A “guerra imperceptível”
A Polônia foi atacada pela Alemanha no alvorecer de 1° de setembro. A mobilização de todas as nossas forças foi ordenada durante a manhã. O primeiro-ministro pediu-me que o visitasse à tarde em Downing Street. Disse-me que não via esperanças de evitar uma guerra com a Alemanha e que estava propondo formar um pequeno Gabinete de Guerra, com ministros sem pasta para conduzi-la. Mencionou que o Partido Trabalhista, segundo seu entendimento, não estava disposto a participar de uma coalizão nacional. Ainda tinha esperanças de que os liberais se juntassem a ele. Convidou-me a integrar o Gabinete de Guerra. Aceitei a proposta sem comentários e, com base nisso, tivemos uma longa conversa sobre homens e providências.
Fiquei surpreso por não ter nenhuma notícia de Mr. Chamberlain durante todo o dia 2 de setembro, que foi de intensa crise. Achei provável que se estivesse fazendo um esforço de última hora para preservar a paz; e isso revelou-se verdade. Entretanto, quando o parlamento se reuniu à noite, ocorreu um debate curto mas muito acirrado, no qual o pronunciamento contemporizador do primeiro-ministro foi malrecebido pela casa. Quando Mr. Greenwood se ergueu para falar em nome da oposição trabalhista, Mr. Amery gritou-lhe dos bancos conservadores: “Fale pela Inglaterra!” Isso foi recebido com altos vivas. Não havia dúvida de que a inclinação da Câmara era favorável à guerra. Cheguei mesmo a considerá-la mais resoluta e unida do que na cena semelhante, em 3 de agosto de 1914, da qual eu também havia participado. Mais tarde, fiquei sabendo que um ultimato inglês fora enviado à Alemanha às 21h30 de 1° de setembro, seguido por um segundo e derradeiro ultimato às nove horas de 3 de setembro. O noticiário matutino do dia 3 anunciou que o primeiro-ministro falaria pelo rádio às 11h15.
No rádio, o primeiro-ministro nos informou que já estávamos em guerra e, mal ele havia parado de falar, um ruído estranho, prolongado e lamuriento, que mais tarde se tornaria familiar, irrompeu em nossos ouvidos. Minha mulher entrou na sala, retesada pela crise, fez um comentário favorável sobre a presteza e precisão dos alemães, e fomos para o terraço da casa ver o que estava acontecendo. Por todos os lados, ao redor de nós, na límpida e fria luz de setembro, elevavam-se os telhados e torres de Londres. Acima deles já se erguiam, lentamente, trinta ou quarenta balões cilíndricos. Demos uma nota alta ao governo por esse sinal evidente de preparação e, como já se estivessem esgotando os 15 minutos de aviso que fôramos levados a esperar receber, dirigimo-nos para o abrigo que nos fora designado, armados com uma garrafa de brandy e apetrechos médicos apropriados.
Nosso abrigo ficava a uns cem metros rua abaixo e consistia meramente num porão aberto, nem sequer protegido com sacos de areia, onde os moradores de meia dúzia de apartamentos já estavam reunidos. Todo o mundo estava animado e jocoso, como é do feitio inglês quando se está prestes a deparar com o desconhecido. Quando olhei do batente da porta para a rua vazia e para o aposento repleto lá embaixo, minha imaginação pintou quadros de destruição e carnificina e de vastas explosões sacudindo o solo; de prédios desmoronando com estrépito, transformados em poeira e escombros, e de brigadas de incêndio e ambulâncias disparando em meio à fumaça, sob o zumbido de aviões hostis. Afinal, não fôramos todos informados de quão terríveis seriam os bombardeios aéreos? O Ministério da Aviação, com natural presunção, havia exagerado grandemente o poder deles. Os pacifistas haviam procurado jogar com os temores populares, e aqueles de nós que havíamos insistido por tanto tempo na preparação e numa força aérea superior, embora não aceitássemos as previsões mais sombrias, tínhamos ficado contentes com o fato de elas funcionarem como aguilhão. Eu sabia que o governo estava preparado, nos primeiros dias da guerra, com mais de 250 mil leitos para os feridos dos bombardeios aéreos. Pelo menos nesse aspecto não tinha havido subestimativa. Agora iríamos ver qual era a realidade.
Passados cerca de dez minutos, a sirene soou novamente. Eu mesmo não tinha certeza de que não fosse uma reiteração do aviso anterior, mas um homem veio correndo pela rua, gritando: “Tudo limpo!” Dispersamo-nos rumo a nossas casas e nossos afazeres. O meu era ir para a Câmara dos Comuns, que se reuniu como de praxe ao meio-dia, com seu protocolo compassado e suas preces imponentes. Ali recebi um bilhete do primeiro-ministro, pedindo-me que fosse a sua sala tão logo o debate se encerrasse. Sentado em meu lugar, ouvindo os discursos, fui tomado por um pronunciado sentimento de calma, depois das intensas paixões e agitações dos dias anteriores. Senti uma serenidade de espírito e me conscientizei de uma espécie de altivo desprendimento das questões humanas e pessoais. A glória da Velha Inglaterra, amante da paz e despreparada como estava, mas pronta e destemida ante o chamado da honra, arrebatou-me e pareceu alçar nosso destino a esferas muito distantes dos fatos terrenos e da sensação física. Tentei transmitir algo desse estado de ânimo à Câmara quando tomei a palavra, não sem aceitação.
Mr. Chamberlain disse-me que agora ele podia oferecer-me o almirantado, além de um lugar no Gabinete de Guerra. Fiquei muito satisfeito com isso, pois, embora não houvesse levantado a questão, eu naturalmente preferia uma tarefa definida à ruminação exaltada sobre o trabalho feito por terceiros, que pode muito bem ser o destino de um ministro sem ministério, por mais influente que ele seja. É mais fácil dar direções do que conselhos, e mais agradável ter o direito de agir, ainda que numa esfera limitada, do que o privilégio de falar à vontade. Se, na primeira ocasião, o primeiro-ministro me houvesse oferecido uma opção entre o Gabinete de Guerra e o almirantado, é claro que eu teria escolhido o almirantado. Agora, teria os dois.
Nada fora dito sobre quando eu deveria ser formalmente empossado pelo rei e, na verdade, a cerimônia só se deu no dia 5. Mas as primeiras horas da guerra podem ser vitais para a marinha. Assim, notifiquei o almirantado de que tomaria posse imediatamente e lá chegaria às 18 horas. Diante disso, o conselho de almirantes teve a gentileza de mandar um radiograma à esquadra, dizendo: “Winston está de volta.” Foi assim que retornei à sala que havia deixado, com dor e pesar, quase exatamente um quarto de século antes, quando a renúncia de Lord Fisher levara à minha retirada de meu posto de primeiro Lord e estragara irremediavelmente, como se constatou, a importante concepção de capturar o estreito de Dardanelos. Pouco atrás de mim, quando me sentei em minha antiga cadeira, vi o porta-mapas de madeira que eu mandara pregar em 1911, e dentro dele ainda estava a carta do mar do Norte em que todos os dias, para concentrar a atenção no objetivo supremo, eu mandava a inteligência naval registrar os movimentos e a disposição da esquadra alemã de alto-mar. Desde 1911, passara-se muito mais de um quarto de século, e um perigo ainda mortal nos ameaçava nas mãos da mesma nação. Mais uma vez, éramos obrigados a desembainhar a espada em defesa dos direitos de um país fraco, ultrajado e invadido por uma agressão não provocada. Mais uma vez, tínhamos que lutar pela vida e pela honra, contra todo o poderio e a fúria da valente, disciplinada e implacável raça alemã. Mais uma vez! Pois, que assim fosse.
Pouco depois, o primeiro Lord do mar veio ter comigo. Eu havia conhecido Dudley Pound ligeiramente, em meu mandato anterior na chefia do almirantado, como um dos oficiais de estado-maior da confiança de Lord Fisher. No parlamento, condenara vigorosamente as disposições da esquadra do Mediterrâneo quando ela estivera sob seu comando, por ocasião do desembarque italiano na Albânia. Agora nos encontrávamos como colegas de cujas relações estreitas e de cuja concordância fundamental dependeria o funcionamento homogêneo da vasta máquina do almirantado. Fitamos um ao outro amistosamente, ainda que com alguma dúvida. Mas, desde os primeiros dias, nossa amizade e nossa confiança mútua cresceram e amadureceram. Pude aquilatar e respeitar as grandes qualidades profissionais e pessoais do almirante Pound. À medida que a guerra, com todas as suas reviravoltas e acasos, ia-nos fustigando com seus golpes, tornamo-nos companheiros e amigos cada vez mais sinceros. E quando ele morreu, quatro anos depois, no momento da vitória geral sobre a Itália, lamentei com um pesar pessoal tudo o que a marinha e a nação haviam perdido.
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Eu tinha, como o leitor talvez saiba, um conhecimento considerável do almirantado e da Royal Navy. Os quatro anos decorridos entre 1911 e 1915, em que eu tivera o dever de preparar a esquadra para a guerra e a tarefa de dirigir o almirantado durante os primeiros dez meses cruciais, tinham sido os mais intensos de minha vida. Eu havia acumulado um imenso volume de informações detalhadas e aprendido muitas lições sobre a esquadra e sobre a guerra marítima. No intervalo, havia estudado e escrito muito sobre questões navais. Falara repetidamente sobre elas na Câmara dos Comuns. Sempre havia preservado um estreito contato com o almirantado e, embora tivesse sido seu mais destacado crítico nesses anos, fora posto a par de muitos de seus segredos. Meu trabalho de quatro anos no Comitê de Pesquisa da Defesa Aérea dera-me acesso a todos os mais modernos avanços em termos de radar, que agora afetavam a marinha de maneira vital. Em junho de 1938, o próprio Lord Chatfield, então primeiro Lord do mar, levara-me a percorrer a escola antissubmarino em Portland e havíamo-nos feito ao mar em contratorpedeiros, num exercício de detecção de submarinos com o uso do aparelho Asdic. Minha intimidade com o falecido almirante Henderson, secretário-geral e controller da Marinha até 1938, bem como as discussões que o primeiro Lord daquela época havia-me encorajado a manter com Lord Chatfield sobre o projeto de novos encouraçados e cruzadores, tinham-me dado uma visão completa das novas construções. Pelos documentos publicados, eu estava familiarizado, é claro, com a força, a composição e a estrutura da esquadra, efetiva e projetada, e com esses dados das marinhas alemã, italiana e japonesa.
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Uma das primeiras providências que tomei ao assumir a direção do almirantado e me tornar membro do Gabinete de Guerra foi criar meu próprio departamento de estatística. Para esse fim, contei com o professor Lindemann, meu amigo e confidente de tantos anos. Juntos, havíamos formado nossa visão e nossas estimativas da coisa toda. Instalei-o então no almirantado, com meia dúzia de estatísticos e economistas. Esse grupo de homens competentes, com acesso a todas as informações oficiais, conseguia, sob a orientação de Lindemann, apresentar-me continuamente tabelas e diagramas que ilustravam a guerra inteira, tanto quanto ela chegava a nosso conhecimento. Eles examinavam e analisavam com inflexível pertinácia todos os documentos ministeriais que circulavam no Gabinete de Guerra e também faziam todas as investigações que eu mesmo desejasse fazer.
Nessa época, não havia uma organização geral de estatística no governo. Cada ministério expunha sua história, segundo seus próprios números e dados. O Ministério da Aviação fazia contas de um modo, o Ministério da Guerra, de outro. O Ministério do Abastecimento e o Ministério do Comércio, embora querendo dizer a mesma coisa, falavam dialetos diferentes. Isso às vezes levava a mal-entendidos e a um desperdício de tempo, quando este ou aquele ponto assumia um caráter decisivo no Gabinete. Desde o princípio, entretanto, eu tinha minha própria fonte segura e regular de informações, cujas partes se relacionavam integralmente com todas as demais. Embora, a princípio, isso abrangesse apenas uma parte do campo, foi sumamente útil para que eu formasse uma visão exata e abrangente dos inúmeros fatos e dados que jorravam sobre nós.
A formidável situação naval de 1914 não se repetia em nenhum sentido. Naquela época, havíamos entrado na guerra com uma proporção de 16 para dez em termos de navios de primeira classe e dois para um em termos de cruzadores. Havíamos mobilizado oito esquadras de combate, compostas de oito encouraçados, com uma esquadra de cruzadores e uma flotilha destinada a cada uma, junto com importantes forças separadas de cruzadores. Agora, eu antevia um combate geral contra uma esquadra mais fraca, porém mesmo assim impressionante. A marinha alemã mal havia iniciado sua reconstrução e não tinha poder nem mesmo para compor uma formação de batalha. Seus dois grandes encouraçados, o Bismarck e o Tirpitz — ambos os quais, como convinha supor, haviam transgredido os limites aceitos no Tratado em termos de tonelagem — estavam a pelo menos um ano de sua conclusão. Os cruzadores ligeiros Scharnhorst e Gneisenau, que tinham sido fraudulentamente aumentados pelos alemães de dez mil toneladas para 26 mil toneladas, tinham sido concluídos em 1938. Afora isso, a Alemanha dispunha de três “encouraçados de bolso” de dez mil toneladas, o Admirai Graf Spee, o Admirai Scheer e o Deutschland, além de dois cruzadores rápidos de dez mil toneladas com canhões de oito polegadas, seis cruzadores leves e sessenta contratorpedeiros, além de embarcações menores. Assim, não havia desafio, em termos de embarcações de superfície, a nosso domínio dos mares. Não havia dúvida de que a marinha inglesa era esmagadoramente superior à alemã em termos de força e quantidade, nem havia razão para presumir que seus conhecimentos, seu treinamento ou sua habilidade fossem deficientes em qualquer sentido. Salvo pela escassez de cruzadores e contratorpedeiros, a armada se mantivera em seu alto padrão costumeiro. Mais do que um antagonista, tinha que enfrentar imensos e incontáveis deveres.
A Itália não havia declarado guerra e já era claro que Mussolini estava aguardando o rumo dos acontecimentos. Nessa incerteza, e como medida de precaução até que todas as nossas providências estivessem concluídas, julgamos melhor desviar nossa navegação para a direção do Cabo da Boa Esperança. Já tínhamos do nosso lado, entretanto, além de nossa própria preponderância sobre a Alemanha e a Itália juntas, a poderosa armada da França, que, pela notável capacidade e longa administração do almirante Darlan, fora levada à mais alta força e grau de eficiência jamais atingidos pela marinha francesa desde os tempos da monarquia. Caso a Itália se tornasse inimiga, nosso primeiro campo de batalha deveria ser o Mediterrâneo. Eu me opunha inteiramente, salvo como uma conveniência temporária, a todos os planos de sair do centro e simplesmente fechar as extremidades daquele grande braço de mar. Nossas forças, sozinhas, mesmo sem a ajuda da marinha francesa e de seus portos fortificados, eram suficientes para retirar os navios italianos do mar e garantiriam o completo controle naval do Mediterrâneo num prazo de dois meses, ou, possivelmente, menos do que isso.
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A opinião jornalística, encabeçada pelo Times, favorecia o princípio de um Gabinete de Guerra composto de não mais de cinco ou seis ministros, todos os quais deveriam estar livres dos deveres ministeriais. Somente assim, afirmava-se, seria possível chegar a uma visão ampla e harmônica da política de guerra, especialmente em seus aspectos mais amplos. Em suma, “cinco homens sem nada para fazer além de dirigir a guerra” eram considerados o ideal. Mas há muitas objeções práticas a essa linha de ação. Um grupo de estadistas sem vínculos, por maior que seja sua autoridade nominal, fica em séria desvantagem ao lidar com os ministros postados na chefia dos grandes órgãos vitais. Isso se aplica especialmente aos ministérios das forças armadas. Os personagens do Gabinete de Guerra ficam impedidos de ter qualquer responsabilidade direta pelos acontecimentos do dia a dia. Podem tomar grandes decisões, podem aconselhar em termos gerais antecipadamente ou criticar a posteriori, mas não se equiparam, por exemplo, a um primeiro Lord do almirantado ou a um ministro da Guerra ou da Força Aérea, que, conhecendo cada detalhe do assunto e tendo o respaldo de seus colegas profissionais, carregam o fardo da ação. Unidos, há pouca coisa que eles não possam resolver, mas, em geral, há várias opiniões entre eles. As palavras e as discussões são intermináveis e, enquanto isso, a torrente da guerra segue seu curso impetuoso. Os próprios ministros de um Gabinete de Guerra sentem-se naturalmente acanhados em contestar os ministros responsáveis, munidos de todos os fatos e números. Eles sentem remorsos por aumentar a tensão dos que estão efetivamente no controle executivo. Assim, tendem a se transformar cada vez mais em supervisores e comentaristas teóricos, lendo um imenso volume de material todos os dias, mas hesitando quanto à maneira de usar seus conhecimentos sem causar mais danos do que benefícios. Muitas vezes, conseguem fazer pouco mais do que arbitrar ou encontrar soluções de meio-termo nas disputas interministeriais. Por conseguinte, é necessário que os ministros encarregados das relações exteriores e das forças armadas sejam membros integrantes do órgão supremo.
Em geral, pelo menos alguns dos “cinco grandes” são escolhidos por sua influência política e não por seus conhecimentos ou sua aptidão para as operações de guerra. Assim, o número começa a ir muito além do círculo limitado originalmente concebido. Claro que, quando o próprio primeiro-ministro torna-se ministro da Defesa, tem-se uma forte compressão. Pessoalmente, quando fui empossado no cargo, não me agradava ter ministros sem pasta ao meu redor. Preferia lidar mais com chefes de organizações do que com conselheiros. Todo o mundo deve ter um bom dia de trabalho e ser responsável por alguma tarefa definida. Assim, dificuldades não se criam por criar, ou para exibir uma boa imagem.
O plano original do Gabinete de Guerra de Mr. Chamberlain foi quase imediatamente ampliado, por força das circunstâncias, para incluir Lord Halifax, ministro do Exterior; Sir Samuel Hoare, Lord Presidente do Conselho Privado; Sir John Simon, ministro das Finanças; Lord Chatfield, ministro de Coordenação da Defesa; e Lord Hankey, ministro sem pasta. A esses foram acrescentados os ministros das forças armadas, dos quais agora eu era um, Mr. Hore Belisha, ministro da Guerra, e Sir Kingsley Wood, ministro da Aviação. Além disso, era necessário que Mr. Eden, que se havia religado ao governo como ministro dos Domínios, e Sir John Anderson, ministro do Interior e da Segurança Interna, mesmo não sendo membros efetivos do Gabinete de Guerra, estivessem presentes em todas as ocasiões. Portanto, nosso total era de 11.
Excetuando eu mesmo, todos os outros ministros haviam dirigido nossos negócios por um bom número dos últimos anos, ou estavam implicados na situação que agora tínhamos de enfrentar, fosse na diplomacia, fosse na guerra. Eu não havia ocupado nenhum cargo de governo por quase 11 anos. Não tinha, portanto, nenhuma responsabilidade pelo passado ou por qualquer despreparo que se evidenciasse nesse momento. Ao contrário, nos seis ou sete anos anteriores, eu tinha sido um profeta sistemático dos males que, em larga medida, estavam agora ocorrendo. Assim, armado como estava com a poderosa máquina da marinha, sobre a qual, nessa fase, recaía a única responsabilidade de combate ativo, eu não me sentia em nenhuma desvantagem e, se assim me sentisse, isso teria sido afastado pela cortesia e pela lealdade do primeiro-ministro e de seus colegas. Eu os conhecia a todos aqueles homens muito bem. A maioria de nós havia trabalhado em conjunto durante cinco anos no ministério de Mr. Baldwin, e havíamos, é claro, mantido um contato constante, amistoso ou controverso, a despeito dos cenários mutáveis da vida parlamentar. Sir John Simon e eu, contudo, representávamos uma geração política mais velha. Eu havia participado intermitentemente dos governos ingleses durante 15 anos, e ele, por um período quase igual, antes que qualquer um dos outros ocupasse um cargo público. Eu estivera à testa do almirantado ou do Ministério do Material Bélico durante toda a tensão da Primeira Guerra Mundial. Embora o primeiro-ministro fosse alguns anos mais velho do que eu, eu era quase o único antediluviano. Isso bem poderia ser objeto de censuras numa época de crise, quando era natural e popular exigir o vigor dos homens jovens e das ideias novas. Assim, vi que teria de me esforçar ao máximo para acompanhar o ritmo da geração que estava no poder e dos novos jovens gigantes que poderiam aparecer a qualquer momento. Quanto a isso, eu confiava no conhecimento e em todo o zelo e energia mental possíveis.
Para atingir essa meta, recorri a um estilo de vida que me fora imposto no almirantado em 1914 e 1915 e que eu havia constatado ser capaz de ampliar imensamente minha capacidade cotidiana de trabalho. Eu sempre me deitava durante pelo menos uma hora, logo no começo da tarde, e explorava plenamente meu dom afortunado de cair quase imediatamente em sono profundo. Dessa maneira, conseguia compactar um dia e meio de trabalho num só. A natureza não pretendeu que o homem trabalhasse das 8h da manhã até a meia-noite, sem a revigoração desse abençoado apagar mental que, mesmo que dure apenas vinte minutos, é suficiente para renovar todas as forças vitais. Eu lamentava ter que me pôr na cama todas as tardes, como uma criança, mas era recompensado por conseguir trabalhar noite adentro, até duas horas da madrugada ou até mais tarde — às vezes, muito mais tarde — e recomeçar o novo dia entre as oito e as nove horas da manhã. Essa foi uma rotina que observei durante toda a guerra. Recomendo-a a outras pessoas, se e quando elas julgarem necessário usar até a última gota de energia da estrutura humana por um período prolongado. O primeiro Lord do mar, almirante Pound, tão logo se apercebeu de minha técnica, adotou-a para si, só que não ia efetivamente para a cama, mas cochilava em sua poltrona. Adotou essa política até mesmo a ponto de, muitas vezes, cair no sono durante as reuniões do Gabinete. Uma única palavra sobre a marinha, no entanto, era suficiente para despertá-lo para a mais plena atividade. Nada escapava à sua escuta vigilante ou à sua mente perspicaz.
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Entrementes, em volta da mesa do Gabinete, testemunhávamos a destruição rápida e quase mecânica de uma nação mais fraca, de acordo com o método e com o longo projeto de Hitler. Mais de 1.500 aviões modernos foram lançados sobre a Polônia, e 56 divisões, incluindo todas as suas nove divisões blindadas e motorizadas, compuseram o exército invasor. Tanto em número quanto em equipamento, os poloneses não se equiparavam aos atacantes, nem tampouco seu dispositivo de tropas era sensato. Eles espalharam todas as suas forças ao longo das fronteiras da terra natal. Não tinham nenhuma reserva central. Embora houvessem assumido uma postura orgulhosa e altiva perante as ambições alemãs, temeram ser acusados de provocação, caso se mobilizassem em tempo hábil contra as massas que se acumulavam a seu redor. Trinta divisões, representando apenas dois terços de seu exército regular, estavam prontas ou quase prontas para enfrentar o primeiro embate. A velocidade dos acontecimentos e a violenta intervenção da força aérea alemã impediram as demais de chegarem às posições avançadas antes que estas fossem rompidas, e elas só se envolveram nas derrotas finais. Assim, os poloneses enfrentaram quase o dobro do número de seu efetivo ao longo de um extenso perímetro, sem ter nada por trás de si. E não foi apenas em quantidade que eles se mostraram inferiores. Eram amplamente superados na artilharia e dispunham de uma única brigada blindada para enfrentar as nove divisões alemãs Panzer, como já eram chamadas. Sua cavalaria ainda montada, da qual eles dispunham de 12 brigadas, atacou valentemente o enxame de tanques e carros blindados, mas não tinha como feri-los com suas espadas e lanças. Seus novecentos aviões de primeira linha, dos quais talvez metade se constituísse de tipos modernos, foram apanhados de surpresa e muitos destruídos antes mesmo de sair do chão. Em dois dias, o poderio aéreo polonês foi praticamente aniquilado. Em uma semana, os exércitos alemães haviam penetrado a fundo na Polônia. A resistência em toda parte foi corajosa, mas inútil, e ao cabo de uma quinzena, o exército polonês, que tinha nominalmente cerca de dois milhões de homens, deixou de existir como força organizada.
Então foi a vez dos soviéticos. O que eles hoje chamam de “Democracia” entrou em ação. Em 17 de setembro, os exércitos russos cruzaram em massa a fronteira oriental quase indefesa da Polônia e avançaram para oeste numa ampla frente. No dia 18, encontraram-se com seus colaboradores alemães em Brest-Litovsk. Ali, na guerra anterior, os bolcheviques, rompendo seus acordos solenes com os aliados ocidentais, haviam acertado sua paz separada com a Alemanha do Kaiser e se curvado a seus duros termos. Agora, em Brest-Litovsk, era com a Alemanha de Hitler que os comunistas russos trocavam sorrisos e apertos de mão. A devastação da Polônia e sua completa subjugação prosseguiram a passos largos. A resistência de Varsóvia, nascida da insurgência de seus cidadãos, foi magnífica e desesperada. Após muitos dias de violento bombardeio aéreo e da artilharia pesada, grande parte da qual rapidamente transportada pelas grandes rodovias laterais que vinham da frente ocidental ociosa, a rádio de Varsóvia parou de tocar o hino nacional polonês e Hitler penetrou nas ruínas da cidade. Em um mês, estava tudo acabado. Uma nação de 35 milhões de habitantes caiu nas mãos impiedosas daqueles que buscavam não apenas a conquista, mas também a escravização e, na verdade, a extinção de uma vasta quantidade de gente.
Tínhamos assistido a um perfeito espécime da blitzkrieg moderna: a estreita cooperação do exército com a força aérea no campo de batalha; o bombardeio violento de todas as linhas de comunicação e de qualquer cidade que se afigurasse um alvo atraente; a armação de uma ativa quinta-coluna; o uso abundante de espiões e paraquedistas; e, acima de tudo, as investidas irresistíveis de grandes massas de blindados. Os poloneses não seriam os últimos a suportar essa provação.