Prefácio,

por Paulo Lins

Se tem uma coisa que Marcelo Yuka sabe fazer bem é contar uma história.

Nunca um relato biográfico foi feito tão de peito aberto. Nada aqui neste escrito está fora do tom. As metáforas de tão exatas são como se não existissem numa leitura menos atenta. O texto é um romance.

Yuka começa sua narrativa pela infância em Campo Grande, zona leste do Rio de Janeiro, passa pelas maldades das crianças que brincavam nas ruas, pela rejeição do pessoal da escola e dos acadêmicos de toda sorte, até o primeiro contato com um instrumento musical e o sucesso de suas canções que embalaram a década de 1990 e estão aí até hoje. Uma vida de certa forma embaralhada com todos aqueles que viveram as letras de suas músicas.

Ele fala de quando criou O Rappa, da levada da batera, das relações familiares, do perfil de cada namorada, do seu grande amor, dos amigos, dos traíras, de quando o bicho pegou pra cima dele com os nove tiros que levou sem saber por que, da saída da banda depois de ir parar na cadeira de rodas e, sobretudo, de música. Faz uma análise social dos últimos 40 anos, tendo como ponto de partida a sua vivência.

São lembranças de ruas, de quintais floridos, dos velhos conversando na esquina, das brincadeiras, da polícia de geração em geração. As mudanças no poder em uma cidade onde tudo iria aumentar, inclusive a violência, trouxeram consigo pelo menos uma coisa boa: o clamor por justiça social em quase todos os segmentos da sociedade. Yuka sempre quis mudar o Brasil.

A violência é um ato político na concepção dele. Em uma entrevista logo depois de alvejado, disse: “Esses tiros vieram de muito longe.”

Quem está dando o tiro pode não ser a pessoa que aperta o gatilho; é muita gente atirando de vários lugares. A vida de cadeirante e as dores constantes que sente têm vários culpados que não se culpam e não param de matar, aleijar, destruindo também a vida dos amigos e da família.

A visão por dentro da música, a criação da banda F.UR.T.O., a política partidária, sua candidatura a vice-prefeito, sua incursão social nos presídios brasileiros, a relação com Marcinho VP, os verdadeiros amigos e o amor de mãe vão se revelando nestas páginas. Yuka faz uma grande análise sobre o tráfico de drogas, conta da relação com Herbert Vianna e com vários outros músicos, e ainda de sua amizade comigo, com a Kátia Lund e o Waly Salomão. Assim conhecemos o ser humano que colocou a arte como antídoto para todos os males.

Tudo nessa vida pode virar poesia que encante gerações, que corra através do tempo, que mude pessoas e o rumo da história. A arte é a mãe da sociedade, é cantando que se vai à luta para mudar a política nas ruas, nos sindicatos, nas associações, nos grupos culturais, na rapaziada que acha que todo mundo é igual.

Neste livro vemos um país duro, muito pouco solidário; pessoas com o ego à flor da pele, o lado ruim da fama, a embriaguez do sucesso, os derrotados pelo êxito. Mas nem tudo causa nojo; há lances do bem, como na vida de qualquer um. A narrativa tem suspense, revelações e muita poesia. Marcelo Yuka fez de sua história uma obra literária.