Prefácio da primeira edição
Longe de ser a análise em profundidade que está a pedir uma figura complexa como a de Lima Barreto, este livro talvez um pouco extenso não passa, na verdade, de singela narrativa biográfica, entremeada de alguns episódios da vida brasileira, mais de perto relacionados com o autor do Triste fim de Policarpo Quaresma.
Não tenho pretensões a crítico literário, nem me julgo tão conhecedor da psicologia humana, qualidades que me parecem indispensáveis a quem se aventura a interpretar, em livro definitivo, o drama de um grande escritor. Bem mais modesto foi o meu intento. Repórter que tem feito do jornalismo diário o seu ganha-pão, tratei apenas de aproveitar, com a máxima honestidade, o material a mim confiado pela família do escritor, quando o editor Zélio Valverde, por volta de 1945, me incumbiu de organizar as Obras completas de Lima Barreto.
Além dos livros publicados em vida do autor, da novela Clara dos Anjos e dos artigos de jornal (estes mandados copiar, na sua quase totalidade, de jornais e revistas da época, pelo escritor R. Magalhães Júnior), o empreendimento editorial, infelizmente malogrado, incluía um apreciável contingente de manuscritos inéditos, a saber: o Cemitério dos vivos, romance apenas iniciado; os fragmentos do Diário íntimo e a correspondência de Lima Barreto, correspondência ativa e passiva, num total de aproximadamente trezentas cartas e bilhetes.
Fiquei assim de posse de vasto material – manuscritos, notas, trechos esparsos do Diário íntimo, cartas, cadernos de recortes de jornal, documentos enfim de vária natureza, que constituem hoje a Coleção Lima Barreto, incorporada à Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional.
Pertencendo Lima Barreto à categoria dos escritores que mais se confessam através de suas obras, conforme já observou Astrojildo Pereira, e tendo o próprio romancista dito certa vez que tudo o que escrevia eram capítulos das suas memórias, completei a arrumação do trabalho, dispondo em ordem cronológica as suas confissões e, sempre que pude, com as palavras mesmas do escritor.
Se algum mérito houver, o que cabe a outros e não a mim reconhecer, será produto da paciência e da habilidade de quem armou o jogo de puzzle que resultou nesta biografia.
Minha vida de jornalista absorvido permanentemente com o trivial da política, que tão pouco entusiasmo oferece, dificultou-me bastante a elaboração final de A vida de Lima Barreto, recomeçado inúmeras vezes, depois de longos intervalos em que as notas mal-alinhavadas e os capítulos por concluir jaziam na minha gaveta de repórter.
Começado em 1946, só agora, em fins de 1951, pude entregar os originais ao editor. Cinco anos para escrever o que poderia ter sido escrito em seis meses – sem falar, é claro, no tempo consumido em pesquisas e depoimentos! Ao terminá-lo, agora, sinto que o livro está incompleto. Dá-me a sensação de reportagem inacabada.
Quero aqui deixar os meus agradecimentos a todos quantos contribuíram, com notas, informações ou simples esclarecimentos, para que pudesse levar a bom termo o meu trabalho. Em primeiro lugar, devo lembrar o nome de Zélio Valverde, que me sugeriu o livro, pondo-me desde logo em contato com os irmãos ainda vivos do escritor – Evangelina, Carlindo e Eliézer Henriques de Lima Barreto.
Em seguida, desejo testemunhar a minha gratidão aos amigos e contemporâneos de Lima Barreto, que tão gentilmente me acolheram: Dr. Antônio Noronha Santos, professor Manuel Ribeiro de Almeida, ministro Mário Tibúrcio Gomes Carneiro, jornalista Mário Galvão, comandante Carlos Pereira Guimarães, professor Everardo Backheuser, jornalista Bastos Tigre, professor Álvaro Osório de Almeida, Dr. Eduardo Jacobina, jornalista Emílio Alvim, escritores José Vieira, Mário Sette, Agrippino Grieco, Lucilo Varejão, Leo Vaz e tantos outros.
Seria injusto se esquecesse, por outro lado, os depoimentos dos escritores Ribeiro Couto, Enéias Ferraz, Sérgio Buarque de Holanda, Astrojildo Pereira, Jaime Adour da Câmara, Amando Fontes, Gondin da Fonseca e do pintor Emiliano Di Cavalcanti, a colaboração de R. Magalhães Júnior, como também a boa vontade de um Edgard Leuenroth, recebendo-me carinhosamente em São Paulo, onde colocou à minha disposição a sua coleção de jornais e revistas, ou de um João Dioclécio Ramos, médico no interior de São Paulo, facultando-me dados inéditos sobre a permanência de Lima Barreto em Mirassol.
Ao livreiro-antiquário Carlos Ribeiro, devo também uma palavra de agradecimento.
Na parte que diz respeito às alucinações mentais do escritor e das suas repetidas estações de cura no Hospício Nacional e no Hospital Central do Exército – subsídio importantíssimo para a interpretação da obra de Lima Barreto – não posso omitir a prestimosa assistência dos Drs. Adauto Botelho, Cunha Lopes, Odilon Gallotti, Maurício de Medeiros e Humberto Gotuzzo, deste último principalmente.
Merece especial referência a contribuição do Dr. Luís Filipe Vieira Souto, autor de interessante biografia de Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, o Patriarca da Cirurgia Brasileira, e que, segundo tudo está a indicar, teria sido o bisavô do romancista.
Agradeço a todos os que, diretores ou funcionários de bibliotecas, arquivos ou repartições, emprestaram o seu concurso, direta ou indiretamente, à feitura deste livro: Drs. Eugênio Gomes e Josué Montello, diretores da Biblioteca Nacional; Drs. José Honório Rodrigues e Medeiros Lima, diretores de divisão da mesma instituição; Dr. Américo Jacobina Lacombe, diretor da Casa de Rui Barbosa; Dr. Heitor Peres, diretor da Colônia de Alienados Juliano Moreira; coronel Spolidoro dos Santos, diretor do Arquivo do Exército; Dr. Rubem Pimentel da Mota, diretor da Divisão de Produção do Departamento da Imprensa Nacional; Prof. Gildásio Amado, diretor do Externato do Colégio Pedro II; Sr. Luís Rolland Filho, funcionário do Arquivo da Escola Nacional de Engenharia; D. Isabel de Mendonça Manes, escrivã do 1º Ofício da 1ª Vara Criminal (Tribunal do Júri) do Rio de Janeiro; D. Zilda Galhardo de Araújo, chefe da Seção de Periódicos da Biblioteca Nacional.
Agradeço ainda aos escritores Vianna Moog e Múcio Leão, que me facultaram o acesso aos arquivos do Ministério da Fazenda e da Academia Brasileira de Letras, respectivamente.
Por fim, devo ainda uma palavra de gratidão aos meus amigos M. Cavalcanti Proença e Jesus Belo Galvão, que se encarregaram bondosamente de uma leitura prévia de A vida de Lima Barreto. E mais uma a Adalardo Cunha, pelo carinho com que escoimou as provas deste livro.
Quanto às Obras de Lima Barreto, malogrado que foi o empreendimento de Zélio Valverde, elas começaram a ser publicadas pela Gráfica Editora Brasileira, a partir de 1949, então sob a direção de A. H. Robertson, um sincero amigo do Brasil, que tanto interesse demonstrou na melhor divulgação dos livros do criador de Policarpo Quaresma e Isaías Caminha.
A. H. Robertson não reside mais no Brasil. Abandonou a atividade editorial, para ocupar um posto na Organização das Nações Unidas. Deixo aqui uma palavra de saudade ao bom amigo e outra de reconhecimento pelo muito que fez em memória de Lima Barreto.
Rio de Janeiro, dezembro de 1951