Capítulo 18
Sexta-feira, 4 de julho de 2014
5h40
Emily mal conseguira dormir. Ela e Garland haviam jantado num bistrô que ficava na mesma rua, o Café Rouge, onde os escargots felizmente já tinham acabado. Fazendo-se de desapontados, eles rapidamente pediram um filé antes que o garçom francês pudesse sugerir qualquer outra iguaria indigesta. Desconcertada com a estranha visita de Wolf, ela não havia sido uma boa companhia para o jornalista e, apesar de todo o charme que ele vinha jogando, providenciara para que o destacamento de escolta chegasse às dez horas para buscá-lo no restaurante.
Baxter fez um esforço enorme para carregar sozinha suas sacolas pela escada estreita do prédio, mas sabia que Garland teria alimentado falsas esperanças caso ela tivesse aceitado sua oferta de ajuda. Destrancou a porta, deixou os sapatos no tapetinho da soleira e entrou na limpeza irretocável do seu quarto e sala. Echo, o gato, veio escorregando pelas tábuas do assoalho para recebê-la. O ambiente estava fresco, graças à brisa que entrava por um basculante aberto. Descalça, ela foi para o quarto e deixou as sacolas sobre o espesso carpete branco. Depois de alimentar Echo, presenteou-se com uma taça de vinho, buscou o laptop na mesa da sala e foi com ele para a cama.
Passou mais de cinquenta minutos navegando a esmo pela internet, conferindo e-mails, atualizando-se após um mês de ausência no Facebook. Mais uma das suas amigas estava grávida. Outra a convidava para uma despedida de solteira em Edimburgo. Ela adorava a Escócia, mas, sem consultar sua agenda, desculpou-se por não poder comparecer, ela própria estranhando o tom “mulherzinha” da mensagem que escrevera.
Volta e meia ela se lembrava de Wolf. Na noite anterior ele havia esclarecido o que sentia, ou melhor, o que não sentia. Naquela mesma tarde deixara-a com o braço cheio de hematomas ao tentar roubar sua pasta, depois surgira do nada, convidando-a para jantar. Por quê? Porque se sentia culpado? Porque se arrependia de tê-la rejeitado? Para falar a verdade, ela nem entendia direito se havia sido rejeitada ou não. Cansada do assunto, serviu-se de uma segunda taça de vinho e ligou a televisão.
Com a morte de Garland anunciada apenas para o sábado, os noticiários de sexta haviam deixado de lado o caso Boneco de Pano para falar de outras coisas, como o petroleiro acidentado na costa da Argentina que vinha despejando mais de mil litros de óleo por hora nas correntes vizinhas às Ilhas Falkland. Ao longo do jantar ela achara o jornalista bem menos antipático, mas não havia como negar: ainda que fosse sábado, a notícia da morte dele teria sido amplamente ofuscada pela infelicidade dos pinguins, pobrezinhos, acuados que estavam pelo avanço da sujeira.
Somente depois de explorar todos os assuntos associados ao desastre ecológico – a reação do mercado financeiro, a diversidade da vida selvagem no arquipélago, a hipótese pouco fundamentada de uma ação terrorista, as chances de o óleo atravessar o Atlântico para poluir a costa britânica – foi que eles voltaram aos assassinatos para debater o modo tão público com que Garland vinha tratando a ameaça que pairava sobre sua cabeça. Ela já estava suficientemente nervosa, não precisava ouvir aquilo. Então desligou a TV, pegou seu livro e leu madrugada afora.
Pouco depois das seis ela abriu o laptop e entrou no site do jornal para o qual Garland escrevia. Diante do sucesso estrondoso da coluna dele, “O morto falante”, eles vinham carregando a última edição diariamente à mesma hora, transformando o site numa espécie de mina de ouro no deserto cibernético. Um vídeo irritante surgiu na tela, recusando-se a fechar antes de vender o perfume, a maquiagem e o filme de Charlize Theron. Depois dele, e só então, ela enfim conseguiu encontrar a oferta de Garland que ela e Andrea haviam preparado juntas e já contabilizava mais de 100 mil acessos:
Entrevista exclusiva, com duração de uma hora, para quem fizer a maior oferta (até as 9h30), a ser realizada nesta manhã de sábado em um hotel a ser divulgado. 0845 954600
Apesar de tudo que Garland já havia revelado em seus artigos durante a semana, Andrea acreditava que a isca de uma entrevista exclusiva com um homem marcado para morrer era apetitosa demais para que não a mordessem. Na realidade o plano não passava de um despiste. Com a ajuda de Andrea, ela fabricaria uma entrevista de meia hora com Garland para depois transmiti-la “ao vivo” na manhã de sábado. Quando os rebanhos da imprensa internacional invadissem o hotel escolhido na capital, erroneamente informando o paradeiro de Garland para o assassino, o jornalista já estaria do outro lado do país, nas mãos seguras e confiáveis do Serviço de Proteção Civil da Agência Nacional de Combate ao Crime.
A eficácia do plano estava calcada não só na sua simplicidade, mas sobretudo na plausibilidade dos seus componentes: a ganância e o oportunismo de Jarred Garland, a briga de foice entre as agências de notícias mais poderosas do mundo, a suposta exclusividade de uma “entrevista secreta”.
Eles haviam preparado uma mensagem gravada pedindo aos licitantes que informassem o valor da sua oferta e deixassem os dados de contato. Claro, tudo isso serviria apenas para justificar a presença de Andrea e seu cinegrafista no hotel. Garland escolhera o lobby do ME London em Covent Garden como palco da encenação. Por quê? Porque, segundo ele mesmo tinha dito, o lugar era “extremamente fotogênico”.
Ela conferiu as horas no relógio, desligou o computador e vestiu uma malha de ginástica. O sol já estava alto o bastante para atravessar as janelas quando ela subiu na esteira ergométrica. Fechando os olhos contra a claridade, colocou os fones de ouvido e foi aumentando o volume da música até abafar por completo o ritmo marcial das próprias passadas.
Sam já estava preparando Garland quando Andrea chegou à garagem recém-grafitada que fazia as vezes de estúdio para a StarElf Pictures. Na véspera, já tarde da noite, ela havia recebido um telefonema do jornalista, implorando por sua ajuda.
– Você sabe que pode dar certo.
– Mas imagino que Emily tenha bons motivos pra dizer não.
– Ela tem o rabo preso com a polícia, você não... Por favor!
– Posso tentar convencê-la de novo.
– Não adianta, ela não vai topar. Vai querer impedir a gente. – Ele parecia realmente desesperado. – Depois que a coisa já estiver feita, ela não terá escolha: vai ter de cooperar. Sabe tanto quanto a gente que essa é a única saída.
Andrea refletiu por um bom tempo.
– Tudo bem – concordara afinal, rezando para que não estivesse fazendo uma bobagem. – A gente se vê às oito no estúdio.
– Obrigado.
Ao entrar na garagem, ela deparou com Garland desabotoando a camisa enquanto Sam examinava algo no seu controle remoto.
– Bom dia – disse ela aos dois. E para Sam: – Adorei a arte nova na porta.
– Foram os malditos skatistas – resmungou ele, voltando para junto de Garland. – Já pedi mil vezes ao Rory pra não deixar esse pessoal entrar. – Em seguida pediu a ela que lhe passasse o cinturão de borracha que protegeria o tronco de Garland da miniexplosão.
Diante do torso nu do jornalista, Andrea constatou que ele era bem mais magro do que aparentava e tinha o peitoral esquerdo salpicado de pintas pretas nada atraentes. Além disso, ele havia copiado nas costas a famosa tatuagem de anjo de David Beckham, que parecia absurda numa tela tão franzina.
– Encolhe a barriga – disse Sam, abotoando o cinturão às costas dele. Em seguida anexou o preservativo recheado de sangue cenográfico, o explosivo e a bateria de relógio.
Enquanto Garland vestia a camisa, Andrea pediu a Sam que verificasse tanto quanto fosse necessário a pistola e as balas de festim. Não gostava nem um pouco de estar agindo pelas costas de Emily Baxter, portanto o mínimo que podia fazer era cercar-se de todas as precauções a seu alcance.
Sam vinha dando a Garland alguns conselhos de última hora sobre como interpretar seu papel de ator e fingir morrer de modo convincente. Por sorte o jornalista não estaria ouvindo, pensou Andrea, que já tinha visto o cineasta na pele de um alienígena gemendo por dez minutos antes de morrer, bem como na de um policial morto espirrando no próprio caixão.
Sam foi embora com seu gorro de bandido, seu controle remoto e sua pistola com cartuchos de festim. A detetive chegou vinte minutos depois.
– Está nervoso? – perguntou Andrea a Garland, ouvindo o carro que ainda estacionava do lado de fora.
– Sobre amanhã? – questionou o jornalista. – Estou, sim.
– Bem, se tudo der certo hoje...
– Essa é a minha maior preocupação. Não tem como a gente saber, não é? Só vamos descobrir se o assassino mordeu ou não a isca quando ele tentar, ou não, me matar.
– Mas é por isso que hoje à noite a Emily vai levar você pra um lugar bem longe de Londres. Quer dizer, se ela não matar a gente antes – brincou Andrea, também tensa.
Emily entrou na garagem, olhou para o relógio e disse:
– Está na hora. Vamos?
A detetive Baxter não sabia ao certo o que havia imaginado, mas certamente não era nada daquilo. Chegando ao hotel ela foi levada juntamente com Garland para um elevador preto e ficou de queixo caído assim que as portas se abriram para o lobby futurista. O piso era de mármore preto, e a iluminação não passava de uma penumbra. A recepção em si ficava no interior de uma curiosa pirâmide do mesmo mármore e iluminada de baixo para cima. Sofás brancos pareciam flutuar na água. Tanto as mesas de apoio quanto o balcão principal eram de obsidiana, dando a impressão de que haviam brotado naturalmente do chão. Um livro enorme e estranho achava-se aberto sobre um pedestal. Imagens de peixes eram projetadas contra as paredes externas da tal pirâmide, nadando contra a gravidade, para entrar nela e sumir na claridade do triângulo de luz natural que ficava a uns 30 metros de altura.
– Vamos lá – disse Garland, satisfeito por finalmente ter conseguido impressionar sua impassível protetora.
Uma funcionária se adiantou para entregar a ambos uma taça de Prosecco, depois os levou para um dos sofás de couro quando Garland avisou que eles esperavam outra pessoa. Se havia reconhecido um deles, não deu sinal algum disso.
– Nosso jantarzinho ontem foi muito bom – disse Garland, ainda pasmo com os peixinhos que tentavam fugir da pirâmide.
– Sim, a comida estava ótima – evadiu-se Baxter.
– Eu estava me referindo à companhia.
– Ao Café Rouge?
Garland riu, dando-se conta de que o assunto estava encerrado. Depois sussurrou:
– Pra onde vocês vão me levar depois dessa entrevista?
A detetive ignorou a pergunta e ele insistiu:
– Ninguém está ouvindo a gente!
– O Serviço de Proteção Civil preparou uma casa em...
– A mesma da última pessoa que vocês não conseguiram proteger – interrompeu ele.
Emily estranhou a mudança de humor do jornalista, mas não viu quando Sam entrou no lobby e seguiu diretamente para o banheiro.
– Eles já chegaram – disse Garland, nervoso.
Andrea ainda conversava com Elijah ao telefone quando ela e Rory chegaram ao ME London. Perdeu o sinal ao entrar no elevador e a ligação caiu antes que Elijah pudesse terminar a lista de perguntas que vinha sugerindo que ela fizesse a Garland. A ideia era que ela conduzisse a entrevista para dar a entender que o jornalista estava desafiando o assassino, disposto a lutar até o último minuto. O público não gostava de massacres, ele havia dito, mas adorava uma boa luta.
Ela não se deu ao trabalho de ligar de volta quando saiu para o lobby surreal. Rory logo se adiantou para captar imagens da pirâmide e do livro gigantesco para serem usadas posteriormente na edição da matéria ou, o que era bem mais provável, no documentário que ele cogitava fazer. A notícia de que Garland havia leiloado sua última entrevista vinha sendo divulgada durante toda a manhã e a funcionária que pouco antes não havia reconhecido Emily e Jarred certamente reconheceu Andrea, pois ficou observando de perto o animado teatro das apresentações. Antes que ela pudesse se afastar, Andrea chamou-a de lado e disse:
– Este é um hotel de prestígio. Vamos fazer nosso ensaio-geral aqui, mas não temos obrigação nenhuma de voltar amanhã pra gravação final. Portanto, qualquer indiscrição, tanto sua quanto dos seus colegas, será considerada uma falta grave. Que isso fique bem claro entre todos vocês.
– Naturalmente – disse a moça sorrindo, como se nem lhe houvesse ocorrido fazer uma selfie com a próxima vítima do caso Boneco de Pano.
Imediatamente ela se afastou para a recepção e repreendeu todos os curiosos que vinham acompanhado a cena de longe.
– Acha que ela mordeu a isca? – perguntou Andrea a Emily.
– Pode ser – respondeu a detetive, visivelmente preocupada. – Vamos fazer essa entrevista e dar o fora daqui.
Edmunds passara mais uma noite no sofá. Ao chegar em casa, pouco depois das dez, encontrara Tia dormindo com a porta do quarto trancada. Ficara acordado até altas horas, procurando no Google mais casos de homicídios bizarros para investigar.
Consumira boa parte da manhã levantando a ficha de Michael Gable-Collins. A intenção do assassino ao deixar o anel de platina na mão do Boneco de Pano era, sem sombra de dúvida, permitir que o advogado fosse identificado. Mas por quê? Isso ainda não estava claro. Convencido de que a chave de todo o mistério estava em Khalid, ele tanto insistira que acabara descobrindo a relação entre os dois.
O escritório de advocacia Collins & Hunter havia representado Khalid judicialmente, mas fora isso Michael Gable-Collins não tinha nenhum outro vínculo com o caso em si. Ele não havia comparecido a um só dia de julgamento e, na condição de sócio e especialista em direito de família, não tivera nenhum envolvimento na preparação da defesa, aparentemente encabeçada por Charlotte Hunter.
Embora o escritório recebesse centenas de novos casos anualmente, ele podia jurar que aquilo não era mera coincidência, portanto chegara cedo ao trabalho e seguira na sua caçada aos elos possíveis. Havia compilado uma lista de pessoas associadas ao julgamento de Khalid, de advogados a testemunhas, funcionários do fórum e curiosos da galeria aberta ao público. Investigaria cada uma delas se fosse preciso.
Andrea recitava sua introdução para a câmera, antevendo as críticas que receberia mais tarde por todo aquele teatro tão mal ensaiado.
– ... aqui hoje com o jornalista Jarred Garland, a possível terceira vítima nomeada pelo assassino do caso Boneco de Pano. Bom dia, Jarred – disse ela. Rory abriu o foco da câmera para incluir Jarred no enquadramento. Estavam sentados um de frente para o outro nos sofás brancos. – Obrigada por falar com a gente nestas circunstâncias que com certeza não estão sendo fáceis pra você. Vamos começar pela mais óbvia das perguntas: por quê? Que motivo poderá ter este assassino para incluir você na lista dele?
A sargento Baxter acompanhava a entrevista com o estômago embrulhado. Podia perceber que Garland estava agitado. Mais que isso, parecia sentir medo. Algo estava errado.
A porta do banheiro masculino se abriu e Sam entrou no lobby sem que ela notasse, vestido de preto da cabeça aos pés, um gorro cobrindo o rosto, a pistola já em punho.
– Não faço a menor ideia – respondeu Garland. – Por outro lado, como você bem sabe, não é muito difícil para nós, jornalistas, fazer inimigos por aí.
Ambos riram de um jeito forçado, nervoso.
Foi então que, ouvindo o berro de uma das recepcionistas, Rory virou sua câmera para filmar a chegada de Sam. Emily instintivamente correu na direção do mascarado armado e não parou mesmo quando deduziu o que estava acontecendo ao reconhecer, ainda que vagamente, a voz dele:
– Seu dia chegou, Jarred Garland. Vá pro inferno, seu filho da puta!
Rory saiu do caminho e voltou sua câmera para Garland, que se levantava com uma expressão de terror no olhar. O tiro ensurdecedor ecoou amplamente nas paredes de mármore, assim como o grito histriônico que Andrea soltou ao ver o sangue que começou a jorrar do peito do jornalista.
Emily saltou para cima de Sam ao mesmo tempo que Garland, como previsto, caiu de costas no sofá. Mas então uma luz ofuscante brotou na região da suposta ferida, cuspindo centelhas no piso preto. Garland começou a gritar sobre o chiado que lembrava o de um rojão, esperneando enquanto tentava tirar o cinto de borracha que o cingia na altura das costelas.
Rory largou a câmera e correu para ajudá-lo. Ouviu um barulho de vidro quebrando e logo deparou com o calor intenso que irradiava das faíscas que orbitavam o corpo de Garland. Em pânico, tentou desabotoar o cinto, mas ficou ainda mais apavorado ao se dar conta de que seus dedos haviam sumido nas entranhas do jornalista. Tentou arrancar o cinto à força, mas boa parte da borracha já havia derretido e grudado à pele. Ouviu mais um barulho, também como vidro quebrando, e caiu para trás quando sentiu as mãos queimarem com algum tipo de líquido. Emily se adiantou para socorrê-lo, mas ele rapidamente gritou:
– Não! É ácido!
– Chamem uma ambulância! – berrou ela para os funcionários da recepção.
De repente, tendo completado sua órbita em torno do cinto, o fogo branco se apagou e o chiado de antes deu lugar à respiração ofegante de Garland. Aproximando-se do sofá, Emily tomou a mão dele e disse:
– Você vai ficar bom, eu prometo...
Depois virou-se para Andrea, que parecia atônita, e pediu que ela tentasse obter na recepção um kit de primeiros socorros com bandagens para queimaduras. Não sabia dizer se aquilo realmente havia sido a ação de um ácido ou de outra coisa totalmente diferente.
Um coro de sirenes já se aproximava quando Andrea voltou ao sofá com o kit. Cada arquejo era um martírio para Garland. Com a cabeça deitada no encosto do sofá, ele olhava para o alto, acompanhando os peixes que escalavam as paredes rumo à luz no topo da pirâmide.
Emily encarou Andrea ao receber dela a caixinha azul.
– O que foi que vocês fizeram? – perguntou horrorizada, depois voltou aos cuidados com o jornalista. – Você vai ficar bem... – sussurrou, mesmo sabendo que mentia.
Parte da camisa queimada havia caído no chão, e ela podia ver entre duas costelas um pedaço do pulmão escurecido que lutava para inflar. O que ela não via era certamente muito pior.
– Você vai ficar bem...
Policiais armados invadiram o lobby e cercaram Sam, que pelo menos tivera o bom senso de largar a pistola antes da chegada deles. Os paramédicos aproximaram-se assim que tiveram permissão e, cuidadosamente, içaram Garland para uma maca. Emily viu o olhar pessimista que eles trocaram entre si antes de sair com ele na direção dos elevadores. Outra equipe embrulhava as mãos desfiguradas de Rory com emplastros.
No lugar antes ocupado por Garland, estilhaços de vidro rebrilhavam sob a luz ambiente, o maior deles lembrando um bastão quebrado na ponta. Em vários pontos do sofá, o couro branco havia queimado por completo. Baxter se levantou e seguiu na esteira dos paramédicos, determinada a ficar do lado do jornalista até o último momento.
Edmunds olhou à sua volta, confuso. Estava tão absorto no trabalho que nem havia notado quando os colegas abandonaram suas respectivas mesas para cercar a televisão grande do salão. Instalara-se entre eles um silêncio de perplexidade, quebrado apenas pelos telefones que não paravam de tocar e pela conversa entreouvida na sala de Simmons, que certamente falava com o comissário.
Juntando-se aos demais, ele deparou com a figura de Andrea na tela, não com um microfone na mão ou atrás de uma bancada de telejornal, como de costume, mas correndo ao lado de uma equipe de paramédicos enquanto alguém, com a câmera de um telefone, fazia o possível para mantê-la no enquadramento. Atrás dela via-se a detetive Baxter, debruçada sobre o corpo que levavam na maca. Só podia ser de Jarred Garland.
O noticiário voltou para o estúdio e aos poucos as pessoas foram retornando para suas mesas, conversando entre si. Todos sabiam que Emily havia assumido a responsabilidade pela proteção de Garland e muitos criticavam sua decisão de permitir uma entrevista ao vivo com aquele homem que tanto contestara o trabalho da polícia nas suas colunas.
Agora eram muitas as perguntas que circulavam: qual teria sido a real intenção da detetive ao expor o jornalista de modo tão vulnerável naquele hotel? O atirador seria mesmo o Bonequeiro, como eles vinham chamando o assassino? O que realmente havia acontecido com ele? Alguns diziam que ele havia sido baleado, outros, que havia se queimado.
No entanto, apenas uma pergunta interessava a Edmunds: por que diabo o assassino teria agido com um dia de antecedência?