continuou a se intensificar. Mas esse progresso, por inestimável que parecesse seu valor, era insignificante, comparado ao poderoso avanço dos armamentos alemães. Como já foi explicado, a produção de material bélico num projeto nacional é tarefa para quatro anos. O primeiro não produz nada; o segundo, muito pouco; o terceiro, um bocado; o quarto, uma enxurrada. A Alemanha de Hitler, nesse período, já estava no terceiro ou quarto ano de intensos preparativos, em condições de controle e ímpeto quase idênticas às de guerra. A Inglaterra, por outro lado, vinha-se mexendo apenas em termos de não emergência, com um impulso mais fraco e em escala muito menor. Em 1938-39, os gastos militares ingleses de todos os tipos atingiram 304 milhões de libras esterlinas,2 enquanto os da Alemanha foram de pelo menos 1,5 bilhão de libras. É provável que, nesse último ano antes de estourar a guerra, os alemães tenham fabricado pelo menos o dobro — possivelmente, o triplo — do material bélico da Inglaterra e da França juntas, e também que suas grandes fábricas de produção de tanques tenham atingido sua capacidade total. Portanto, estavam conseguindo armas numa velocidade muito superior à nossa.
A subjugação da Tchecoslováquia retirou dos aliados o exército tcheco, de 21 divisões regulares, 15 ou 16 divisões de segunda linha já mobilizadas e também sua linha fortificada nas montanhas, que teria exigido, nos dias de Munique, o uso de trinta divisões alemãs ou da força principal do exército móvel e plenamente treinado da Alemanha. Segundo os generais Halder e Jodl, havia apenas 13 divisões alemãs, das quais apenas cinco eram compostas de tropas de primeira linha, deixadas no oeste na época do Acordo de Munique. Certamente sofremos, com a queda da Tchecoslováquia, uma perda equivalente a cerca de 35 divisões. Além disso, as indústrias Skoda — segundo mais importante arsenal da Europa Central, de produção, entre agosto de 1938 e setembro de 1939, quase equivalente à produção efetiva das fábricas inglesas de armamentos naquele período — foi levada a trocar de lado infelizmente. Enquanto a Alemanha inteira trabalhava sob pressão intensa, quase de guerra, a mão de obra francesa, já em 1936, havia conquistado a tão desejada semana de quarenta horas.
Ainda mais desastrosa foi a alteração do poderio relativo dos exércitos francês e alemão. A cada mês que passava, de 1938 em diante, o exército alemão não apenas aumentava em quantidade e número de unidades e na acumulação de reservas, como também em qualidade e maturidade. O avanço no treinamento e na capacitação geral mantinha-se à altura dos equipamentos sempre crescentes. Nenhum aprimoramento ou expansão similares eram acessíveis ao exército francês, que estava sendo superado em todos os aspectos. Em 1935, a França, sem a ajuda de seus antigos aliados, poderia ter invadido e reocupado a Alemanha quase sem combates sérios. Em 1936, ainda não havia dúvida de seu poderio esmagadoramente superior. Sabemos agora, pelas revelações alemãs, que isso continuou em 1938, e que foi o conhecimento de sua própria fraqueza que levou o alto-comando alemão a fazer tudo para conter Hitler em cada um dos golpes bem-sucedidos pelos quais sua fama se ampliou. No ano seguinte a Munique, que agora estamos examinando, o exército alemão, embora ainda mais fraco em matéria de reservas treinadas do que o francês, aproximava-se de sua plena eficiência. Uma vez que era baseado numa população duas vezes maior que a da França, era apenas questão de tempo vir a tornar-se o mais forte por qualquer critério. Também em termos de moral os alemães levavam vantagem. A deserção de um aliado, especialmente por medo da guerra, solapa o moral de qualquer exército. O sentimento de ser obrigado a ceder deprime os oficiais e a tropa. Enquanto, do lado alemão, a confiança, o sucesso e o sentimento de um poderio crescente inflamavam os instintos marciais da raça, o reconhecimento da fraqueza desestimulava os militares franceses de todas as patentes.
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Mas havia uma esfera vital em que começamos a suplantar a Alemanha e a aprimorar nossa própria posição. Em 1938, o processo de substituição dos caças biplanos ingleses, como os Gladiators, pelos tipos então modernos de Hurricanes e, mais tarde, Spitfires, mal havia começado. Em setembro de 1938, tínhamos apenas cinco esquadrões refeitos com base nos Hurricanes. Além disso, tinha-se permitido que diminuíssem as provisões e peças sobressalentes para as aeronaves mais antigas, uma vez que elas estavam saindo de uso. Os alemães estavam bem à frente de nós na reformulação dos esquadrões com tipos modernos de caças. Já dispunham de um bom número de aviões Messerschmitt 109, contra os quais nossas velhas aeronaves ter-se-iam saído muito mal. Durante todo o ano de 1939, nossa situação melhorou, à medida que outros esquadrões foram sendo renovados. Em julho desse ano, tínhamos 26 esquadrões de caças modernos com oito metralhadoras, embora tivesse havido pouco tempo para acumular uma escala completa de peças de reposição e sobressalentes. Em julho de 1940, por ocasião da Batalha da Inglaterra, dispúnhamos de 47 esquadrões de caças modernos.
Os alemães, por seu lado, haviam realmente concluído antes do início da guerra a maior parte de sua expansão aérea, em quantidade e qualidade. Nosso esforço foi posterior ao deles em quase dois anos. Entre 1939 e 1940, eles tiveram um aumento de apenas 20%, enquanto nosso aumento de aeronaves modernas de combate foi de 80%. Na verdade, o ano de 1938 havia-nos encontrado com uma lamentável deficiência de qualidade, e embora, em 1939, já houvéssemos avançado um pouco no sentido de eliminar essa disparidade, ainda estávamos relativamente pior do que em 1940, quando veio a prova.
Em 1938, poderíamos ter tido incursões aéreas em Londres, para as quais estaríamos lamentavelmente despreparados. Mas não havia nenhuma possibilidade de uma batalha aérea decisiva na Inglaterra enquanto os alemães não houvessem ocupado a França e os Países Baixos, obtendo assim as bases necessárias a uma pequena distância de ataque de nossas linhas costeiras. Sem essas bases, eles não poderiam escoltar seus bombardeiros com os aviões de caça da época. Os exércitos alemães não seriam capazes de derrotar os franceses em 1938 ou 1939.
A vasta produção dos tanques com que eles romperam a frente francesa só passou a existir em 1940 e, diante da superioridade francesa a oeste e de uma Polônia não conquistada a leste, eles certamente não teriam podido concentrar todo o seu poderio aéreo contra a Inglaterra, como puderam fazer depois de a França ter sido forçada a se render. Isso não leva em conta nem a atitude da Rússia nem qualquer resistência que a Tchecoslováquia pudesse ter oferecido. Por todas essas razões, o período de um ano para respirar — que teria sido “ganho” em Munique, conforme se afirmou na ocasião — deixou a Inglaterra e a França numa situação muito pior, comparada à da Alemanha de Hitler, do que a situação em que elas tinham estado na crise de Munique.
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Finalmente, existe o fato desconcertante de que, apenas no ano de 1938, Hitler havia anexado ao Reich e posto sob seu controle absoluto 6,7 milhões de austríacos e 3,5 milhões de sudetos, num total de mais de dez milhões de súditos, trabalhadores e soldados. Sem dúvida, a medonha balança pendera a favor dele.