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O último esforço do general Wavell

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Enquanto a luta em Creta e no deserto ocidental caminhava para um clímax e o Bismarck era perseguido e destruído no oceano Atlântico, peri­gos menos sangrentos mas não menos graves ameaçavam-nos na Síria e no Iraque. Nosso tratado de 1930 com o Iraque previa que, em tempos de paz, a Inglaterra, entre outras coisas, manteria bases aéreas perto de Basra e em Habbaniya e teria direito de trânsito para forças militares e suprimentos em qualquer ocasião. Previa também que, em tempo de guerra, teríamos todas as facilidades possíveis, inclusive o uso de ferrovias, rios, portos e aeroportos para a passagem de nossas forças armadas. Quando eclodiu a guerra, o Iraque rompeu relações diplomáticas com a Alemanha, mas não declarou guerra. Quando a Itália entrou no conflito, o Iraque nem sequer cortou suas relações diplomáticas, e a embaixada italiana em Bagdá tornou-se o principal centro de propaganda do Eixo, fomentando sentimentos antibritânicos. Foi nisso ajudada pelo mufti de Jerusalém, que escapou da Palestina pouco antes de estourar a guerra e, posteriormente, obteve asilo em Bagdá. Com a queda da França, o prestígio inglês baixou muito, e a situação nos causou grande ansiedade. Mas, como ação militar estava fora de possibilidade, tivemos de seguir adiante da melhor forma possível.

Em março de 1941, houve uma mudança para pior. Rashid Ali, que vi­nha trabalhando com os alemães, tornou-se primeiro-ministro, e o regente pró-inglês, emir Abdul Ilah, fugiu. Tornou-se essencial garantir Basra, o principal porto do Iraque no golfo Pérsico, e uma brigada enviada pelo general Auchinleck, comandante em chefe na Índia, ali desembarcou sem oposição em 18 de abril. Com isso, Rashid Ali, que vinha contando com a assistência dos aviões alemães e até de tropas alemãs aerotransportadas, foi forçado a entrar em combate.

Seu primeiro movimento foi atacar Habbaniya, nossa base de treinamento da força aérea no deserto do Iraque. O acantonamento alojava pouco mais de 2.200 militares e nada menos de nove mil civis, e sua escola de pilotagem tornou-se um ponto de grande importância. O vice-marechal do ar Smart, que estava no comando, tomou precauções ousadas e oportunas. Ante­riormente, a escola tivera apenas aviões obsoletos ou de treinamento, mas alguns caças Gladiator haviam chegado do Egito e 82 aviões de todos os modelos foram improvisados em quatro esquadrilhas. Um batalhão inglês proveniente da Índia chegou no dia 29. A defesa terrestre do perímetro de sete milhas, com sua solitária cerca de arame, era realmente escassa. No dia 30, tropas iraquianas vindas de Bagdá apareceram a apenas uma milha do planalto que dominava o aeroporto e a base. Em pouco tempo, elas foram reforçadas até atingir o total de cerca de nove mil homens e cinquenta canhões. Os dois dias subsequentes foram gastos em conversações infrutíferas. No alvorecer de 2 de maio, a batalha começou.

Na Síria, a ameaça era não menos iminente e nossos recursos não menos escassos. Era um dos muitos territórios ultramarinos do Império Francês que se consideravam comprometidos com a rendição do governo francês, e as autoridades de Vichy tinham feito o máximo para impedir que qualquer militar do exército francês no Levante cruzasse a fronteira da Palestina para se juntar a nós. Em agosto de 1940, aparecera uma co­missão italiana do armistício e agentes alemães, presos desde a eclosão da guerra, foram libertados e entraram em atividade. No fim do ano, muitos outros alemães haviam chegado e, dispondo de fartas verbas, tratavam de despertar sentimentos antibritânicos e antissionistas entre os povos árabes do Levante. No momento em que Rashid Ali tomou o poder no Iraque, a Síria impôs-se à nossa atenção. A Luftwaffe já vinha atacando o canal de Suez a partir de bases no Dodecaneso e, obviamente, se quisesse, poderia agir contra a Síria, especialmente com tropas aerotransportadas. Se algum dia os alemães assumissem o controle desse país, o Egito, a zona do canal e a refinaria de petróleo de Abadan ficariam sob a ameaça direta de ataques aéreos contínuos. Nossas comunicações por terra entre a Palestina e o Iraque ficariam em perigo. Era bem possível que houvesse repercussões políticas no Egito, e nossa reputação na Turquia e em todo o Oriente Médio ficaria muito abalada.

Logo depois que Rashid Ali apelou para o Führer, pedindo-lhe apoio armado contra nós no Iraque, o almirante Darlan negociou um acordo preliminar com os alemães sobre a Síria. Três quartos do material bélico reunido sob o controle da comissão italiana do armistício deveriam ser trans­portados para o Iraque, e a força aérea alemã deveria ter permissão de desem­barque. O general Dentz, alto comissário e comandante em chefe de Vick, foi instruído a acatar essas ordens e, no fim de maio, cerca de cem aviões alemães e vinte italianos aterrissaram nos aeroportos sírios.

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Desde o início desses novos perigos, o general Wavell mostrou-se suma­mente relutante em assumir novas responsabilidades. Na Síria, tudo o que poderia administrar seria uma única brigada. Ele declarou que faria movi­mentos para dar a impressão de que havia uma grande força preparando-se para combater a partir da Palestina, o que talvez surtisse algum efeito no governo iraquiano, mas disse que tudo o que lhe era possível enviar seria insuficiente e tardio. Isso deixaria a Palestina perigosamente enfraquecida e já havia incitações à revolta ocorrendo no local. Ele telegrafou: “Tenho-vos alertado reiteradamente que nenhuma assistência pode ser dada ao Iraque a partir da Palestina, na situação atual, e sempre recomendei que se evitasse um comprometimento no Iraque. (...) Minhas forças estão sendo exigidas até o limite máximo por toda parte, e simplesmente não posso me dar o luxo de arriscar parte delas em operações que não surtam efeito.”

O general Auchinleck, por outro lado, continuou a oferecer ao Iraque reforços de até cinco brigadas de infantaria e tropa de apoio, se o transpor­te pudesse ser fornecido. Ficamos satisfeitos com seu espírito animado. O general Wavell só obedeceu sob protesto. Em 5 de maio, telegrafou: “Julgo ser meu dever advertir-vos nos termos mais graves de que considero que o prolongamento da luta no Iraque colocará seriamente em risco a defesa da Palestina e do Egito. As repercussões políticas serão incalculáveis e poderão resultar no que passei quase dois anos tentando evitar, ou seja, graves dis­túrbios internos em nossas bases. Portanto, insisto vigorosamente em que se negocie um acordo o mais depressa possível.”

Não fiquei satisfeito com isso e, apoiado pelos chefes de estado-maior, levantei o problema no Comitê de Defesa em sua reunião do dia seguinte, ao meio-dia. O estado de ânimo vigente era resoluto. As seguintes ordens foram enviadas ao general Wavell, por instrução do Comitê:

(...) O acordo mediante negociação não pode ser considerado, a não ser com base num recuo dos iraquianos, com salvaguardas contra as futuras intenções do Eixo em relação ao Iraque. A realidade da situação é que Rashid Ali sempre foi ligadíssimo com as potências do Eixo e estava apenas esperando que elas pudessem apoiá-lo para jogar sua cartada. Nossa chegada a Basra forçou-o a agir prematuramente, antes que o Eixo estivesse pronto. Assim, há uma excelente probabilidade de recuperar a situação através de medidas arrojadas, se elas não sofrerem atraso.

Por conseguinte, os chefes de estado-maior informaram ao Comitê de Defesa que estão dispostos a assumir a responsabilidade pelo envio da força especificada em vosso telegrama na primeira oportunidade. O Comitê de Defesa determinou que o vice-marechal do ar Smart seja informado de que receberá assistência e de que, nesse meio-tempo, é dever dele defen­der Habbaniya até o fim. Ressalvando-se a manutenção da defesa do Egito, o máximo apoio aéreo possível deverá ser dado às operações no Iraque.

Enquanto isso, as esquadrilhas da escola de pilotagem de Habbaniya, junto com os bombardeiros Wellington de Shaiba, na extremidade do golfo Pérsico, atacaram as tropas iraquianas no planalto. Estas revidaram com artilharia bombardeando a base, com o auxílio das bombas e metralhadoras de suas aeronaves. Mais de quarenta dos nossos homens foram mortos ou feridos no primeiro dia, e 22 aviões foram destruídos ou avariados. Apesar dos riscos envolvidos em decolagens sob fogo da artilharia próxima, nossos pilotos perseveraram. Não houve ataque da infantaria inimiga e, pouco a pouco, suas baterias foram sendo dominadas. Verificou-se que os artilheiros inimigos não se mantinham a postos em seus canhões sob ataque aéreo, nem tampouco quando nossas aeronaves eram avistadas sobrevoando a região. Tirou-se plena vantagem de seu nervosismo e, depois do segundo dia, pudemos desviar parte de nosso esforço aéreo e voltá-lo contra a força aérea iraquiana e suas bases. Nas noites de 3 e 4 de maio, algumas patrulhas se deslocaram para atacar as linhas inimigas e, no dia 5, após quatro dias de bombardeio da RAF, o inimigo se deu por vencido. Naquela noite, retirou-se do planalto. Foi perseguido, e um combate muito bem-sucedido resultou na captura de quatrocentos prisioneiros, 12 canhões, sessenta metralhadoras e dez carros blindados. Uma coluna de reforços foi apanhada na estrada e destruída por nossos aviões. Em 7 de maio, o cerco estava encerrado e, no dia 18, a vanguarda das tropas de revezamento chegou da Palestina.

A essa altura, os iraquianos não eram o único inimigo. Os primeiros aviões alemães estabeleceram-se no aeroporto de Mosul em 13 de maio e, a partir de então, a tarefa principal da RAF consistiu em atacá-los e impedir que fossem abastecidos por ferrovia através da Síria. Passados alguns dias, conseguimos esmagá-los. Depois apareceu uma esquadrilha italiana de caças, que não obteve qualquer sucesso. O oficial alemão encarregado de coordenar o ataque das esquadrilhas aéreas do Eixo com as forças iraquianas, filho do marechal Blomberg, aterrissou em Bagdá com uma bala na cabeça, graças ao tiroteio equivocado de seus aliados. Seu sucessor, apesar de ter mais sorte na aterrissagem, nada pôde fazer, e toda a probabilidade de uma intervenção proveitosa do Eixo chegou ao fim.

Nossas tropas avançadas chegaram aos arredores de Bagdá em 30 de maio. Embora somassem um pequeno número e houvesse uma divisão iraquiana na cidade, sua presença foi demais para Rashid Ali e seus com­panheiros, que fugiram imediatamente para a Pérsia, acompanhados pelos embaixadores alemão e italiano e pelo ex-mufti de Jerusalém. Assinou-se um armistício no dia seguinte. O regente foi reinstaurado no poder, um novo governo tomou posse e logo ocupamos todos os pontos importantes do país.

Assim, o plano alemão de provocar uma rebelião no Iraque e dominar aquela ampla área a um custo reduzido frustrou-se por um triz. Eles tinham ao seu dispor, é claro, uma força aerotransportada que, nessa ocasião, ter-lhes-ia dado a Síria, o Iraque e o Irã, com seus preciosos campos petrolífe­ros. A mão de Hitler poderia ter-se estendido até muito longe, atingindo a Índia e acenando para o Japão. Mas, como vimos, ele optou por empregar e gastar sua organização aérea de elite em outro lugar. Sem dúvida, desper­diçou a oportunidade de capturar uma grande presa, por um custo baixo, no Oriente Médio.

A amarga necessidade de deter os alemães na Síria também nos obrigou a exercer uma dura pressão sobre Wavell. Ele disse ter a esperança de não ser cumulado com uma campanha na Síria, a menos que ela fosse abso­lutamente essencial. Os chefes de estado-maior retrucaram que não havia outra alternativa senão improvisar a maior força que lhe fosse possível, sem prejudicar a segurança do deserto ocidental, e, em 21 de maio — no momento do ataque alemão a Creta — Wavell instruiu o general Maitland Wilson a se preparar para uma expedição.

Auxiliada por tropas da França Livre, esta teve início em 8 de junho e, a princípio, encontrou pouca oposição. Ninguém sabia dizer até que ponto Vichy lutaria. Embora não conseguíssemos a surpresa, houve quem achasse que o inimigo ofereceria apenas uma resistência simbólica. Mas, quando ele percebeu como éramos fracos, sentiu-se animado e reagiu vigorosamente, nem que fosse apenas por honra das armas. Após uma semana de comba­te, ficou claro para Wavell que havia necessidade de reforços. Com muito esforço, conseguiu reunir mais algumas unidades, inclusive parte da força que havia capturado Bagdá. Damasco foi tomada pelos australianos em 21 de maio, depois de três dias de luta acirrada. Seu avanço foi auxiliado por um ataque intrépido e caro do Comando n° 11, que desembarcou por mar atrás das linhas inimigas. O general Dentz percebeu que havia chegado ao seu limite. Ainda dispunha de cerca de 24 mil homens, mas não tinha esperança de oferecer uma resistência contínua. Mal lhe restava um quinto de sua força aérea. Às 8h30 de 12 de julho, chegaram enviados de Vichy para propor um armistício. Ele foi concedido, assinou-se um acordo e a Síria passou para a ocupação aliada. Nossas baixas, entre mortos e feridos, ultrapassaram 4.600 homens; as do inimigo foram de uns 6.500. Restou um incidente desagradável. Os soldados ingleses feitos prisioneiros durante a batalha tinham sido embarcados às pressas para a França de Vichy, onde certamente passariam para a custódia alemã. Quando se descobriu isso, o general Dentz e outros oficiais de alta patente foram tomados como reféns, até que nossos homens fossem devolvidos.

As boas campanhas na Síria e no Iraque melhoraram enormemente nossa posição estratégica no Oriente Médio. Fecharam as portas a qualquer nova tentativa de penetração do inimigo no Oriente pelo Mediterrâneo, estende­ram nossa defesa do canal de Suez por mais 250 milhas ao norte e livraram a Turquia dos temores por sua fronteira sul. A Turquia, a partir de então, pôde contar com a garantia da ajuda de uma nação amiga, se fosse atacada. A batalha de Creta, que nos custara tão caro, destruíra o poder de ataque das tropas alemãs aerotransportadas. A rebelião do Iraque foi finalmente sufocada e, com uma força deploravelmente pequena e improvisada, recuperamos o domínio das vastas regiões que estavam em jogo. A ocupação e conquista da Síria, empreendidas para enfrentar uma necessidade desesperadora, acabaram para sempre, como depois se constatou, com o avanço alemão em direção ao golfo Pérsico e à Índia. Se, diante de todas as tentações da prudência, o Gabinete de Guerra e os chefes de estado-maior não tivessem feito de cada longínquo posto um posto vencedor, impondo sua vontade a todos os co­mandantes, ter-nos-iam restado apenas as perdas sofridas em Creta, sem que colhêssemos as recompensas decorrentes da árdua e gloriosa batalha havida ali. Se o general Wavell, mesmo exausto, houvesse sucumbido à extrema tensão a que foi submetido pelos acontecimentos e por nossas ordens, todo o futuro da guerra e da Turquia poderiam ter-se alterado de maneira fatal. Há sempre muito a dizer em favor de não arriscar mais do que o possível e transformar em certeza aquilo que se arrisca. Mas esse princípio, como outros na vida e na guerra, tem suas exceções.

Convém lembrar que a revolta no Iraque e o avanço para a Síria constituí­ram apenas uma pequena parcela da imensa pressão, no Oriente Médio, que atingiu o general Wavell por todos os lados e simultaneamente. Do mesmo modo, todo o cenário do Mediterrâneo, visto de Londres, era apenas uma parte secundária do nosso problema mundial. A ameaça de invasão, a guerra submarina e a atitude do Japão eram aspectos preponderantes. Somente a força e a coesão do Gabinete de Guerra, as relações de respeito mútuo e harmonia de opiniões entre os líderes políticos e militares, e o perfeito funcionamento de nossa máquina de guerra permitiram-nos superar, ainda que dolorosamente mutilados, essas provações e perigos. Resta ainda des­crever mais uma operação, a batalha no deserto ocidental, que foi de suma importância para mim e para os chefes de estado-maior. E esta, embora não tenha tido sucesso, deixou Rommel paralisado por quase cinco meses.

Nessa época, tínhamos um espião em estreito contato com o QG de Rommel. Ele nos fornecia informações exatas sobre as terríveis dificuldades que o inimigo enfrentava. Sabíamos como era estreita a margem com que Rommel esperava manter-se e sabíamos também das ordens veementes e rigorosas do Alto Comando alemão, no sentido de que ele não desperdiçasse suas vitórias contando demais com a sorte.

Wavell, que dispunha de todas as nossas informações, tentou por iniciati­va própria, mesmo no advento iminente de Creta, deter Rommel antes que a temida 15a Divisão Panzer chegasse com plena força pela longa estrada que vinha de Trípoli, e antes que Benghazi fosse efetivamente aberta como um atalho para o suprimento do inimigo. Ele queria atacar antes mesmo que os tanques entregues pela operação Tiger — os “filhotes de tigre”, como Wavell e eu os chamávamos em nossa correspondência — pudessem entrar em ação. Uma pequena força comandada pelo general Gott tentou fazer isso, mas a tentativa fracassou e, em 20 de maio, a oportunidade de derrotar Rommel antes que ele conseguisse reforços estava perdida.

A despeito dos preparativos feitos de antemão, foram graves os atrasos na descarga, remontagem e adaptação dos “filhotes de tigre” às condições do deserto. Verificou-se que, na chegada, as condições mecânicas de muitos dos tanques de infantaria eram deploráveis. E logo vieram os problemas. Rommel dispôs a maior parte da 15a Divisão Panzer e se concentrou na fronteira entre Capuzzo e Sidi Omar. Esperava um ataque vigoroso para libertar Tobruk e estava decidido a reconquistar e defender Halfaya a fim de torná-lo mais difícil. Esse famoso desfiladeiro era defendido pelo 3° Batalhão dos Guardas de Coldstream, por um regimento de artilharia de campanha e dois esquadrões de tanques. O inimigo avançou em 26 de maio e, nessa noite, capturou uma faixa a noroeste que lhe dava um bom ponto de observação de toda a posição defendida pelos Coldstreamers. Na manhã seguinte, depois de um canhoneio pesado, uma ofensiva conjunta de pelo menos dois batalhões e sessenta tanques colocou-nos em grande perigo. As tropas de apoio estavam longe demais para poder intervir e só nos restou retirar a força sem maiores delongas. Isso foi feito, mas as baixas foram pesadas; apenas dois de nossos tanques continuaram em operação. Rommel havia alcançado seu objetivo e tratou de se instalar firmemente em Halfaya. Como havia esperado, sua ocupação dessa posição iria revelar-se um considerável obstáculo para nós, três semanas depois.

Os preparativos para nossa ofensiva principal, cujo código era Battleaxe, prosseguiram ativamente; mas houve um lado mais difícil. Em 31 de maio, Wavell comunicou as dificuldades técnicas que estava enfrentando na pre­paração da 7ª Divisão Blindada. A primeira data em que poderia lançar a Battleaxe seria 15 de junho. Embora reconhecesse os perigos do adiamento, com o risco dos reforços aéreos do inimigo e de um ataque maciço a Tobruk, ele achou que, como a batalha vindoura seria essencialmente um combate de tanques, cabia-lhe dar todas as chances à divisão blindada. Os dias adicionais obtidos pela espera “duplicariam as possibilidades de êxito”.

Fiquei então, com intensa esperança e medo, à espera de nosso ataque no deserto, que poderia modificar a nosso favor todo o curso da campanha. Num inquietante contraste com o nosso próprio desempenho no início daquele ano, os alemães haviam rapidamente posto Benghazi em uso, e era provável que o grosso de suas forças já estivesse sendo suprido, em larga medida, através daquele porto. Sabemos agora que os alemães haviam conseguido concentrar em pontos avançados uma grande parte de seus blindados, sem que tomássemos conhecimento disso. Na verdade, puseram bem mais de duzentos tanques em ação, contra os nossos 180.

A Battleaxe começou nas primeiras horas de 15 de junho. As coisas correram razoavelmente bem no início, mas, no terceiro dia, 17 de junho, tudo saiu errado. Ficou claro que nossa ofensiva havia fracassado. A retirada da força inteira transcorreu ordeiramente, protegida por nossos aviões de caça. O inimigo não nos perseguiu, em parte, sem dúvida, porque seus blin­dados foram duramente atacados pelos bombardeiros da RAF. É provável, porém, que tenha havido outra razão. Como sabemos agora, as ordens de Rommel eram para agir puramente na defensiva e acumular recursos para novas operações no outono. Enredar-se numa perseguição intensa através da fronteira, sofrendo perdas, contrariaria diretamente suas ordens.

Embora esse combate possa afigurar-se pequeno, comparado à escala da guerra do Mediterrâneo em todas as suas diversas campanhas, seu fracasso, para mim, foi um golpe duríssimo. O sucesso no deserto teria significado a destruição da audaciosa força de Rommel. Teríamos levantado o sítio de Tobruk, e era bem possível que o recuo do inimigo o levasse de volta para além de Benghazi, com a mesma rapidez com que ele havia chegado. Fora em nome desse objetivo supremo, tal como eu o avaliava, que se haviam corrido todos os riscos da operação Tiger. Eu não recebera nenhuma notícia dos acontecimentos até o dia 17 e, sabendo que o resultado logo deveria chegar, fui para Chartwell, que estava fechada, desejoso de ficar sozinho. Ali recebi os relatórios sobre o que havia ocorrido. Vaguei desconsolado pelo vale durante horas.

O leitor que acompanhou esta narrativa há de estar mentalmente pre­parado, agora, para a decisão que tomei nos últimos dez dias de junho de 1941. Em casa, tínhamos a sensação de que Wavell era um homem cansado. Bem poderíamos dizer que o havíamos esfalfado a ponto de imobilizá-lo. A extraordinária convergência, num único comandante em chefe, de cinco ou seis teatros diferentes, com todos os seus altos e baixos — especialmente baixos — era uma tensão a que poucos militares tinham sido submetidos. Eu estava insatisfeito com as providências de Wavell para a defesa de Creta e, em especial, com o fato de não terem sido enviados mais alguns tanques. Os chefes de estado-maior haviam rejeitado sua opinião e aprovado a incursão pequena mas sumamente exitosa no Iraque, que resultara na libertação de Habbaniya e num completo sucesso local. Por fim, havia a Battleaxe, que Wavell tinha empreendido por lealdade aos riscos que eu havia corrido com sucesso ao enviar os “filhotes de tigre”. Eu estava insatisfeito com as providências tomadas pelo QG do Oriente Médio para o recebimento dos filhotes de tigre, levados em seu socorro através do mortífero Mediterrâneo com tamanhos riscos e tanta sorte. Eu admirava o ânimo com que Wavell travara essa pequena batalha, que poderia ter sido tão importante, e sua ex­trema indiferença a todos os riscos pessoais, voando de um lado para outro no vasto e confuso campo de batalha. Mas a operação parecera malplanejada, especialmente pela incapacidade de se fazer uma sortida preliminar a partir da porta de ataque da sitiada Tobruk.

Acima disso tudo, pairava a realidade da ruptura de nosso flanco do deserto por Rommel, que havia solapado e derrubado todos os projetos gregos em que havíamos embarcado, com todos os sombrios perigos e os esplêndidos prêmios do que era, para nós, a mais alta esfera da guerra balcânica. Lem­bro-me de haver comentado: “Rommel arrancou da cabeça de Wavell os louros recém-conquistados e os jogou na areia.” Essa não foi uma avaliação correta, apenas uma dor passageira. Tudo isso só pode ser julgado à luz dos documentos autênticos redigidos na época e também, sem dúvida, de muitas outras provas valiosas que o futuro venha a revelar. Mas persiste o fato de que, depois da Battleaxe, cheguei à conclusão de que era preciso mudar.

O general Auchinleck, a essa altura, era comandante em chefe na Índia. Sua atitude na campanha norueguesa de Narvik não me agradara de todo. Ele me parecera inclinado a levar demasiadamente em conta a segurança e a certeza, nenhuma das quais existe na guerra, e a se contentar em subor­dinar tudo ao atendimento do que julgava serem os requisitos mínimos. Entretanto, eu ficara muito impressionado com suas qualidades pessoais, sua presença e seu elevado caráter. Quando, depois de Narvik, ele assumira o Comando do sul da Inglaterra, eu havia recebido de muitas fontes, ofi­ciais e particulares, depoimentos sobre o vigor e a estrutura que ele havia introduzido nessa importante região. Sua nomeação como comandante em chefe na Índia havia recebido aprovação geral. Vimos com que presteza ele se dispusera a mandar forças indianas para Basra e com que ardor se empenhara em eliminar a revolta no Iraque. Eu tinha a convicção de que, com Auchinleck, estaria introduzindo um novo e revigorante personagem para suportar as múltiplas tensões do Oriente Médio. No grande comando indiano, Wavell, por outro lado, encontraria tempo para recuperar suas for­ças, antes da chegada dos novos, mas iminentes, desafios e oportunidades. Constatei que minhas opiniões não encontravam nenhuma resistência em nossos círculos ministeriais e militares em Londres. O leitor não deve se esquecer de que nunca exerci poderes autocráticos e sempre tive de agir de acordo com a opinião política e militar, canalizando-a. Em 21 de junho, enviei um telegrama em consonância com ela. Wavell acatou a decisão com compostura e dignidade. Na ocasião, estava prestes a fazer um voo extre­mamente perigoso à Abissínia. Seu biógrafo registrou que, ao ler minha mensagem, ele disse: “O primeiro-ministro tem toda razão. Tem que haver uma nova visão e um novo comando neste teatro.”

Também fazia vários meses que eu estava extremamente aflito com a aparente inadequação do estado-maior do Cairo e me apercebia cada vez mais do fardo indevido, de tantos tipos diferentes, deposto nos ombros de nosso esforçado comandante em chefe. O próprio Wavell, juntamente com os outros chefes do comando, havia-me solicitado, já em 18 de abril, algu­mas substituições e ajuda. Sua opinião fora endossada por seus dois colegas militares. Durante a visita de Mr. Eden, os comandantes em chefe haviam reconhecido a conveniência de ter à mão uma alta autoridade política. Ti­nham-se conscientizado de um vazio após a partida dele.

Meu filho Randolph, que havia partido com os comandos, a essa altura meio dispersos, achava-se no deserto nessa ocasião. Ele era membro do parlamento e tinha contatos consideráveis. Não costumava mandar-me notícias abundantes ou frequentes, mas, no dia 7 de junho, eu recebera pelo Foreign Office o seguinte telegrama, que ele me enviou do Cairo com o conhecimento e o incentivo de nosso embaixador, Sir Miles Lampson:

Não vejo como possamos começar a vencer a guerra aqui enquanto não tivermos no local um civil competente, para dar orientação política e estra­tégica no dia a dia. Por que não mandar para cá um membro do Gabinete de Guerra, para coordenar todo o esforço de guerra? Afora uma pequena equipe pessoal, ele precisaria de dois homens de peso para coordenar o abastecimento e dirigir a censura, o serviço de inteligência e a propaganda. A maioria das pessoas sensatas daqui reconhece a necessidade de uma re­forma radical nesses moldes. O simples remanejamento de pessoal não será suficiente, e o momento atual parece particularmente propício e favorável a uma mudança do sistema. Queira perdoar-me por incomodá-lo, mas considero deplorável a situação atual e julgo que essas medidas urgentes serão vitais para qualquer perspectiva de êxito.

O fato é que isso decidiu a questão em minha mente. Respondi-lhe 15 dias depois: “Tenho pensado bastante há algum tempo, dentro da linha de orientação de seu telegrama, útil e bem-concebido.” E tratei de tomar providências.

Eu havia introduzido o capitão Oliver Lyttelton no governo, como mi­nistro do Comércio, em outubro de 1940. Conhecia-o desde sua infância. Ele servira nos Granadeiros durante os combates mais árduos da Primeira Guerra Mundial, tendo sido ferido e condecorado várias vezes. Ao deixar o exército, ingressara no mundo dos negócios e se tornara diretor executivo de uma grande empresa metalúrgica. Conhecendo suas notáveis qualidades pessoais, eu não hesitara em introduzi-lo no parlamento, num cargo elevado. Sua administração havia conquistado o respeito de todos os partidos em nosso governo de coalizão nacional. Suas propostas de 1941 sobre cupons de vestuário não tinham sido do meu agrado, mas eu havia constatado que os cupons foram favoravelmente recebidos pelo Gabinete e pela Câmara dos Comuns; não havia dúvida de que eram necessários naquele momento. Lyttelton era um total homem de ação e, nessa ocasião, pareceu-me que se adequava sob todos os aspectos ao posto novo e inédito de ministro residente do Gabinete de Guerra no Oriente Médio. Isso retiraria outra grande fatia de trabalho dos ombros dos chefes militares. Constatei que a ideia foi pron­tamente aceita por meus colegas de todos os partidos. Por conseguinte, ele foi nomeado, com o dever primordial de “liberar o Alto Comando de todas as responsabilidades externas e resolver prontamente, no local, de acordo com a política do governo de Sua Majestade, muitas das questões afetas a diversos departamentos ou autoridades que, até o presente, necessitaram de consulta ao governo central”.

Todos esses novos arranjos, com suas consequentes repercussões admi­nistrativas, ajustaram-se e foram apropriados à mudança introduzida no comando do Oriente Médio.