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Creta

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A importância estratégica de Creta em todas as nossas questões no Me­diterrâneo já foi explicada por argumentos e acontecimentos. Os navios de guerra ingleses fundeados na baía de Suda, ou com a possibilidade de se reabastecer ali, podiam dar uma proteção importantíssima a Malta. Se nossa base em Creta fosse bem-defendida contra ataques aéreos, o poderio naval superior entraria em jogo e rechaçaria qualquer expedição marítima. Con­tudo, a apenas cem milhas de distância ficava a fortaleza italiana de Rhodes, com seus amplos aeródromos e suas instalações bem-montadas, enquanto, em Creta, tudo vinha andando por etapas. Eu dera ordens reiteradas para que a baía de Suda fosse reforçada. Chegara até a usar a expressão “uma segunda Scapa Flow”. Fazia quase seis meses que a ilha estava em nosso poder, mas só seria possível equipar o porto com um sistema mais potente de canhões antiaéreos à custa de outras necessidades ainda mais urgentes. O Comando do Oriente Médio tampouco conseguira encontrar mão de obra, local ou não, para construir os campos de aviação. Enquanto a Grécia continuasse em poder dos aliados não havia razão para enviar uma grande guarnição a Creta, ou para basear forças poderosas da RAF em seus aeroportos. Mas tudo deveria estar pronto para receber reforços, caso eles ficassem disponí­veis ou surgisse a necessidade. A responsabilidade pelo estudo deficiente do problema e a precária execução das instruções fornecidas deve ser dividida entre o Cairo e Whitehall. Só depois de ocorridos os desastres da Cirenaica, de Creta e do deserto foi que me dei conta de quão sobrecarregada e mal-apoiada estava a organização do general Wavell. Ele fez o que pôde, mas a máquina de comando colocada a sua disposição era fraca demais para lhe permitir lidar com a vasta massa de providências que lhe era imposta por quatro ou cinco campanhas simultâneas.

Em momento algum da guerra nosso sistema de inteligência esteve informado com tamanha certeza e precisão. Na exultante confusão de sua tomada de Atenas, os comandantes alemães guardaram menos sigilo do que lhes era costumeiro, e nossos agentes na Grécia eram ativos e ousados. Na última semana de abril, obtivemos de fontes fidedignas boas informações sobre o ataque alemão que viria a seguir. A movimentação e a agitação do 11° Corpo Aeroterrestre alemão, bem como a frenética concentração de navios de pequeno porte nos ancoradouros gregos, não podiam ser escon­didas de olhos e ouvidos atentos. Em nenhuma operação esforcei-me mais pessoalmente por estudar e avaliar os dados, ou por me certificar de que a magnitude do ataque iminente fosse transmitida aos comandantes em chefe e comunicada ao general que se encontrava no teatro de operações.

Eu havia sugerido ao CIGS que o general Freyberg fosse colocado no comando em Creta e ele propusera isso a Wavell, que havia concordado prontamente. Bernard Freyberg e eu tínhamos sido amigos por muitos anos. A Victoria Cross e a DSO com duas barras haviam marcado seus serviços insuperáveis e, tal como seu único par, Carton de Wiart, ele merecia o tí­tulo de “Salamandra” com que eu os havia aclamado. Os dois se excediam sob fogo e tinham literalmente perdido pedaços sem que fossem física ou espiritualmente afetados. No início da guerra, ninguém mais adequado para comandar a Divisão da Nova Zelândia, para a qual ele fora selecionado. Em setembro de 1940, eu havia considerado a ideia de lhe dar um posto com âmbito de ação muito maior. Agora, finalmente, esse comando pessoal decisivo chegara a suas mãos.

Freyberg e Wavell não tinham ilusões. A geografia de Creta dificultava sua defesa. Havia uma única estrada ao longo do litoral norte, na qual esta­vam enfileirados todos os pontos vulneráveis da ilha. Cada um deles tinha que ser autônomo. Não poderia haver uma reserva central, com liberdade de se deslocar para algum ponto ameaçado, a partir do momento em que essa estrada fosse cortada e firmemente defendida pelo inimigo. Apenas al­gumas trilhas, impróprias para o transporte motorizado, corriam do litoral sul para o norte. À medida que o perigo iminente começou a dominar a atenção do comando, tentou-se vigorosamente mandar para a ilha reforços e suprimentos de armas, especialmente de artilharia, mas era tarde demais. Durante a segunda semana de maio, a força aérea alemã na Grécia e no Egeu estabeleceu praticamente um bloqueio diurno e cobrou seu tributo de todo o tráfego, especialmente no litoral norte, o único onde havia ancoradouros. Das 27 mil toneladas de armamentos vitais enviadas nas primeiras três semanas de maio, menos de três mil conseguiram ser desembarcadas, e o restante teve de retornar. Nossa força, em matéria de armas antiaéreas, consistia em cinquenta canhões e 24 projetores giratórios. Havia apenas 25 tanques ligeiros já bem gastos. Nossas forças de defesa estavam distribuídas principalmente para proteger os campos de pouso, e o total das tropas imperiais que participavam da defesa correspondia a cerca de 28.600 soldados.

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Mas, evidentemente, foi nossa fraqueza aérea que possibilitou o ataque alemão. O contingente da RAF no início de maio correspondia a 36 aviões, dos quais apenas metade estava em boas condições de uso. Eles se distribuíam entre Retimo, Maleme e Heraklion e eram insignificantes, comparados ao poderio aéreo maciço que estava prestes a ser lançado sobre a ilha. Nossa inferioridade no ar era plenamente reconhecida por todos os envolvidos e, em 19 de maio, véspera do ataque, todos os aviões restantes foram evacua­dos para o Egito. No Gabinete de Guerra, entre os chefes de estado-maior e entre os comandantes em chefe no Oriente Médio, sabia-se que a única alternativa era combater nessa desvantagem aterradora ou deixar a ilha às pressas, como talvez fosse possível nos primeiros dias de maio. Mas não havia divergências entre quaisquer de nós quanto a enfrentar o ataque; e quando, à luz dos conhecimentos posteriores, verificamos quão perto estivemos de vencer, apesar de todas as nossas deficiências, e quão amplas foram as van­tagens até mesmo de nossa derrota, devemos dar-nos por muito satisfeitos com os riscos que corremos e o preço que pagamos.

A batalha começou na manhã de 20 de maio, e nunca um ataque mais atordoante e impiedoso foi lançado pelos alemães. Sob muitos de seus aspec­tos, ele foi único na época. Nunca se vira nada semelhante. Foi o primeiro ataque pelo ar em larga escala nos anais da guerra. O Corpo Aeroterrestre alemão representava a paixão do Movimento da Juventude Hitlerista e era uma ardorosa encarnação do espírito teutônico de vingança pela derrota de 1918. A nata da virilidade alemã expressava-se naquelas tropas de paraquedistas nazis valentes, altamente treinados e completamente dedicados. Depositavam sua vida no altar da glória alemã, e o poder mundial era sua meta apaixonada. Estavam destinados a deparar com soldados orgulhosos, muitos dos quais haviam percorrido todo o caminho desde o outro lado do mundo para lutar como voluntários, em nome da pátria e do que conside­ravam ser a causa do direito e da liberdade.

Os alemães empregaram toda a força que puderam arrebanhar. Essa vi­ria a ser a prodigiosa façanha aérea de Göring. Poderia ter sido desfechada contra a Inglaterra em 1940, se a RAF se houvesse desarticulado. Mas tal expectativa não se realizara. Poderia ter sido lançada sobre Malta. Mas esse ataque nos foi poupado. A força aérea alemã havia esperado mais de sete meses para desfechar seu golpe e provar seu brio. Agora, finalmente, Göring podia dar-lhe o tão esperado sinal. Quando a batalha se iniciou, não sabía­mos qual era o total de recursos da Alemanha em tropas de paraquedistas. O 11° Corpo Aeroterrestre poderia ser apenas uma de meia dúzia dessas unidades. Só muitos meses depois é que tivemos certeza de que era a única. Na verdade, era a ponta da lança do assalto alemão. E aqui está a história de como triunfou e foi quebrada.

Em Maleme, o grosso de nossa artilharia antiaérea foi posto fora de com­bate quase imediatamente. Antes de terminado o bombardeio, os planadores começaram a pousar a oeste do aeroporto. Onde quer que nossos soldados fossem avistados, eram submetidos a um bombardeio tremendo. Contra-ataques eram impossíveis à luz do dia. Os planadores ou aviões de trans­porte de tropas pousavam ou despencavam nas praias e nos campos de ve­getação rala, ou no aeródromo varrido pelo fogo. Ao todo, entre Maleme e Canea e em seus arredores, mais de cinco mil alemães atingiram o solo no primeiro dia. Sofreram baixas muito pesadas, em decorrência da artilharia e da feroz luta corpo a corpo com os neozelandeses. No fim do dia, ainda estávamos de posse do aeroporto, mas, naquela noite, os poucos que restavam do batalhão recuaram para suas tropas de apoio.

Retimo e Heraklion foram submetidas a um intenso bombardeio aéreo naquela manhã, seguido pela descida de paraquedistas à tarde. Seguiu-se um combate violento mas, ao anoitecer, continuávamos firmemente de posse dos dois campos de aviação. O resultado desse primeiro dia de bata­lha, portanto, foi bastante satisfatório, exceto em Maleme; mas, em todos os setores, grupos de homens bem-armados já estavam à solta. A força dos ataques superou em muito as expectativas do comando inglês, e a fúria de nossa resistência assombrou o inimigo.

A violenta investida continuou no segundo dia, quando voltaram a aparecer aviões transportando tropas. Embora o aeroporto de Maleme con­tinuasse sob fogo cerrado de nossa artilharia e nossos morteiros, os aviões de transporte de tropas continuaram a aterrissar nele e no solo irregular a oeste. O Alto Comando alemão parecia indiferente às baixas, e pelo menos cem aviões se espatifaram em aterrissagens forçadas nessa área. Mesmo assim, a invasão continuou. Um contra-ataque realizado naquela noite chegou aos limites do aeroporto, mas, com o amanhecer, a força aérea alemã ressurgiu e o terreno conquistado não pôde ser mantido.

No terceiro dia, Maleme transformou-se num aeroporto operacional efetivo para o inimigo. Os aviões de transporte de tropas continuaram a chegar, à razão de mais de vinte por hora. Ainda mais decisivo foi o fato de eles poderem também retornar para buscar reforços. Ao todo, calcula-se que, nesse e nos dias seguintes, mais de seiscentos aviões de transporte tenham pousado ou feito aterrissagens forçadas mais ou menos bem-sucedidas no aeroporto. Sob a pressão crescente, a brigada neozelandesa foi cedendo ter­reno aos poucos, até ficar a quase dez milhas de Maleme. Em Canea e Suda não houve alteração, e em Retimo a situação continuou bem-controlada. Em Heraklion, o inimigo vinha pousando a leste do aeroporto e ali se iniciou e foi crescendo uma posição inimiga eficaz.

Na noite seguinte, nossos soldados exaustos viram, ao norte, toda a linha do horizonte iluminada por clarões e souberam que a Royal Navy estava em ação. O primeiro comboio marítimo alemão iniciara sua missão desesperada. Por duas horas e meia, os navios ingleses perseguiram sua caça, afundando nada menos de 12 barcos e três navios a vapor, todos repletos de soldados inimigos. Calcula-se que cerca de quatro mil homens tenham-se afogado nessa noite. Enquanto isso, o almirante King, com quatro cruza­dores e três contratorpedeiros, passara a noite de 21 de maio patrulhando a costa de Heraklion e, ao amanhecer de 22, começou a se deslocar para o norte. Um único barco repleto de soldados foi destruído e, por volta das dez horas, a esquadra se aproximava da ilha de Milos. Poucos minutos depois, um destróier inimigo com cinco pequenas embarcações foi avistado ao norte e imediatamente atacado. Outro destróier foi avistado lançando uma cortina de fumaça, por trás da qual havia grande número de barcos. Na verdade, tínhamos interceptado outro importante comboio, abarrotado de solda­dos. Nosso reconhecimento aéreo havia comunicado esse fato ao almirante Cunningham, mas a notícia levara mais de uma hora para ser confirmada ao almirante King. Seus navios tinham estado sob ataque aéreo incessante desde o alvorecer e, embora não tivessem sofrido nenhuma avaria até então, todos estavam começando a ficar sem munição antiaérea. O contra-almirante, sem se aperceber plenamente do prêmio que estava quase ao alcance de sua mão, achou que prosseguir em direção ao norte poria em risco sua esquadra inteira e ordenou um recuo para o oeste. Tão logo essa mensagem foi decodificada pelo comandante em chefe, ele transmitiu a seguinte ordem: “Aguente firme. Mantenha distância de contato visual. Exército não pode desembarcar em Creta. É essencial que nenhuma força inimiga transportada por mar desembarque em Creta.”

Mas já era tarde demais para destruir o comboio, que fizera meia-volta e se dispersara por todas as direções entre as inúmeras ilhas. Assim, pelo menos cinco mil soldados alemães escaparam da sorte de seus companheiros. A audácia das autoridades alemãs, ao ordenarem a travessia desses comboios de tropas praticamente indefesos por águas cujo domínio naval elas não possuíam da mesma forma como possuíam do ar, são uma amostra do que poderia ter acontecido, em escala gigantesca, no mar do Norte e no canal da Mancha em setembro de 1940. Isso mostra a falta de compreensão alemã do poder naval contra as forças de invasão, e também o preço que pode ser cobrado em vidas humanas como punição por esse tipo de ignorância.

Inflexivelmente decidido, fosse a que custo fosse, a destruir todos os in­vasores trazidos por mar, o almirante Cunningham jogou tudo na balança. É claro que, durante todo o decorrer dessas operações, ele não hesitou, para esse fim, em arriscar não somente seus navios mais preciosos, como todo o comando naval do Mediterrâneo Oriental. Sua conduta nessa situação foi altamente apreciada pelo almirantado. Nessa batalha sinistra, o comando alemão não foi o único a arriscar as cartadas mais altas. Os acontecimen­tos dessas 48 horas de batalha naval convenceram o inimigo, e não houve nenhuma outra tentativa de desembarque por mar enquanto o destino de Creta não ficou decidido.

Mas os dias 22 e 23 de maio custaram caro à marinha. Dois cruzadores e três contratorpedeiros foram afundados, um encouraçado, o Warspite, foi posto fora de combate por muito tempo, e o Valiant e muitos outros navios foram consideravelmente avariados. Ainda assim, a guarda marítima de Creta foi mantida. A marinha não falhou. Nem um único alemão desembarcou em Creta por mar até acabar a batalha pela ilha.

O dia 26 de maio foi decisivo. Nossos soldados tinham estado sob pres­são cada vez maior durante seis dias. Finalmente, não conseguiram mais aguentar. Tarde da noite, tomou-se a decisão de evacuar Creta. Tivemos de enfrentar novamente uma tarefa amarga e desoladora e a certeza de baixas pesadas. A esquadra, atormentada e fatigada, teve de realizar o embarque de aproximadamente 22 mil homens, a maioria saindo da praia desprotegida de Sphakia, e atravessar 350 milhas de águas dominadas pela força aérea inimiga. Era preciso que os soldados se escondessem perto da orla até serem chamados a embarcar. Pelo menos 15 mil homens ficaram escondidos no terreno acidentado perto de Sphakia, e a retaguarda de Freyberg esteve em combates constantes.

Uma tragédia esperava a expedição concomitante do almirante Rawlings, que fora resgatar a guarnição de Heraklion. Chegando antes da meia-noite, os contratorpedeiros transportaram os soldados para os cruzadores que espera­vam ao largo. Às 3h20, o trabalho foi concluído. Quatro mil homens tinham sido embarcados e se iniciou a viagem de volta. Havia-se providenciado uma proteção de aviões de caça, mas, em parte em virtude de uma diferença de hora, os aviões não localizaram os navios. O temido bombardeio começou às seis horas e continuou até as 15 horas, quando a esquadra estava a menos de cem milhas de Alexandria. O destróier Hereward foi a primeira baixa. Às 6h25, foi atingido por uma bomba e não conseguiu mais acompanhar o comboio. O almirante decidiu, acertadamente, deixar o navio atingido entregue à sua sorte. A última vez que ele foi visto, estava se aproximando da costa de Creta. Os que se achavam a bordo sobreviveram em grande parte, embora como prisioneiros de guerra. Mas havia coisa pior por vir. Nas quatro horas seguintes, os cruzadores Dido e Orion e o contratorpedeiro Decoy foram atingidos. A velocidade da esquadra caiu para 21 nós, mas todos mantive­ram-se juntos no rumo sul. No Orion, a situação foi estarrecedora. Além de sua própria tripulação, ele levava 1.100 soldados a bordo. Em seu refeitório superlotado, uns 260 homens foram mortos e 280, feridos por uma bomba que atravessou o passadiço. O comandante G.R.B. Back também foi morto, o navio ficou seriamente avariado e pegou fogo. Ao meio-dia, surgiram dois aviões Fulmar da aviação naval e, a partir desse momento, trouxeram algum alívio. Os caças da RAF, a despeito de todos os esforços, não conseguiram localizar a esquadra torturada, embora tenham travado diversos combates e destruído pelo menos dois aviões. Quando a esquadra chegou a Alexandria, às vinte horas do dia 29, constatou-se que um quinto da guarnição resgatada de Heraklion fora morta, ferida ou capturada.

Depois dessas experiências, o general Wavell e seus colegas tiveram que decidir até quando deveria prosseguir o esforço de retirar nossas tropas de Creta. O exército estava em perigo mortal, a aviação pouco podia fazer e, mais uma vez, a tarefa recaiu sobre a marinha, exausta e dilacerada pelas bombas. Para o almirante Cunningham, era contrário a toda a tradição abandonar o exército em semelhante crise. Ele declarou: “A marinha leva três anos para construir um novo navio. Levará trezentos anos para construir uma nova tradição. A evacuação [i.e., o resgate] continuará.” Na manhã do dia 29, quase cinco mil homens tinham sido retirados, mas um imenso número aguardava escondido em todos os acessos a Sphakia, sendo bombardeado todas as vezes que se expunha à luz do dia. A decisão de arriscar outras perdas navais ilimitadas foi justificada, não apenas em seu impulso, mas pelos resultados obtidos.

Na noite de 28 de maio, o almirante King zarpara rumo a Sphakia. Na noite seguinte, cerca de seis mil homens foram embarcados sem interferência e, apesar de atacados por três vezes no dia 30, chegaram a Alexandria em segurança. Essa boa sorte deveu-se aos caças da RAF, que, apesar de pouco numerosos, desarticularam mais de um ataque antes que ele atingisse o alvo. Na manhã do dia 30, o comandante Arliss zarpou mais uma vez para Sphakia, acompanhado por quatro contratorpedeiros. Dois deles tiveram que voltar, mas ele prosseguiu com o outro par e embarcou com êxito mais de 1.500 soldados. Os dois navios foram avariados por bombas que caíram muito perto na viagem de volta, mas chegaram em segurança a Alexandria. O rei da Grécia, depois de muitos perigos, fora retirado dias antes em com­panhia do embaixador inglês. Nessa noite, também o general Freyberg foi resgatado de avião, por instrução do comandante em chefe.

Em 30 de maio, ordenou-se um último esforço para retirar as tropas restantes. Acreditava-se que o número em Sphakia, àquela altura, não ultra­passasse três mil soldados, mas informações posteriores mostraram que havia mais do dobro desse total. O almirante King tornou a zarpar na manhã do dia 31. Não tinha esperança de transportar todos, mas o almirante Cunningham mandou que os navios acomodassem o máximo de soldados. Ao mesmo tempo, o almirantado foi informado de que essa seria a última noite da retirada. O embarque correu bem e os navios tornaram a zarpar às três horas de 1º de junho, levando quase quatro mil soldados em segurança para Alexandria.

Mais de cinco mil soldados ingleses e do Império foram deixados em algum lugar de Creta e autorizados pelo general Wavell a capitular. Muitos indiví­duos, entretanto, dispersaram-se pela ilha montanhosa, que tem 160 milhas de comprimento. Eles e os soldados gregos foram socorridos pelos aldeões e pelos camponeses, que eram implacavelmente punidos todas as vezes que eram descobertos. Houve represálias bárbaras contra camponeses inocentes ou corajosos, que foram fuzilados em grupos de vinte ou trinta. Foi por essa razão que, três anos depois, em 1944, propus ao Conselho Supremo de Guerra que os crimes locais fossem julgados in loco e que os acusados fossem recambiados para julgamento nas mesmas regiões. Esse princípio foi aceito e algumas das dívidas vencidas foram pagas.

Dezesseis mil e quinhentos homens foram trazidos em segurança para o Egito. Eram, em sua quase totalidade, soldados ingleses e do Império Britâ­nico. Quase outros mil foram ajudados a escapar, posteriormente, por vários destacamentos de comandos. Nossas baixas foram de aproximadamente 13 mil mortos, feridos e capturados. A elas acrescentem-se quase duas mil baixas navais. Desde a guerra, mais de quatro mil túmulos alemães foram contados perto de Maleme e da baía de Suda, e outros mil em Retimo e Heraklion. Além deles, houve o número enorme mas desconhecido dos que se afogaram e dos que vieram a morrer posteriormente na Grécia, em decorrência de seus ferimentos. No total, o inimigo deve ter sofrido baixas bem superiores a 15 mil mortos e feridos. Cerca de 170 aviões-transporte de tropas foram derrubados ou seriamente avariados. Mas o preço que eles pagaram por sua vitória não pode ser medido pelo morticínio.

A Batalha de Creta foi um exemplo dos resultados decisivos que podem brotar dos combates duros e contínuos, afora as manobras por posições estratégicas. Não sabíamos quantas divisões de paraquedistas tinham os alemães. Mas, na verdade, a 7ª Divisão Aeroterrestre era a única de Göring. Essa divisão foi destruída na Batalha de Creta. Mais de cinco mil de seus ho­mens mais intrépidos foram mortos, e a estrutura inteira da organização ficou irremediavelmente desarticulada. Ela nunca mais ressurgiu em forma efetiva. Os neozelandeses e os outros soldados ingleses, imperiais e gregos que lutaram nessa batalha confusa, desanimadora e inútil por Creta fiquem certos de que desempenharam um papel decisivo num acontecimento que nos trouxe um alívio de grandes consequências, num momento crucial.

As perdas alemãs de seus mais qualificados combatentes retiraram uma portentosa arma aerotransportada e paraquedista de qualquer participação adicional nos acontecimentos imediatos no Oriente Médio. Göring obteve uma vitória de Pirro em Creta, pois as forças que despendeu ali poderiam facilmente ter-lhe dado Chipre, o Iraque, a Síria e talvez até a Pérsia. Era tropa exatamente do tipo necessário para invadir grandes regiões oscilantes, onde não havia nenhuma resistência séria. Foi tolice desperdiçar essas opor­tunidades quase incomensuráveis e essas forças insubstituíveis numa luta mortal, amiúde corpo a corpo, com os guerreiros do Império Britânico.

Dispomos agora do “relatório de combate” do 11° Corpo Aeroterrestre, do qual a 7ª Divisão Aeroterrestre fazia parte. Ao recordarmos as duras crí­ticas e autocríticas a que nossas medidas foram submetidas, é interessante ler o outro lado.

As forças terrestres inglesas em Creta tinham aproximadamente o triplo da força que havíamos presumido. A área de operações na ilha fora pre­parada para a defesa com extremo cuidado e por todos os meios possíveis. (...) Todas as construções foram camufladas com grande habilidade. (...) A impossibilidade de avaliar corretamente a situação inimiga, em virtude da falta de informações, pôs em risco o ataque do XI Corpo Aeroterrestre e resultou em perdas excepcionalmente elevadas e sangrentas.

A situação naval no Mediterrâneo, pelo menos no papel, foi gravemente afetada por nossas perdas na batalha e na evacuação de Creta. A Batalha de Matapan, em 28 de março, havia repelido momentaneamente a esquadra italiana para seus portos. Agora, no entanto, novas e pesadas baixas tinham sido impostas à nossa esquadra. Depois de Creta, o almirante Cunningham contava com apenas dois encouraçados, três cruzadores e 17 contratorpedeiros prontos para a ação. Nove outros cruzadores e contratorpedeiros estavam em reparos no Egito, mas os encouraçados Warspite e Barham, bem como seu único porta-aviões, o Formidable, além de vários outros navios, teriam que deixar Alexandria para ser reparados em outros locais. Três cruzadores e seis destróieres tinham sido perdidos. Era preciso enviar reforços sem demora para restabelecer o equilíbrio. Mas, como será relatado dentro em pouco, havia outros infortúnios à nossa espera. O período que estávamos prestes a enfrentar ofereceu ao inimigo sua melhor oportunidade de contestar nosso dúbio controle do Mediterrâneo e do Oriente Médio, com tudo o que isso implicava. Não tínhamos como saber que ele não iria aproveitá-la.