Escandinávia, Finlândia
A península de mil milhas de comprimento que vai da entrada do Báltico até o Círculo Polar Ártico tinha imensa importância estratégica. As montanhas norueguesas entram pelo oceano, formando uma orla contínua de ilhas. Entre essas ilhas e o continente há um corredor de águas territoriais pelo qual a Alemanha poderia comunicar-se com o mar alto, prejudicando seriamente nosso bloqueio. A indústria de guerra alemã abastecia-se de minério de ferro principalmente na Suécia, retirando a matéria-prima, no verão, pelo porto sueco de Lulea, na extremidade do golfo de Botnia; quando este ficava congelado, as cargas partiam de Narvik, na costa oeste da Noruega. Respeitar as “Passagens”, como eram chamadas essas águas protegidas, equivalia a permitir que todo esse tráfego continuasse sob a proteção da neutralidade, a despeito da superioridade do nosso poderio naval. O estado-maior do almirantado estava seriamente perturbado com a concessão dessa importante vantagem à Alemanha e, na primeira oportunidade, levantei a questão no Gabinete.
A princípio, a recepção dada aos meus argumentos foi favorável. Todos os meus colegas ficaram profundamente impressionados com esse prejuízo, mas o rigoroso respeito à neutralidade de pequenos estados era um princípio de conduta a que todos aderíamos. Em setembro, a convite de meus colegas e depois de toda a questão ter sido minuciosamente examinada no almirantado, rascunhei para o Gabinete um memorando sobre o assunto e sobre um problema correlato, o afretamento de cargas neutras. Mais uma vez, houve concordância geral quanto à necessidade de se fazer alguma coisa, mas não consegui obter assentimento para a ação. Os argumentos do Foreign Office sobre a neutralidade tiveram peso e não pude persuadir os colegas. Continuei, como veremos, a insistir em meu ponto de vista, por todos os meios e em todas as ocasiões. Mas só em abril de 1940 foi tomada a decisão que eu havia pedido em setembro de 1939. A essa altura, era tarde demais.
Quase nesse exato momento, como sabemos agora, os olhos dos alemães estavam voltados para a mesma direção. Em 3 de outubro, o almirante Raeder, chefe do Estado-Maior Naval, apresentou a Hitler uma proposta intitulada “Conquista de Bases na Noruega”. Ele pedia
que o Führer seja informado, assim que possível, da opinião do Estado Maior Naval sobre as possibilidades de estender a base operacional para o norte. É preciso verificar se é possível conquistar bases na Noruega, sob a pressão conjunta da Rússia e da Alemanha, com vistas a melhorar nossa posição estratégica e operacional.
Assim, redigiu uma série de notas entregues a Hitler em 10 de outubro. “Nestas notas”, escreveu ele,
frisei as desvantagens que uma ocupação da Noruega pelos ingleses teria para nós: o controle dos acessos ao Báltico, o desbordamento de nossas operações navais e de nossos ataques aéreos à Inglaterra e o fim de nossa pressão sobre a Suécia. Também destaquei as vantagens que haveria para nós na ocupação da costa norueguesa: a saída para o Atlântico norte e a impossibilidade de qualquer barreira inglesa de minas, como nos anos de 1917-18.
Rosenberg, o especialista em assuntos estrangeiros do Partido Nazi e encarregado de um órgão especial que lidava com as atividades de propaganda nos países estrangeiros, compartilhava a opinião do almirante. Sonhava em “converter a Escandinávia à ideia de uma comunidade nórdica que abranja os povos nortistas, sob a liderança natural da Alemanha”. Logo no início de 1939, ele acreditou ter descoberto um instrumento para isso no Partido Nacionalista da Noruega, de caráter extremista, que era liderado por um ex-ministro da Guerra norueguês chamado Vidkun Quisling. Estabeleceram-se contatos e a atividade de Quisling foi vinculada aos planos do Estado-Maior Naval alemão, através da organização de Rosenberg e do adido naval alemão em Oslo. Quisling e seu assistente, Hagelin, viajaram a Berlim em 14 de dezembro e foram levados por Raeder a Hitler, a fim de discutir um golpe político na Noruega. Quisling chegou com um plano detalhado. Hitler, cuidadoso com o sigilo, fingiu relutância em aumentar seus compromissos e disse que preferiria uma Escandinávia neutra. Não obstante, segundo Raeder, foi exatamente nesse dia que ele deu ao comandante supremo a ordem de se preparar para uma operação norueguesa.
De tudo isso, é claro, não sabíamos coisa alguma.
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Entrementes, a península escandinava tornou-se palco de um conflito inesperado, que despertou intensas reações na Inglaterra e na França e afetou fortemente a discussão sobre a Noruega. Os “Pactos de Assistência Mútua” de Stalin com a Estônia, a Letônia e a Lituânia já haviam levado à ocupação e ao fim desses países, e o Exército Vermelho e a força aérea russa passaram a bloquear as linhas de acesso à União Soviética pelo ocidente, pelo menos no que concernia à rota do Báltico. Restava apenas o acesso pela Finlândia.
No início de outubro, Mr. Paasikivi, um dos políticos finlandeses que haviam assinado o tratado de paz de 1921 com a União Soviética, foi a Moscou. As exigências soviéticas foram radicais: a fronteira finlandesa no istmo da Karelia deveria recuar uma distância considerável, para tirar Leningrado do alcance de artilharia hostil. E mais: exigiu-se a cessão de algumas ilhas finlandesas no Golfo da Finlândia; o empréstimo do único porto finlandês livre de gelo no Mar Ártico, Petsamo; e, acima de tudo, o empréstimo do porto de Hango, na entrada do Golfo da Finlândia, como base aeronaval russa. Os finlandeses estavam dispostos a fazer concessões em todos os pontos, exceto o último. Com as chaves do golfo em mãos russas, a segurança estratégica e nacional da Finlândia lhes parecia acabar. As negociações foram suspensas em 13 de novembro e o governo finlandês deu início à mobilização. Em 28 de novembro, Molotov derrogou o Pacto de Não Agressão entre a Finlândia e a Rússia; dois dias depois, os russos atacaram em oito pontos da fronteira de mil milhas da Finlândia e, na mesma manhã, sua capital, Helsinki, foi bombardeada pela força aérea vermelha.
O impacto do ataque russo recaiu, inicialmente, sobre as defesas fronteiriças dos finlandeses no istmo da Karelia. Elas abrangiam uma faixa fortificada de cerca de vinte milhas de largura, que ia de norte a sul atravessando uma região florestal coberta de neve. A zona era chamada de “Linha Mannerheim” em homenagem ao comandante em chefe finlandês que salvara a Finlândia da subjugação bolchevique, em 1917. A indignação despertada na Inglaterra, na França e, com mais veemência ainda, nos EUA, diante do ataque não provocado da imensa potência soviética a uma nação pequena, intrépida e altamente civilizada, logo foi seguida pelo assombro e pelo alívio. As primeiras semanas de luta não trouxeram nenhum sucesso para as forças soviéticas. O exército finlandês, cujo efetivo total de combate era de apenas cerca de duzentos mil homens, saiu-se muito bem. Os tanques russos foram enfrentados com audácia e com um novo tipo de granada de mão, logo apelidada de “coquetel Molotov”.
É provável que o governo soviético houvesse contado com uma vitória fácil. Esperava que seus ataques aéreos iniciais a Helsinki e outras regiões, mesmo não sendo em grande escala, causassem terror. As tropas que usou inicialmente, embora muito mais fortes em termos numéricos, eram de qualidade inferior e maltreinadas. O efeito dos bombardeios aéreos e da invasão de seu território foi levantar os finlandeses, que se uniram contra o agressor e lutaram com absoluta determinação e extrema habilidade. O ataque à “cintura” da Finlândia foi desastroso para os invasores. Nessa área, o terreno é quase inteiramente coberto de florestas de pinheiros, com uma ondulação suave e, na época, coberto com trinta centímetros de neve. O frio era intenso. Os finlandeses estavam bem-equipados, com esquis e roupas quentes, que os russos não possuíam. Além disso, os finlandeses revelaram-se combatentes individuais agressivos, altamente treinados em matéria de reconhecimento e guerra florestal. Os russos confiaram em vão na quantidade e nas armas mais pesadas. Ao longo de toda essa frente, os postos de fronteira finlandeses recuaram lentamente pelas estradas, seguidos pelas colunas russas. Depois que estas haviam penetrado cerca de trinta milhas, foram atacadas pelos finlandeses. Detidas à frente pelas linhas de defesa finlandesas construídas nas florestas, violentamente atacadas nos flancos dia e noite e com suas comunicações cortadas, as colunas foram despedaçadas, ou, nos casos em que tiveram sorte, voltaram, depois de pesadas baixas, ao ponto de partida. No fim de dezembro, todo o plano russo de fazer a invasão através da “cintura” tinha fracassado.
Enquanto isso, o ataque à Linha Mannerheim, no istmo da Karelia, não teve melhor resultado. Uma série de ataques em massa por quase 12 divisões foi lançada no início de dezembro e continuou durante todo o mês. No fim do ano, o fracasso em todo o front convenceu o governo soviético de que teria de enfrentar um inimigo muito diferente do esperado. Ele se decidiu por um ataque maciço. Isso exigia preparação em larga escala e, a partir do fim do ano, os combates cessaram ao longo de toda a fronteira finlandesa, deixando os finlandeses temporariamente vitoriosos sobre seu poderoso agressor. Esse acontecimento surpreendente foi recebido com igual satisfação em todos os países, beligerantes ou neutros, do mundo inteiro. Foi uma propaganda bastante ruim para o exército soviético. Nos círculos ingleses, muita gente se congratulou por não termos feito um esforço exagerado para ter os soviéticos do nosso lado. Tirou-se a conclusão, sumamente apressada, de que o exército russo fora destruído pelo expurgo e de que a podridão e a degradação inerentes a seu sistema de governo e sua sociedade tinham sido comprovadas. Não foi só na Inglaterra que se formou essa opinião. Não há dúvida de que Hitler e seus generais meditaram profundamente sobre o desempenho finlandês e de que ele influenciou de forma potente o pensamento do Führer.
Todo o ressentimento sentido contra o governo soviético pelo pacto Ribbentrop-Molotov inflamou-se ainda mais com essa nova demonstração de intimidação e agressão brutais. A isso se misturaram também o desprezo pela ineficiência mostrada pelas tropas soviéticas e o entusiasmo pelos bravos finlandeses. Apesar da Grande Guerra que fora declarada, houve um intenso desejo de ajudar os finlandeses com aviões e outros equipamentos bélicos preciosos, além de voluntários da Inglaterra, Estados Unidos e, mais ainda, da França. Tanto para suprimento de material quanto para a ida de voluntários, só havia uma rota possível para a Finlândia. O porto de minério de ferro de Narvik, com sua estrada que cruzava as montanhas até as minas de ferro suecas, adquiriu uma nova importância sentimental, se não estratégica. Sua utilização como linha de suprimento dos exércitos finlandeses afetava a neutralidade da Noruega e da Suécia. Essas duas nações, igualmente temerosas da Alemanha e da Rússia, não tinham outro objetivo senão ficar fora das guerras por que estavam cercadas e pelas quais poderiam ser tragadas. Parecia ser a única chance de sobreviverem. Mas o governo inglês, embora relutasse, naturalmente, em cometer até mesmo uma violação técnica das águas territoriais norueguesas, minando as Passagens em seu próprio benefício contra a Alemanha, tomou, baseado numa emoção generosa que mal tinha ligação indireta com nosso problema da guerra, a iniciativa de fazer uma exigência muito mais séria à Noruega e à Suécia para que permitissem o trânsito de homens e suprimentos a caminho da Finlândia.
Solidarizei-me ardorosamente com os finlandeses, apoiei todas as propostas de ajudá-los e acolhi de bom grado essa brisa nova e favorável, como meio de obter a grande vantagem estratégica de isolar a Alemanha de seu abastecimento vital de minério de ferro. Se Narvik viesse a se tornar uma espécie de base aliada para abastecer os finlandeses, certamente seria fácil impedir que os navios alemães carregassem minério no porto e navegassem em segurança através das Passagens rumo à Alemanha. Uma vez superados os protestos noruegueses e suecos, fosse pela razão que fosse, as providências mais importantes incluiriam as mais simples. Assim, em 16 de dezembro, renovei meus esforços para obter consentimento para a operação simples e sem derramamento de sangue que consistiria em minar as Passagens.
Meu memorando foi examinado pelo Gabinete em 22 de dezembro, e defendi meus argumentos com o melhor de minha capacidade. Não consegui nenhuma decisão favorável a agir. Era possível fazer protestos diplomáticos à Noruega pela utilização de suas águas territoriais pela Alemanha, e os chefes de estado-maior tiveram ordem de “considerar as consequências militares de compromissos em solo escandinavo”. Foram autorizados a “planejar o desembarque de uma força em Narvik, em benefício da Finlândia e também em função de uma possível ocupação alemã do sul da Noruega”. Mas nenhuma ordem de execução pôde ser emitida para o almirantado. Num documento que mandei circular em 21 de dezembro, resumi os relatórios do sistema de inteligência que mostravam a possibilidade de desígnios russos quanto à Noruega. Dizia-se que os soviéticos tinham três divisões concentradas em Murmansk, preparando-se para uma expedição marítima. “É possível”, concluí, “que esse cenário se transforme em palco de atividades num futuro próximo.” Isso se confirmou plenamente, mas partindo de outras direções.
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Fazia muito tempo que eu me interessava pela captura do Altmark, o navio-auxiliar do Spee. Esse navio era também uma prisão flutuante para as tripulações de nossos navios mercantes afundados. Alguns prisioneiros ingleses libertados pelo comandante Langsdorff no porto de Montevidéu, em cumprimento às leis internacionais, disseram-nos que quase trezentos marinheiros mercantes ingleses estavam a bordo do Altmark. O navio escondeu-se pelo Atlântico sul por quase dois meses e, então, na esperança de que a busca houvesse diminuído, seu comandante arriscou a volta para a Alemanha. A sorte e o bom tempo o favoreceram, e somente em 14 de fevereiro, depois de passar entre a Islândia e as ilhas Faroe, é que ele foi avistado por nossos aviões em águas territoriais norueguesas.
Nas palavras de um comunicado do almirantado, “alguns dos navios de Sua Majestade que estavam em posição conveniente foram acionados”. Um grupo de contratorpedeiros, sob o comandante Philip Vian do HMS Cossack, interceptou o Altmark, mas não o atacou de imediato. O Altmark refugiou-se no fiorde Jösing, uma estreita entrada com cerca de uma milha e meia de extensão, ladeado por escarpas altas e cobertas de neve. Dois contratorpedeiros ingleses receberam instrução de abordá-lo para exame. Na entrada do fiorde, foram barrados por duas canhoneiras norueguesas, que lhes informaram que o navio estava desarmado, fora examinado na véspera e havia recebido permissão de prosseguir para a Alemanha, usando as águas territoriais norueguesas. Diante disso, nossos contratorpedeiros recuaram.
Quando essa informação chegou ao almirantado, interferi e, com a concordância do ministro do Exterior, ordenei que nossos navios entrassem no fiorde. Vian fez o resto. Naquela noite, no Cossack, com os holofotes acesos, ele entrou no fiorde, através do gelo flutuante. Primeiro, foi a bordo da canhoneira norueguesa Kjell e solicitou que o Altmark fosse levado até Bergen sob escolta conjunta, para investigações nos termos da legislação internacional. O comandante norueguês repetiu sua garantia de que o Altmark fora revistado duas vezes, de que estava desarmado e de que nenhum prisioneiro inglês fora encontrado. Vian declarou então que iria abordá-lo e convidou o oficial norueguês para que o acompanhasse. O convite acabou declinado.
Enquanto isso, o Altmark tomou caminho e, na tentativa de abalroar o Cossack, encalhou. O Cossack forçou a abordagem e um grupo saltou para o Altmark depois de atracar os dois navios. Seguiu-se uma acirrada luta corpo a corpo, na qual quatro alemães foram mortos e cinco ficaram feridos; parte da tripulação fugiu para a terra e os demais se renderam. Começou a busca pelos prisioneiros ingleses. Logo foram encontrados às centenas, trancafiados dentro de despensas e até dentro de um tanque de combustível vazio. Houve o grito: “Chegou a Marinha!” As portas foram arrombadas e os cativos levados para o convés. Também se constatou que o Altmark levava dois canhões automáticos e quatro metralhadoras e que, apesar de ter sido abordado duas vezes pelos noruegueses, não fora revistado. As canhoneiras norueguesas mantiveram-se como espectadoras passivas durante toda essa operação. À meia-noite, Vian havia deixado o fiorde e estava a caminho do Forth.
O almirante Pound e eu sentamo-nos juntos, com certa ansiedade, na sala de guerra do almirantado. Eu dera um aperto firme no Foreign Office e tinha plena consciência da gravidade técnica das providências tomadas. Mas o que importava, no país e no Gabinete, era saber se havia ou não prisioneiros ingleses a bordo. Ficamos muito satisfeitos quando, às três horas da manhã, chegou a notícia de que os trezentos homens tinham sido encontrados e resgatados. Esse era o fato preponderante.
A decisão de Hitler de invadir a Noruega, como vimos, tinha sido tomada em 14 de dezembro, e o trabalho de estado-maior prosseguia, sob a orientação de Keitel. O incidente do Altmark, sem dúvida, impulsionou a ação. Por sugestão de Keitel, em 20 de fevereiro, Hitler convocou urgentemente a Berlim o general von Falkenhorst, que na época estava no comando de um corpo de exército em Coblenz. Falkenhorst havia participado da campanha alemã na Finlândia, em 1918, e, nessa tarde, discutiu com Hitler, Keitel e Jodl planos operacionais detalhados para a expedição norueguesa, que ele mesmo deveria comandar. A questão das prioridades era de suma importância. Deveria Hitler comprometer-se na Noruega antes ou depois da execução do “Dossiê Amarelo” — do ataque à França? Em 1° de março, tomou sua decisão: a Noruega deveria vir primeiro. O Führer realizou uma conferência militar na tarde de 16 de março e o Dia D foi provisoriamente marcado, aparentemente para 9 de abril.
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Enquanto isso, os soviéticos jogaram o grosso de seu poderio contra os finlandeses. Redobraram o esforço para penetrar na Linha Mannerheim antes que a neve derretesse. Infelizmente, nesse ano, a primavera e seu degelo, nos quais os oprimidos finlandeses fundamentavam suas esperanças, chegaram com quase seis semanas de atraso. A grande ofensiva soviética no istmo, que duraria 42 dias, iniciou-se em 1° de fevereiro, combinada com um maciço bombardeio aéreo de depósitos essenciais e entroncamentos ferroviários atrás das linhas. Dez dias de pesado bombardeio dos canhões soviéticos, em posição em massa, juntos roda a roda, anunciaram o grande ataque da infantaria. Depois de uma batalha de 15 dias, a linha foi rompida. Os ataques aéreos ao forte e base principal de Vyborg aumentaram de intensidade. No fim do mês, o sistema de defesa de Mannerheim estava desorganizado e os russos puderam concentrar-se contra o golfo de Vyborg. Era escassa a munição dos finlandeses, e suas tropas estavam exaustas.
A honrosa retidão que nos privara de qualquer iniciativa estratégica também prejudicou todas as providências efetivas para o envio de material à Finlândia. Na França, porém, prevalecia um sentimento mais caloroso e profundo, intensamente fomentado por M. Daladier. Em 2 de março, sem consultar o governo inglês, ele concordou em enviar cinquenta mil voluntários e cem bombardeiros à Finlândia. Certamente não podíamos agir nessa escala e, em vista dos documentos encontrados com o major alemão na Bélgica e dos incessantes relatórios do sistema de inteligência sobre a concentração maciça de tropas alemãs na frente ocidental, tudo foi muito além do que a prudência recomendaria. Ainda assim, concordou-se em enviar cinquenta bombardeiros ingleses. Em 12 de março, o Gabinete novamente decidiu reativar os planos de desembarques militares em Narvik e Trondheim, depois em Stavanger e Bergen, como parte da ampliação de ajuda à Finlândia a que fôramos arrastados pelos franceses. Esses planos deveriam estar prontos para execução em 20 de março, embora a necessidade da permissão norueguesa e sueca não tivesse sido atendida. Entrementes, em 7 de março, Mr. Paasikivi foi novamente a Moscou, dessa vez para discutir os termos do armistício. No dia 12, os termos russos foram aceitos pelos finlandeses. Todos os nossos planos de desembarque militar voltaram para a gaveta e as forças que estavam sendo reunidas dispersaram-se, até certo ponto. As duas divisões que tinham sido retidas na Inglaterra obtiveram então permissão de seguir para a França, e nosso poder de combate voltado para a Noruega ficou reduzido a 11 batalhões.
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O colapso militar da Finlândia teve outras repercussões. Em 18 de março, Hitler encontrou-se com Mussolini no Passo de Brenner. Deliberadamente, deixou seu anfitrião italiano na impressão de que a Alemanha não cogitava lançar uma ofensiva terrestre ocidental. No dia 19, Mr. Chamberlain falou na Câmara dos Comuns. Em vista das críticas recentes, reexaminou com algum detalhe o caso da ajuda inglesa à Finlândia. Enfatizou, acertadamente, que nossa consideração principal tinha sido o desejo de respeitar a neutralidade da Noruega e da Suécia, e também defendeu o governo por não se deixar apressar em tentativas de socorrer os finlandeses, que teriam pouca probabilidade de êxito. A derrota da Finlândia foi fatal para o governo Daladier, cujo líder tomara providências muito marcantes, embora tardias, e dera pessoalmente um destaque desproporcional a essa parte de nossas inquietações. Em 21 de março, formou-se um novo Gabinete, sob a direção de M. Reynaud, comprometido com uma condução cada vez mais vigorosa da guerra.
Minhas relações com M. Reynaud tinham bases diferentes das que eu havia estabelecido com M. Daladier. Reynaud, Mandel e eu havíamos sentido as mesmas emoções a respeito de Munique. Daladier estivera do lado oposto. Por conseguinte, acolhi a mudança de bom grado. Os ministros franceses foram a Londres para uma reunião do Conselho Supremo de Guerra em 28 de março. Mr. Chamberlain abriu o encontro com uma descrição completa e clara do panorama, tal como ele o via. Disse que a Alemanha tinha dois pontos fracos: seu abastecimento de minério de ferro e de petróleo. As principais fontes de suprimento desses produtos situavam-se em extremos opostos da Europa. O minério de ferro vinha do norte. Chamberlain expôs com precisão a importância de interceptarmos os suprimentos alemães de minério de ferro provenientes da Suécia. Também discorreu sobre os campos de petróleo romenos e de Baku, que deveriam ser recusados à Alemanha, se possível através da diplomacia. Ouvi essa argumentação vigorosa com crescente prazer. Eu não me havia apercebido de quão plenamente Mr. Chamberlain e eu estávamos de acordo.
M. Reynaud falou do impacto da propaganda alemã no moral francês. A rádio alemã clamava todas as noites que o Reich não tinha qualquer rixa com a França; que a origem da guerra devia ser buscada no cheque em branco dado pela Inglaterra à Polônia; que a França fora arrastada para a guerra nos calcanhares dos ingleses, e até mesmo que não estava em condições de sustentar um combate. A política de Goebbels em relação à França parecia consistir em deixar a guerra prosseguir na cadência lenta dessa ocasião, contando com o crescente desestímulo entre os cinco milhões de franceses então convocados e com a emergência de um governo francês que se dispusesse a chegar a uma solução conciliatória com a Alemanha, à custa da Inglaterra.
Na França, disse ele, formulava-se por toda parte a pergunta: “Como podem os aliados vencer a guerra?” O número de divisões, “apesar dos esforços ingleses”, estava aumentando mais depressa do lado alemão que do nosso. Assim, quando poderíamos ter esperança de garantir a superioridade de pessoal necessária para um combate bem-sucedido no Ocidente? Não tínhamos conhecimento do que estava acontecendo na Alemanha em equipamento material. Havia na França um sentimento generalizado de que a guerra chegara a um impasse e de que a Alemanha só precisava esperar. A menos que se tomasse alguma providência para cortar o abastecimento de petróleo e de outras matérias-primas do inimigo, “poderia aumentar o sentimento de que o bloqueio não era arma suficientemente forte para assegurar a vitória da causa aliada”. Reynaud, muito mais receptivo ao corte do abastecimento de minério de ferro sueco, declarou que havia uma relação exata entre o fornecimento de minério de ferro sueco à Alemanha e a produção da indústria siderúrgica e metalúrgica alemã. Sua conclusão foi que os aliados deveriam minar as águas territoriais ao longo da costa norueguesa e, posteriormente, obstruir por uma ação similar o minério que era levado do porto de Lulea para a Alemanha. Ele assinalou a importância de impedirmos o abastecimento de petróleo romeno à Alemanha.
Finalmente, ficou decidido que, depois de enviarmos comunicações em termos gerais à Noruega e à Suécia, lançaríamos campos de minas nas águas territoriais norueguesas em 5 de abril. Também ficou acertado que, se a Alemanha invadisse a Bélgica, os aliados entrariam imediatamente nesse país, sem esperar por um convite formal; e, se a Alemanha invadisse a Holanda e a Bélgica não prestasse assistência a esta, os aliados deveriam considerar-se livres para entrar na Bélgica a fim de ajudar a Holanda.
Finalmente, como um ponto evidente em que estávamos todos de acordo, o comunicado declarou que os governos inglês e francês haviam assentido na seguinte declaração solene: Que, durante a guerra em curso, não negociariam nem firmariam armistícios ou tratados de paz a não ser em concordância mútua.
Esse pacto adquiriu suma importância posteriormente.
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Em 3 de abril, o gabinete inglês implementou a resolução do Supremo Conselho de Guerra, e o almirantado foi autorizado a minar as Passagens norueguesas em 8 de abril. Dei o nome de “Wilfred” à operação efetiva de lançamento das minas, porque, por si só, ela era muito pequena e inocente. Considerando que o fato de minarmos as águas norueguesas poderia provocar represália alemã, também ficou acertado que uma brigada inglesa e um contingente francês seriam enviados a Narvik para abrir o porto e avançar para a fronteira sueca. Outras forças deveriam ser despachadas para Stavanger, Bergen e Trondheim, a fim de negar essas bases ao inimigo.
Algumas notícias sinistras, de credibilidade variável, começaram então a chegar. Nessa mesma reunião do Gabinete de Guerra, em 3 de abril, o ministro da Guerra disse-nos que chegara ao Ministério da Guerra um relatório informando que os alemães estavam reunindo grande massa de tropa em Rostock, com a intenção de tomar a Escandinávia, se necessário. O ministro do Exterior disse que a notícia proveniente de Estocolmo tendia a confirmar esse relatório. Segundo a embaixada sueca em Berlim, duzentas mil toneladas de navios alemães estavam concentradas em Stettin e Swinemunde, tendo a bordo tropas que os boatos situavam em quatrocentos mil soldados. Insinuou-se que essas forças estavam de prontidão para desferir um contra-ataque em resposta a um possível ataque nosso a Narvik ou outros portos noruegueses, sobre o qual dizia-se que os alemães ainda estavam inquietos.
Na quinta-feira, 4 de abril, Mr. Chamberlain fez um discurso de um otimismo incomum. Hitler, declarou ele, havia “perdido o bonde”. Sete meses haviam-nos permitido eliminar nossos pontos fracos e ampliar enormemente nosso poder de combate. A Alemanha, por outro lado, havia-se preparado tão completamente que tinha pouca margem de forças a que recorrer.
Isso se revelou uma afirmação insensata. Seu pressuposto básico — de que nós e os franceses estávamos relativamente mais fortes do que no início da guerra — não deixava de ser razoável. Como expliquei anteriormente, os alemães, a essa altura, estavam no quarto ano de uma intensa fabricação de material bélico, enquanto nós nos achávamos num estágio muito atrasado, provavelmente comparável, em termos de produtividade, ao segundo ano. Além disso, a cada mês transcorrido, o exército alemão, que estava então com quatro anos, fora se transformando numa arma aperfeiçoada e madura, e a vantagem anterior do exército francês em termos de treinamento e coesão ia desaparecendo. Tudo estava em suspenso. Os vários pequenos expedientes que eu pudera sugerir tinham ganho aceitação, mas nada de caráter fundamental fora feito por qualquer dos lados. Nossos planos, que não eram lá grande coisa, baseavam-se em reforçar o bloqueio minando o corredor norueguês ao norte e impedindo o fornecimento de petróleo à Alemanha no sudeste. Completa imobilidade e silêncio reinavam por trás do front alemão. De repente, a política passiva ou de pequena escala dos aliados foi varrida por uma catarata de surpresas violentas. Estávamos por aprender o que era guerra total.