A tarefa do almirantado
O assombro foi mundial quando à esmagadora ofensiva de Hitler contra a Polônia e às declarações de guerra da Inglaterra e da França à Alemanha seguiu-se apenas uma pausa longa e pesada. Mr. Chamberlain, numa carta publicada por seu biógrafo, descreve essa fase como The twilight war,1 e considero a expressão tão adequada e expressiva que a adotei como título desse período: a guerra imperceptível. Os exércitos franceses não fizeram nenhum ataque contra a Alemanha. Concluída sua mobilização, permaneceram em contato com o inimigo, imóveis, ao longo de todo o front. Por parte dos alemães, nenhuma ação aérea, exceto de reconhecimento, foi efetuada contra a Inglaterra, nem tampouco houve qualquer ataque aéreo à França. O governo francês pediu-nos que nos abstivéssemos de ataques aéreos à Alemanha, dizendo que isso provocaria retaliação contra suas fábricas de material bélico, que estavam desprotegidas. Contentamo-nos em lançar panfletos sobre os alemães. Essa estranha fase da guerra, na terra e no ar, deixou todos atônitos. A França e a Inglaterra continuaram impassíveis, enquanto a Polônia, em poucas semanas, era destruída ou subjugada por todo o poderio da máquina de guerra alemã. Hitler não tinha do que se queixar.
A guerra no mar, ao contrário, começou com plena intensidade desde a primeira hora e, por conseguinte, o almirantado tornou-se o centro ativo dos acontecimentos. Em 3 de setembro, todas as nossas embarcações navegavam pelo mundo em suas tarefas normais. Súbito, foram atacadas por submarinos cuidadosamente postados de antemão, especialmente nos acessos ocidentais. Às 21 horas daquela mesma noite, o vapor de carreira Athenia, de 13,5 mil toneladas, que rumava para um porto estrangeiro, foi torpedeado e afundado, com uma perda de 112 vidas, inclusive de 28 cidadãos americanos. Esse ultraje foi noticiado ao mundo em poucas horas. O governo alemão, para prevenir qualquer mal-entendido nos EUA, emitiu logo uma declaração de que eu mandara pessoalmente que se pusesse uma bomba a bordo daquele navio, a fim de prejudicar, com sua destruição, as relações germano-americanas. Essa mentira recebeu algum crédito em certas esferas pouco amistosas. Nos dias 5 e 6, o Bosnia, o Royal Sceptre e o Río Claro foram afundados na altura da costa da Espanha. Todos navios importantes.
Havia planos no almirantado para multiplicar nosso equipamento antissubmarino, e um programa de construção de contratorpedeiros de grande e pequeno porte, bem como de cruzadores e muitas embarcações auxiliares, também estava pronto em todos os detalhes, entrando automaticamente em operação com a declaração de guerra. O conflito anterior havia comprovado o acerto dos comboios, de modo que os adotamos prontamente no Atlântico norte. Antes do fim do mês, havia comboios oceânicos regulares em operação, saindo do Tâmisa e de Liverpool para o exterior e voltando de Halifax, Gibraltar e Freetown. A necessidade vital de abastecer a ilha e desenvolver nosso poder de guerra sofreu então, de uma só vez, a estarrecedora perda dos portos do sul da Irlanda. Isso impôs uma dolorosa restrição ao raio de ação de nossos já escassos contratorpedeiros.
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Depois da adoção do sistema de comboios, a necessidade naval seguinte era uma base segura para a esquadra. Numa guerra com a Alemanha, Scapa Flow é o verdadeiro ponto estratégico de onde a marinha inglesa pode controlar as saídas do mar do Norte e impor bloqueios, e julguei de meu dever visitar Scapa. Assim, consegui ser liberado de nossas reuniões diárias do Gabinete e parti para Wick com uma pequena equipe pessoal na noite de 14 de setembro. Passei a maior parte dos dois dias seguintes inspecionando a enseada e os acessos, com sua pesadas correntes e suas redes. Foi-me assegurado que elas estavam tão boas quanto na guerra anterior e que importantes acréscimos e melhorias estavam sendo executados ou providenciados. Hospedei-me com Sir Charles Forbes, o comandante em chefe, em seu capitânia, o Nelson, e discuti não apenas a questão de Scapa, mas todo o problema naval, com ele e seus principais oficiais. O resto da esquadra estava encoberto no Loch Ewe e, no dia 17, o almirante levou-me até lá no Nelson. A estreita entrada do loch2 era fechada por várias fileiras de vigas e redes de alerta antissubmarino e havia numerosos e ativos navios em patrulhamento, equipados com Asdics [sonar] e munidos com cargas de profundidade, além de barcos de vigia. Por todos os lados erguiam-se as montanhas imponentes da Escócia em todo o seu esplendor. Meu pensamento retrocedeu um quarto de século, até aquele outro setembro em que pela última vez eu visitara Sir John Jellicoe e seus comandantes nesse mesmo ponto, encontrando-os com suas longas colunas de encouraçados e cruzadores fundeados ao largo, tomados pelas mesmas incertezas que agora nos afligiam. A maioria dos comandantes e almirantes daquela época havia morrido ou passado de longo tempo para a reserva. À medida que eu visitava os vários navios, ia sendo apresentado aos oficiais no comando, que eram jovens tenentes ou até aspirantes naqueles dias longínquos. Antes da guerra anterior, eu tivera três anos de preparação para conhecer e aprovar a nomeação da maior parte do pessoal de comando, mas agora todos aqueles personagens e rostos eram novos para mim. A perfeita disciplina, estilo e porte, bem como a rotina cerimonial, tudo estava inalterado. Mas uma geração inteiramente diferente usava os uniformes e ocupava os postos. Apenas os navios, em sua maioria, tinham sido lançados ao mar durante minha gestão ministerial. Nenhum deles era novo. Foi uma experiência estranha, como retomar subitamente encarnação anterior. Era como se eu fosse só o que tinha sobrevivido, no mesmo cargo que havia ocupado tanto tempo antes.
Mas, não: os perigos também tinham sobrevivido. O perigo sob as ondas, mais sério em função de submarinos mais poderosos; e o perigo vindo do ar, não apenas de ser achado no esconderijo, mas também de um ataque pesado e, talvez, destruidor!
Ninguém jamais estivera duas vezes na mesma terrível situação, com tamanho intervalo entre elas. Ninguém sentira seus perigos e responsabilidades do topo, como eu, ou, descendo a um detalhe menor, ninguém compreendera como são tratados os primeiros lords do almirantado quando grandes navios são afundados e as coisas correm mal. Se estávamos, de fato, passando pelo mesmo ciclo pela segunda vez, teria eu, mais uma vez, que suportar a dor da despedida? Fisher, Wilson, Battenberg, Jellicoe, Beatty, Pakenham, Sturdee, todos tinham partido!
I feel like one who treads alone some banquet-hall deserted, whose lights are fled, whose garlands dead, and all but he departed. |
Sinto-me como quem percorre só o salão vazio de um banquete cujas luzes se foram cujas flores morreram e todos partiram — menos ele. Thomas Moore, 1779-1852 |
E que dizer da suprema e incomensurável provação em que, mais uma vez, mergulhávamos irrevogavelmente? A Polônia em sua agonia; a França, apenas um pálido reflexo de seu antigo ardor guerreiro; o colosso russo, não mais um aliado, nem sequer neutro, possivelmente um futuro inimigo. A Itália, inamistosa. O Japão, sem aliança. Viria a América de novo, um dia? O Império Britânico permanecia intacto e gloriosamente unido, mas despreparado e desprevenido. Ainda tínhamos o domínio do mar. Mas éramos desoladoramente superados, em número, na nova arma mortal do ar. De algum modo, a luz desbotou da paisagem.
Tomamos nosso trem em Inverness e viajamos toda a tarde e a noite para Londres. Ao descermos em Euston na manhã seguinte, fiquei surpreso ao ver o primeiro Lord do mar na plataforma. A expressão do almirante Pound era grave. “Tenho más notícias para o senhor, primeiro Lord. O Courageous foi afundado ontem à noite no canal de Bristol.” O Courageous era um de nossos porta-aviões mais antigos, navio muito necessário nessa ocasião. Agradeci-lhe por ter-me levado a notícia pessoalmente e disse: “Não podemos esperar prosseguir numa guerra como esta sem que esse tipo de coisa aconteça de vez em quando; já vi muito disso antes.” Portanto, ao banho e à labuta de um novo dia.
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No fim de setembro, tínhamos poucos motivos de insatisfação com os resultados do impacto inicial da guerra no mar. Eu podia sentir que havia realmente assumido o grande ministério que conhecia tão bem e que amava com um olhar crítico. Agora, eu sabia o que tínhamos em mãos e a caminho. Sabia onde estava tudo. Visitara todos os principais pontos navais e conhecera todos os comandantes. Segundo as normas oficiais que constituem o Gabinete, o primeiro Lord é “responsável perante a Coroa e o Parlamento por todos os assuntos do almirantado”, e eu certamente me sentia preparado para me desincumbir desse dever, tanto de fato quanto de direito.
Havíamos feito a transição imensa, delicada e arriscada da paz para a guerra. Foi preciso pagar o preço, nas primeiras semanas, de um comércio mundial subitamente agredido, em violação dos acordos internacionais, por uma guerra submarina indiscriminada. Mas o sistema de comboios já estava funcionando plenamente, e os navios mercantes deixavam nossos portos às dezenas, todos os dias, levando um canhão e um núcleo de atiradores treinados. As traineiras equipadas com o sistema Asdic e outras embarcações pequenas, armadas com cargas de profundidade, todas bem-preparadas pelo almirantado antes da eclosão da guerra, entravam no serviço em grande quantidade. Todos tínhamos certeza de que o primeiro ataque dos submarinos ao comércio inglês fora interrompido e de que a ameaça estava sob um controle minucioso e cada vez mais rígido. Era evidente que os alemães construiriam submarinos às centenas e, sem dúvida, inúmeros deles estavam nas rampas de lançamento em vários estágios de conclusão. Em 12 meses, e certamente em 18, deveríamos esperar pelo começo da grande guerra submarina. Mas, a essa altura, esperávamos que nossa massa de novas flotilhas e embarcações antissubmarinas, que era nossa prioridade máxima, estivesse pronta para enfrentá-la com adequada e efetiva supremacia.
Enquanto isso, o transporte da Força Expedicionária para a França prosseguia sem problemas e o bloqueio à Alemanha era imposto por métodos semelhantes aos empregados na guerra anterior. Além-mar, nossos cruzadores caçavam navios alemães e, ao mesmo tempo, davam cobertura contra os ataques a nossas embarcações pelos agressores. A navegação alemã ficara paralisada e 325 navios alemães, num total de quase 750 mil toneladas, estavam imobilizados em portos estrangeiros. Nossos aliados também cumpriam seu papel. Os franceses tinham uma importante participação no controle do Mediterrâneo. Nas águas nacionais e na baía de Biscaia, eles ajudavam na batalha contra os submarinos e, no Atlântico central, uma poderosa força baseada em Dakar era parte dos planos aliados contra os agressores de superfície.
Nesse mesmo mês, fiquei encantado ao receber uma carta pessoal do presidente Roosevelt. Eu só o encontrara uma vez, na guerra anterior. Tinha sido num jantar no Gray’s Inn, e eu ficara impressionado com sua presença magnífica, na plenitude de sua juventude e força. Não houvera oportunidade para nada além dos cumprimentos. Escreveu-me no dia 11:
“É por termos ocupado, você e eu, posições semelhantes na Guerra Mundial que quero que saiba como me alegra vê-lo de volta ao almirantado. Seus problemas, reconheço, são complicados por novos fatores, mas a essência não é muito diferente. O que quero que você e o primeiro-ministro saibam é que, em qualquer ocasião, aceitarei de bom grado que me mantenham pessoalmente a par de qualquer coisa que desejem trazer a meu conhecimento. Você sempre poderá mandar cartas lacradas por sua mala diplomática ou pela minha.”
Respondi com entusiasmo, usando a assinatura “Naval Person”, e assim se iniciou essa longa e memorável correspondência — que abrangeu quase mil comunicações de cada lado e durou até a morte dele, mais de cinco anos depois.
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Em outubro, de repente estourou sobre nós um acontecimento que afetou o almirantado num ponto extremamente sensível.
O alarme de que havia um submarino dentro de Scapa Flow tinha levado a Grande Esquadra para o mar na noite de 17 de outubro de 1914. Fora alarme prematuro. Agora, passados quase exatamente 25 anos, ele se transformou em realidade. À uma e meia da madrugada de 14 de outubro de 1939, um submarino alemão enfrentou as marés e as correntezas, penetrou em nossas defesas e afundou o encouraçado Royal Oak, que estava ancorado. De uma primeira salva de torpedos, apenas um atingiu a proa e causou uma explosão surda. Para o almirante e o comandante a bordo, era tão inacreditável que um torpedo pudesse tê-los atingido, ali, seguros em Scapa Flow, que eles atribuíram a explosão a alguma causa interna. Passaram-se vinte minutos antes que o submarino, pois era do que se tratava, recarregasse seus tubos e disparasse uma segunda salva. Então, três ou quatro torpedos, atingindo-o em rápida sucessão, arrancaram o fundo do navio. Em dez minutos, ele emborcou e afundou. A maioria dos homens estava nos postos de combate, mas a rapidez com que o navio emborcou tornou quase impossível a fuga para qualquer um que estivesse na parte inferior.
Esse episódio, que deve ser encarado como uma proeza de guerra do comandante do submarino alemão, o capitão Prien, causou impacto na opinião pública. Poderia muito bem ter sido politicamente fatal para qualquer ministro que tivesse sido responsável pelas precauções anteriores à guerra. Sendo recém-chegado, eu estava imune a essas censuras naqueles primeiros meses e, além disso, a oposição não tentou capitalizar esse infortúnio. Prometi a mais rigorosa investigação. O acontecimento mostrou o quanto era necessário aperfeiçoar as defesas de Scapa contra todas as formas de ataque, antes de permitir que ela fosse usada. Passaram-se quase seis meses antes que pudéssemos desfrutar de suas esplêndidas vantagens.
Pouco depois, um novo e assustador perigo ameaçou nossa vida. Durante setembro e outubro, quase uma dúzia de navios mercantes foi afundada na entrada dos nossos portos, embora estes tivessem passado por uma varredura adequada, à procura de minas. O almirantado suspeitou imediatamente que estivessem utilizando minas magnéticas. Isso não era novidade para nós; havíamos até começado a usá-las em pequena escala no fim da guerra anterior. Mas o terrível dano passível de ser causado por grandes minas de profundidade, lançadas por navios ou aviões, não tinha sido plenamente avaliado. Sem um exemplar da mina, era impossível imaginar algo que a neutralizasse. Em setembro e outubro, as perdas por explosões de minas, principalmente dos aliados e dos países neutros, haviam somado 56 mil toneladas e, em novembro, Hitler foi levado a aludir sombriamente a uma nova “arma secreta”, para a qual não existiria nenhum neutralizador. Uma noite, quando eu estava em Chartwell, o almirante Pound foi procurar-me em grande agitação. Seis navios tinham sido afundados nos acessos ao Tâmisa. Todos os dias, centenas de navios entravam e saíam dos portos ingleses, e nossa sobrevivência dependia de sua movimentação. Era bem possível que os especialistas de Hitler lhe tivessem dito que essa forma de ataque levaria a cabo nossa destruição. Por sorte, ele começou em pequena escala e com estoques e capacidade de fabricação limitados.
A sorte também nos favoreceu mais diretamente. Em 22 de novembro, entre 21 horas e 22 horas, um avião alemão foi visto lançando ao mar um grande objeto preso a um paraquedas, perto de Shoeburyness. Nessa região, a costa é cercada por grandes áreas de lodo que emergem quando a maré baixa, donde ficou imediatamente óbvio que, qualquer que fosse o objeto, ele poderia ser examinado e, possivelmente, recuperado na vazante da maré. Ali estava nossa oportunidade de ouro. Antes da meia-noite, naquele mesmo dia, dois oficiais altamente qualificados, os capitães de corveta Ouvry e Lewis, do HMS Vernon, a estação naval responsável pelo desenvolvimento de armas submarinas, foram chamados ao almirantado, onde o primeiro Lord do mar e eu os entrevistamos e ouvimos seus planos. À uma e meia da manhã, eles seguiam de carro para Southend, a fim de executar a arriscada tarefa de resgate. Antes do amanhecer do dia 23, em completa escuridão, ajudados apenas por uma lanterna de sinalização, eles encontraram a mina umas quinhentas jardas abaixo da marca deixada pela maré alta; no entanto, como a maré estava subindo, só puderam inspecioná-la e fazer preparativos para manuseá-la depois da preamar.
A operação crítica começou logo no início da tarde, quando já se havia descoberto uma segunda mina no lodo, perto da primeira. Ouvry, com o sargento Baldwin, lidaram com a primeira, enquanto seu colega Lewis com o marinheiro de primeira classe Verncombe aguardavam a uma distância segura, para a eventualidade de algum acidente. Depois de cada operação previamente combinada, Ouvry mandava uma mensagem para Lewis, para que se pudesse dispor do conhecimento adquirido quando a segunda mina fosse desmontada. O esforço conjunto dos quatro homens acabou sendo exigido na primeira delas, e sua habilidade e dedicação foram recompensadas. Naquela noite, parte do grupo foi ao almirantado comunicar que a mina fora recuperada intacta e estava a caminho de Portsmouth para um exame detalhado. Recebi-os com entusiasmo. Juntei oitenta ou cem oficiais e funcionários em nosso salão mais amplo, e uma plateia arrebatada ouviu a narrativa da história, profundamente consciente de tudo o que estava em jogo.
Todo o poder e ciência da marinha foram então empregados, e não demorou muito para que os testes e experiências começassem a dar resultados práticos. Trabalhávamos por todos os meios de uma só vez, primeiro projetando meios ativos de atacar a mina por novos métodos de varredura e provocação do detonador e, segundo, projetando meios passivos de defesa para todas as embarcações, contra possíveis minas em canais não varridos ou em que a varredura se tivesse mostrado ineficaz. Para essa segunda finalidade, desenvolveu-se um sistema muito eficiente de desmagnetização das embarcações, cingindo-as com um cabo elétrico. Ele foi chamado de “degaussing”, desmagnetizador, e logo foi aplicado a todos os tipos de navios. Mas as baixas graves continuaram. O novo cruzador Belfast foi atingido no Firth of Forth em 21 de novembro e, em 4 de dezembro, o mesmo ocorreu com o encouraçado Nelson ao entrar no Loch Ewe. Os dois navios, entretanto, conseguiram chegar a um estaleiro. É incrível que o sistema de inteligência alemão só tenha conseguido desvendar nossas medidas de segurança para encobrir os danos causados ao Nelson depois de o navio ter sido consertado e recolocado em serviço. Contudo, desde o início, muitos milhares de pessoas na Inglaterra tiveram de conhecer a verdade dos fatos.
A experiência logo nos forneceu métodos novos e mais simples de fazer a desmagnetização. O efeito moral do sucesso dela foi tremendo, mas para derrotar os esforços do inimigo confiamos principalmente no trabalho dedicado, corajoso e persistente dos caça-minas e na paciente habilidade dos peritos técnicos, que projetavam e forneciam os equipamentos empregados. A partir dessa ocasião, apesar de muitos períodos de ansiedade, a ameaça das minas esteve sempre sob controle e, a certa altura, o perigo começou a diminuir.
Vale a pena ponderarmos sobre essa faceta da guerra naval. No caso, uma parcela expressiva de todo o nosso esforço de guerra teve que ser dedicada a combater as minas. Um vasto volume de material e dinheiro foi desviado de outras tarefas, e muitos milhares de homens arriscaram suas vidas, noite e dia, apenas nos caça-minas. O número máximo foi atingido em junho de 1944, quando quase sessenta mil homens eram assim empregados. Nada abatia o ardor da marinha mercante, e o moral de seus homens elevou-se com as mortais consequências dos ataques das minas e com nossas providências eficazes para combatê-las. Seus esforços e sua coragem incansável foram nossa salvação. Na esfera mais ampla das operações navais, nenhum desafio claro fora feito à nossa posição até aquele momento. Isso ainda estava por vir, e uma descrição de dois grandes combates com navios de corso alemães pode concluir meu relato da guerra no mar no ano de 1939.
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Nossa longa e tênue linha de bloqueio ao norte das ilhas Orkney, principalmente composta de navios mercantes armados e belonaves de apoio situadas a intervalos, era sempre passível, evidentemente, de sofrer algum ataque repentino de navios alemães, especialmente de seus dois rápidos e poderosíssimos cruzadores de batalha, o Scharnhorst e o Gneisenau. Não podíamos impedir um ataque desses. Nossa esperança era obrigar os intrusos a um combate decisivo.
No fim da tarde de 23 de novembro, o navio mercante armado Rawalpindi, que fazia o patrulhamento entre a Islândia e as ilhas Faroe, avistou um navio de guerra inimigo que rapidamente se aproximava. O Rawalpindi achou que o estranho fosse o encouraçado de bolso Deutschland e transmitiu a informação correspondente. O comandante Kennedy não tinha como se iludir quanto ao desfecho desse encontro. Seu navio era apenas o resultado da conversão de um navio de passageiros de carreira, com uma bordada de artilharia de apenas quatro antigos canhões de seis polegadas, enquanto seu suposto antagonista trazia seis canhões de 11 polegadas, além de um poderoso armamento secundário. Mesmo assim, aceitou a disparidade, disposto a lutar com seu navio até o fim. O inimigo abriu fogo a dez mil jardas e o Rawalpindi revidou. Um combate desigual como esse não podia durar muito tempo, mas a luta continuou até que, com todos os seus canhões destruídos, o Rawalpindi foi reduzido a uma pilha de destroços em chamas. Ele afundou pouco depois do anoitecer, com a perda de seu comandante e de 270 homens de sua brava tripulação.
Na verdade, não fora o Deutschland, mas os dois cruzadores, Scharnhorst e Gneisenau, que tinham estado em combate. Esses navios haviam deixado a Alemanha dois dias antes, para atacar nossos comboios no Atlântico, mas, depois de deparar com o Rawalpindi e afundá-lo, e temendo as consequências da exposição, abandonaram o resto de sua missão e voltaram prontamente para a Alemanha. A luta heroica do Rawalpindi, portanto, não foi em vão. O cruzador Newcastle, que estava em patrulha nas imediações, viu os clarões do tiroteio e respondeu imediatamente à primeira transmissão do Rawalpindi, tendo chegado à cena do combate com o cruzador Delhi e encontrado o navio em chamas, ainda flutuando. Ele perseguiu o inimigo e, às 18h15, ao escurecer, avistou dois navios, sob forte chuva. Um deles o Newcastle reconheceu como sendo um cruzador pesado, mas perdeu o contato na escuridão e o inimigo conseguiu escapar.
A esperança de atrair para a batalha esses dois navios alemães vitais dominou todos os interessados, e o comandante em chefe fez-se ao mar imediatamente, com sua esquadra inteira. No dia 25, 14 cruzadores ingleses vasculharam o mar do Norte, com a cooperação de contratorpedeiros e submarinos e com a esquadra no apoio. Mas a sorte foi adversa; não se encontrou nada, nem houve qualquer indicação de movimentação inimiga para oeste. Apesar do tempo muito ruim, a árdua busca foi mantida por sete dias, até que ficamos sabendo que o Scharnhorst e o Gneisenau haviam reentrado, em segurança, no Báltico. Sabe-se hoje que eles passaram por nossa linha de cruzadores que faziam o patrulhamento perto da costa norueguesa na manhã de 26 de novembro. O tempo estava fechado e nenhum dos lados avistou o outro. Os radares modernos teriam garantido o contato, mas, nessa ocasião, não dispúnhamos deles. As impressões do público foram desfavoráveis ao almirantado. Não conseguíamos fazer o mundo lá fora compreender a vastidão dos mares ou os esforços intensos da marinha em inúmeras áreas. Após mais de dois meses de guerra e várias perdas sérias, nada tínhamos para mostrar no lado oposto. E também ainda não podíamos responder à pergunta: “E a marinha que faz?”
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O ataque a nosso comércio oceânico pelo corso de superfície teria sido ainda mais desastroso, se fosse mantido. Os três cruzadores de bolso alemães permitidos pelo Tratado de Versalhes tinham sido projetados, depois de uma profunda reflexão, como disruptores do comércio. Seus canhões de 11 polegadas, sua velocidade de 26 nós e a blindagem que os revestia foram compactados com magistral habilidade para os limites de um deslocamento de dez mil toneladas. Nenhum cruzador inglês isolado equiparava-se a eles. Os cruzadores alemães com canhões de oito polegadas eram mais modernos do que os nossos e, se empregados em ataques de surpresa aos navios mercantes, também seriam uma ameaça assustadora. Além disso, o inimigo poderia usar embarcações fortemente armadas, disfarçadas de navios mercantes. Tínhamos lembranças claras da destruição causada pelo Emden e pelo Königsberg em 1914, e das trinta ou mais belonaves e navios mercantes armados que eles nos haviam forçado a coordenar para destruí-los.
Havia boatos e relatórios, antes da eclosão da nova guerra, de que um ou mais encouraçados de bolso já haviam partido da Alemanha. A Home Fleet3 procurou, mas nada encontrou. Hoje sabemos que o Deutschland e o Graf Spee haviam partido da Alemanha entre 21 e 24 de agosto, e já haviam atravessado a zona de perigo, ficando à solta nos oceanos antes que nosso bloqueio e nossas patrulhas do norte fossem organizados. Em 3 de setembro, depois de atravessar o estreito da Dinamarca, o Deutschland ficou de alcateia perto da Groenlândia. O Graf Spee havia cruzado a rota comercial do Atlântico norte sem ser visto e já estava muito ao sul do arquipélago dos Açores. Cada um deles era acompanhado por um navio auxiliar para reabastecimento de combustível e provisões. A princípio, ambos ficaram inativos e vagando pelos espaços oceânicos. Se não atacassem, não teriam nenhuma presa. Até que atacassem, estariam fora de perigo.
Em 30 de setembro, o navio mercante inglês Clement, de cinco mil toneladas, navegando escoteiro, foi afundado pelo Graf Spee perto da costa de Pernambuco, Brasil. A notícia eletrizou o almirantado. Era o sinal que esperávamos. Formaram-se imediatamente vários grupos de caça, que incluíam todos os nossos porta-aviões disponíveis, apoiados por encouraçados, cruzadores pesados e cruzadores. Cada grupo de duas ou mais embarcações era considerado capaz de cercar e destruir um encouraçado de bolso.
Ao todo, durante os meses seguintes, a busca dos dois raiders corsários acarretou a formação de nove grupos de caça e destruição, abrangendo 23 navios poderosos. Trabalhando a partir de bases largamente dispersas nos oceanos Atlântico e Índico, esses grupos eram capazes de cobrir as principais áreas críticas atravessadas por nossa navegação. Para atacar nossos navios mercantes, o inimigo teria de entrar no alcance de pelo menos um deles.
O Deutschland, que deveria desferir ataques contínuos contra nossa linha vital que cruzava o noroeste do Atlântico, interpretou suas ordens com sábia cautela. Durante seu cruzeiro de dois meses e meio, em momento algum aproximou-se de um comboio. Seus esforços decididos de evitar as forças inglesas impediram-no de fazer mais de dois ataques, sendo um deles contra um pequeno navio norueguês. No início de novembro, ele voltou furtivamente para a Alemanha, passando outra vez pelas águas do Ártico. Mas a simples presença desse navio poderoso em nossa principal rota de comércio havia imposto, como se pretendia, um intenso esforço a nossos navios de escolta e aos grupos de caça e destruição no Atlântico norte. Na verdade, teríamos preferido que ele entrasse em atividade, em vez de permanecer como uma vaga ameaça.
O Graf Spee era mais ousado e imaginativo, e logo se tornou o centro das atenções no Atlântico sul. Era sua prática fazer uma breve aparição em algum ponto, destruir uma vítima e tornar a desaparecer na vastidão oceânica, sem deixar rastros. Depois de um segundo aparecimento mais ao sul, na rota do Cabo, onde afundou apenas um navio, não houve mais sinal dele por quase um mês, durante o qual nossos grupos de caça vasculharam por todas as áreas, ordenando-se uma vigilância especial no oceano Índico. De fato, esse era seu destino e, em 15 de novembro, ele afundou um pequeno petroleiro inglês no canal de Moçambique, entre Madagascar e o continente. Tendo assim marcado sua presença no oceano Índico como uma finta para atrair a caçada naquela direção, seu comandante — Langsdorff, um aristocrata — fez meia-volta prontamente e, mantendo-se bem ao sul do Cabo, tornou a entrar no Atlântico. Esse movimento não era imprevisto, mas nossos planos de interceptá-lo foram frustrados pela rapidez de sua retirada. Não estava nada claro para o almirantado se realmente havia um ou dois raiders à espreita, e foram envidados esforços tanto no oceano Índico quanto no Atlântico. Também confundimos o Spee com seu navio gêmeo, o Scheer. A desproporção entre a força do inimigo e as medidas defensivas que nos eram impostas era vexatória. Fazia-me lembrar as semanas ansiosas antes do combate de Coronel e, depois, nas ilhas Falkland, em dezembro de 1914, quando tivéramos de ficar preparados em sete ou oito pontos diferentes, no Pacífico e no Atlântico sul, para a chegada do almirante von Spee com a edição mais antiga do Scharnhorst e do Gneisenau. Vinte e cinco anos haviam passado, mas o quebra-cabeça era o mesmo. Foi com um claro sentimento de alívio que soubemos que o Spee havia aparecido mais uma vez na rota Cabo Freetown, afundando o Doric Star e outro navio em 2 de dezembro, e mais um no dia 7.
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Desde o começo da guerra, o cuidado e o dever especiais do comodoro Harwood tinham consistido em dar cobertura aos navios ingleses nas imediações do rio da Prata e do Rio de Janeiro. Ele estava convencido de que, mais cedo ou mais tarde, o Spee rumaria para o Prata, onde lhe eram oferecidas as presas mais ricas. Harwood havia elaborado cuidadosamente a tática que adotaria num encontro. Juntos, seus cruzadores Cumberland e Exeter, com canhões de oito polegadas, e os cruzadores Ajax e Achilles, com armamento de seis polegadas — sendo este último um navio neozelandês com tripulação predominantemente neozelandesa — poderiam não apenas cercar, mas também destruir o inimigo. Mas as necessidades de combustível e reparos tornavam improvável que todos os quatro estivessem presentes “no dia exato”. Se não estivessem, o desfecho seria discutível. Ao tomar conhecimento de que o Doric Star fora afundado em 2 de dezembro, Harwood teve um palpite certeiro. Embora o Spee estivesse a mais de três mil milhas de distância, o comodoro presumiu que ele rumaria para o rio da Prata. Calculou, com sorte e discernimento, que ele poderia chegar no dia 13. Ordenou que todas as suas forças disponíveis se concentrassem naquela área em 12 de dezembro. Infelizmente, o Cumberland estava em reparos nas Falklands, mas, na manhã do dia 13, o Exeter, o Ajax e o Achilles estavam dispostos no centro das rotas de navegação que saíam da foz do rio. Dito e feito. Às 6h14, avistou-se fumaça a leste. A tão esperada colisão havia chegado.
Harwood, no Ajax, dispondo suas forças de modo a atacar o encouraçado de bolso de pontos muito divergentes e, com isso, confundir sua artilharia, avançou na velocidade máxima permitida por sua pequena esquadra. O comandante Langsdorff pensou, à primeira vista, que teria de lidar apenas com um cruzador leve e dois contratorpedeiros, e também avançou a toda a velocidade. Momentos depois, no entanto, reconheceu a categoria de seus adversários e viu que um combate mortal era iminente. As duas forças estavam se aproximando, a essa altura, a uma velocidade relativa de quase cinquenta nós. Langsdorff teve apenas um minuto para tomar uma decisão. Sua atitude correta seria afastar-se imediatamente, de modo a manter seus adversários pelo maior tempo possível na mira do alcance e do peso superiores de seus canhões de 11 polegadas, aos quais, a princípio, os ingleses não poderiam responder. Desse modo, ele teria ganho para sua artilharia, sem que ela fosse perturbada, a diferença entre a soma e a subtração das velocidades. Bem poderia ter avariado um de seus inimigos antes que qualquer deles pudesse atirar contra seu navio. Mas ele decidiu, ao contrário, manter seu rumo e investir contra o Exeter. Assim, o combate começou quase simultaneamente dos dois lados.
A tática do comodoro Harwood revelou-se vantajosa. As salvas dos canhões de oito polegadas do Exeter atingiram o Spee desde os primeiros momentos da luta. Enquanto isso, os cruzadores com canhões de seis polegadas também o atingiam com força e eficácia. O Exeter logo recebeu um impacto que, além de derrubar o reparo B, destruiu todas as comunicações no passadiço, matou ou feriu quase todos os que estavam nele e deixou o navio temporariamente à matroca. A essa altura, porém, os cruzadores com canhões de seis polegadas já não podiam ser desprezados pelo inimigo, e o Spee apontou seu armamento principal para eles, assim dando algum alívio ao Exeter num momento crítico. O encouraçado alemão, atacado a partir de três direções, achou o ataque inglês intenso demais e se afastou em meio a uma cortina de fumaça, com a aparente intenção de rumar para o rio da Prata. Melhor seria para Langsdorff ter feito isso antes.
Depois de inverter o rumo, o Spee tornou a atacar o Exeter, duramente atingido pelas granadas de 11 polegadas. Todos os seus canhões de proa ficaram fora de ação. As chamas o consumiam ferozmente a meia-nau, e ele tinha uma pesada lista de baixas. O capitão Bell, que saíra ileso da explosão no passadiço, reuniu dois ou três oficiais com ele no compartimento de governo manual de emergência e manteve seu navio em ação com o único reparo que lhe restava, até que, às 7h40, uma falha na pressão também o pôs fora de combate. Nada mais havia que ele pudesse fazer. Às 7h40, o Exeter afastou-se para reparos e não participou mais da batalha.
O Ajax e o Achilles, já em perseguição, continuaram a dar combate da maneira mais acirrada. O Spee conteirou todos os seus canhões pesados contra eles. Às 7h25, os dois reparos de ré do Ajax tinham sido derrubados, e o Achilles também fora avariado. Esses dois cruzadores leves não se equiparavam com o inimigo em termos de poder de fogo e, constatando que sua munição estava no fim, Harwood, no Ajax, resolveu suspender o combate até escurecer, quando teria mais chance de usar com eficácia seu armamento mais leve e, talvez, seus torpedos. Assim, encoberto pela fumaça, ele se afastou e o inimigo não o seguiu. A batalha feroz havia durado uma hora e vinte minutos. Durante todo o restante do dia, o Spee rumou para Montevidéu, com os cruzadores ingleses seguindo soturnamente em seu encalço e havendo apenas algumas trocas ocasionais de tiros. Pouco depois da meia-noite, o Spee entrou em Montevidéu e ali ficou, reparando as avarias, recebendo provisões, desembarcando os feridos, transpondo seu pessoal para um navio mercante alemão e fazendo relatórios ao Führer. O Ajax e o Achilles permaneceram fora do porto, determinados a persegui-lo até o fim se ele se aventurasse a sair. Enquanto isso, na noite de 14 de dezembro, o Cumberland, que estivera navegando a pleno vapor desde que zarpara das Falklands, tomou o lugar do Exeter, extremamente avariado. A chegada desse cruzador com canhões de oito polegadas transformou uma situação duvidosa num ligeiro equilíbrio.
Em 16 de dezembro, o comandante Langsdorff telegrafou ao almirantado alemão informando que não havia esperança de fuga. “Solicito decisão determinando se o navio deve ser afundado, apesar da profundidade insuficiente do estuário do Prata, ou se é preferível a retenção no porto.”
Numa conferência presidida por Hitler, na qual Raeder e Jodl estavam presentes, decidiu-se pela seguinte resposta: “Tente por todos os meios ganhar tempo em águas neutras. (...) Abra caminho combatendo até Buenos Aires, se possível. Nada de internamento no Uruguai. Tente destruição efetiva se tiver que afundar [scuttle] o navio.”
Seguindo essas instruções, na tarde do dia 17, o Spee transferiu mais de setecentos homens, com sua bagagem e provisões, para o navio mercante alemão que estava aportado. Pouco depois, o almirante Harwood soube que ele estava zarpando. Às 18h15, observado por uma imensa multidão, ele deixou o porto e rumou lentamente para o mar, vorazmente aguardado pelos cruzadores ingleses. Às 20h54, enquanto o sol se punha, um avião do Ajax informou: “O Graf Spee explodiu.” Langsdorff ficou desolado com a perda de seu navio e, dois dias depois, suicidou-se com um tiro.
Assim terminou o primeiro desafio de superfície contra o comércio inglês nos oceanos. Nenhum outro navio de assalto apareceu até a primavera de 1940, quando se iniciou uma nova campanha, utilizando navios mercantes disfarçados. Eles tinham mais facilidade de evitar a detecção, mas, por outro lado, podiam ser dominados por forças menores do que as exigidas para destruir um encouraçado de bolso.