A propósito da sexta edição
No ano do centenário de seu nascimento, a 13 de maio deste ano, a fortuna crítica de Lima Barreto atinge o seu ponto culminante. Repetem-se as edições de seus romances mais conhecidos. Em 1979 saiu a vigésima segunda edição do Triste fim de Policarpo Quaresma. Esse mesmo romance fora traduzido e publicado em inglês no ano anterior pelo editor Rex Collings, em excelente tradução de Robert Scott-Buccleuch, sob o título The Patriot. Ao mesmo tempo, aparecia a edição em espanhol de Dos novelas: Recuerdos del escribiente Isaías Caminha/El triste fin de Policarpo Quaresma, na Biblioteca Ayacucho, Caracas (Venezuela), coleção que reúne os autores mais representativos de toda a América Latina, na qual a literatura brasileira ocupa um lugar de honra, através de Machado de Assis, Manuel Antônio de Almeida, Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e tantos mais.
Recordações do escrivão Isaías Caminha, traduzido e publicado em russo (Zapiski arkhivariussa, 1965), numa edição de 50 mil exemplares, aparecerá em língua alemã. A tradução fora o derradeiro trabalho entre os muitos serviços prestados à cultura brasileira pelo saudoso Willy Keller, falecido em maio de 1979, e que pôde concluí-la, já enfermo, nos últimos dias de sua afanosa existência. Radicado no Brasil desde 1933, por achar inviável viver debaixo da opressão nazista, Willy Keller deixou a marca inconfundível da sua presença brasileira no Recife, em São Paulo e no Rio de Janeiro, dedicando-se a princípio à divulgação do nosso teatro. Quantas peças traduziu? Muitas, e entre elas, as de Joraci Camargo, Nelson Rodrigues, Pedro Bloch, Guilherme de Figueiredo, e outros. Passou para o alemão o grande poema de João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas, e, de um modo realmente notável, a obra de ficção de Graciliano Ramos. Keller gostaria de ter traduzido pelo menos três romances de Lima Barreto, mas só ficou no primeiro, que era por sinal o da sua predileção, Recordações do escrivão Isaías Caminha.
Na área universitária, tanto no Brasil como no exterior, cresce o interesse pelo estudo da obra de Lima Barreto. Da quinta para a sexta edição deste livro, concluíram-se as seguintes teses: na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – Elementos para uma estética sociológica: um estudo de Lima Barreto, por Ciro J. R. Marcondes Filho (mimeo, 1975); na Universidade da cidade de Nova York – Social Themes and Political Satire in the Short Stories of Lima Barreto, por Vincent Paul Duggan (xerox, 1976); na Universidade de Roma – Oposições binárias na obra literária de Lima Barreto, por Vanessa Escobar de Andrade (mimeo, 1977); O profeta e o escrivão: estudo sobre Lima Barreto, de Carlos Erivany Fantinati (São Paulo, ILPHA/Hucitec, 1978), ensaio que teve uma primeira redação na tese de doutoramento defendida em 1974 na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, hoje Instituto de Letras, História e Psicologia – campus de Assis – da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp.
Suponho que existam muitas outras teses no Brasil e no exterior, já concluídas ou em elaboração, que não chegaram ao meu conhecimento. Solicito aos seus autores a gentileza de remeter-me um exemplar, para que figurem na bibliografia de Lima Barreto, que estou levantando, para ser um dia publicada, se encontrar editor.
Além dos escritos universitários, não posso omitir alguns estudos do mais alto interesse, surgidos nos últimos anos, a começar pelo magistral artigo de Antonio Candido, “Os olhos, o barco e o espelho”, no Suplemento Cultural de O Estado de S. Paulo, ano I, n. 1, 17 out. 1976. Osman Lins, o saudoso e querido amigo, que escreveu O espaço romanesco em Lima Barreto, citado no prefácio da 5ª edição, dedicou um belo capítulo (“Não silenciou sobre o seu tempo”) ao criador de Policarpo Quaresma e Isaías Caminha, inserido no seu Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros (São Paulo, Summus, 1977), espécie de testemunho literário do grande inovador de Avalovara.
Outras valiosas contribuições: a de Alfredo Bosi, a parte relativa a Lima Barreto de “As letras na Primeira República”, no volume O Brasil Republicano, III, 2, “Sociedade e instituições civis (1889-1930)”, da obra coletiva, em curso de publicação, sob a direção de Boris Fausto (São Paulo, Difel, 1977, p. 307-310); o ensaio de O. C. Louzada Filho, “A mão e a enxada: a síntese incompleta de Lima Barreto”, em Almanaque, cadernos de literatura e ensaio (São Paulo, Brasiliense, n. 4, 1977, p. 80-86); e, mais recente, em sua forma definitiva, um trabalho de maior fôlego, o de Sônia Brayner, parte de um todo, “Lima Barreto: mostrar ou significar?”, que integra a análise em profundidade do nosso romance brasileiro nos anos 1880-1920, num livro polêmico da melhor categoria intelectual, Labirinto do espaço romanesco (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979, p. 145-176).
O meu velho companheiro de A Noite, dos bons velhos tempos, Carvalho Netto, publicou em 1977 o seu livro de memórias, Norte: oito quatro, em que traça um excelente perfil de Lima Barreto, de quem foi amigo. Há ainda a registrar dois livros de cunho popular: o de H. Pereira da Silva, Lima Barreto, escritor maldito (1976) e o de João Antonio, Calvário e porres de pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977). Um fato inusitado, alegre e saudável, iniciativa de jovens universitários, foi a adaptação teatral de Policarpo Quaresma, por Buza Ferraz, encenada pela Grande Companhia Tragicômica Jaz-O-Coração, com mais de 100 representações em Brasília e Belo Horizonte, com dois meses de cartaz em São Paulo e um no Rio de Janeiro (1978).
Ao entregar ao público a sexta edição de A vida de Lima Barreto, renovo o apelo formado linhas atrás, relativamente às teses de mestrado e doutoramento, dirigindo-me por igual a todos que escrevem e se interessam pela biografia póstuma do grande romancista.
Rio de Janeiro, janeiro de 1981
Francisco de Assis Barbosa