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O almirante Darlan e a esquadra francesa: Oran

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Após o colapso da França, a pergunta que surgia na mente de todos os nossos amigos e inimigos era: “A Inglaterra também se renderá?” Pela impor­tância que pudessem ter as declarações públicas diante dos acontecimentos, eu havia declarado repetidamente, em nome do governo de Sua Majestade, nossa determinação de prosseguir na luta sozinhos. Depois de Dunquerque, no dia 4 de junho, eu havia usado a expressão “se necessário, por anos, se necessário, sozinhos”. Ela não fora inserida sem intenção e, no dia seguinte, o embaixador francês em Londres tinha sido instruído a perguntar o que eu realmente pretendera dizer. E obtivera a resposta: “Exatamente o que dis­se.” Tive a oportunidade de relembrar esse meu comentário à Câmara ao me dirigir a ela em 18 de junho, no dia seguinte ao colapso de Bordeaux. Nesse momento, dei “algumas indicações dos sólidos fundamentos práticos em que baseávamos nossa inflexível determinação de continuar a guerra”. Pude assegurar ao parlamento que nossos assessores profissionais das três forças armadas estavam confiantes em que havia boas e sensatas esperanças de uma vitória final. Informei aos membros ter recebido mensagens dos quatro primeiros-ministros dos Domínios, nas quais eles endossavam nossa decisão de prosseguir a luta e se declaravam prontos a compartilhar nosso destino. “Ao fazer este terrível balanço e contemplar nossos perigos com um olhar isento de ilusões, vejo grandes motivos para vigilância e empenho, mas absolutamente nenhuma razão para pânico ou temor.” E acrescentei:

Durante os primeiros quatro anos da última guerra, os aliados não co­nheceram nada além de desgraças e decepção. (...) Fazíamo-nos repetida­mente a pergunta: “Como vamos vencer?” — e ninguém jamais conseguia responder a ela com muita precisão, até que, no fim, de modo inteiramente súbito, inteiramente inesperado, nosso terrível inimigo desmoronou diante de nós, e ficamos tão satisfeitos com a vitória que, em nossa insensatez, jogamo-la fora.

E concluí:

O que o general Weygand chamou Batalha da França está encerrado. Creio que a Batalha da Inglaterra está para começar. Dessa batalha depende a so­brevivência da civilização cristã. Dela dependem nossa própria vida inglesa e a longa continuidade de nossas instituições e nosso Império. Toda a fúria e poderio do inimigo deverão, muito em breve, voltar-se contra nós. Hitler sabe que terá de dobrar-nos nesta ilha ou perderá a guerra. Se soubermos enfrentá-lo, toda a Europa poderá ficar livre e a vida do mundo poderá galgar amplas e ensolaradas alturas. Mas, se falharmos, o mundo inteiro, inclusive os Estados Unidos, inclusive tudo o que conhecemos e que nos tem sido caro, mergulhará no abismo de uma nova Idade da Treva, tornada mais sinistra e, talvez, mais prolongada pelos conhecimentos de uma ciência pervertida. Assim, atenhamo-nos a nossos deveres e portemo-nos de tal modo que, se o Império Britânico e sua Commonwealth durarem mil anos, os homens ainda possam dizer: “Aquele foi seu melhor momento.”

Todas essas palavras, frequentemente citadas, foram confirmadas na hora da vitória. Mas, naquele momento, eram apenas palavras. Os estrangeiros, que não compreendem o temperamento da raça inglesa por todo o globo quando seu sangue ferve, talvez supusessem que era apenas uma fachada de intrepidez, montada como bom prelúdio para negociações de paz. A necessidade de Hitler de encerrar a guerra no Ocidente era óbvia. Ele estava em condições de oferecer os termos mais tentadores. Para quem, como eu, havia estudado seus movimentos, não parecia impossível que ele consen­tisse em deixar intactos a Inglaterra, seu Império e sua Esquadra, firmando um tratado de paz que lhe garantisse, no Leste, a carta branca sobre a qual Ribbentrop falara comigo em 1937, e que era seu mais ardoroso desejo. Até então, não lhe havíamos causado grande prejuízo. Na verdade, só fizéramos acrescentar nossa própria derrota ao seu triunfo sobre a França. Acaso era de estranhar que os calculistas astutos de muitos países, desconhecedores que eram, em sua maioria, dos problemas de uma invasão ultramarina e da qualidade de nossa força aérea, e que viviam sob a desconcertante impressão do poderio e do terror alemães, não ficassem convencidos? Não era qualquer governo, instaurado quer pela Democracia, quer pelo Despotismo, nem qualquer nação, quando inteiramente só e aparentemente abandonada, que cortejaria os horrores da invasão e desdenharia de uma boa oportunidade de paz, para a qual muitas desculpas plausíveis poderiam ser apresentadas. A retórica não era garantia. Outro governo poderia surgir. “Os fomentadores da guerra tiveram sua oportunidade e fracassaram.” A América se mantivera alheia. Ninguém tinha nenhum compromisso com a Rússia soviética. Por que não haveria a Inglaterra de se juntar aos espectadores que, no Japão e nos EUA, na Suécia e na Espanha, podiam observar com interesse imparcial, ou até saborear uma luta mutuamente destrutiva entre os impérios nazista e comunista? As gerações futuras hão de ter dificuldade em acreditar que as questões que aqui resumi nunca foram julgadas dignas de espaço na agenda do Gabinete, nem foram sequer mencionadas em nossos conclaves mais secretos. As dúvidas só podem ser afastadas por atos. E os atos estavam por vir.

Nos últimos dias de Bordeaux, o almirante Darlan tornou-se muito importante. Meus contatos com ele tinham sido poucos e formais. Eu o respeitava pelo trabalho que fizera na recriação da marinha francesa, que, após dez anos de seu controle profissional, estava mais eficiente do que em qualquer época desde a Revolução Francesa. Quando, em dezembro de 1939, ele fizera uma visita à Inglaterra, fora-lhe oferecido um jantar oficial no almirantado. Em resposta ao brinde, ele começara por nos lembrar que seu bisavô tinha sido morto na Batalha de Trafalgar. Assim, eu o encarava como um daqueles bons franceses que detestavam a Inglaterra. As discussões navais anglo-francesas de janeiro também haviam mostrado quão zeloso era o almirante de sua posição militar, em relação a quem quer que fosse o ministro político da marinha. Isso se transformara numa verdadeira obsessão e, segundo creio, desempenhou um papel decisivo em seus atos.

No mais, Darlan estivera presente à maioria das conferências que des­crevi e, ao se aproximar o fim da resistência dos exércitos franceses, havia-me assegurado repetidamente que, houvesse o que houvesse, a esquadra francesa jamais cairia nas mãos dos alemães. E então, em Bordeaux, veio o momento fatídico na carreira daquele almirante ambicioso, interesseiro e competente. Sua autoridade sobre a esquadra era praticamente absoluta. Bastava-lhe mandar os navios para portos ingleses, americanos ou das colô­nias francesas — alguns já haviam zarpado — para ser obedecido. Na manhã de 17 de junho, depois da queda do gabinete de M. Reynaud, ele declarou ao general Georges que estava decidido a expedir essa ordem. No dia se­guinte, Georges encontrou-se com ele à tarde e lhe perguntou o que havia acontecido. Darlan retrucou que havia mudado de ideia. Indagado sobre o porquê disso, simplesmente respondeu: “Agora, sou ministro da marinha.” Isso não significava que houvesse mudado de ideia para se tornar ministro da marinha, mas sim que, sendo ministro da marinha, tinha um ponto de vista diferente.

Como são fúteis as maquinações humanas em proveito próprio! Raras vezes houve exemplo mais convincente disso. Bastava a Darlan zarpar em qualquer de seus navios, rumo a qualquer porto fora da França, para se tornar senhor de todos os interesses franceses fora do controle alemão. Ele não teria chegado, como o general de Gaulle, apenas com um coração indo­mável e um punhado de espíritos solidários. Teria levado consigo, para fora do alcance alemão, a quarta marinha do mundo, cujos oficiais e praças lhe eram pessoalmente dedicados. Agindo desse modo, Darlan ter-se-ia tornado o líder da Resistência Francesa, com uma arma poderosa nas mãos. Os esta­leiros e arsenais ingleses e americanos teriam estado à sua disposição para a manutenção de sua esquadra. A reserva de ouro francesa nos Estados Unidos ter-lhe-ia assegurado amplos recursos, tão logo ele fosse reconhecido. Todo o Império Francês teria cerrado fileiras com ele. Nada poderia impedi-lo de ser o Libertador da França. A fama e o poder que ele tão ardorosamente desejara estavam a seu alcance. Em vez disso, ele atravessou dois anos de um mandato preocupante e ignominioso, até chegar a uma morte violenta, uma sepultura desonrada e um nome a ser execrado por muito tempo pela marinha francesa e pela nação a que, até então, ele tão bem servira.

Há um último aspecto a ser assinalado neste ponto. Numa carta que me escreveu em 4 de dezembro de 1942, apenas três semanas antes de ser assassinado, Darlan afirmou com veemência haver mantido sua palavra. Essa carta defendia sua posição e foi publicada por mim em outro texto.1 Não há dúvida de que nenhum navio francês jamais foi tripulado pelos alemães ou por eles usado na guerra contra nós. Mas isso não se deveu inteiramente às providências do almirante Darlan, embora ele decerto houvesse incutido na mente dos oficiais e praças da marinha francesa a ideia de que, custasse o que custasse, seus navios deveriam ser destruídos antes de serem capturados pelos alemães, a quem Darlan detestava tanto quanto aos ingleses.

Mas, em junho de 1940, o acréscimo da armada francesa às esquadras alemã e italiana, com a incomensurável ameaça do Japão pairando no ho­rizonte, confrontava a Inglaterra com perigos mortais e afetava seriamente a segurança dos EUA. O Artigo 8° do Armistício afirmava que a esquadra francesa, exceto pela parte liberada para a salvaguarda dos interesses coloniais franceses, “será recolhida a portos a serem especificados e ali desmobilizada e desarmada, sob controle alemão ou italiano”. Portanto, estava claro que as belonaves francesas passariam para esse controle ainda plenamente armadas. É verdade que, no mesmo artigo, o governo alemão declarava solenemente não ter intenção de usá-las para seus próprios fins durante a guerra. Mas quem, em sã consciência, confiaria na palavra de Hitler, depois de seu histórico vergonhoso e nas realidades do momento? Além disso, o artigo excetuava dessa garantia “as unidades necessárias à vigilância costeira e à instalação de minas”. A interpretação disso estava a cargo dos alemães. Por último, o Armistício poderia ser anulado a qualquer momento, a pretexto de qualquer descumprimento de suas cláusulas. Na verdade, não havia nenhuma segurança para nós. A todo custo e com todos os riscos, de um modo ou de outro, tínhamos de nos certificar de que a marinha da França não caísse em mãos erradas, assim trazendo a ruína, talvez, para nós e para outros.

O Gabinete de Guerra não teve um só momento de hesitação. Os mi­nistros que, na semana anterior, haviam-se solidarizado de todo o coração com a França, e oferecido a ela uma nacionalidade comum, resolveram que era preciso tomar todas as providências necessárias. Foi uma decisão odiosa, a mais antinatural e dolorosa em que jamais estive implicado. Ela me fez lembrar o episódio da tomada da esquadra dinamarquesa pela Royal Navy inglesa em Copenhague, em 1807; mas, no caso atual, os franceses tinham sido, até a véspera, nossos diletos aliados, e nossa solidariedade para com o sofrimento da França era sincera. Por outro lado, a vida da nação e a salva­ção de nossa causa estavam em jogo. Era uma tragédia grega. Mas nenhum ato jamais fora tão necessário para a vida da Inglaterra e tudo o que dela dependia. Pensei em Danton em 1793: “Os reis em coalizão nos ameaçam, e aos seus pés atiramos, como penhor de batalha, a cabeça de um rei.” O episódio todo transcorreu dentro dessa linha de ideias.

A marinha francesa estava situada da seguinte maneira: dois encoura­çados, quatro cruzadores ligeiros (ou contre-torpilleurs), alguns submarinos, inclusive um que era enorme, o Surcouf, oito destróieres e cerca de duzentas embarcações menores, mas valiosas, de varredura de minas e antissubmarinas, achavam-se, em sua maioria, em Portsmouth e Plymouth. Estes estavam em nosso poder. Em Alexandria, havia um encouraçado francês, quatro cruzadores franceses, sendo três deles modernos e com canhões de oito pole­gadas, e alguns navios de menor porte. Estes estavam cobertos por um forte esquadrão inglês de batalha. Em Oran, na outra ponta do Mediterrâneo, e em seu porto militar adjacente de Mers-el-Kebir, encontravam-se dois dos melhores navios da esquadra francesa, o Dunkerque e o Strasbourg, modernos cruzadores pesados muito superiores ao Scharnhorst e ao Gneisenau, e que tinham sido expressamente construídos para superá-los. Esses navios, em mãos alemãs e singrando nossas rotas comerciais, seriam muito desagradá­veis. Com eles estavam dois encouraçados, vários cruzadores ligeiros e ainda alguns contratorpedeiros, submarinos e outras embarcações francesas. Na Argélia havia sete cruzadores, dos quais quatro tinham armamento de oito polegadas, e na Martinica estavam um porta-aviões e dois cruzadores ligeiros. Em Casablanca achava-se o Jean Bart, recém-chegado de St. Nazaire, mas sem seus canhões. Esse era um dos principais navios no cálculo do poderio naval mundial. Estava inacabado e não poderia ser concluído em Casablan­ca. Não devia ir para outro lugar. O Richelieu, muito mais próximo de sua conclusão, havia chegado a Dakar. Estava apto a navegar e seus canhões de 15 polegadas podiam abrir fogo. Havia muitos outros navios franceses de me­nor importância em vários portos. Por fim, em Toulon, algumas belonaves estavam fora do nosso alcance. A Operação Catapulta compreendia a to­mada e controle simultâneos ou a inutilização efetiva ou destruição de toda a esquadra francesa que estivesse acessível.

Nas primeiras horas da manhã de 3 de julho, todos os navios franceses em Portsmouth e Plymouth foram postos sob controle inglês. A ação foi súbita e constituiu, necessariamente, uma surpresa. Empregou-se uma força esmagadora, e a transação toda mostrou com que facilidade os alemães pode­riam ter-se apossado de qualquer belonave francesa ancorada em portos que eles controlassem. Na Inglaterra, a transferência de comando, com exceção do Surcouf, foi amigável, e as tripulações desembarcaram de bom grado. No Surcouf, dois bravos oficiais e um marinheiro ingleses foram mortos,2 enquanto outro marinheiro ficou ferido. Um marinheiro francês também foi morto, mas muitas centenas uniram-se voluntariamente a nós. O Surcouf, depois de prestar destacados serviços, foi destruído em 19 de fevereiro de 1942, com toda a sua valente tripulação francesa.

O golpe mortal ocorreu no Mediterrâneo ocidental. Ali, em Gibraltar, o vice-almirante Somerville, com a “Força H”, composta do cruzador pesado Hood, dos encouraçados Valiante Resolution, do porta-aviões Ark Royale de dois cruzadores e 11 contratorpedeiros, recebeu ordens expedidas pelo almirantado às 2h25 de 1° de julho: “Preparar para Catapulta 3 de julho.”

Entre os oficiais de Somerville estava o comandante Holland, um bravo e destacado oficial que, pouco antes, fora adido naval em Paris, mostrava grande simpatia pelos franceses e era um homem influente. No início da tarde de 1° de julho, o vice-almirante telegrafou:

Após conversa com Holland e outros, vice-almirante “Força H” sensi­bilizado pela visão deles de que uso da força deve ser evitado a qualquer preço. Holland considera que ação ofensiva por nossa parte alienaria todos os franceses, onde quer que estejam.

A isso, o almirantado respondeu às 18h20:

Firme intenção governo Sua Majestade que, se franceses não aceitarem nenhuma de suas alternativas, devem ser destruídos.

Pouco depois da meia-noite (1h08 de 2 de junho), enviou-se ao almirante Somerville um comunicado cuidadosamente elaborado, a ser transmitido ao almirante francês. Seu trecho crucial era o seguinte:

(a) Siga conosco e continue a lutar pela vitória contra os alemães e os italianos.

(b) Siga com tripulações reduzidas, sob nosso controle, para um porto inglês. As tripulações reduzidas serão repatriadas na primeira oportuni­dade.

Se uma dessas alternativas for adotada, devolveremos vossos navios à França ao término da guerra, ou pagaremos uma indenização total se eles forem avariados até lá.

(c) Como alternativa, se o senhor se sentir na obrigação de garantir que seus navios não sejam usados contra os alemães ou os italianos, a menos que eles rompam o Armistício, leve-os conosco, com tripulações reduzidas, para algum porto francês nas Índias Ocidentais — Martinica, por exemplo — onde eles possam ser satisfatoriamente desmilitarizados, ou talvez confia­dos aos Estados Unidos, e permanecer em segurança até o fim da guerra, sendo as tripulações repatriadas.

Caso o senhor recuse estas ofertas legítimas, terei, com profundo pesar, de lhe pedir que afunde seus navios no prazo de seis horas. Finalmente, não ocorrendo o acima exposto, tenho ordens do governo de Sua Majestade para usar qualquer força necessária para impedir que seus navios caiam nas mãos dos alemães ou dos italianos.

O almirante zarpou ao amanhecer e, por volta das nove e meia, estava perto de Oran. Enviou o próprio comandante Holland num destróier para falar com o almirante francês, Gensoul. Depois de ser-lhe recusada uma entrevista, Holland remeteu por mensageiros o já citado documento. O almirante Gensoul respondeu por escrito, dizendo que de maneira alguma permitiria que as belonaves francesas caíssem intactas nas mãos dos alemães e italianos, e que a força seria enfrentada pela força.

Durante todo o dia, as negociações continuaram. Às 16h15, o coman­dante Holland finalmente obteve permissão de subir a bordo do Dunkerque, mas o encontro que se seguiu com o almirante francês foi frio. Entrementes, o almirante Gensoul havia remetido duas mensagens ao almirantado francês e, às 15 horas, o conselho de ministros da França havia-se reunido para examinar as condições inglesas. O general Weygand esteve presente a essa reunião, e o que dela transpirou está hoje registrado por seu biógrafo. Por esse registro, parece que a terceira alternativa, isto é, o deslocamento da esquadra francesa para as Índias Ocidentais, nunca foi mencionada. Afirma ele: “... Pareceria que o almirante Darlan, deliberadamente ou não, tendo ou não conhecimento deles, não sei, na verdade não nos informou de todos os detalhes da questão na ocasião. Parece, agora, que os termos do ultimato inglês eram menos duros do que fomos levados a crer e sugeriam uma ter­ceira alternativa muito mais aceitável, a saber, a partida da esquadra para as águas das Índias Ocidentais.”3 Nunca, até hoje [1950], se teve explicação para essa omissão, se é que foi uma omissão.

A aflição do almirante inglês e de seus principais oficiais era-nos evidente, pelos sinais que tinham transmitido. Nada, a não ser as ordens mais diretas, iria obrigá-los a abrir fogo contra aqueles que, até tão pouco tempo antes, tinham sido seus camaradas. Também no almirantado havia uma evidente emoção. Mas não houve nenhum enfraquecimento da decisão do Gabinete de Guerra. Passei a tarde inteira na sala do Gabinete, em contato frequente com meus principais colegas e com o primeiro Lord do almirantado e com o primeiro Lord do Mar. Uma última transmissão foi despachada às 18h26:

Navios franceses devem cumprir nossas condições ou se afundar ou ser afundados por vocês antes do escurecer.

Mas o combate já havia começado. Às 17h45, o almirante Somerville abrira fogo contra essa poderosa esquadra francesa, que também era protegida por suas baterias de terra. Às 18 horas, ele comunicou que estava em combate cer­rado. O bombardeio durou cerca de dez minutos. O encouraçado Bretagne explodiu. O Dunkerque encalhou. O encouraçado Provence foi abicado na praia. O Strasbourg escapou e, apesar de atacado por aviões lança-torpedo do Ark Royal, chegou a Toulon, como também fizeram os cruzadores vindos da Argélia.

Em Alexandria, após negociações prolongadas com o almirante Cunningham, o almirante francês Godefroy concordou em descarregar o com­bustível dos navios, retirar peças importantes de seus mecanismos de tiro e repatriar algumas de suas tripulações. Em Dakar, em 8 de julho, um ataque foi desferido contra o encouraçado Richelieu pelo porta-aviões Hermes e, com muita bravura, por uma lancha. O porta-aviões francês e dois cruzadores ligeiros que estavam nas Índias Ocidentais francesas foram imobilizados, após extensas discussões, mediante um acordo com os Estados Unidos.

Em 4 de julho, submeti um extenso relatório à Câmara dos Comuns sobre o que havíamos feito. Embora o cruzador pesado Strasbourg houves­se escapado de Oran e a efetiva inutilização do Richelieu não tivesse sido comunicada até então, as providências tomadas por nós haviam excluído a marinha francesa dos grandes projetos alemães. Discursei por uma hora ou mais naquela tarde e fiz um relato pormenorizado de todos esses acon­tecimentos terríveis, tal como os conhecia. Nada tenho a acrescentar ao relato que fiz então ao parlamento e ao mundo. Julguei apropriado, para dar às coisas a devida proporção, encerrar com uma nota que colocasse esse lamentável episódio em sua verdadeira relação com a situação de apuro em que nos encontrávamos. Assim, li perante a Câmara a advertência que, com a aprovação do Gabinete, eu mandara circular na véspera nos escalões internos da máquina governamental:

No que pode ser a véspera de uma tentativa de invasão ou de uma batalha por nossa terra natal, o primeiro-ministro deseja sensibilizar todos os que ocupam cargos de responsabilidade, no governo, nas forças armadas ou nos departamentos civis, para seu dever de manter um espírito de alerta e uma energia confiante.

Embora devam ser tomadas todas as precauções permitidas pelo tempo e pelos meios, não há razão para supor que mais soldados alemães possam ser desembarcados neste país, por ar ou por mar, do que o número passível de ser destruído ou capturado pelas vigorosas forças atualmente em armas. A RAF está em excelentes condições e com o máximo poderio atingido até hoje. A marinha alemã nunca esteve tão fraca, nem o exército inglês no país jamais esteve tão forte quanto agora.

O primeiro-ministro espera que todos os servidores de Sua Majestade em posições elevadas deem um exemplo de equilíbrio e determinação. Devem reprimir e repreender a expressão de opiniões equivocadas e maldigeridas em seus círculos, ou por parte de seus subordinados. Não devem hesitar em denunciar ou, se necessário, afastar qualquer pessoa, seja ofi­cial ou funcionário, que comprove estar conscientemente exercendo uma influência perturbadora ou deprimente, e cujo discurso espalhe o medo e o desânimo.

Somente assim, serão dignos dos combatentes que, no ar, no mar e em terra, sempre enfrentaram o inimigo sem a menor ideia de serem sobrepujados em suas qualidades marciais.

A Câmara permaneceu muito silenciosa durante a leitura, mas, ao fim dela, ocorreu uma cena única em minha experiência pessoal. Todos pareceram manter-se erguidos por todos os lados, ovacionando, durante o que me pa­receu um longo tempo. Até esse momento, o Partido Conservador havia-me tratado com certa reserva, e era da bancada trabalhista que eu costumava receber a acolhida mais calorosa na Câmara, ou quando me levantava em ocasiões graves. Nessa ocasião, porém, todos se uniram num solene acordo estentóreo.

A eliminação da marinha francesa como um fator de peso, quase que de um só golpe, mediante uma ação violenta, causou profunda impressão em todos os países. Ali estava a Inglaterra, que tantos haviam considerado liquidada, que os estranhos haviam suposto trêmula e à beira da rendição ante o imponente poderio reunido contra ela, golpeando implacavelmente seus mais caros amigos da véspera e garantindo para si, por algum tempo, o incontestável domínio do mar. Ficou claro que o Gabinete de Guerra inglês não temia coisa alguma e não se deteria diante de nada. E era verdade.

O espírito da França permitiu que seu povo compreendesse toda a impor­tância de Oran e, em meio a sua agonia, retirasse novas forças e esperanças de mais esse doloroso golpe. O general de Gaulle, que eu não havia consul­tado de antemão, teve uma postura magnífica, e a França, uma vez liberta e resgatada, ratificou sua conduta. Agradeço a M. Teitgen, destacado membro do movimento da Resistência e, posteriormente, ministro francês da Defesa, por uma história que merece ser contada. Num vilarejo próximo a Toulon moravam duas famílias, cada uma das quais perdera seu filho marinheiro sob o fogo inglês em Oran. Providenciou-se um serviço fúnebre a que todos os vizinhos fizeram questão de comparecer. As duas famílias pediram que a bandeira inglesa fosse colocada sobre os caixões ao lado da bandeira francesa, e seu desejo foi respeitosamente atendido. Podemos ver nisso o quanto o espírito compreensivo da gente simples aproxima-se do sublime.

1 Their Finest Hour, capítulo II.

2 Comandante D.V. Sprague, tenente P.M.K. Griffiths e marinheiro A. Webb, Royal Navy.

3 Jacques Weygand, The Role of General Weygand.