Linha.png 23 Linha.png

A coalizão nacional

Linha.png

Por fim, a fúria lentamente acumulada e longamente con­tida da tempestade desabou sobre nós. Quatro ou cinco milhões de homens enfrentaram-se no primeiro embate da mais implacável de todas as guerras registradas na história. Em uma semana, a frente de operações da França, atrás da qual havíamo-nos acostumado a viver nos duros anos da guerra anterior e na fase inaugural dessa, seria irremediavelmente rompida. Em três semanas, o exército francês, de longa e celebrada reputação, seria desbaratado e destro­çado, e nosso único exército inglês empurrado para o mar, com a perda de todo o seu equipamento. Em seis semanas, nos veríamos sozinhos, quase desarmados, com a Alemanha e a Itália triunfantes apertando-nos o pescoço, a Europa inteira acessível ao poderio de Hitler, e o Japão de cenho franzido do outro lado do globo. Foi em meio a esses fatos e essas perspectivas que assumi minhas funções de primeiro-ministro e ministro da Defesa, e me voltei para a tarefa inicial de compor um governo de todos os partidos para conduzir os assuntos de Sua Majestade, dentro e fora do país, por quaisquer meios que se reputassem mais adequados ao interesse nacional.

Quase exatamente cinco anos depois, foi possível ter uma visão mais favorável de nossa situação. A Itália estava vencida, e Mussolini, morto. O portentoso exército alemão havia-se rendido incondicionalmente. Hitler cometera suicídio. Além das imensas capturas feitas pelo general Eisenhower, quase três milhões de soldados alemães tinham sido feitos prisioneiros, em 24 horas, pelo marechal Alexander, na Itália, e pelo marechal Montgomery, na Alemanha. A França estava livre, reorganizada e revigorada. De mãos dadas com nossos aliados, os dois impérios mais poderosos do mundo, avançávamos para a rápida aniquilação da resistência japonesa. Contraste certamente notável. A estrada percorrida naqueles cinco anos fora longa, árdua e perigosa. Os que nela pereceram não tinham dado a vida em vão. Os que marcharam até o fim sempre se orgulharão de havê-la trilhado com honra.

Ao fazer um relato de meu serviço e contar a história do famoso Governo de Coalizão Nacional, é meu dever primordial explicitar a escala e a força da contribuição feita pela Inglaterra e por seu Império, que o perigo só fez unir mais firmemente, para o que acabou por se transformar na causa comum de muitos estados e nações. Faço-o sem qualquer desejo de tecer compara­ções invejosas ou despertar rivalidades inúteis com nosso maior aliado, os Estados Unidos, a quem devemos incomensurável e perene gratidão. Mas é do interesse conjunto do mundo de língua inglesa que a magnitude do esforço de guerra inglês seja conhecida e reconhecida. Por isso, fiz uma tabela que abrange todo o período da guerra. Ela mostra que, até julho de 1944, a Inglaterra e seu Império tiveram um número substancialmente maior de divisões em contato com o inimigo do que os Estados Unidos. Essa cifra global inclui não somente a esfera europeia e africana, mas também toda a guerra na Ásia contra o Japão. Até a chegada da grande massa do exército americano na Normandia, no outono de 1944, sempre tivemos o direito de falar ao menos como iguais e, em geral, como o parceiro predominante em todos os teatros de operações, exceto os do Pacífico e da Australásia; e isso também se aplicou, até o momento indicado, à soma de todas as divisões em todas as arenas, em qualquer mês considerado. A partir de julho de 1944, a ordem de batalha americana, representada pelas divisões em contato com o inimigo, tornou-se cada vez mais dominante, e assim foi, ascendente e triunfal, até a vitória final, dez meses depois.

Outra comparação que tracei mostra que o sacrifício de vidas humanas inglesas e do Império foi ainda maior que o de nosso valente aliado. O total de mortos e desaparecidos em combate, presumivelmente mortos, nas forças armadas inglesas, chegou a 303.240 homens, aos quais é preciso acrescentar mais de 109 mil dos Domínios, da Índia e das Colônias, num total de 412.240. Esse número não inclui 60.500 civis mortos nos bom­bardeios aéreos na Inglaterra, nem as baixas de nossa marinha mercante e de nossos pescadores, que corresponderam a cerca de 30 mil. Para compa­ração com esses números, os Estados Unidos choram a morte, no exército e na aviação, na marinha, nos fuzileiros e na guarda costeira, de 322.188 combatentes.1

Forças terrestres em combate
com “divisões equivalentes” do inimigo

Império Britânico

EUA

Teatro
ocidental

Teatro
oriental

Total

Teatro
ocidental

Teatro
oriental

Total

1º Jan 1940

51/3

-

51/3*

-

-

-

1º Jul 1940

6

-

6

-

-

-

1º Jan 1941

101/3

-

101/3

-

-

-

1º Jul 1941

13

-

13†

-

-

-

1º Jan 1942

72/3

7

142/3

-

22/3

22/3

1º Jul 1942

10

42/3

142/3

-

81/3

81/3

1º Jan 1943

101/3

82/3

19

5

10

15

1º Jul 1943

162/3

72/3

241/3

10

121/3

221/3

1º Jan 1944

111/3

121/3

232/3

62/3

91/3

16

1º Jul 1944

222/3

16

382/3

25

17

42

1º Jan 1945

301/3

182/3

49

552/3

232/3

79

Notas e Pressupostos

* Força Expedicionária Britânica — BEF, na França.

† Exclui guerrilhas na Abissínia.

‡ Exclui tropas filipinas.

A linha divisória entre os teatros oriental e ocidental é uma linha norte-sul passando por Karachi.

Não são considerados teatros de operações: a fronteira noroeste da Índia; Gibraltar; África ocidental; Islândia; Havaí; Palestina; Iraque; Síria (exceto em 1° de julho de 1941).

Malta é considerada um teatro de operações; o mesmo acontece com o Alaska entre janeiro de 1942 e julho de 1943.

Os contingentes estrangeiros — p. ex., franceses livres, poloneses e tchecos — não estão incluídos.

Cito essas honrosas listas na confiante esperança de que a camaradagem, equivalente e uma só, consagrada por tanto sangue precioso, continue a merecer a reverência e a inspirar a conduta do mundo de língua inglesa.

Nos mares, naturalmente, os Estados Unidos suportaram quase todo o peso da guerra no Pacífico, e as batalhas decisivas que eles travaram perto da ilha Midway, em Guadalcanal e no Mar de Coral, em 1942, garantiram para eles toda a iniciativa naquele vasto domínio oceânico e lhes deram possibilidade de atacar todas as conquistas japonesas e, finalmente, o pró­prio Japão. A marinha americana não podia, ao mesmo tempo, arcar com o ônus principal no Atlântico e no Mediterrâneo. Também nesse aspecto é um dever esclarecer os fatos. Dos 781 submarinos alemães e 85 submarinos italianos destruídos no teatro europeu, nos oceanos Atlântico e Índico, 594 foram da responsabilidade das forças navais e aéreas inglesas, que também liquidaram com todos os encouraçados, cruzadores e contratorpedeiros alemães, além de destruir ou capturar toda a esquadra italiana.

A tabela das perdas de submarinos é a seguinte:

Grande total de submarinos destruídos: 996

Destruídos por

Alemães

Italianos

Japoneses

Forças inglesas*

525

69

91/2

Forças americanas*

174

5

1101/2

Outros e causas desconhecidas

82

11

10

Totais

781

85

130

* Os termos Forças Inglesas e Forças Americanas incluem as Forças Aliadas que estavam sob seu controle operacional. Onde aparecem perdas fracionadas, as “capturas” foram comuns. Houve muitos casos de “capturas” compartilhadas, mas, nos totais alemães, as frações somam números inteiros.

No ar, os Estados Unidos fizeram esplêndido esforço para entrar em ação em escala máxima, especialmente com suas Fortalezas Voadoras operando à luz do dia, desde o primeiro momento, a partir de Pearl Harbor. Seu poder foi usado contra o Japão e, partindo das Ilhas Inglesas, contra a Alemanha. Entretanto, quando chegamos a Casablanca, em janeiro de 1943, o fato é que nenhum bombardeiro americano isolado havia lançado uma bomba diurna sobre a Alemanha. Logo viria a fruição dos grandes esforços que eles estavam fazendo, mas, até o fim de 1943, o lançamento de bombas inglesas sobre a Alemanha, no cômputo geral, ultrapassou, numa proporção de oito toneladas contra uma, as bombas lançadas por aviões americanos, de dia ou de noite. Somente na primavera de 1944 é que os Estados Unidos alcançaram a maioria dos lançamentos. Nesse aspecto, assim como em terra e no mar, travamos todas as batalhas desde o começo, e apenas em 1944 é que fomos alcançados e ultrapassados pelo espetacular esforço de guerra americano.

Convém lembrar que nossa produção de material bélico, desde o início do sistema do Lend-Lease, em janeiro de 1941, foi aumentada em um quin­to graças à generosidade dos EUA. Com os materiais e armas que eles nos deram, pudemos efetivamente travar a guerra como se fôssemos uma nação de 58 milhões em vez de 48. Também na navegação, a esplêndida produção dos cargueiros da classe Liberty permitiu que o fluxo de abastecimento fosse mantido no Atlântico. Por outro lado, a análise das perdas por ação inimiga sofridas por todas as nações durante a guerra deve ser guardada em mente. Eis os números:

Nacionalidade

Perdas em toneladas brutas

Percentagem

Inglesa

11.357.000

54

Americana

3.334.000

16

Todas as demais nações (fora do controle inimigo)

6.503.000

30

Total:

21.194.000

100

Dessas perdas, 80% foram sofridas no oceano Atlântico, incluindo as águas costeiras inglesas e o mar do Norte. Apenas 5% ocorreram no Pacífico.

Tudo isso é exposto, não para reivindicar um mérito indevido, mas para estabelecer, em bases capazes de infundir um respeito imparcial, a intensa produção, em todas as formas de atividade bélica, do povo desta pequena ilha, sobre o qual recaiu a carga na crise da história mundial.

É provável que seja mais fácil compor um ministério, especialmente de coalizão, no calor da batalha do que em tempos de paz. O sentimento do dever prevalece sobre tudo o mais e as reivindicações pessoais se apequenam. Uma vez acertados os arranjos principais com os líderes dos outros partidos, com a autorização formal de suas organizações, a atitude de todos que con­voquei foi semelhante à de soldados em combate, que seguem prontamente para os locais que lhes são indicados, sem mais perguntas. Oficialmente estabelecida a base partidária, pareceu-me que nenhum interesse pessoal passou pela mente de qualquer dos inúmeros cavalheiros com que tive de conversar. Se uns poucos hesitaram, foi apenas em virtude de considerações públicas. Esse elevado padrão de comportamento foi observado ainda mais pelo grande número de ministros conservadores e nacional-liberais que tiveram de deixar seus cargos, interromper suas carreiras e, nesse momento de incomparável interesse e excitação, sair da vida pública, em muitos casos para sempre.

Os conservadores tinham uma maioria que excedia em mais de 120 ca­deiras a soma de todos os outros partidos na Câmara. Mr. Chamberlain era seu líder escolhido. Não pude deixar de reconhecer que a substituição dele por mim devia ser sumamente desagradável para muitos deles, depois de todos os meus longos anos de crítica e, muitas vezes, de censura exacerba­da. Além disso, devia ser evidente para a maioria deles o quanto de minha vida se passara em atritos ou brigas efetivas com o Partido Conservador, o modo como eu os abandonara na questão do livre comércio e o modo como retornara para eles na condição de ministro das Finanças. Depois disso, por muitos anos, eu fora seu principal opositor nas questões da Índia, da política externa e da falta de preparação para a guerra. Aceitar-me como primeiro-ministro foi muito difícil para eles. Foi doloroso para muitos homens honrados. Ademais, lealdade para com o líder eleito do partido é uma característica de primeira ordem dos conservadores. Se, em algumas questões, eles haviam ficado aquém de seu dever perante a nação nos anos que antecederam a guerra, fora em virtude desse sentimento de fidelidade ao seu chefe escolhido. Nenhuma dessas considerações causou-me a menor ansiedade. Eu sabia que estavam todas abafadas pelo canhoneio.

A princípio, eu havia oferecido a Mr. Chamberlain, e ele aceitou, a lideran­ça da Câmara dos Comuns, bem como a presidência do Privy Council. Nada disso saiu a público. Mr. Attlee informou-me que o Partido Trabalhista não trabalharia com facilidade nessa composição. Numa coalizão, a liderança da Câmara deve ser aceitável para todos. Expus essa questão a Mr. Chamberlain e, com sua pronta anuência, assumi eu mesmo a liderança e a mantive até fevereiro de 1942. Durante esse período, Mr. Attlee funcionou como meu vice e tomou conta do dia a dia. Sua longa experiência na oposição foi de grande valia. Eu só comparecia em ocasiões de maior gravidade. Estas, no entanto, foram constantes. Muitos conservadores acharam que seu líder partidário havia sofrido uma desfeita. Foi unânime a admiração por sua con­duta pessoal. Em sua primeira entrada na Câmara em sua nova função (no dia 13 de maio), a totalidade de seu partido — a grande maioria da Câmara — levantou-se e o recebeu com uma veemente demonstração de solidariedade e consideração. Nas primeiras semanas, eu era saudado principalmente pela bancada trabalhista. Mas a lealdade e o apoio de Mr. Chamberlain a mim mantiveram-se firmes, e eu estava seguro de mim mesmo.

Houve uma considerável pressão, por parte de membros do Partido Trabalhista e de algumas das muitas figuras competentes e ardorosas que não foram incluídas no novo governo, para que houvesse um expurgo dos “culpados” e dos ministros que tinham sido responsáveis por Munique, ou podiam ser criticados pelas muitas deficiências de nossos preparativos de guerra. Mas não era hora de proscrever homens capazes e patriotas, com longa experiência em altos cargos. Se os críticos houvessem imposto sua vontade, pelo menos um terço dos ministros conservadores teria sido força­do a renunciar. Considerando que Mr. Chamberlain era o líder do Partido Conservador, estava claro que esse movimento seria destrutivo para a união nacional. Além disso, eu não tinha nenhuma necessidade de perguntar a mim mesmo se toda a culpa recaía sobre um único lado. A responsabili­dade oficial cabia ao governo da época, mas as responsabilidades morais eram bem mais difundidas. Uma longa e impressionante lista de citações de discursos e votos proferidos por ministros trabalhistas, e não menos por ministros liberais, todos os quais desmentidos pelos acontecimentos, estava em minha mente e disponível nos mínimos detalhes. Ninguém tinha mais direito do que eu de passar uma esponja sobre o passado. Assim, resisti a essas tendências disruptivas. “Se o presente tentar julgar o passado, perderá o futuro”, declarei algumas semanas depois. Esse argumento e o peso terrível do momento subjugaram os pretensos caçadores de hereges.

Minhas experiências nesses primeiros dias foram singulares. Convivia-se com a batalha, na qual todos os pensamentos estavam centrados e sobre a qual nada se podia fazer. O tempo todo, havia um governo por formar, cavalheiros por receber e equilíbrios partidários por ajustar. Não consigo lembrar, nem meus registros mostram, como se passaram todas essas horas. Um ministério inglês, naquela época, compunha-se de sessenta a setenta ministros da Coroa e todos tinham que ser encaixados como num quebra-cabeça — no caso, levando em conta a reivindicação de três partidos. Foi necessário que eu dialogasse não só com todas as figuras principais, mas também, ao menos por alguns minutos, com a multidão de homens com­petentes que deveriam ser escolhidos para tarefas importantes. Ao formar um governo de coalizão, o primeiro-ministro tem que dar o devido peso aos anseios dos líderes partidários no tocante a quem, dentre seus quadros, deve ocupar os cargos destinados ao partido. Foi principalmente nesse princípio que me pautei. Se algum dos que mereciam coisa melhor foi deixado de fora por recomendação de seus chefes partidários, ou até a despeito dessa recomendação, resta-me apenas expressar meu pesar. Grosso modo, porém, poucas foram as dificuldades.

Em Clement Attlee eu tinha um colega com experiência de guerra longamente versado na Câmara dos Comuns. Nossas únicas diferenças de opinião concerniam ao socialismo, mas foram abafadas por uma guerra que logo implicaria a mais completa subordinação do indivíduo ao estado. Trabalhamos juntos, em perfeita harmonia e confiança, durante todo o período de governo. Mr. Arthur Greenwood foi um conselheiro sensato e de extrema coragem, além de um bom e prestimoso amigo.

Sir Archibald Sinclair, como líder oficial do Partido Liberal, achou cons­trangedor aceitar o cargo de ministro da Aviação, porque seus correligionários julgavam que, em vez disso, ele deveria ter uma cadeira no Gabinete de Guerra. Mas tal seria contrário à ideia de um Gabinete de Guerra pequeno. Assim, propus-lhe que ele compareceria ao Gabinete de Guerra sempre que surgisse algum assunto que afetasse questões políticas fundamentais ou a união partidária. Ele era meu amigo e fora meu subcomandante em 1916, na época em que eu comandara o 6° Regimento Real de Fuzileiros Escoceses em Ploegsteert (“Plug Street”, chamávamos nós), e, pessoalmente, ansiava por ingressar na grande esfera de ação que eu lhe havia reservado. Depois de muita conversa, isso foi amistosamente acertado. Mr. Ernest Bevin, com quem eu travara conhecimento no início da guerra, na tentativa de miti­gar a aguda demanda do almirantado por traineiras, teve de consultar o sindicato de trabalhadores nos transportes e gerais, do qual era secretário, antes de poder participar da equipe, no importantíssimo cargo de ministro do Trabalho. Isso levou dois ou três dias, mas valeu a pena. O sindicato, o maior da Inglaterra, disse unanimemente que ele deveria participar e nos deu um sólido apoio durante cinco anos, até vencermos.

A maior dificuldade foi com Lord Beaverbrook. Eu acreditava que ele tinha serviços de altíssima qualidade a prestar. Como resultado de minhas experiências na guerra anterior, havia decidido retirar do Ministério da Aviação o fornecimento e o projeto de aeronaves, e desejava que ele se tor­nasse ministro da Produção de Aviões. A princípio, ele pareceu relutante em se incumbir dessa tarefa e, é claro, o Ministério da Aviação não gostou da ideia de que sua divisão de suprimentos fosse desmembrada. Houve outras resistências à nomeação de Lord Beaverbrook. Eu tinha certeza, entretanto, de que nossa vida dependia do fluxo de novos aviões; precisava da energia vital e vibrante dele e persisti em meu ponto de vista.

Em deferência às opiniões vigentes, expressas no parlamento e na impren­sa, era necessário que o Gabinete de Guerra fosse pequeno. Assim, comecei com apenas cinco membros, dos quais só um, o ministro do Exterior, estava à frente de um ministério. Eles eram, naturalmente, os principais políticos partidários da época. Para uma conduta conveniente dos negócios, era preciso que o ministro das Finanças e o líder do Partido Liberal se fizessem amiúde presentes e, com o passar do tempo, o número de “presenças cons­tantes” cresceu. Mas toda a responsabilidade ficou com os cinco ministros do Gabinete de Guerra. Eram os únicos com o direito a ter a cabeça cortada na Torre, se não vencêssemos. Os demais poderiam sofrer por deficiências ministeriais, mas não pela política do estado. Excetuado o Gabinete de Guerra, qualquer um podia dizer: “Não posso assumir a responsabilidade por isto ou aquilo.” O ônus da formulação política cabia a um nível mais alto. Isso poupou a muita gente um bocado de preocupação nos dias que estavam para desabar sobre nós.

Em minha longa experiência política, eu havia ocupado a maioria dos grandes cargos de estado, mas estou pronto a admitir que o posto que então me coube era o que mais me agradava. O poder, como meio de exercer um domínio absoluto sobre os semelhantes ou de aumentar a pompa pessoal, é justificadamente considerado torpe. Mas o poder numa crise nacional, quando um homem acredita saber que ordens devem ser dadas, é uma bênção. Em qualquer esfera de ação, não há comparação entre as posições do número um e dos números dois, três ou quatro. Os deveres e problemas de todas as pessoas que não o número um são muito diferentes e, sob mui­tos aspectos, mais difíceis. É sempre uma infelicidade quando o número dois ou o número três tem que tomar a iniciativa de um plano ou de uma medida de peso. Ele tem de considerar não apenas os méritos da medida, mas também a cabeça do chefe; não apenas o que deve recomendar, mas também o que lhe é próprio recomendar em sua posição; e não apenas o que fazer, mas também o modo de obter anuência para isso e o modo de conseguir que seja feito. Além disso, o número dois ou três tem de se haver com os números quatro, cinco e seis, ou talvez com algum brilhante sujeito de fora, o número vinte. A ambição, não tanto de objetivos reles, mas de fama, cintila em todas as mentes. Há sempre vários pontos de vista que podem estar certos e muitos que são plausíveis. Eu fora temporariamente destruído em 1915 por causa da questão dos Dardanelos e uma iniciativa de suma importância fora descartada, em virtude de eu haver tentado executar uma operação fundamental e crucial a partir de uma posição subalterna. É imprudente os homens se arriscarem nessas aventuras. E essa lição ficara impressa em minha natureza.

No topo, há grandes simplificações. Um líder consagrado só precisa ter certeza daquilo que é melhor fazer, ou, pelo menos, decidir por uma das possibilidades. São imensas as lealdades centradas no número um. Quando ele tropeça, tem que ser escorado. Quando comete erros, eles devem ser encobertos. Quando dorme, não deve ser injustificadamente perturbado. E quando não presta, deve ser abatido a pauladas. Mas este último e extremado processo não pode ser executado todos os dias e, certamente, não nos dias imediatamente subsequentes à escolha dele.

As mudanças fundamentais na direção da máquina de guerra foram mais reais do que aparentes. “Uma constituição”, disse Napoleão, “deve ser curta e obscura.” Os órgãos existentes permaneceram intactos. Nenhuma personalidade oficial foi trocada. O Gabinete de Guerra e o comitê dos chefes de estado-maior continuaram, a princípio, a se reunir todos os dias, como faziam antes. Ao me intitular ministro da Defesa, com a aprovação do rei, eu não fizera nenhuma modificação legal ou constitucional. Não pedira nenhum poder especial à Coroa ou ao Parlamento. Mas era entendido e aceito que eu deveria assumir a direção geral da guerra, sujeito ao apoio do Gabinete de Guerra e da Câmara dos Comuns. A principal mudança ocorrida quando assumi o governo foi, é claro, a supervisão e a direção dos chefes de estado-maior por um ministro da Defesa com poderes indefini­dos. Uma vez que esse ministro era também o primeiro-ministro, ele tinha todos os direitos inerentes a esse cargo, inclusive poderes muito amplos de seleção e demissão de todos os personagens militares e políticos. Assim, pela primeira vez, o comitê dos chefes de estado-maior assumiu seu lugar devido e apropriado, em contato direto e cotidiano com o chefe executivo do governo e, em concordância com ele, com pleno controle da conduta da guerra e das forças armadas.

A posição do primeiro Lord do almirantado e dos ministros da Guerra e da Aviação foi decisivamente afetada de fato, embora não de direito. Eles não eram membros do Gabinete de Guerra nem compareciam às reuniões do comitê dos chefes de estado-maior. Continuaram inteiramente responsáveis por seus ministérios, mas, rápida e quase imperceptivelmente, deixaram de ser responsáveis pela formulação de planos estratégicos e pela condução das operações no dia a dia. Estas eram decididas pelo comitê dos chefes de estado-maior, atuando diretamente sob o comando do ministro da Defesa e primeiro-ministro e, portanto, com a autorização do Gabinete de Guerra. Os três ministros das forças, amigos muito competentes e de minha confiança, que eu havia escolhido para essas funções, não faziam nenhuma cerimônia. Organizavam e administravam forças cada vez maiores e davam o máximo de sua ajuda, no estilo inglês fluente e prático. Tinham a mais completa informação, em virtude de sua participação no Comitê de Defesa, e acesso constante a mim. Seus subordinados de carreira, os chefes de estado-maior, discutiam tudo com eles e tratavam-nos com o máximo respeito. Mas havia uma direção integral da guerra, a que eles se submetiam fielmente. Nunca houve ocasião em que seus poderes tenham sido revogados ou questionados e qualquer um daquele círculo sempre podia dizer o que pensava. Mas a direção efetiva da guerra logo se instalou num número muito pequeno de mãos e o que antes parecera tão difícil tornou-se muito mais simples — exceto Hitler, é claro. Apesar da turbulência dos acontecimentos e dos muitos desastres que tivemos de suportar, a máquina funcionava quase automaticamente e vivíamos num fluxo de pensamentos coerentes, passíveis de se traduzir em ação executiva com grande rapidez.

Embora a terrível batalha estivesse então ocorrendo do outro lado da Mancha — e o leitor, sem dúvida, esteja impaciente por chegar lá — talvez seja conveniente, neste ponto, descrever o sistema e a mecânica da conduta de assuntos militares e outros que instaurei e pratiquei desde os meus pri­meiros dias no poder. No trâmite de assuntos oficiais, sou um fiel adepto da palavra escrita. Sem dúvida, examinado pela ótica da posteridade, muito do que se escreve hora após hora, sob o impacto dos acontecimentos, pode mostrar-se exagerado ou não se concretizar. Disponho-me a correr meus riscos nisso. É sempre melhor, exceto na hierarquia da disciplina militar, expressar opiniões e desejos do que dar ordens. Mesmo assim, as diretrizes escritas, provindo pessoalmente do chefe de governo legalmente constituído e ministro especialmente encarregado da defesa, tinham tamanha impor­tância que, embora não fossem expressas como ordens, frequentemente frutificavam na ação.

Para me certificar de que meu nome não seria utilizado levianamente, emiti o seguinte memorando durante a crise de julho:

Fique bem claramente entendido que todas as instruções de mim emanadas são expedidas por escrito, ou devem ser imediatamente confirmadas por escrito depois de formuladas, e que não aceitarei nenhuma responsabilidade por questões relativas à defesa nacional nas quais se alegue que tomei as decisões, a menos que elas estejam registradas por escrito.

Ao acordar, por volta das oito horas, eu lia todos os telegramas e, de minha cama, ditava um fluxo contínuo de memorandos e diretrizes para os ministérios e os chefes de estado-maior. Tudo era datilografado em regime de revezamento, à medida que ia sendo feito, e prontamente entregue ao general Ismay, subsecretário (militar) do Gabinete de Guerra e meu representante no comitê dos chefes de estado-maior. Ele vinha me ver todos os dias às primeiras horas da manhã. Assim, ele em geral tinha um bocado de material escrito para apresentar à reunião dos chefes de estado-maior quando este se reunia, às dez e meia. Eles davam toda a consideração a minhas opiniões, ao mesmo tempo que discutiam a situação geral. Assim, entre 15 horas e 17 horas, a menos que houvesse entre nós alguma dificuldade que exigisse novas consultas, estava pronta toda uma série de ordens e telegramas enviados por mim ou pelos chefes de estado-maior, de comum acordo entre nós, geralmente indicando todas as decisões imediatamente necessárias.

Numa guerra total, é realmente impossível traçar uma linha exata entre os problemas militares e não militares. O fato de não ter havido nenhum atrito desse tipo entre a chefia militar e a equipe do Gabinete de Guerra deveu-se, primordialmente, à personalidade de Sir Edward Bridges, secretário do Gabinete de Guerra. Não apenas esse filho de um ex-poeta laureado era um trabalhador extremamente competente e incansável, como era também homem de excepcional força, habilidade e encanto pessoal, sem o menor vestígio de ciúme em sua natureza. Tudo o que lhe importava era que a se­cretaria do Gabinete de Guerra no todo servisse da melhor maneira possível ao primeiro-ministro e ao próprio Gabinete. Nenhuma consideração por sua posição pessoal jamais lhe passou pela cabeça e nunca houve uma palavra ríspida entre os funcionários civis e militares da secretaria.

Nas questões de maior peso, ou quando havia divergências de opinião, eu convocava uma reunião do Comitê de Defesa do Gabinete de Guerra, que, a princípio, incluía Mr. Chamberlain, Mr. Attlee e os três ministros das forças armadas, com a presença dos chefes de estado-maior. Essas reuniões formais reduziram-se depois de 1941.2 À medida que a máquina começou a funcionar com mais regularidade, cheguei à conclusão de que as reuniões diárias do Gabinete de Guerra com os chefes de estado-maior já não eram necessárias. Assim, acabei instituindo o que ficou conhecido entre nós como o “desfile ministerial das segundas”. Toda segunda-feira, havia uma multidão considerável — todo o Gabinete de Guerra, os ministros das forças e o mi­nistro da Segurança Interna, o ministro das Finanças, os ministros para os Domínios e a Índia, o ministro da Informação, os chefes de estado-maior e o subsecretário permanente do Foreign Office. Nessas reuniões, cada chefe de estado-maior fazia, alternadamente, seu relato de tudo o que havia acon­tecido nos sete dias anteriores, e o ministro do Exterior os acompanhava com seu relato de qualquer acontecimento importante nos assuntos externos. Nos outros dias da semana, o Gabinete de Guerra reunia-se sozinho, e todos os assuntos importantes que exigissem decisões eram-lhe submetidos. Outros ministros, quando diretamente implicados nas questões a serem discutidas, compareciam para seus problemas específicos. Os membros do Gabinete de Guerra tinham o mais amplo conhecimento de todos os documentos que diziam respeito à guerra e liam todos os telegramas importantes enviados por mim. À medida que a confiança foi crescendo, o Gabinete de Guerra passou a intervir menos ativamente nas questões operacionais, embora as supervisionasse com toda a atenção e pleno conhecimento de causa. Seus membros tiraram de meus ombros quase todo o peso dos assuntos internos e partidários, assim me liberando para que eu me concentrasse no tema cen­tral. No tocante a todas as futuras operações de importância, eu sempre os consultava com antecedência. Embora eles considerassem cuidadosamente as questões envolvidas, frequentemente me pediam para não ser informados de todas as datas e pormenores e, a rigor, em várias ocasiões, interromperam-me quando eu estava prestes a fornecê-los.

Nunca pretendi dar corpo ao cargo de ministro da Defesa num depar­tamento. Isso exigiria legislação e todos os ajustes delicados que descrevi, a maioria dos quais se resolveu pela boa vontade pessoal, precisaria ter sido penosamente formulada num processo constitucional inoportuno. Existia e estava em atividade, porém, sob a direção pessoal do primeiro-ministro, a ala militar da secretaria do Gabinete de Guerra, que antes da guerra fora a secretaria do Comitê de Defesa Imperial. À sua testa o general Ismay, tendo o coronel Hollis e o coronel Jacob como seus assistentes principais, e um grupo especialmente selecionado de oficiais mais moços, provenientes das três forças. Essa secretaria virou o estado-maior do ministro da Defesa. Mi­nha dívida para com seus integrantes é imensa. O general Ismay, o coronel Hollis e o coronel Jacob subiram sistematicamente de posto e de conceito com o prosseguimento da guerra, e nenhum deles foi substituído. Numa esfera tão íntima e tão voltada para assuntos sigilosos, as substituições são prejudiciais à tramitação contínua e eficiente dos assuntos.

Depois de algumas trocas iniciais, preservou-se uma estabilidade quase idêntica no comitê dos chefes de estado-maior. No fim de seu mandato como chefe do Estado-Maior da RAF, em setembro de 1940, o marechal do ar Newell tornou-se governador-geral da Nova Zelândia e foi substituído pelo marechal do ar Portal, que era o astro reconhecido da força aérea. Portal continuou comigo durante toda a guerra. Sir John Dill, que havia sucedido ao general Ironside em maio de 1940, continuou como chefe do Estado-Maior Imperial — CIGS até me acompanhar a Washington em dezembro de 1941. Nessa ocasião, transformei-o em meu representante militar pessoal junto ao presidente americano e em chefe de nossa missão inglesa junto aos chefes de estado-maior americanos. Suas relações com o general Marshall, o chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA, tornaram-se um elo de valor inestimável em todas as nossas negociações, e quando ele morreu, em plena atividade, dois anos depois, foi-lhe concedida a honra singular de um lugar de repouso no cemitério de Arlington, o Walhalla até então reservado exclusivamente aos militares americanos. Ele foi substituído por Sir Alan Brooke, que ficou comigo até o fim.

A partir de 1941, durante quase quatro anos, a primeira parte dos quais passada em meio a muitos infortúnios e decepções, a única alteração feita nesse pequeno grupo, tanto entre os chefes de estado-maior quanto na equipe da Defesa, deveu-se à morte do almirante Pound em ação. É bem possível que isso constitua um recorde na história militar inglesa. Um grau semelhante de continuidade foi obtido pelo presidente Roosevelt em seu círculo. Os chefes de estado-maior americanos — general Marshall, almirante King e general Arnold, a quem se uniu posteriormente o almirante Leahy — começaram juntos quando os americanos entraram na guerra e nunca foram trocados. Uma vez que, não muito depois, ingleses e americanos formaram um comitê combinado de chefes de estado-maior,3 isso foi uma vantagem inestimável para todos. Nada semelhante se conhecera entre aliados, até então.

Não posso dizer que nunca tenhamos divergido entre nós, mesmo no plano interno inglês, mas cresceu entre mim e os chefes de estado-maior ingleses uma espécie de entendimento de que deveríamos convencer e per­suadir, em vez de tentar sobrepujar uns aos outros. Isso, é claro, foi ajudado pelo fato de que falávamos a mesma linguagem técnica e possuíamos um grande acervo comum de doutrina militar e experiência de guerra. Nesse cenário sempre mutável, movíamo-nos como se fôssemos um só, e o Gabi­nete de Guerra nos investia de uma liberdade de decisão cada vez maior e nos respaldava com incansável e indefectível constância. Não havia divisão, como na guerra anterior, entre políticos e soldados, entre os “casacas” e os “milicos” — termos odiosos que atrapalhavam a troca de opiniões. Tornamo-nos realmente muito próximos e formaram-se amizades a que, creio, se deu muito valor.

A eficiência de um governo de guerra depende, principalmente, de as decisões que emanam da mais alta autoridade constituída serem de fato obe­decidas com rigor, veracidade e pontualidade. Isso se conseguiu na Inglaterra, nessa época de crise, graças à intensa fidelidade, à compreensão e à firme determinação do Gabinete de Guerra em relação ao propósito essencial a que nos havíamos dedicado. Seguindo as instruções, navios, soldados e aviões se moviam, e as rodas das fábricas giravam. Através de todos esses processos, bem como da confiança, indulgência e lealdade com que eu era respaldado, logo consegui dar uma orientação integral a quase todos os aspectos da guerra. Isso era realmente necessário, pois os tempos foram extremamente ruins. O método foi aceito porque todos se aperceberam de quão próximas estavam a morte e a destruição. E não apenas a morte individual, que é experiência de todos, mas, o que era incomparavelmente mais decisivo, estavam em jogo a vida da Inglaterra, sua mensagem e sua glória.

Qualquer relato dos métodos de governo que se desenvolveram durante a coalizão nacional seria incompleto sem uma explicação da série de men­sagens pessoais que enviei ao presidente dos Estados Unidos e aos chefes de estado de outros países estrangeiros, bem como aos chefes de governo dos Domínios. Essa correspondência deve ser descrita. Depois de obter do Gabinete quaisquer decisões específicas exigidas no tocante à política, eu mesmo compunha e ditava esses documentos, baseado, na maioria dos casos, no fato de eles serem uma correspondência íntima e informal com amigos e companheiros de trabalho. Em geral, consegue-se expor melhor os próprios pensamentos com as próprias palavras. Apenas ocasionalmente eu lia os textos para o Gabinete de antemão. Conhecendo a opinião de seus membros, eu usava a fluência e a liberdade necessárias para a execução de meu trabalho. Naturalmente, estava em excelentes termos com o ministro do Exterior e com seu ministério, e alguma diferença de opinião era resolvida em conjunto. Eu fazia circular esses telegramas, por vezes depois de terem sido enviados, para os principais membros do Gabinete de Guerra e, nos casos que lhe diziam respeito, para o ministro dos Domínios. Antes de despachá-los, é claro, eu mandava verificar minhas afirmações e dados com os ministérios e quase todas as mensagens militares eram passadas, pelas mãos de Ismay, aos chefes de estado-maior. Essa correspondência em nada contrariava as comunicações oficiais ou o trabalho dos embaixadores. Mas se tornou, na verdade, o canal de muitas negociações vitais e, em minha condução da guerra, desempenhou um papel não menos importante, e às vezes até mais significativo, do que meus deveres como ministro da Defesa.

O círculo seletíssimo que tinha inteira liberdade de expressar sua opinião contentava-se, quase invariavelmente, com meus rascunhos, e me dava um grau crescente de confiança. As divergências com as autoridades americanas, por exemplo, insuperáveis no segundo escalão, eram amiúde resolvidas em poucas horas pelo contato direto no topo. Na verdade, com o correr do tempo, a eficácia dessa transação das negociações em alto nível tornou-se tão patente que tive de tomar cuidado para não permitir que ela se trans­formasse num veículo de assuntos ministeriais rotineiros. Repetidamente, tive que recusar pedidos de meus colegas para que eu me dirigisse pessoal­mente ao presidente acerca de importantes questões de detalhe. Se elas se introduzissem indevidamente na correspondência pessoal, logo destruiriam sua privacidade e, consequentemente, seu valor.

Aos poucos, minhas relações com o presidente tornaram-se tão íntimas que os assuntos principais entre nossos dois países eram praticamente con­duzidos através desse intercâmbio pessoal entre ele e eu. Assim cimentou-se nosso perfeito entendimento. Como chefe de estado e chefe de governo, Roosevelt falava e agia com autoridade em todas as esferas; e, levando comigo o Gabinete de Guerra, eu representava a Inglaterra com amplitude quase igual. Desse modo, obteve-se um grau muito elevado de harmonia, e tanto a economia de tempo quanto a redução do número de pessoas informadas foram de valor inestimável. Eu enviava meus telegramas à embaixada ame­ricana em Londres, que estava em contato direto com o presidente na Casa Branca, através de máquinas codificadoras especiais. A velocidade com que as respostas eram recebidas e com que se obtinham soluções era facilitada pela diferença de fuso horário. Qualquer mensagem que eu preparasse à tardinha, à noite ou até as duas horas da manhã chegava ao presidente antes que ele se deitasse e, muitas vezes, sua resposta voltava para mim quando eu acordava na manhã seguinte. Ao todo, enviei-lhe 950 mensagens e recebi em resposta cerca de oitocentas. Eu sentia estar em contato com um grande homem, que era também um amigo caloroso e o supremo defensor das elevadas causas a que servíamos.

Na segunda-feira, 13 de maio de 1940, pedi à Câmara dos Comuns, que fora especialmente convocada, um voto de confiança no novo governo. Depois de relatar os progressos obtidos no preenchimento dos vários cargos, declarei: “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas.” Em toda a nossa longa história, nenhum primeiro-ministro jamais conse­guira apresentar ao parlamento e à nação um programa ao mesmo tempo tão curto e tão popular. Encerrei dizendo:

Perguntam-me qual é nossa política. Eu vos digo: é combater no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com toda a força que Deus nos possa dar; combater uma tirania monstruosa, jamais superada no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos. Essa é nossa política.

Perguntam qual é o nosso objetivo? Posso responder com uma palavra: Vitória — vitória a qualquer custo, vitória a despeito de todo o terror; vitória, por mais longa e árdua que seja a estrada; sem a vitória, não há sobrevivência.

Que se reconheça isto: não há sobrevivência para o Império Britânico; não há sobrevivência para tudo quanto o Império Britânico tem representado; não há sobrevivência para o anseio e o impulso de todos os tempos de que a humanidade caminhe em direção à sua meta. Mas empreendo minha tarefa com ânimo e esperança. Tenho certeza de que nossa causa não será levada ao fracasso entre os homens. Neste momento, sinto-me no direito de pleitear a ajuda de todos e de dizer: vinde, avancemos juntos, com a união de nossas forças.

A essas questões simples a Câmara deu sua aprovação unânime e suspendeu os trabalhos até 21 de maio.

Foi assim, pois, que todos iniciamos nossa tarefa comum. Nunca um primeiro-ministro inglês recebeu dos colegas de Gabinete uma ajuda leal e constante como a que me foi concedida, durante os cinco anos seguintes, por esses homens de todos os partidos da nação. O parlamento, embora mantivesse a crítica livre e ativa, deu um respaldo contínuo e esmagador a todas as medidas propostas pelo governo, e a nação esteve unida e fervorosa como nunca. Muito bom que assim fosse, pois avançavam sobre nós eventos de ordem mais terrível do que qualquer um houvesse previsto.

1 Eisenhower, Crusade in Europe, p. 1.

2 O Comitê de Defesa reuniu-se quarenta vezes em 1940, 76 em 1941, vinte em 1942, 14 em 1943 e dez em 1944.

3 Combined Chiefs of Staff, americanos e ingleses, com sede em Washington. A junta formada só dos americanos chama-se Joint Chiefs of Staff. (N. T.)