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A marcha para o mar

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Podemos agora rever, até este ponto, o curso desta memorável batalha. Somente Hitler estava disposto a violar a neutralidade da Bélgica e da Ho­landa. A Bélgica recusava-se a chamar os aliados enquanto não fosse atacada. Portanto, a iniciativa militar estava com Hitler. Em 10 de maio, ele desferiu seu golpe. O I Grupo de Exércitos, com os ingleses no centro, em vez de ficar atrás de suas fortificações, saltou e penetrou na Bélgica, numa missão de resgate inútil, porquanto tardia, de acordo com o Plano D [ver páginas 289] do general Gamelin. Os franceses tinham deixado o setor em frente às Ardenas malfortificado e malguarnecido. Uma cunha de blindados em escala jamais vista na guerra rompeu o centro da linha dos exércitos franceses e, em 48 horas, ameaçou isolar todos os exércitos do norte tanto de suas comunicações com o sul, como do mar. No dia 14, no máximo, o Alto Comando francês deveria ter dado a esses exércitos ordens imperativas de fazer um recuo geral a toda a velocidade, aceitando não apenas os riscos mas também pesadas perdas de matériel. Essa questão não fora enfrentada em seu brutal realismo pelo general Gamelin. O comandante francês do Grupo de Exércitos do Norte, Billotte, fora incapaz de tomar por si mes­mo as decisões necessárias. Confusão reinou em todos os exércitos da ala esquerda ameaçada.

À medida que o poder superior do inimigo se fez sentir, eles recuaram. Quando a manobra de envolvimento contornou sua direita, eles formaram um flanco defensivo. Se tivessem recuado a partir do dia 14, poderiam ter chegado a sua antiga linha no dia 17 e teriam tido boa chance de abrir ca­minho. Pelo menos três dias fatais se perderam. De 17 de maio em diante, o Gabinete de Guerra inglês percebeu claramente que só abrir caminho para o sul poderia salvar o exército inglês. Estava decidido a insistir nessa visão com o governo francês e com o general Gamelin, mas seu próprio comandante, Lord Gort, ficou em dúvida se seria possível desengajar das frentes de combate e, mais ainda, abrir caminho ao mesmo tempo. No dia 19, o general Gamelin foi dispensado e Weygand passou a comandar em seu lugar. A “Instrução n° 12” de Gamelin, sua última ordem, embora tivesse sido emitida com cinco dias de atraso, era em princípio sensata e também se coadunava com as principais conclusões do Gabinete de Guerra e dos chefes de estado-maior ingleses. A alteração no Supremo Comando, ou a ausência dele, levou a mais três dias de atraso. O intrépido plano proposto pelo general Weygand após sua visita aos exércitos do norte nunca passou de um esquema no papel. Grosso modo, era o plano de Gamelin, tornado ainda mais irrealizável pela demora adicional.

No dilema atroz que então se apresentou, aceitamos o plano Weygand e fizemos esforços leais, persistentes, e agora provados ineficazes para execu­tá-lo até o dia 25, quando, cortadas todas as comunicações, repelido nosso débil contra-ataque, havendo-se perdido Arras, e com a frente belga sendo rompida e o rei Leopoldo prestes a capitular, todas as esperanças de escape para o sul desapareceram. Restava apenas o mar. Conseguiríamos alcançá-lo ou seríamos cercados e destroçados em campo aberto? Como quer que fosse, toda a artilharia e equipamento de nosso exército, insubstituíveis por muitos meses, teriam de ser abandonados. Mas, que era isso, comparado à salvação do exército, cujo núcleo e estrutura eram a única coisa em que a Inglaterra poderia alicerçar seus exércitos do futuro? Lord Gort, que a partir do dia 25 sentira que a evacuação pelo mar era nossa única chance, tratou de formar uma cabeça de praia em torno de Dunquerque e abrir caminho até ela com a força que lhe restasse. Toda a disciplina dos ingleses, bem como as qualidades de seus comandantes, entre eles Brooke, Alexander e Montgomery, seriam necessárias. Muitas outras coisas seriam necessárias. Tudo o que era humanamente possível fazer foi feito. Seria suficiente?

Convém agora examinarmos um episódio muito discutido. O general Halder, chefe do Estado-Maior alemão, declarou que, naquele momento, Hitler fez sua única intervenção pessoal, direta e efetiva na batalha. Segun­do essa autoridade, ele ficou “alarmado no tocante às formações blindadas, porque elas estavam em perigo considerável, numa região difícil, perpassada por canais, e sem conseguirem obter nenhum resultado vital”. Hitler achou que não poderia sacrificar formações blindadas inutilmente, já que elas eram essenciais para a segunda etapa da campanha. Ele acreditava, sem dúvida, que sua superioridade aérea seria suficiente para impedir uma evacuação em larga escala pelo mar. Assim, segundo Halder, enviou uma mensagem através de Brauchitsch, ordenando que “as formações blindadas parassem e que as patrulhas de vanguarda até recuassem”. Assim, disse Halder, o cami­nho para Dunquerque ficou desobstruído para o exército inglês. Seja como for, interceptamos uma mensagem alemã não cifrada, enviada às 11h42 de 24 de maio, determinando que o ataque à linha de Dunquerque fosse temporariamente suspenso. Halder afirmou ter-se recusado, em nome do Alto Comando do Exército — OKH, a interferir na movimentação do Grupo de Exércitos Rundstedt, que tinha ordens claras de impedir que o inimigo atingisse a costa. Quanto mais rápido e completo fosse o sucesso ali, afirmou ele, mais fácil seria reparar a perda de alguns tanques posteriormente.

A controvérsia encerrou-se com uma ordem definitiva de Hitler, à qual ele acrescentou que garantiria o cumprimento de sua ordem através do envio de seus oficiais de ligação ao front. Disse o general Halder: “Nunca consegui entender como Hitler concebeu a ideia de que as formações blin­dadas seriam inutilmente arriscadas. É muito provável que Keitel, que havia passado um tempo considerável em Flandres na Primeira Guerra Mundial, tenha originado essa ideia com suas histórias.”

Outros generais alemães contaram exatamente a mesma história e até insinuaram que a ordem de Hitler foi inspirada por motivação política, que seria a de melhorar as chances de paz com a Inglaterra depois que a França fosse derrotada. Mas agora vieram à luz provas documentais autênticas, sob a forma do próprio diário do QG de Rundstedt, escrito na ocasião. E ele conta uma história diferente. À meia-noite do dia 23, chegaram ordens de Brauchitsch, do OKH, confirmando que o IV Exército deveria prosseguir, sob o comando de Rundstedt, para “o último ato” da “batalha de cerco”. Na manhã seguinte, Hitler visitou Rundstedt, que o fez ver que sua divi­são blindada, que chegara tão longe e tão depressa, estava com sua força muito reduzida e precisava de uma pausa para se reorganizar e recuperar o equilíbrio, para o golpe final contra um inimigo que, no dizer de seu diário de comando, estava “lutando com extraordinária tenacidade”. Além disso, Rundstedt antevia a possibilidade de ataques pelo norte e pelo sul contra suas forças largamente dispersas — na verdade, tratava-se do plano Weygand, que, se tivesse sido viável, seria o contragolpe aliado óbvio. Hitler “concordou inteiramente”. Rundstedt também discorreu sobre a suprema necessidade de preservar as forças blindadas para outras operações. Entretanto, logo ao amanhecer do dia 25, uma nova instrução foi enviada por Brauchitsch, como comandante em chefe, ordenando a continuação do avanço dos blindados. Rundstedt, fortalecido pela concordância verbal de Hitler, não aceitou isso. Não transmitiu a ordem ao comandante do IV Exército, Kluge, que foi instruído a continuar poupando as divisões Panzer. Kluge protestou contra essa demora, mas Rundstedt só liberou os blindados no dia seguinte, 26 de maio, embora, ainda nessa ocasião, tenha ordenado que Dunquerque em si não fosse diretamente atacada. O diário registra que o IV Exército protestou contra essa restrição e que seu comandante em chefe telefonou no dia 27: “O quadro nos portos do Canal é o seguinte: grandes navios aproximam-se das imediações dos cais, as rampas são baixadas e os homens abarrotam os navios. Todo o material fica para trás. Mas não nos entusiasma a ideia de depararmos com esses homens posteriormente, novamente equipados, lutando contra nós.”

É verdade, portanto, que o avanço dos blindados foi interrompido; e isso por iniciativa, não de Hitler, mas de Rundstedt. Este, sem dúvida, ti­nha razões para sua visão da condição dos blindados e da batalha em geral, mas deveria ter obedecido às ordens formais do comando do exército, ou, pelo menos, dito a ele o que Hitler lhe dissera em conversa. Há entre os comandantes alemães uma concordância geral de que se perdeu uma grande oportunidade.

Mas houve outra causa que afetou a movimentação dos blindados ale­mães na hora decisiva.

Depois de chegarem ao litoral um pouco além de Abbeville, na noite de 20 de maio, as principais colunas blindadas e motorizadas alemãs ha­viam-se deslocado para o norte pela costa, em direção a Boulogne, Calais e Dunquerque, com a evidente intenção de barrar qualquer saída pelo mar. Essa região estava clara, em minha mente, desde a guerra anterior, quando eu mantivera a Brigada Móvel de Fuzileiros Navais operando a partir de Dunquerque contra os flancos e a retaguarda dos exércitos alemães que mar­chavam em direção a Paris. Assim, ninguém precisava informar-me sobre o sistema de inundações entre Calais e Dunquerque, ou sobre a importância da linha-d’água de Gravelines. As comportas já tinham sido abertas e, dia após dia, as inundações se espalhavam, dando proteção pelo sul à nossa linha de retirada. A defesa de Boulogne até o último minuto, porém mais ainda a de Calais, destacava-se daquele panorama confuso, e para lá foram imediatamente enviadas guarnições da Inglaterra. Boulogne, isolada e ata­cada em 22 de maio, foi defendida por dois batalhões dos Guardas Reais e uma de nossas poucas baterias antitanque, com alguma tropa francesa. Depois de 36 horas de resistência, veio a informação de que a posição era insustentável e consenti em que o restante da guarnição, incluindo os franceses, fosse retirada por mar. Os Guardas foram embarcados em oito contratorpedeiros na noite de 23-24 de maio, com uma perda de apenas duzentos homens. Os franceses continuaram a lutar na cidadela até a manhã do dia 25. Lamentei nossa evacuação.

Alguns dias antes, eu havia posto a defesa dos portos do Canal diretamen­te sob as ordens do CIGS, com quem me mantinha em contato permanente. Resolvi então que seria preciso lutar por Calais até a morte e que nenhuma retirada por mar seria permitida à guarnição, que consistia em um batalhão da Brigada de Fuzileiros, um do 60º Regimento de Fuzileiros, os Fuzileiros da rainha Victoria, a 229ª Bateria Antitanque da Real Artilharia e um batalhão do Real Regimento de Tanques, com 21 tanques ligeiros e 27 tanques mé­dios, além de um número igual de soldados franceses. Foi doloroso sacrificar dessa maneira aquelas tropas esplêndidas e treinadas, das quais tínhamos tão poucas, em nome do duvidoso benefício de ganhar dois ou, quem sabe, três dias, e mais o uso desconhecido que se poderia fazer deles. O ministro da Guerra e o CIGS concordaram com essa dura medida.

A decisão final de não resgatar a guarnição foi tomada na noite de 26 de maio. Até então, os contratorpedeiros tinham-se mantido a postos. Eden e Ironside estavam comigo no almirantado. Nós três terminamos de jantar e, às 21 horas, efetivamos a decisão. Ela envolvia o regimento do próprio Eden, em que ele servira por muito tempo e combatera na guerra anterior. Tem-se que comer e beber durante a guerra, mas não pude deixar de me sentir fi­sicamente mal quando, depois disso, ficamos sentados à mesa em silêncio.

Calais era o ponto crucial. Muitas outras causas poderiam ter impedido a retirada de Dunquerque, mas é certo que os três dias ganhos com a de­fesa de Calais permitiram que a linha-d’água de Gravelines fosse mantida, e é certo que, sem isso, a despeito das hesitações de Hitler e das ordens de Rundstedt, tudo teria sido isolado e perdido.

Abateu-se então sobre tudo isso uma catástrofe simplificadora. Os ale­mães, que até então não haviam pressionado severamente a frente belga, romperam a linha belga em 24 de maio, em ambos os lados de Courtrai, que fica a cerca de trinta milhas de Ostende e Dunquerque. O rei dos belgas logo considerou a situação desesperadora e se preparou para a capitulação.

Na noite de 25, Lord Gort tomou uma decisão vital. Suas ordens ainda eram de dar prosseguimento ao plano Weygand, fazendo um ataque ao sul em direção a Cambrai, no qual a 5ª e a 50ª divisões, juntamente com os franceses, deveriam ser empregadas. O prometido ataque francês, partin­do do Somme para o norte, não dava sinal de se materializar. Os últimos defensores de Boulogne tinham sido evacuados. Calais ainda resistia. Gort resolveu abandonar o plano Weygand. A seu ver, já não havia esperança de uma marcha para o sul e o Somme. Além disso, ao mesmo tempo, o des­moronamento da defesa belga e a brecha que se abria ao norte criavam um novo perigo, em si avassalador. Confiando em seu conhecimento militar e convencido da completa desaparição de todo o controle, quer dos governos inglês e francês, quer do supremo comando francês, Gort resolveu aban­donar o ataque ao sul, fechar a brecha que uma capitulação belga estava prestes a abrir no norte e marchar para o mar. Naquele momento, ali estava a única esperança de salvar alguma coisa da destruição ou da rendição. Às 18 horas, ele ordenou que a 5ª e a 50ª divisões se juntassem ao 2° Corpo inglês para fechar a iminente abertura belga. Comunicou sua decisão ao general Blanchard, que sucedera Billotte no comando do I Grupo de Exércitos, e esse oficial, reconhecendo a força dos acontecimentos, ordenou, às 23h30, um retraimento no dia 26 para uma linha atrás do canal de Lys, a oeste de Lille, com vistas a formar uma cabeça de praia ao redor de Dunquerque.

Na manhã de 26 de maio, Gort e Blanchard traçaram seu plano de retirada para a costa. Como o I Exército francês tinha uma distância maior a percorrer, as primeiras movimentações da BEF na noite de 26-27 deveriam ser preparatórias, e as retaguardas do 1° e do 2° Corpos ingleses continuaram nas defesas de fronteira até a noite de 27-28. Em tudo isso, Lord Gort agiu sob sua própria responsabilidade. Mas, a essa altura, nós, em casa, com um ângulo de informações um pouco diferente, já havíamos chegado às mesmas conclusões. No dia 26, um telegrama do Gabinete de Guerra aprovou a conduta de Gort e o autorizou a “operar imediatamente em direção ao litoral, em conjunto com os exércitos francês e belga”. A concentração de emergência de toda sorte de embarcações, em vasta escala, já ia a pleno vapor.

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Enquanto isso, prosseguia a organização das cabeças de praia em torno de Dunquerque. Os franceses deveriam manter a linha de Gravelines a Bergues, e os ingleses, dali, via Furnes, margeando o canal, até Nieuport e o mar. Os vários grupos e destacamentos de todas as armas, que chegavam de ambas as direções, eram acolhidos nessa linha. Confirmando as ordens do dia 26, Lord Gort recebeu do Gabinete de Guerra um telegrama, despachado às 13 horas do dia 27, dizendo-lhe que sua tarefa, a partir daquele momento, era “retirar a maior força possível”. Eu havia informado a M. Reynaud, na véspera, que a política seria evacuar a Força Expedicionária Britânica, e lhe pedira que emitisse ordens correspondentes. Tamanho era o colapso das comunicações que, às 14 horas do dia 27, o comandante do I Exército francês despachou uma ordem para sua unidade: “La bataille sera livrée sans esprit de recul sur la position de la Lys.

A essa altura, quatro divisões inglesas e todo o I Exército francês cor­riam o extremo perigo de ser cortados ao redor de Lille. Os dois braços do movimento de cerco alemão esforçavam-se por fechar a torquês em torno deles. Esse, porém, foi um daqueles raros mas decisivos momentos em que o transporte motorizado diz a que veio. Quando Gort emitiu a ordem, essas quatro divisões inteiras voltaram com surpreendente rapidez, quase numa noite. Entrementes, através de batalhas ferozes dos dois lados do corredor, o restante do exército inglês manteve aberto o caminho para o mar. As gar­ras da torquês, que foram retardadas pela 2ª Divisão e paralisadas por três dias pela 5ª Divisão, acabaram por se encontrar na noite de 29 de maio, de maneira semelhante à grande operação russa que seria feita em torno de Stalingrado em 1942. A armadilha levara dois dias e meio para se fechar e, nesse intervalo, as divisões inglesas e grande parte do I Exército francês, com exceção do 5° Corpo de Exército, que se perdeu, retiraram-se ordeiramente através da passagem, embora os franceses dispusessem apenas de transporte a cavalo e a estrada principal para Dunquerque já estivesse isolada, achando-se as estradas secundárias repletas de tropas em retirada, longos comboios de veículos de transporte e muitos milhares de refugiados.

A pergunta concernente à nossa capacidade de prosseguirmos sozinhos, que eu pedira a Mr. Chamberlain que examinasse com outros ministros dez dias antes, foi então formalmente feita aos nossos assessores militares. Redigi deliberadamente a referência de modo que os termos, embora oferecessem uma orientação, davam aos chefes de estado-maior liberdade de expressar sua opinião, qualquer que fosse. Eu sabia de antemão que eles estavam absolutamente decididos, mas é prudente dispor de registros escritos dessas decisões. Ademais, eu desejava poder assegurar ao parlamento que nossa resolução fora respaldada por opiniões profissionais. Aqui está, juntamente com sua resposta:

1. Revimos nosso relatório sobre a “Estratégia Inglesa numa Certa Eventualidade”, à luz dos seguintes termos de referência que nos foram remetidos pelo primeiro-ministro:

“Na eventualidade de a França ficar impossibilitada de prosseguir na guerra e se tornar neutra, com os alemães preservando sua posição atual e o exército belga sendo forçado a capitular, depois de auxiliar a Força Expedicionária Britânica a atingir o litoral; na eventualidade de se oferecerem à Inglaterra termos que a coloquem inteiramente à mercê da Alemanha, através do desarmamento, da cessão de bases navais nas ilhas Orkney etc.

Quais são as perspectivas de continuarmos na guerra sozinhos contra a Alemanha e, provavelmente, a Itália?

Podem a Marinha e a Força Aérea ter esperanças razoáveis de impedir uma invasão séria, e poderiam as forças concentradas nesta ilha enfrentar incursões por via aérea de destacamentos não superiores a dez mil homens, levando em conta que um prolongamento da resistência inglesa poderia ser muito perigoso para a Alemanha, empenhada em submeter firmemente a maior parte da Europa?”

2. Nossas conclusões estão contidas nos parágrafos que se seguem.

3. Enquanto existir nossa Força Aérea, a Marinha e Força Aérea, juntas, serão capazes de impedir que a Alemanha realize uma invasão séria deste país por mar.

4. Supondo-se que a Alemanha conquistasse uma completa superioridade aérea, consideramos que a Marinha poderia impedir uma invasão por um período, mas não por tempo indefinido.

5. Se, com nossa Marinha incapaz de impedi-la e nossa Força Aérea desapa­recida, a Alemanha tentasse uma invasão, nossas defesas costeiras e de praia não conseguiriam impedir tanques e infantaria alemães de se estabelecerem firmemente em nosso litoral. Nas circunstâncias acima consideradas, nossas forças terrestres seriam insuficientes para lidar com uma invasão séria.

6. O ponto crucial do problema é a superioridade aérea. Uma vez que a Alemanha a tenha atingido, poderá tentar subjugar este país exclusivamente por ataques aéreos.

7. A Alemanha não teria como conquistar uma completa superioridade aérea, a menos que pudesse pôr fora de combate nossa força aérea e a in­dústria de aviação, partes vitais da qual estão concentradas em Coventry e Birmingham.

8. Ataques aéreos às fábricas de aviões seriam realizados de dia ou de noite. Consideramos que seríamos capazes de infligir baixas suficientes ao inimigo durante o dia para impedir prejuízos graves. O que quer que façamos, todavia, à guisa de medidas defensivas — e elas continuam sendo vigorosamente providenciadas com toda a urgência — não podemos ter certeza de proteger os grandes centros industriais, dos quais dependem nossas indústrias de aviação, de graves prejuízos materiais causados por ataques noturnos. O inimigo não teria que empregar bombardeios de precisão para obter esse efeito.

9. O sucesso dos ataques na eliminação da indústria aeronáutica depende não só dos danos materiais provocados pelas bombas, mas de seu efeito moral sobre os trabalhadores e da determinação destes de prosseguir, a despeito dos estragos e da destruição em grande escala.

10. Portanto, se o inimigo tiver êxito em ataques noturnos à nossa in­dústria aeronáutica, é provável que consiga suficientes danos materiais e morais na área industrial em questão para impor uma paralisação de todo o trabalho.

11. Convém lembrar que, numericamente, os alemães têm uma superiori­dade de quatro para um. Além disso, as fábricas de aviões alemãs são bem dispersas e relativamente inacessíveis.

12. Por outro lado, enquanto tivermos uma força de bombardeiros de contra-ataque, poderemos desferir ataques semelhantes contra os centros industriais alemães e, através do efeito moral e material, levar parte deles a uma paralisação.

13. Em resumo, nossa conclusão é que, prima facie, a Alemanha detém as melhores cartas; mas o verdadeiro teste está em saber se o moral de nossos combatentes e da população civil poderá contrabalançar as vantagens nu­méricas e materiais de que a Alemanha desfruta. Acreditamos que sim.

Esse relatório, que foi escrito, é claro, no momento mais sombrio que ante­cedeu à evacuação de Dunquerque, foi assinado não apenas pelos três chefes de estado-maior, Newall, Pound e Ironside, mas também pelos subchefes, Dill, Phillips e Peirse. Lendo-o passados esses anos, devo admitir que ele era grave e desolador. Mas o Gabinete de Guerra e os poucos outros ministros que o viram tiveram todos a mesma opinião. Não houve discussão. Estáva­mos juntos, de corpo e alma.

Em casa, emiti a seguinte admonição:

(Estritamente confidencial)                                                        28.v.40

Nestes dias sombrios, o primeiro-ministro agradeceria que todos os seus colegas do governo, bem como os funcionários importantes, mantives­sem o moral elevado em seus círculos; não minimizando a gravidade dos acontecimentos, mas demonstrando confiança em nossa capacidade e em nossa determinação inflexível de continuar na guerra, até dobrarmos a vontade do inimigo de pôr toda a Europa sob seu domínio.

Nenhuma tolerância deve ser exibida com a ideia de que a França firmará uma paz em separado; mas, aconteça o que acontecer no cntinente, não há que duvidar de nosso dever e certamente usaremos todo o nosso poder para defender a Ilha, o Império e nossa Causa.

Nas primeiras horas do dia 28, o exército belga rendeu-se. Lord Gort só recebeu a notificação formal disso uma hora antes do acontecimento, mas o colapso fora previsto três dias antes e, de um modo ou de outro, a brecha fora fechada. Durante todo esse dia, o escape do exército inglês ficou oscilando na balança. No front de Comines até pres e dali até o mar, voltados para o leste e tentando fechar a brecha belga, o general Brooke e seu 2° Corpo de Exército travaram uma batalha magnífica, mas, à medida que os belgas recuaram para o norte e depois capitularam, o vazio se ampliou de maneira irremediável. Foi impossível impedir o avanço alemão entre o exército inglês e o belga, mas sua consequência fatal — uma guinada para o interior de nossas posições, atravessando o Yser, que teria colocado o inimigo nas praias atrás de nossas tropas de combate — fora prevista e foi interceptada em todos os pontos.

Os alemães foram repelidos com muito sangue. Durante todo o tempo, apenas cerca de quatro milhas atrás da linha de combate de Brooke, vastas massas de veículos de transporte e de soldados voltaram aos borbotões para a cabeça de praia que se desenvolvia em Dunquerque e foram encaixados com hábil improvisação em suas defesas. No dia 29, grande parte da BEF havia chegado ao interior do perímetro e, a essa altura, as providências navais para a evacuação estavam começando a surtir pleno efeito. Em 30 de maio, o GQG informou que todas as divisões inglesas, ou o que restara delas, haviam chegado.

Mais de metade do I Exército francês chegou a Dunquerque, onde a grande maioria foi embarcada em segurança. Mas a linha de retirada de pelo menos cinco divisões foi cortada pelo movimento de torquês dos alemães a oeste de Lille. Os franceses de Lille combateram em fronts que se contraíam aos poucos, sob crescente pressão, até que, na noite de 31 de maio, sem alimentos e com a munição esgotada, foram obrigados a se render. Assim, cerca de cinquenta mil homens caíram nas mãos dos alemães. Esses franceses, sob a intrépida liderança do general Molinié, haviam detido, durante quatro dias cruciais, nada menos de sete divisões alemãs, que, de outro modo, poderiam ter-se juntado às investidas contra o perímetro de Dunquerque. Foi uma esplêndida contribuição para a fuga de seus companheiros mais afortunados e da BEF.

Foi para mim uma dura experiência, arcando com uma responsabilidade geral tão pesada, assistir durante aqueles dias, em rápidos vislumbres, a esse drama em que o controle era impossível e a intervenção propensa a mais fazer mal que bem. Não há dúvida de que, insistindo com toda a lealdade no plano Weygand de retirada para o Somme por tanto tempo quanto o fizemos, nossos perigos, já muito graves, foram aumentados. Mas a decisão de Gort de abandonar o plano Weygand e marchar para o mar, com a qual concordamos rapidamente, foi executada por ele e sua equipe com habili­dade magistral, e será sempre considerada um episódio brilhante nos anais militares da Inglaterra.