A propósito da quinta edição

A primeira edição de A vida de Lima Barreto é de 1952. As citações desta quinta edição são remetidas às Obras de Lima Barreto, por mim organizadas em 1956, com a colaboração de Antônio Houaiss e M. Cavalcanti Proença, o grande Proença, grande entre os maiores. Essa paciente tarefa de transposição das citações fiquei a dever a outro amigo muito querido (como os outros dois), Olavo Aníbal Nascentes. Mais um agradecimento indispensável: à Maria Emília Amaral de Melo e Cunha, que fez a colação do texto da Limana (ver apêndice) com o manuscrito, para corrigir muita coisa que havia escapado nas quatro edições anteriores.

Tem sido incerta, com altos e baixos, a fortuna crítica do grande precursor do modernismo. Não que fosse “desprezado em vida”, como bem observou Otto Maria Carpeaux, na Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira (1ª ed., 1949; 4ª, 1968). A crítica contemporânea não se omitiu diante da obra do romancista: João Ribeiro, Medeiros & Albuquerque, Oliveira Lima, Nestor Victor, Jackson de Figueiredo, Tristão de Ataíde, Agrippino Grieco (quantos mais?), todos escreveram sobre os seus livros.

Houve de fato nessa fortuna crítica hiatos mais ou menos longos. Era difícil encontrar editor, as edições quase sempre malcuidadas, até que a Brasiliense adquiriu os direitos autorais e começou a divulgar com regularidade as Obras de Lima Barreto, a partir de 1956, não de toda a coleção, mas de volumes avulsos, de preferência os romances e os contos.

A verdade é que Lima Barreto só passou a figurar em histórias de literatura e compêndios escolares na década de 1930. Creio que a primazia coube a Agrippino Grieco, Evolução da prosa brasileira, 1933. Veio depois Sousa da Silveira, nos Trechos seletos, não na primeira mas na segunda edição, 1934, e assim mesmo por sugestão de Manuel Bandeira. O terceiro foi talvez Nelson Werneck Sodré, que lhe dedicou algumas linhas na História da literatura brasileira, seus fundamentos econômicos, 1938, linhas ampliadas e desenvolvidas nas edições posteriores.

Seguem-se dois ensaios importantes: o de Olívio Montenegro, em O romance brasileiro, 1938, e o de Astrojildo Pereira, em Interpretações, 1944. Lúcia Miguel Pereira estendeu-se num dos capítulos, “Prenúncios modernistas”, ao tratar com entusiasmo da obra do escritor, em Prosa de ficção (de 1870 a 1920), 1ª ed., 1950; 3ª, 1973. Menos extenso e menos entusiasta é o estudo de Eugênio Gomes, inserto em A literatura no Brasil, v. II, 1ª ed., 1955; 2ª, 1969, obra coletiva dirigida por Afrânio Coutinho.

De qualquer modo, Lima Barreto ingressava na área universitária. Na História da literatura brasileira, 1955, de Antônio Soares Amora, e sobretudo na História concisa da literatura brasileira, 1960, de Alfredo Bosi, as recensões são cuidadosas, acompanhadas de notícias biobibliográficas. Para orientação dos estudantes, Tristão de Ataíde, sempre fiel à memória do escritor, publica o Quadro sintético da literatura brasileira, 1956, dando relevo a Lima Barreto.

Inicia-se desde então uma série de pesquisas e estudos universitários, primeiro no estrangeiro, depois no Brasil. Na Inglaterra, o pioneiro foi Robert L. Scott Buccleuch, da Universidade St. Andrews, antigo professor-associado na Universidade Nacional de Brasília (1962), autor de uma versão inglesa de Triste fim de Policarpo Quaresma (The Patriot), que aguarda editor. Presentemente, Robert A. Oakley, professor de espanhol e português da Universidade de Birmingham, trabalha num estudo: “Realidade e ficção em Lima Barreto”.

Nos Estados Unidos da América, no Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros, reunido em Washington D.C., 1950, dois scholars norte-americanos, Raymond Sayers e Ralph E. Dimmick, tinham apresentado comunicações sobre Lima Barreto. Gregory Rabassa, da Universidade de Columbia, continuou os estudos iniciados por Sayers, em O negro na literatura brasileira (tradução e notas de Antônio Houaiss, 1958), ao publicar O negro na ficção brasileira (tradução de Ana Maria Martins, 1965), com um capítulo sobre Lima Barreto. Há ainda a assinalar a tese de doutoramento, defendida em 1968 na Universidade de Wisconsin, Madison (EUA), por Robert D. Herron, The Individual, Society and Nature in the Novels of Lima Barreto, tese de 732 páginas. Estou informado de que, no momento, existem mais dois trabalhos em elaboração: o de Sylvia Harron, na Universidade de Los Angeles, UCLA, e o de Vera Regina Teixeira Müller-Bergh, em Yale.

Na Itália, uma brasileira, Vanessa Escobar, escolheu Lima Barreto como tema para tese de doutoramento na Universidade de Roma, sob a direção da professora Luciana Stegagno Picchio, em cujo livro La Letteratura brasiliana, 1972, verdadeiramente notável, reconhece a ilustre escritora a garra do romancista e encarece o significado social e humano da pungente mensagem do intérprete dos subúrbios cariocas.

Na Tchecoslováquia, iniciativa que se deve a Zdenek Hampl, eminente romancista e sincero amigo do Brasil, apareceu em 1974 a versão de Triste fim de Policarpo Quaresma (Smutný konec snaživého Policarpa), com um prólogo de Jarmila Vojtísková.

Muitos são os estudos aparecidos no Brasil nos últimos anos e, entre eles, dois se revestem da mais alta qualidade ensaística: o de Osman Lins, O espaço romanesco em Lima Barreto, 1974, e o de Carlos Nelson Coutinho, “O significado de Lima Barreto na literatura brasileira”, in Realismo e anti-realismo na literatura brasileira, 1974.

No Rio de Janeiro, Sônia Brayner vem-se ocupando com a técnica do romance em Lima Barreto, como professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal. E já publicou com artigo promissor de futuras pesquisas: “A mitologia urbana de Lima Barreto” (Tempo brasileiro, 33/34, 1974). Mencione-se ainda o projeto de ensaio do professor Gesner Garcez, que obteve menção honrosa num concurso do Departamento de Cultura do hoje quase extinto estado da Guanabara. Trata-se de um estudo crítico e comparativo das edições de Lima Barreto.

Voltando a São Paulo, trabalham em Lima Barreto o professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (SP), Carlos Fantinatti, e o aluno do Departamento de História da Universidade de São Paulo (SP), José Salvador Faro. Para o exame vestibular unificado de 1975, Triste fim de Policarpo Quaresma é um dos livros-texto obrigatórios.

Em resumo, and last but not least, no caminho aberto por este livro, uma das minhas mais gratas recompensas foi o convívio com os estudantes da Universidade Estadual de Londrina (PR) em maio de 1973. A convite do Diretório Central dos Estudantes, lá estive durante três dias, fazendo palestras, visitando aulas e debatendo Lima Barreto. Foi tudo para mim uma festa que culminou com a representação de um auto escrito por Marcelo Eiji Oikawa, Marília Andrade e Nilson Monteiro Meneses, intitulado A.B.C. de Lima Barreto. A eles dedico esta quinta edição de A vida de Lima Barreto.

Rio de Janeiro, outubro, 1974

Francisco de Assis Barbosa