A VIDA COM NONNA
CONFORME RELATO DE HENRY BANNISTER ÀS ORGANIZADORAS (VERÃO DE 2008)
Henry Bannister conheceu Nonna em 1951, depois que o navio dela chegou da Alemanha em Nova Orleans, na Louisiana. Eles se casaram pouco depois de ela ter chegado aos EUA, e seu casamento durou 53 anos e 53 dias – até o último suspiro de Nonna. Henry e Nonna tiveram três filhos.
Nonna era uma mulher inteligente e adorável. Era bonita física, emocional e espiritualmente. Por mais brutais e aterrorizantes que tenham sido, suas experiências na Rússia ocupada pela Alemanha e, posteriormente, na Alemanha em meio ao Holocausto apenas aprofundaram a fé de Nonna em Deus. Esta fé a salvou do rancor que muitos sobreviventes do Holocausto desenvolveram depois do fim da guerra. Amor e compaixão dominavam seu coração. Com a ajuda de Deus, ela perdoou todos os que lhe fizeram mal intencionalmente, bem como aqueles – tanto russos quanto alemães – que assassinaram sua família com tanta crueldade.
Nonna era uma esposa, mãe e avó amorosa e fiel durante seu casamento de mais cinco décadas. Quando resolveu contar a Henry sobre suas experiências do Holocausto – poucos anos antes de morrer –, falou sem ódio, rancor ou raiva. Apegou-se à profunda fé em Deus de sua avó Feodosija e, até seus últimos anos de vida, ia regularmente à igreja. Foi batizada na Igreja Ortodoxa Russa quando criança e frequentava aquela igreja; depois da guerra, tornou-se batista pela influência de missionários batistas americanos na Alemanha. A Igreja Batista de Napoleon Avenue em Nova Orleans, na Louisiana, patrocinou sua imigração para os EUA, então ela passou a frequentar igrejas batistas. Nonna também lembrou das palavras de seu pai sobre perdoar os outros. Ela perdoava muito, e seu perdão evitou que vivesse uma longa vida baseada em rancor e busca por vingança.
Porém, o Holocausto e a guerra tiveram um impacto em Nonna de várias maneiras distintas, comuns entre sobreviventes do Holocausto. Ela se tornou muito reservada nas relações com outras pessoas, queria poucos amigos. Manteve segredo sobre sua vida durante os anos de guerra e sobre o destino de suas famílias materna russa e paterna polonesa. Mesmo Henry conhecia pouco sobre sua esposa até seus últimos anos. Apenas nos anos 1980 ela resolveu compartilhar suas experiências com Henry, mostrar-lhe seus diários e fotos e descrever os horrores e dor pelos quais ela e sua família passaram nas mãos dos russos e dos nazistas.
O costume de Nonna de esconder essas informações provavelmente era uma combinação da reticência natural que muitos sobreviventes do Holocausto experimentaram e uma transição dos dias em que era vital esconder papéis valiosos e pessoais dos comunistas durante seus primeiros anos na Rússia e dos nazistas durante seus anos no Holocausto. Também é provável que, tendo sofrido tratamento severo, confiscos e prisão nas mãos de dois governos, ela não confiasse mais em governos de modo geral.
Mesmo após a guerra, ela costurava papéis particulares, fotos e documentos dentro dos bolsos e das barras de suas saias ou os guardava em outros esconderijos inteligentes. Henry a via escrevendo nos blocos de anotação e às vezes os procurava – em vão – quando Nonna não estava. Ela os escondia em seu baú, que trancava dentro de um baú maior. Também mantinha todos os objetos pessoais escondidos dentro do travesseiro listrado preto e branco que ela guardou consigo durante o Holocausto e o pós-guerra, voltando até mesmo a escondê-los de Henry depois de finalmente tê-los mostrado. Por toda a sua vida adulta, inclusive quando passou por internações em hospitais nos EUA, Nonna dormiu com aquele travesseiro junto ao peito. Nunca passou uma noite sem ele.
Depois da morte de Nonna, seus filhos e Henry acabaram achando as transcrições, fotos, documentos, papéis pessoais, diários de infância, diários do pós-guerra e muitas outras coisas que pertenciam a Nonna. Embora tenham tido que quebrar o cadeado do baú, já que Nonna havia escondido sua chave bem demais, sua família acabou achando quase tudo – informações oficiais sobre o visto, etiquetas de despacho de bagagem, as cartas de sua mãe dos campos de concentração de Ravensbrück e Flossenbürg e fotos de sua família e amigos. Porém, desde o enterro de Nonna, os escritos originais do diário do Holocausto não voltaram a ser encontrados. Henry sabe que eles sobreviveram à guerra e que Nonna os guardou. Ela os traduziu e transcreveu palavra por palavra em blocos de anotação posteriormente, e Henry havia datilografado a transcrição para ela. Mas, embora ele e sua família tenham procurado por eles por toda parte, não conseguiram encontrá-los. É possível que Nonna os tenha costurado em um bolso secreto ou no forro de seu travesseiro, que foi enterrado com ela.
O que aconteceu com a família de Nonna na Rússia, na Alemanha e na Polônia? A mãe de Nonna, Anna, morreu no campo de concentração dos alemães em Flossenbürg, provavelmente em abril de 1945. Sua última carta a Nonna foi datada de 11 de abril de 1945. Mas Nonna só recebeu a carta quatro meses depois da guerra.
Nonna viu a avó materna, Feodosija Nikolayevna Ljaschova, pela última vez parada na plataforma do trem em Konstantinovka, na Ucrânia, quando ela e sua mãe partiram para a Alemanha em 7 de agosto de 1942. Nunca mais tiveram notícias dela. Nonna não chegou a voltar à Grande Casa ou à sua terra natal.
Nonna viu seu irmão, Anatoly, pela última vez na reunião de família em Konstantinovka, na Ucrânia, no final do verão de 1939. Depois que Anatoly foi para São Petersburgo, Nonna e sua família nunca mais tiveram notícias dele. Ela passou a vida procurando por Anatoly. Se ele ainda estiver vivo em algum lugar no mundo, estaria com 84 anos em 2009.
Os outros parentes de Nonna – tias, um tio e primos – haviam embarcado em um trem russo rumo à segurança da Sibéria e morreram quando os trens foram bombardeados.
Petrovich, caseiro da Grande Casa, foi para a estrada de ferro pegar carvão descarrilhado durante a primavera de 1941. Nunca voltou. Feodosija encontrou seu carrinho, ainda carregado de carvão, abandonado nos trilhos, mas não teve sinal dele.
Nonna não chegou a conhecer a família do pai, que morava em Varsóvia, na Polônia. Yevgeny perdeu contato com eles durante a Segunda Guerra Mundial, e nunca mais teve notícias. Nonna nunca descobriu se seu pai era judeu.
A amiga de Anna, Taissia Soljenítsina, morreu de tuberculose em 17 de janeiro de 1944. O filho dela, Alexander Soljenítsin, também conhecido como Sasha, se tornou “o maior romancista vivo da Rússia”, ganhando o Prêmio Nobel de Literatura de 1970 por Um Dia na Vida de Ivan Deníssovitch. Alexander entrou para o Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, chegou à patente de capitão de artilharia e foi condecorado duas vezes. Por ter criticado Joseph Stalin em uma carta, ficou preso (1945-1953) em um gulag russo – uma prisão no sistema soviético de campos de trabalho forçado. Ele se exilou da União Soviética em 1974. Em 1984, ganhou o Prêmio Templeton pelo Progresso na Religião. Alexander Soljenítsin foi um escritor ativo até sua morte, durante a publicação deste livro, em 3 de agosto de 2008.
Nonna Lisowskaja Bannister morreu em 15 de agosto de 2004. Aquela época não era estação de suas flores preferidas, os lilases, por isso Henry colocou rosas em seu túmulo, pois ela também adorava rosas. No seu casamento, havia escolhido rosas cor-de-rosa para usar na cabeça e, no braço, um enfeite feito de botões de rosa cor-de-rosa.
Dentro do caixão de Nonna, junto ao seu coração, Henry colocou seu travesseiro listrado preto e branco – aquele que sua avó havia feito para ela com as penas macias do peito de gansos russos jovens –, que talvez ainda contivesse pequenos pedaços de papel envelhecido costurados com uma única linha, seus diários do Holocausto. O travesseiro fora seu companheiro constante na vida. Henry sabia que ela não conseguiria dormir sem ele.