Linha.png 38 Linha.png

Alastra-se a guerra

Linha.png

Com o ano-novo, meus contatos com o presidente Roosevelt se tornaram mais íntimos. Eu já lhe enviara os votos de Boas-Festas e, em 10 de janeiro de 1941, veio ver-me em Downing Street um cavalheiro com as mais altas credenciais. Havíamos recebido telegramas de Washington declarando que ele era o confidente e agente pessoal mais próximo do presidente. Assim, providenciei para que fosse recebido por Mr. Brendan Bracken em sua che­gada ao aeroporto de Poole e para que almoçássemos juntos, a sós, no dia seguinte. Foi assim que conheci Harry Hopkins, homem extraordinário que desempenhou então e ainda viria a desempenhar um papel às vezes decisivo no movimento global da guerra. Era um espírito flamejante num corpo frágil e combalido. Um farol em ruínas, de onde brilhavam os fachos que guiavam as grandes esquadras para o porto. Tinha outro dom: um senso de humor sarcástico. Sempre apreciei sua companhia, especialmente quando as coisas iam mal. Ele também sabia ser muito desagradável e dizer coisas duras e contundentes. Minhas experiências vinham-me ensinando a conseguir fazer o mesmo, se necessário.

Em nosso primeiro encontro, passamos umas três horas juntos. Logo compreendi seu dinamismo pessoal e a extraordinária importância de sua missão. Isso foi no auge do bombardeio de Londres, e muitas preocupações locais nos eram impostas. Mas, para mim, ficou evidente que ali estava um enviado presidencial de suma importância para a nossa vida. Com o olhar brilhante e uma paixão sóbria e contida, ele disse: “O presidente está de­terminado a que vençamos a guerra juntos. Não tenha dúvidas disso. Ele me enviou aqui para lhe dizer que, a qualquer custo e por todos os meios, irá ampará-los até o fim, não importa o que lhe aconteça — não há o que ele não faça, desde que lhe seja humanamente possível.”

Todos os que estiveram em contato com Harry Hop­kins durante a longa batalha hão de confirmar o que digo sobre essa personalidade notável. E, a partir daquele momento, iniciou-se entre nós uma amizade que cruzou, serenamente, terremotos e convulsões. Ele era o mais fiel e perfeito canal de comunicação entre o presidente e eu. Muito mais que isso, porém, foi também o principal esteio e incentivador do próprio Roosevelt durante vários anos. Juntos, esses dois — um deles, subordinado sem cargo público; o outro, comandante da poderosa república — foram capazes de tomar decisões da mais alta repercussão sobre toda a área do mundo de língua inglesa. Hopkins, claro, era zeloso de sua influência pessoal sobre seu chefe e não estimulava os concorrentes americanos. Assim, sob certos aspectos, confirmava o verso do poeta Gray: “O favorito não tem amigos.” Mas isso não era assunto meu. Lá estava ele, esguio, frágil e enfermiço, mas absolu­tamente brilhante em sua requintada compreensão da causa comum. Esta consistia na derrota, destruição e massacre de Hitler, excluídos todos os outros propósitos, compromissos de fidelidade ou objetivos. Na história dos Estados Unidos, poucas chamas arderam com maior fulgor.

Harry Hopkins sempre ia à raiz da questão. Estive presente em diver­sas grandes conferências em que vinte ou mais importantes personagens executivos achavam-se reunidos. Quando a discussão esmorecia e todos pareciam atarantados, era nessas ocasiões que ele soltava a pergunta fatal: “Senhor presidente, este é exatamente o ponto a decidir. Vamos enfrentá-lo ou não?” Era sempre enfrentado e, em sendo enfrentado, resolvido. Ele era um verdadeiro condutor de homens e, tanto em ardor quanto em sensatez nos momentos de crise, raras vezes foi sobrepujado. Seu amor pela causa dos fracos e dos pobres equiparava-se à sua paixão contra a tirania, especialmente quando a tirania, no momento, estava triunfando.

Entrementes, a blitzkrieg continuava. Mas com uma diferença. No fim de 1940, Hitler havia-se apercebido de que a Inglaterra não poderia ser destruída por ataques aéreos diretos. A Batalha da Inglaterra fora a sua primeira derrota, pois o bombardeio maligno das cidades não havia intimidado a nação nem seu governo. Os preparativos para invadir a Rússia no começo do verão de 1941 absorveram grande parte do poderio aéreo alemão. Os muitos ataques intensíssimos que sofremos até o fim de maio já não representavam a plena força do inimigo. Para nós, eles foram sumamente deploráveis, mas já não eram expressão do pensamento central do Alto Comando alemão nem do Führer. Para Hitler, a continuação dos ataques aéreos à Inglaterra era um disfarce necessário e conveniente para a concentração contra a Rússia. Seu calendário otimista partia de que os soviéticos, como os franceses, seriam derrotados numa campanha de seis semanas, e que todas as forças alemãs ficariam livres, então, para finalmente acabar com a Inglaterra no outono de 1941. Enquanto isso, essa nação teimosa deveria ser desgastada, primeiro pela combinação do bloqueio submarino com o apoio aéreo de longo alcance e, segundo, por ataques aéreos a suas cidades e, especialmente, seus portos. Para o exército alemão, a operação Leão Marinho (contra a Inglaterra) foi então substituída pela operação Barbarossa (contra a Rússia). A marinha alemã foi instruída a se concentrar em nosso tráfego no Atlântico, e a força aérea alemã, em nossos portos e nos acessos a eles. Esse era um plano muito mais letal do que o bombardeio indiscriminado de Londres e da população civil e, para nós, foi uma sorte não ter sido levado adiante com todas as forças disponíveis e com maior persistência.

Durante janeiro e fevereiro, o inimigo foi frustrado pelo mau tempo. Excetuados alguns ataques a Cardiff, Portsmouth e Swansea, nossa Defesa Civil teve uma merecida pausa para respirar, da qual não deixou de tirar proveito. Mas, quando veio o bom tempo, a blitz recomeçou para valer. O que se tem chamado “a ronda dos portos pela Luftwaffe” começou no início de março. Consistiu em ataques isolados ou dobrados, que, apesar de sérios, não conseguiram inutilizar nossos portos. No dia 8 e por três noites sucessivas, Portsmouth foi intensamente bombardeada e as docas muito danificadas. Manchester e Salford foram atacadas no dia 11. Nas noites seguintes, foi a vez do Merseyside. Nos dias 13 e 14, a Luftwaffe caiu com vigor sobre o Clyde pela primeira vez, matando ou ferindo mais de duas mil pessoas e deixando os estaleiros fora de ação, alguns até junho e outros até novembro. Os golpes mais violentos só vieram em abril. No dia 8, a concentração deu-se em Coventry; no resto do país, o impacto mais violento atingiu Portsmouth. Londres sofreu ataques maciços nos dias 16 e 17; mais de 2.300 pessoas foram mortas e mais de três mil, gravemente feridas. O inimigo continuou tentando destruir nossos portos principais, através de ataques que, em alguns casos, prolongaram-se por mais de uma semana. Bristol foi duramente atingida. Plymouth foi atacada de 21 a 29 de abril e, embora os incêndios falsos que serviam de chamariz tenham ajudado a salvar as docas, isso só foi obtido à custa da cidade. O clímax veio em 1º de maio, quando Liverpool e o Mersey foram atacados por sete noites sucessivas e 76 mil pessoas ficaram desabrigadas e três mil foram mortas ou feridas. Sessenta e nove dentre 144 pontos de atracação foram inutilizados e, durante algum tempo, a tonelagem desembarcada ficou reduzida à sua quarta parte. Se o inimigo houvesse persistido, a Batalha do Atlântico teria sido ainda mais apertada do que foi. Mas, como de hábito, ele mudou sua linha de ação. Por duas noites, castigou duramente Hull, onde quarenta mil pessoas tiveram suas casas destruídas. Os depósitos de alimentos foram destroçados e as oficinas de engenharia naval ficaram paralisadas por quase dois meses. Nesse mês, tornaram a atacar Belfast, já bombardeada duas vezes.

O pior ataque foi o último. Em 10 de maio, o inimigo voltou a Lon­dres com bombas incendiárias. Causou mais de dois mil incêndios e, com a destruição de quase 150 grandes encanamentos d’água, aliada à vazante do Tâmisa, impediu-nos de extingui-los. Às seis horas da manhã seguinte, centenas deles estavam fora de controle e, na noite de 13 de maio, ainda havia quatro queimando. Foi o ataque mais destruidor de toda a blitz noturna. Cinco docas e 71 pontos-chave, metade dos quais eram fábricas, foram atingidos. Todas as principais estações ferroviárias, com exceção de uma, ficaram bloqueadas durante semanas, e as rodovias mestras só foram inteiramente liberadas no começo de junho. Mais de três mil pessoas foram mortas ou feridas. Também sob outros aspectos esse ataque foi histórico. Ele destruiu a Câmara dos Comuns. Uma única bomba criou uma ruína por anos. Mas foi uma bênção o fato de a Câmara estar vazia naquele momento. Por outro lado, nossas baterias e caças noturnos destruíram 16 aviões inimigos, o máximo até então atingido por nós em combates noturnos.

Embora não o soubéssemos, era o ataque de despedida do inimigo. Em 22 de maio, Kesselring deslocou o QG de sua força aérea para Posen e, no começo de junho, a força inteira mudou-se para o Leste. Quase três anos se passariam antes de nossa organização de Defesa Civil em Londres ter que lidar com a “baby blitz” de fevereiro de 1944 e com a investida ulterior das bombas voadoras e dos foguetes. Nos doze meses decorridos entre junho de 1940 e junho de 1941, nossas baixas civis foram de 43.381 mortos e 50.856 gravemente feridos, um total de 94.237 pessoas.

É impossível, numa grande guerra, separar assuntos militares e assuntos políticos. Na cúpula, eles são uma coisa só. É natural que os soldados en­carem os aspectos militares como únicos e supremos, e até que falem das considerações políticas com certa dose de desprezo. Além disso, a palavra “política” tem sido confundida e até manchada por sua associação com a política partidária. Assim, grande parte da literatura deste século trágico tem sido deturpada pela ideia de que, na guerra, só as considerações militares são importantes, e de que os militares são obstruídos em sua visão clara e profissional pela intromissão dos políticos, que, em nome de vantagens pessoais ou partidárias, fazem pender a pavorosa balança da batalha. Os contatos extremamente estreitos e íntimos que prevaleceram entre o Gabi­nete de Guerra, os chefes de estado-maior e eu, bem como a total ausência de sentimentos partidários na Inglaterra, nessa época, reduziu essas discordâncias a um mínimo.

Enquanto a guerra com os italianos no nordeste da África continuava e os gregos combatiam valentemente na Albânia, todas as notícias que rece­bíamos sobre os movimentos e intenções alemães mostravam, cada dia com mais clareza, que Hitler estava prestes a intervir em larga escala nos Bálcãs e no Mediterrâneo. Desde o início de janeiro, eu vinha percebendo a chegada da força aérea alemã à Sicília, com a consequente ameaça a Malta e a todas as nossas esperanças de retomar o tráfego pelo mar interno. Eu também temia um deslocamento de tropas alemãs, presumivelmente blindadas, para Trípoli. Não tínhamos dúvida de que progrediam planos de criar uma passagem norte-sul através da Itália para a África, e de, ao mesmo tempo e mediante as mesmas providências, interromper toda nossa movimentação leste-oeste no Mediterrâneo.

Superpondo-se a isso, veio então a ameaça de que os países balcânicos, inclusive Grécia e Turquia, fossem atraídos ou coagidos a participar do império de Hitler, ou conquistados se não concordassem. Iria reproduzir-se no sudeste da Europa o mesmo horrendo processo que havíamos testemu­nhado na Noruega, na Dinamarca, na Holanda, na Bélgica e na França? Seriam todas as nações balcânicas, inclusive a Grécia heroica, subjugadas uma a uma, e viria a Turquia, isolada, a ver-se forçada a abrir para as legiões alemãs o caminho para a Palestina, o Egito, o Iraque e o Irã? Não haveria alguma possibilidade de se criar uma união e uma frente balcânicas que tornassem essa nova agressão alemã cara demais para valer a pena? Não po­deria a realidade da resistência balcânica à Alemanha produzir reações sérias e úteis na Rússia soviética? Certamente, essa era uma esfera em que os estados balcânicos eram afetados pelo interesse e, até onde o permitissem influir em suas deliberações, pelo sentimento. Partindo de nossos recursos restritos mas crescentes, teríamos nós a possibilidade de descobrir a contribuição externa adicional capaz de galvanizar todas essas nações, cujos interesses eram essencialmente os mesmos, levando-as a entrar em ação por uma causa comum? Ou, ao contrário, para cuidar da nossa vida e transformar num sucesso nossa campanha no nordeste da África, deveríamos deixar que a Grécia, os Bálcãs e talvez a Turquia e todo o resto do Oriente Médio deslizassem para o precipício?

Teria sido um grande alívio mental tomar uma decisão tão clara assim, e ela tem encontrado seus adeptos nos livros de vários oficiais que ocupavam posições secundárias e que nos deram suas opiniões. Esses autores contam, certamente, com a vantagem de apontar para os reveses que tivemos de suportar, mas não tinham o conhecimento para considerar suficientemente quais teriam sido os resultados da política inversa. Se, praticamente sem luta, Hitler tivesse conseguido pôr a Grécia de joelhos e trazer a totalidade dos Bálcãs para seu sistema, obrigando então a Turquia a permitir a pas­sagem de seus exércitos para o sul e o leste, não poderia ele ter feito um acordo com os soviéticos sobre a conquista e a divisão dessas vastas regiões, e adiado sua briga final e inevitável com eles para um momento posterior de seu programa? Ou então, como é mais provável, não teria ele conse­guido atacar a Rússia com uma força ainda maior e mais cedo? A questão principal que os capítulos seguintes vão examinar e expor é se o governo de Sua Majestade, através de seus atos, influenciou de maneira decisiva ou apreciável os movimentos de Hitler no sudeste europeu, e se, além disso, esses atos não produziram consequências, primeiro, no comportamento da Rússia, e depois, em seu destino.

Durante janeiro e fevereiro, continuaram a nos chegar boas notícias do Oriente Médio. Malta fora reforçada e havia sobrevivido por um triz ao pri­meiro ataque furioso da força aérea alemã da Sicília. A conquista do Império Italiano na Eritreia, na Somália e na Abissínia estava em fase de conclusão. O Exército do Deserto havia avançado quinhentas milhas em dois meses, destruído um exército italiano com mais de nove divisões e tomado Benghazi e toda a Cirenaica. Mas, apesar dessas vitórias, tão graves e complexas eram as questões diplomáticas e militares em jogo, e o general Wavell tinha tanta coisa em suas mãos, que, na reunião do Comitê de Defesa de 11 de fevereiro, decidimos enviar o ministro do Exterior e o CIGS, general Dill, a um encontro com ele no Cairo. Dali, acompanhado por Wavell, Dill e outros oficiais, Eden voou para Atenas, a fim de conferenciar com o rei e o governo gregos. Nessa reunião, o primeiro-ministro, M. Korysis, leu para Eden uma declaração que expunha o resultado das discussões do gabinete grego um ou dois dias antes. Como essa declaração constituiu a base de nossos atos, apresento na íntegra sua parte essencial:

Desejo repetir, da maneira mais categórica, que a Grécia, aliada fiel, está decidida a continuar lutando com todas as suas forças até a vitória final. Essa determinação não se limita ao caso da Itália, aplica-se a qualquer agressão alemã (...) seja qual for o resultado e tenha a Grécia ou não qualquer esperança de repelir o inimigo na Macedônia, ela defenderá seu território nacional, ainda que só possa contar com as próprias forças.

O governo grego deixou claro que sua decisão fora tomada antes de saber se poderíamos ou não dar-lhe alguma ajuda. Mr. Eden explicou então que, em Londres, de pleno acordo com os comandantes no Oriente Médio, estávamos decididos a dar à Grécia a máxima ajuda que estivesse a nosso alcance. Realizaram-se conferências militares e reuniões de estado-maior durante toda a noite e o dia seguintes e, em 24 de fevereiro, Eden enviou-nos os seguintes telegramas de suma importância:

Ficamos todos impressionados com a franqueza e a lisura dos represen­tantes gregos em todos os assuntos discutidos. Tenho plena certeza de que a determinação deles é de resistir até o limite de suas forças, e de que o governo de Sua Majestade não tem outra alternativa senão apoiá-los, sejam quais forem as consequências finais. (...)

Todos estamos convencidos de haver tomado o caminho certo e, como está para bater a hora decisiva, tínhamos certeza de que o senhor não desejaria que nos demorássemos pedindo para casa aprovações detalhadas. Os riscos são grandes, mas há uma possibilidade de sucesso. (...)

Com base nessas mensagens referendadas por Dill e Wavell, decidiu-se no Gabinete apoiar plenamente as propostas.

Mr. Eden seguiu então para Ancara e teve longas reuniões com os turcos. Seu relatório não foi encorajador. Eles tinham uma consciência tão aguda de seus problemas quanto nós, mas estavam convencidos de que as forças que lhes poderíamos oferecer não seriam suficientes para fazer qualquer diferença numa batalha decisiva. Como não dispunham de poder ofensivo, eles consideravam que a Turquia serviria melhor à causa comum perma­necendo fora da guerra, até que suas deficiências fossem remediadas e ela pudesse ser engajada com máximo efeito. Atacada, é claro, ela entraria em guerra. Compreendi perfeitamente quão perigosa se tornara a situação da Turquia. Obviamente, era impossível considerar o tratado que firmáramos com ela antes da guerra como algo que a comprometesse nessa nova situa­ção. Quando da eclosão da guerra, em 1939, os turcos haviam mobilizado seu forte, bom e valente exército. Mas isso fora baseado nas condições da Primeira Guerra Mundial. A infantaria turca continuava tão esplêndida quanto sempre fora e sua artilharia de campanha era razoável. Mas eles não dispunham de nenhuma das armas modernas que, a partir de maio de 1940, haviam-se revelado decisivas. A aviação era lamentavelmente fraca e primária. Não tinham carros de combate nem viaturas blindadas, nem tampouco indústria para produzi-los e mantê-los, ou homens e equipes trei­nados para operá-los. Mal dispunham de artilharia antiaérea ou antitanque. Seu serviço de comunicações era rudimentar. O radar era desconhecido. E suas qualidades guerreiras tampouco incluíam aptidão para todos esses avanços modernos.

Por outro lado, a Bulgária fora amplamente armada pela Alemanha, com base na imensa quantidade de toda sorte de equipamento tirado da França e dos Países Baixos em decorrência das batalhas de 1940. Assim, os alemães dispunham de uma profusão de armas modernas com que abastecer seus aliados. Do nosso lado, depois de havermos perdido tanta coisa em Dunquerque, e tendo que aprimorar nosso exército interno contra a invasão e enfrentar toda a contínua pressão da blitz sobre nossas cidades, bem como sustentar a guerra no Oriente Médio, só podíamos fornecer armamentos com muita parcimônia e em prejuízo de outras necessidades clamorosas. O exército turco na Trácia, nessas condições, estava em séria e quase desoladora desvantagem, comparado ao dos búlgaros. Se a esse perigo se somassem até mesmo destacamentos modestos de aviões e blindados alemães, o peso sobre a Turquia bem poderia mostrar-se insuportável.

Durante toda essa fase da guerra que se alastrava cada vez mais, a única política ou esperança consistia num plano organizado de unir as forças de Iugoslávia, Grécia e Turquia. Foi o que tentamos fazer. Nossa ajuda à Grécia havia-se limitado, a princípio, ao pequeno número de esquadrilhas aéreas mandadas do Egito quando Mussolini a atacara pela primeira vez. A etapa seguinte consistira numa oferta de unidades técnicas, mas os gregos haviam declinado dela com base em argumentos bastante razoáveis. Chegamos então à terceira fase, onde pareceu possível criar um flanco seguro e bem-guardado no deserto, em Benghazi e um pouco além, e concentrar no Egito o maior exército de manobra ou reserva possível.

Até esse momento, não havíamos tomado outra providência além de concentrar a maior reserva estratégica possível na região do Delta do Nilo e de fazer planos e preparativos de embarque para transportar um exército para a Grécia. Se a situação se modificasse, por uma reviravolta na política grega ou por qualquer outro acontecimento, estaríamos na melhor posição para lidar com ela. Era agradável, depois de havermos sofrido tanta pressão, poder encerrar a contento as campanhas da Abissínia, Somália e Eritreia e levar forças substanciais para nossa “massa de manobra” no Egito. Embora nem as intenções do inimigo nem a reação dos países amigos e neutros pu­dessem ser adivinhadas ou previstas, parecíamos dispor de várias alternativas importantes. O futuro continuava inescrutável, mas nenhuma divisão fora ainda movimentada e, nesse meio-tempo, não perdêramos um único dia de preparativos.