Iugoslávia e Grécia
Chegara, pois, o momento em que foi preciso tomar a decisão irrevogável de enviar ou não o exército do Egito para a Grécia. Esse grave passo era necessário não apenas para ajudar a Grécia em seu perigo e tormento, mas também para formar, contra o ataque alemão iminente, uma frente balcânica que abrangesse a Iugoslávia, a Grécia e a Turquia, exercendo sobre a Rússia soviética efeitos que éramos incapazes de avaliar. Eles, decerto, teriam sido de suma importância, se os líderes soviéticos se houvessem apercebido do que lhes estava reservado. O que nós podíamos enviar não conseguiria, por si só, decidir a questão balcânica. Nossa esperança limitada era instigar e organizar uma ação conjunta. Se, a um aceno de nosso bastão, a Iugoslávia, a Grécia e a Turquia agissem em conjunto, parecia-nos que Hitler poderia deixar os Bálcãs momentaneamente de lado, ou ficar densamente engajado num combate com nossas forças somadas a ponto de criar um grande front naquele teatro. Não sabíamos, na ocasião, que ele já estava firmemente resolvido a desencadear sua gigantesca operação contra a Rússia. Se soubéssemos, teríamos sentido mais confiança no sucesso de nossa política. Teríamos visto que ele corria o risco de fracassar, pela impossibilidade de escolher entre duas alternativas, e que poderia facilmente prejudicar sua iniciativa suprema devido a uma preliminar nos Bálcãs. Foi o que efetivamente aconteceu, mas não tínhamos como saber disso na época. Alguns talvez achem que planejamos com acerto; pelo menos, planejamos melhor do que sabíamos. Era nosso propósito incentivar e congregar a Iugoslávia, a Grécia e a Turquia. Nosso dever, tanto quanto possível, era ajudar os gregos. Para todos esses fins, nossas quatro divisões estavam bem-posicionadas no Delta do Nilo.
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Em 1° de março, o exército alemão começou a se deslocar para a Bulgária. O exército búlgaro mobilizou-se e tomou posição ao longo da fronteira grega. Uma movimentação geral das forças alemãs em direção ao sul estava em andamento, ajudada em todos os aspectos pelos búlgaros. No dia seguinte, Mr. Eden e o marechal Dill retomaram suas conversações militares em Atenas. Em decorrência destas, Mr. Eden enviou uma mensagem muito grave e houve uma mudança acentuada em nossas opiniões em Londres. O almirante Cunningham, embora convencido do acerto de nossa política, não nos deixou nenhuma dúvida quanto aos consideráveis riscos navais no Mediterrâneo. Os chefes de estado-maior assinalaram os vários fatores que evoluíam desfavoravelmente à nossa política balcânica e, em especial, ao envio de um exército para a Grécia. “Os riscos da operação”, informaram, “aumentaram consideravelmente.” Contudo, eles não acharam que já pudessem questionar as recomendações militares dos que estavam no local, e que descreviam a situação como não sendo de modo algum desesperadora.
Depois de refletir sozinho em Chequers, na noite de domingo, sobre a tendência da discussão na reunião do Gabinete de Guerra daquela manhã, enviei a mensagem abaixo a Mr. Eden, que partira de Atenas em direção ao Cairo. Ela, por certo, teve um tom diferente, de minha parte. Mas assumo plena responsabilidade pela decisão que acabou sendo tomada, pois tenho certeza de que poderia ter impedido tudo, se estivesse convencido. É muito mais fácil suspender do que fazer.
(...) Fizemos o melhor possível para promover uma aliança dos Bálcãs contra a Alemanha. Devemos acautelar-nos para não pressionar a Grécia, contrariando seu próprio discernimento, a empreender uma inútil resistência solitária, quando só dispomos de um punhado de soldados capazes de chegar ao local em tempo hábil. Há graves questões imperiais implicadas no comprometimento de tropas neozelandesas e australianas numa empreitada que, como você diz, tornou-se ainda mais arriscada. (...) Devemos liberar os gregos da obrigação de rejeitarem um ultimato alemão. Se, por conta própria, eles resolverem lutar, devemos partilhar em certa medida de sua provação. Mas um rápido avanço alemão provavelmente impedirá quaisquer forças do Império Britânico de participarem do combate.
A perda da Grécia e dos Bálcãs não é, de modo algum, uma grande catástrofe para nós, desde que a Turquia permaneça sinceramente neutra. Poderíamos tomar Rhodes e examinar planos para um desembarque na Sicília ou em Trípoli. Somos alertados por muitos setores de que nossa expulsão ignominiosa da Grécia nos causaria mais prejuízos na Espanha e em Vichy do que a submissão dos Bálcãs, que, contando apenas com nossas forças escassas, nunca se esperou que impedíssemos. (...)
Anexo seguiu o grave comentário dos chefes de estado-maior.
Tão logo meu telegrama de advertência foi lido por nosso embaixador em Atenas, ele teve um intenso mal-estar, telegrafando ao ministro do Exterior:
Como é possível abandonarmos o rei da Grécia, depois das garantias que lhe foram dadas pelo comandante em chefe e CIGS quanto às probabilidades razoáveis de êxito? Isso me parece impensável. Seremos expostos ao ridículo pelos gregos e pelo mundo em geral como descumpridores de nossa palavra. Não há como “liberar os gregos da obrigação de rejeitarem o ultimato”. Eles decidiram combater a Alemanha sozinhos, se necessário. A questão é se vamos ajudá-los ou abandoná-los.
O Gabinete de Guerra resolveu não tomar nenhuma decisão, até que recebêssemos de Mr. Eden uma resposta a tudo isso. A resposta chegou no dia seguinte. Seu trecho essencial dizia:
(...) O colapso da Grécia, sem um esforço adicional de nossa parte para salvá-la mediante uma intervenção em terra, depois que as vitórias na Líbia, como o mundo inteiro sabe, deixaram forças disponíveis, seria a pior calamidade. A Iugoslávia certamente estaria perdida, e tampouco podemos confiar em que a Turquia tivesse forças para se manter firme, caso os alemães e italianos se estabelecessem na Grécia sem nenhum esforço nosso de lhes opor resistência. Sem dúvida, perderemos prestígio se formos ignominiosamente expulsos, mas, de qualquer modo, ter combatido e sofrido na Grécia seria menos prejudicial para nós do que tê-la deixado entregue à própria sorte. (...) Na situação existente, todos concordamos em que a linha de ação proposta deve ser seguida. Devemos ajudar a Grécia.
Acompanhado pelos chefes de estado-maior, submeti a questão ao Gabinete de Guerra, que estava plenamente a par de tudo o que vinha acontecendo, para uma decisão final. Embora não pudéssemos mandar mais aviões do que já havíamos ordenado e que já estavam a caminho, não houve hesitação ou dissensão entre nós. Pessoalmente, eu achava que os homens que estavam no local tinham sido rigorosamente testados. Não havia dúvida de que suas mãos não tinham sido forçadas de maneira alguma por pressões políticas vindas de casa. Smuts, com todo o seu conhecimento, e raciocinando por um prisma separado e uma visão diferente, havia concordado. Ninguém tampouco poderia insinuar que nos houvéssemos imposto à Grécia contra a vontade dela. Ninguém fora catequizado. Certamente, tínhamos a mais alta autoridade especializada, agindo com total liberdade e com pleno conhecimento dos homens e do cenário. Meus colegas, endurecidos pelos muitos riscos que corrêramos com sucesso, haviam chegado independentemente às mesmas conclusões. Mr. Menzies, sobre quem recaía uma responsabilidade especial, estava cheio de coragem. Havia uma animação intensa em favor da ação. A reunião do Gabinete foi curta; a decisão, final; e a resposta, breve:
Os chefes de estado-maior informaram que, em vista da opinião firmemente expressa pelos comandantes em chefe no local, pelo CIGS e pelos comandantes das forças a serem empregadas, seria acertado prosseguir. O Gabinete decidiu autorizá-lo a prosseguir com a operação e, assim fazendo, o Gabinete assume a mais completa responsabilidade por isso.1
Entraremos em contato com os governos da Austrália e da Nova Zelândia nesse sentido.
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Cabe agora descrever o destino da Iugoslávia. Toda a defesa de Salonika dependia de ela entrar em guerra, e era vital saber o que ela faria. Em 2 de março, Mr. Campbell, nosso embaixador em Belgrado, reuniu-se com Mr. Eden em Atenas. Disse que os iugoslavos estavam com medo da Alemanha e internamente perturbados por dificuldades políticas. Entretanto, havia uma possibilidade de que, se tomassem conhecimento de nossos planos de ajuda à Grécia, eles pudessem dispor-se a ajudar. No dia 5, o ministro do Exterior enviou Mr. Campbell de volta a Belgrado com uma carta confidencial endereçada ao regente, príncipe Paul. Nela, retratou o destino da Iugoslávia em poder dos alemães e disse que, se atacadas, a Grécia e a Turquia pretendiam lutar. Nesse caso, a Iugoslávia deveria juntar-se a nós. O regente deveria ser verbalmente informado de que os ingleses haviam decidido ajudar a Grécia com forças terrestres e aéreas, tão vigorosa e rapidamente quanto possível, e de que, se fosse possível enviar um oficial do estado-maior iugoslavo a Atenas, ele seria incluído em nossas discussões.
Nesse clima, muito dependeu da atitude do regente. O príncipe Paul era um personagem amável e talentoso, mas fazia muito tempo que o prestígio da monarquia estava em declínio e, a essa altura, ele levava a extremos a política da neutralidade. Temia, em particular, que qualquer gesto da Iugoslávia ou de seus vizinhos pudesse incitar os alemães a um avanço para o sul, penetrando nos Bálcãs. Ele declinou da visita de Mr. Eden que lhe foi proposta. O medo imperava. Os ministros e os principais líderes políticos não se atreviam a externar suas ideias. Mas havia uma exceção. Um general da força aérea, de nome Simovic, representava os elementos nacionalistas do oficialato das forças armadas. Desde dezembro, sua sala se transformara num centro clandestino de oposição à entrada alemã nos Bálcãs e à inércia do governo iugoslavo.
Em 4 de março, o príncipe Paul deixou Belgrado numa visita secreta a Berchtesgaden e, sob terrível pressão, prometeu verbalmente que a Iugoslávia seguiria o exemplo da Bulgária. Ao voltar, numa reunião do Conselho Real e em discussões separadas com líderes políticos e militares, deparou com opiniões contrárias. O debate foi violento, mas o ultimato alemão era real. O general Simovic, quando convocado ao Palácio Branco, residência do príncipe Paul nas colinas que dominam Belgrado, opôs-se firmemente à capitulação. A Sérvia não aceitaria essa decisão e a dinastia correria perigo. Mas o príncipe Paul, na verdade, já havia comprometido seu país.
Na madrugada de 20 de março, numa reunião do ministério, o governo iugoslavo resolveu aderir ao Pacto Tripartite. Diante disso, porém, três ministros renunciaram. Em 24 de março, o primeiro-ministro e o ministro do Exterior deixaram Belgrado às escondidas, por uma estação ferroviária nos subúrbios, e tomaram o trem para Viena. No dia seguinte, assinaram o pacto com Hitler em Viena, e a cerimônia foi transmitida pela rádio de Belgrado. Os boatos sobre um desastre iminente espalharam-se pelos cafés e reuniões da capital iugoslava.
Fazia alguns meses que a ação direta, caso o governo capitulasse diante da Alemanha, vinha sendo discutida no pequeno círculo de oficiais que cercavam Simovic. Quando, durante o dia 26 de março, começou a circular em Belgrado a notícia do retorno dos ministros iugoslavos de Viena, os conspiradores decidiram entrar em ação. Poucas revoluções transcorreram com maior tranquilidade. Não houve derramamento de sangue. Alguns oficiais mais antigos receberam ordem de prisão. O primeiro-ministro foi levado pela polícia ao QG de Simovic e obrigado a assinar uma carta de demissão. O príncipe Paul foi informado de que Simovic havia tomado o poder em nome do rei e de que o Conselho de Regência fora dissolvido. Foi escoltado até o gabinete do general Simovic. Junto com os outros dois regentes, assinou então o documento de abdicação. Foram-lhe concedidas algumas horas para recolher seus pertences e, naquela noite, em companhia da família, ele deixou o país, rumando para a Grécia.
O plano fora formulado e executado por um grupo unido de oficiais nacionalistas sérvios, que se haviam identificado com o verdadeiro sentimento da população. Seu gesto desencadeou uma explosão de entusiasmo popular. As ruas de Belgrado logo ficaram repletas de sérvios bradando: “Antes a guerra do que o pacto, antes a morte do que a escravidão.” Houve dança nas praças; bandeiras inglesas e francesas surgiram por toda parte; o hino nacional sérvio foi entoado com entusiástica rebeldia por multidões valentes e desamparadas. Em 28 de março, o rei Peter, que, descendo por uma tubulação de escoamento de água, havia escapado da tutela da Regência, compareceu ao serviço religioso celebrado na catedral de Belgrado, em meio a uma fervorosa aclamação. O embaixador alemão foi publicamente insultado e a multidão cuspiu em seu carro. A façanha militar despertou uma onda de vitalidade nacional. Um povo paralisado na ação, até então malgovernado e malconduzido, longamente atormentado pelo sentimento de estar preso numa armadilha, lançou seu desafio heroico e imprudente ao tirano e conquistador, no momento em que ele detinha seu maior poder.
Hitler foi picado no ponto mais dolorido. Teve uma explosão da raiva convulsiva que embotava momentaneamente seu raciocínio e que às vezes o impelia em suas mais horrendas aventuras. Num acesso de ira, convocou o Alto Comando alemão. Göring, Keitel e Jodl compareceram, Ribbentrop chegou depois. Hitler disse que a Iugoslávia era um fator de incerteza na ação vindoura contra a Grécia e, mais ainda, na operação Barbarossa contra a Rússia, posteriormente. Considerou uma sorte os iugoslavos terem revelado suas inclinações antes do lançamento de Barbarossa. A Iugoslávia deve ser liquidada, “militarmente e como unidade nacional”. O golpe deveria ser desferido com dureza implacável. Os generais passaram a noite rascunhando as ordens da operação. Keitel confirma nossa opinião de que o maior perigo para a Alemanha era “um ataque ao exército italiano pela retaguarda”.
“A decisão de atacar a Iugoslávia significou uma desarticulação completa de todos os movimentos e arranjos militares feitos até então. A invasão da Grécia teve que ser completamente reformulada. Novas tropas tiveram que ser trazidas do norte pela Hungria. Tudo teve de ser improvisado.”
A Hungria foi direta e imediatamente afetada. Embora a principal ofensiva alemã contra os iugoslavos devesse claramente passar pela Romênia, todas as linhas de comunicação atravessavam o território húngaro. A imediata reação do governo alemão aos acontecimentos de Belgrado foi enviar o embaixador húngaro em Berlim a Budapeste, de avião, levando uma mensagem urgente para o regente húngaro, o almirante Horthy:
A Iugoslávia será aniquilada, pois acaba de renunciar publicamente à política de entendimento com o Eixo. A maior parte das forças armadas alemãs terá que passar pela Hungria. Mas o ataque principal não será feito no setor húngaro. Nele, o exército húngaro deverá intervir e, em troca de sua cooperação, a Hungria poderá reocupar todos os territórios anteriores, que um dia foi forçada a ceder à Iugoslávia. O assunto é urgente. Pede-se uma resposta imediata e afirmativa.2
A Hungria estava comprometida com a Iugoslávia por um pacto de amizade assinado ainda em dezembro de 1940. Mas a franca oposição às exigências alemãs só poderia levar à ocupação alemã da Hungria, no decorrer das operações militares iminentes. Havia também a tentação de recuperar os territórios da fronteira sul, que a Hungria perdera para a Iugoslávia depois da Primeira Guerra Mundial. O premier húngaro, conde Teleki, vinha trabalhando sistematicamente pela preservação de uma certa liberdade de ação para seu país. Não estava nada convencido de que a Alemanha venceria. Na época da assinatura do Pacto Tripartite, teve pouca confiança na independência da Itália como parceiro do Eixo. O ultimato de Hitler exigia a quebra de seu próprio acordo húngaro com a Iugoslávia. Entretanto, a iniciativa foi arrancada de suas mãos pelo estado-maior húngaro, cujo chefe, o general Werth, de origem alemã, fez seus próprios acordos com o Alto Comando alemão pelas costas do governo húngaro.
Teleki denunciou prontamente a ação de Werth como traição. Na noite de 2 de abril de 1941, recebeu um telegrama do embaixador húngaro em Londres, dizendo que o Foreign Office lhe havia comunicado formalmente que, se a Hungria participasse de qualquer ação alemã contra a Iugoslávia, deveria esperar uma declaração de guerra da Inglaterra. Assim, a alternativa da Hungria era uma vã resistência à passagem das tropas alemãs ou o franco alinhamento contra os aliados e a traição à Iugoslávia. Nessa cruel posição, o conde Teleki viu apenas um meio de salvar sua honra pessoal. Pouco depois das 21 horas, deixou o Ministério das Relações Exteriores húngaro e se recolheu a seus aposentos no palácio Sandor. Ali recebeu um telefonema. Acredita-se que essa mensagem tenha informado que os exércitos alemães já haviam cruzado a fronteira húngara. Pouco depois, matou-se com um tiro. Seu suicídio foi um sacrifício para absolver a si mesmo e ao seu povo da culpa pelo ataque alemão à Iugoslávia. Limpou o nome de Teleki perante a história. Mas não pôde deter o avanço dos exércitos alemães, nem tampouco suas consequências.
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Entrementes, o deslocamento das nossas tropas para a Grécia havia começado. Por ordem de embarque, ela compreendia a 1ª Brigada Blindada inglesa, a Divisão da Nova Zelândia e a 6ª Divisão australiana. Todas completamente equipadas à custa de outras formações no Oriente Médio. Deveriam ser seguidas pela Brigada polonesa e pela 7ª Divisão australiana. O plano era manter a linha de Aliákmon, que ia da foz do rio desse nome até a fronteira iugoslava, passando por Véria e Edessa. Nossas tropas deveriam juntar-se aos soldados gregos dispostos nesse front, que equivaliam nominalmente a sete divisões e deveriam ficar sob o comando do general Wilson.
Os soldados gregos eram em número muito menor do que o general Papagos prometera originalmente.3 A grande maioria do exército grego, composto de 15 divisões, estava na Albânia. O restante achava-se na Macedônia, de onde Papagos se recusou a retirá-lo e onde, após quatro dias de combate, quando os alemães atacaram, deixou de ser uma força militar. Nossa força aérea somava apenas oitenta aviões operacionais, contra um poderio aéreo alemão mais de dez vezes maior. O ponto fraco da posição em Aliákmon estava em seu flanco esquerdo, que poderia ser contornado por uma ofensiva alemã passando pelo sul da Iugoslávia. Tinha havido poucos contatos com o estado-maior iugoslavo, cujo plano de defesa e grau de prontidão não eram conhecidos pelos gregos ou por nós. Esperava-se, entretanto, que os iugoslavos fossem capazes de, pelo menos, impor um atraso considerável ao inimigo, quando este atravessasse aquela difícil região. Essa esperança se revelaria infundada. O general Papagos não considerou que a retirada da Albânia para enfrentar esse movimento de contorno fosse uma operação viável. Não apenas ela afetaria seriamente o moral, como também o exército grego estava tão mal-equipado em matéria de transporte e as comunicações eram tão ruins, que uma retirada geral frente ao inimigo seria impossível. Sem dúvida, ele havia retardado demais a decisão. Nessas circunstâncias, nossa 1ª Brigada Blindada chegou à área avançada em 27 de março, a ela indo reunir-se, dias depois, a Divisão da Nova Zelândia.
A notícia da revolução em Belgrado, naturalmente, nos trouxe grande satisfação. Ali estava, pelo menos, um resultado palpável de nossos esforços desesperados para formar uma frente aliada nos Bálcãs e impedir que tudo caísse, pouco a pouco, em poder de Hitler. Combinou-se que Eden continuaria em Atenas para negociar com a Turquia, e que o general Dill seguiria para Belgrado. Qualquer um podia ver que a situação da Iugoslávia era desesperadora, a menos que uma frente comum fosse imediatamente formada por todos os países envolvidos. Contudo, estava ao alcance da Iugoslávia a já mencionada possibilidade de desferir um golpe mortal contra a retaguarda desprotegida dos desorganizados exércitos italianos na Albânia. Se eles agissem com rapidez, poderiam realizar um grande feito militar e, enquanto seu país fosse devastado pelo norte, poderiam prover-se da massa de armas e equipamentos que lhes dariam a capacidade de conduzir a guerrilha em suas montanhas, o que, àquela altura, era sua única esperança. Teria sido um grande golpe, com repercussões em todo o panorama balcânico. Em nosso círculo, em Londres, todos percebíamos isso (o diagrama mostra o movimento que era considerado viável).
Mas erros de anos não podem ser remediados em horas. Quando a excitação geral amainou, todos se aperceberam, em Belgrado, de que a desgraça e a morte se aproximavam e de que pouco podiam fazer para evitar seu destino. O alto comando podia, finalmente, mobilizar seus exércitos. Mas não havia nenhum plano estratégico. Dill encontrou apenas confusão e paralisia. O governo iugoslavo, principalmente por medo do efeito disso na situação interna, estava decidido a não tomar nenhuma providência que pudesse ser considerada uma provocação à Alemanha. Naquele momento, todo o poderio disponível da Alemanha estava descendo sobre eles como uma avalanche. Dir-se-ia, pelo estado de ânimo e pela visão dos ministros iugoslavos, que eles dispunham de meses para tomar uma decisão sobre a paz ou a guerra com a Alemanha. Na verdade, dispunham apenas de 72 horas antes que o furioso ataque se abatesse sobre eles.
Na manhã de 6 de abril, bombardeiros alemães surgiram nos céus de Belgrado e, em revezamento a partir de aeroportos ocupados na Romênia, eles desfecharam um ataque metódico, com duração de três dias, sobre a capital iugoslava. Voando à altura dos telhados e sem temer qualquer resistência, eles explodiram a cidade implacavelmente, na chamada “operação Castigo”. Quando, enfim, o silêncio se fez, mais de 17 mil cidadãos de Belgrado jaziam mortos nas ruas ou sob os escombros. Do pesadelo de fumaça e fogo saíam os animais enlouquecidos, libertos de suas jaulas despedaçadas no jardim zoológico. Uma cegonha ferida passou coxeando pelo hotel principal, que era uma massa de chamas. Um urso, atordoado e sem perceber mais nada, arrastou-se em passadas lentas e sem jeito pelo inferno em direção ao Danúbio. Ele não foi o único urso a não compreender nada.
Simultaneamente ao bombardeio feroz de Belgrado, os exércitos alemães convergentes, já posicionados nas fronteiras, invadiram a Iugoslávia de várias direções. O estado-maior iugoslavo não tentou desferir seu único golpe mortal contra a retaguarda italiana. Imaginou ter o compromisso de não abandonar a Croácia e a Eslovênia e, por conseguinte, foi forçado a tentar defender toda a linha de fronteira. Os quatro corpos de exército iugoslavo, ao norte, foram rápida e irresistivelmente empurrados para o interior pelas colunas blindadas alemãs, apoiadas pelos soldados húngaros que cruzaram o Danúbio e por tropas alemãs e italianas que avançavam em direção a Zagreb. Assim, as principais forças iugoslavas foram impelidas para o sul em debandada e, em 13 de abril, os alemães penetraram em Belgrado. Enquanto isso, o XII Exército alemão, concentrado na Bulgária, deslocara-se para a Sérvia e a Macedônia. Havia entrado em Monastir e Yannina no dia 10 e, com isso, impedido qualquer contato entre os iugoslavos e os gregos e desmantelado as forças iugoslavas no sul.
Sete dias depois, a Iugoslávia capitulou.
Esse colapso repentino destruiu a principal esperança dos gregos. Foi outro exemplo do “um de cada vez”. Tínhamos feito o máximo para promover uma ação conjunta, mas, não por falha nossa, havíamos fracassado. Uma perspectiva sinistra descortinou-se então diante de nós. Cinco divisões alemãs, inclusive três blindadas, participaram da ofensiva para o sul em direção a Atenas. Em 8 de abril, ficou claro que a resistência iugoslava no sul estava cedendo e que o flanco esquerdo das forças posicionadas em Aliákmon logo seria ameaçado; em 10 de abril, começou o ataque à guarda de nosso flanco. Ele foi detido durante dois dias de combates ferrenhos, em meio ao tempo inclemente.
Mais a oeste, havia apenas uma divisão grega de cavalaria que se mantinha em contato com as tropas na Albânia, e o general Wilson decidiu que esse flanco esquerdo, muito pressionado, fosse recuado. O movimento foi concluído no dia 13 de abril, mas, nesse processo, as divisões gregas começaram a se desintegrar. Dali por diante, nossa força expedicionária ficou sozinha. Wilson, ainda ameaçado pelo flanco esquerdo, resolveu recuar para as Termópilas. Submeteu essa ideia a Papagos, que a aprovou e que, nesse estágio, sugeriu pessoalmente a retirada inglesa da Grécia. Os dias que se seguiram foram decisivos. Wavell telegrafou no dia 16, dizendo que o general Wilson tivera uma conversa com Papagos, que havia descrito o exército grego como estando sob intensa pressão e começando a ter dificuldades administrativas, em decorrência dos ataques aéreos. As instruções de Wavell a Wilson foram para prosseguir na luta, em cooperação com os gregos, enquanto eles conseguissem resistir, mas autorizaram qualquer outro recuo que fosse julgado necessário. Haviam-se expedido ordens para que todos os navios a caminho da Grécia invertessem o curso, para que nenhum outro navio fosse carregado, e para que os já carregados ou em processo de carregamento fossem esvaziados.
Ante essa notícia grave, mas não inesperada, retruquei prontamente que não poderíamos permanecer na Grécia contra a vontade do comandante em chefe grego, assim expondo o país à devastação, e que, se o governo grego concordasse, a evacuação deveria prosseguir. “Creta”, acrescentei, “deve ser vigorosamente defendida.”
No dia 17, o general Wilson foi de Tebas até o palácio de Tatoi, onde se reuniu com o rei, o general Papagos e nosso embaixador. Admitiu-se que a retirada para a linha das Termópilas seria a única manobra possível. O general Wilson estava confiante em poder defender essa linha por algum tempo. A discussão principal foi quanto ao método e à ordem da retirada. O governo grego não partiria, pelo menos por mais uma semana.
O primeiro-ministro grego, Mr. Korysis, já foi mencionado. Ele fora escolhido para preencher a lacuna deixada pela morte de Metaxas. Não tinha outro mérito para o exercício de cargos públicos senão uma vida particular impecável e convicções claras e resolutas. Parecia incapaz de sobreviver à destruição de seu país ou de suportar por mais tempo suas responsabilidades. Como o conde Teleki na Hungria, decidiu pagar com a vida. No dia 18, cometeu suicídio. Sua memória deve ser respeitada.
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O recuo para as Termópilas foi manobra difícil, mas os combates obstinados e hábeis na retaguarda retardaram o impetuoso avanço alemão, impondo graves baixas. Em 20 de abril, a posição das Termópilas estava concluída. À frente, ela era sólida, mas nossas tropas estavam desgastadas. Os alemães avançaram lentamente e a posição nunca foi submetida a graves testes. No mesmo dia, os exércitos gregos na frente albanesa renderam-se. Em 21 de abril, o rei disse ao general Wavell que o tempo impossibilitava qualquer força grega organizada de apoiar o flanco esquerdo inglês antes que o inimigo atacasse. Wavell respondeu que, nesse caso, julgava ser seu dever tomar providências imediatas para o reembarque da parte de seu exército que conseguisse salvar. O rei concordou inteiramente, parecendo haver esperado por isso. Falou com profundo pesar de ter sido o instrumento da colocação das forças inglesas nessa situação. Prometeu a ajuda de que dispusesse. Mas foi tudo em vão. A rendição final da Grécia ao esmagador poderio alemão foi firmada em 24 de abril.
Confrontava-nos agora outra daquelas evacuações por mar que havíamos suportado em 1940. A retirada organizada de mais de cinquenta mil homens da Grécia, nas condições vigentes, bem poderia parecer uma tarefa quase sem esperança. Em Dunquerque, de modo geral, tínhamos contado com o domínio aéreo. Na Grécia, os alemães detinham o completo e incontestável controle do ar e podiam sustentar um ataque quase ininterrupto contra os portos e o exército em retirada. Era óbvio que o embarque só poderia ser feito à noite e, além disso, que os soldados deveriam evitar ser vistos perto das praias à luz do dia. Foi uma repetição da Noruega, e em escala dez vezes maior.
O almirante Cunningham jogou nessa tarefa a quase totalidade de sua força ligeira, incluindo seis cruzadores e 19 contratorpedeiros. Operando a partir dos pequenos ancoradouros e praias ao sul da Grécia, juntando navios-transporte, navios de ataque e muitas embarcações menores, o trabalho de resgate foi iniciado na noite de 24 de abril.
Durante cinco noites sucessivas, o trabalho prosseguiu. No dia 26, o inimigo capturou a ponte vital sobre o canal de Corinto, através de um ataque de paraquedistas, e desde então os soldados alemães entraram profusamente no Peloponeso, acossando nossos soldados já sob pressão que lutavam para chegar às praias do sul. Em Náuplia, foi um desastre. O navio-transporte Slamat, num esforço heroico porém mal-orientado de embarcar o máximo possível de soldados, demorou-se demais no ancoradouro. Pouco depois do amanhecer, quando se afastava da costa, foi atacado e afundado por bombardeiros de mergulho. Dois contratorpedeiros, que resgataram a maioria dos setecentos homens a bordo, foram, por sua vez, afundados por ataques aéreos algumas horas depois. Houve apenas cinquenta sobreviventes desses três navios.
Nos dias 28 e 29, dois cruzadores e seis contratorpedeiros resgataram oito mil soldados e 1.400 refugiados iugoslavos das praias próximas de Kalamata. Um destróier precursor deparou com o inimigo já de posse da cidade com grandes incêndios, e a operação teve de ser abandonada. Um contra-ataque rechaçou os alemães da cidade, mas apenas cerca de 450 homens foram resgatados das praias a leste por quatro contratorpedeiros, usando seus próprios barcos. Esses acontecimentos marcaram o fim da evacuação principal. Pequenos grupos isolados foram apanhados em várias ilhas ou no mar, em embarcações pequenas, nos dois dias seguintes, e 1.400 oficiais e soldados, auxiliados por gregos que corriam um perigo mortal, chegaram de volta ao Egito independentemente, nos meses que se seguiram.
Ao todo, mais de 11 mil de nossos soldados se perderam e 50.662 foram retirados em segurança, incluindo homens da RAF e vários milhares de cipriotas, palestinos, gregos e iugoslavos. Esse número representou cerca de 80% das forças originalmente enviadas para a Grécia. Os resultados só se tornaram possíveis pela determinação e habilidade dos marinheiros da Marinha Real e da marinha mercante aliada, que nunca vacilaram ante os mais implacáveis esforços do inimigo de impedir seu trabalho. De 21 de abril até o fim da evacuação, 26 navios foram perdidos em função de ataques aéreos. A RAF, com um contingente aeronaval proveniente de Creta, fez o possível para ajudar, mas foi largamente superada em número. Mesmo assim, desde novembro, nossas poucas esquadrilhas vinham prestando um belo serviço. Infligiram ao inimigo perdas confirmadas de 231 aviões e lançaram quinhentas toneladas de bombas. Suas próprias perdas de 209 aparelhos, dentre os quais 72 em combate, foram duras, e seu histórico foi exemplar.
A pequena mas eficiente marinha grega passou então para o controle inglês. Um cruzador, seis contratorpedeiros modernos e quatro submarinos escaparam para Alexandria, onde chegaram em 25 de abril. Dali em diante, a marinha grega fez-se representar com distinção em muitas de nossas operações no Mediterrâneo.
Se, na narrativa dessa história de tragédia, fica a impressão de que as forças imperiais e inglesas não receberam nenhuma assistência militar efetiva de seus aliados gregos, convém lembrar que essas três semanas de luta em abril, com desvantagens desesperadoras, foram, para os gregos, a culminação de uma árdua luta de cinco meses contra a Itália, na qual eles haviam despendido quase toda a força vital do país. Atacados sem aviso prévio, em outubro de 1940, por pelo menos o dobro de suas forças, eles inicialmente repeliram os invasores e, depois, num contra-ataque, jogaram-nos de volta por quarenta milhas dentro da Albânia. Durante todo o rigoroso inverno nas montanhas, tinham estado em luta quase corpo a corpo com um inimigo mais numeroso e mais bem-equipado. O exército grego do noroeste não dispusera nem do transporte nem das estradas para uma manobra rápida, a fim de enfrentar no último minuto o novo e esmagador ataque alemão que atingiu seu flanco e sua retaguarda. Suas forças já se haviam esgotado quase até o limite, numa longa e corajosa defesa da pátria.
Não houve recriminações. A amizade e a ajuda que os gregos haviam tão lealmente oferecido a nossos soldados mantiveram-se com igual nobreza até o fim. O povo de Atenas e de outros pontos de evacuação parecia mais preocupado com a segurança de seus pretensos salvadores do que com seu próprio destino. A honra guerreira da Grécia mantém-se imaculada.
Numa transmissão pelo rádio, tentei não apenas expressar os sentimentos do mundo de língua inglesa, mas expor os fatos preponderantes que regiam nosso destino.
Embora, naturalmente, vejamos com tristeza e angústia muito do que vem acontecendo na Europa e na África, e que pode acontecer na Ásia, não devemos perder nosso senso de equilíbrio e, com isso, ficar desanimados ou alarmados. Ao fitarmos com olhar firme as dificuldades à nossa frente, podemos retirar uma confiança renovada da lembrança das que já superamos. Nada do que está ocorrendo agora é comparável, em sua gravidade, aos perigos que atravessamos no ano passado. Nada do que possa acontecer no Oriente é comparável ao que está acontecendo no Ocidente.
Tenho alguns versos que parecem justos e apropriados aos nossos fados esta noite, e creio que eles assim serão julgados, onde quer que se fale a língua inglesa ou tremule a bandeira da liberdade:
For while the tired waves, vainly breaking,
Seem here no painful inch to gain,
Far back, through creeks and inlets making,
Comes silent, flooding in, the main.
And not by eastern windows only,
When daylight comes, comes in the light;
In front the sun climbs slow, how slowly!
But westward, look, the land is bright.
Pois se as ondas cansadas batem vãs
Sem ganhar um só doloroso centímetro
Lá de trás, pelos regatos, criando passagens
Vem silenciosa, rolando, a massa d’água.
E não é só das janelas de leste que
Quando o dia nasce vem a luz.
Você olha e vem o sol, lento, como é lento,
Mas para oeste, olhe!, a terra brilha.
(Estrofes de “Say Not the Struggle Naught Availeth”,
Arthur Hugh Clough, 1819-1861)