(Documento a que se refere a nota 20 do capítulo “O abismo”)
CÓPIA DA OBSERVAÇÃO DE AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO, CONSTANTE DO LIVRO DE OBSERVAÇÕES CLÍNICAS DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA UNIVERSIDADE DO BRASIL.
Nome: Afonso Henriques de Lima Barreto
Idade: 33 anos – Estado civil: solteiro
Nacionalidade: brasileira – Profissão: empregado público
Entrada: em 18 de agosto de 1914
Diagnóstico: Alcoolismo
Inspeção geral:
O nosso observado é um indivíduo de boa estatura, de compleição forte, apresentando estigmas de degeneração física. Dentes maus; língua com acentuados tremores fibrilares, assim como nas extremidades digitais.
Exame da motilidade:
Marcha normal
Exame da sensibilidade:
Íntegra
Exame de reflexos:
Plantares diminuídos, patelares, cremastérico e aquileus presentes, abdominais exaltados. As pupilas em miosis não reagem à luz, reagindo lentamente à acomodação.
Aparelho digestivo:
normal
Aparelho circulatório:
normal
Aparelho respiratório:
normal
Aparelho geniturinário:
normal. – Está atualmente com blenorragia
Reação de Wassermann:
no soro sanguíneo: positiva
no líquido cefalorraquidiano: negativa
Em 25 de agosto de 1914 (as.) M. Pinheiro
Exame do líquido cefalorraquidiano:
Linfocitose: negativo
Reação de Nonne: negativa
Albumina: 2 divisões do tubo de Nissl
Pressão: 20 mm Hg (F)
Em 22 de agosto de 1914
Comemorativos de família:
Quanto aos antecedentes de família, informa que sua mãe morreu tuberculosa; o pai vivo goza saúde e é robusto. Tem três irmãos fortes. Informa depois que seu pai sofre neurastenia.
Comemorativos pessoais e de moléstia:
Cópia da guia policial: – “Nada informa aos antecedentes de hereditariedade. Acusa outros no rapto de manuscritos. Acusa insônias, com alucinações visuais e auditivas. Estado geral bom. Boa memória.” Já teve sarampo e catapora, blenorragia, que ainda sofre e cancros venéreos. Confessa-se alcoolista imoderado, não fazendo questão de qualidade. Está bem orientado no tempo e meio. Memória íntegra. Conhece e cita com bastante desembaraço fatos das histórias antiga, média, moderna e contemporânea, respondendo as perguntas que lhe são feitas, prontamente. Tem noções de álgebra, geometria, geografia. Nega alucinações auditivas, confirmando as alucinações visuais. Associação de ideias e de imagens perfeitas, assim como perfeitas são a percepção e atenção. Cita seus autores prediletos que são: Bossuet, Chateaubriand “católico elegante” [sic], Balzac, Taine, Daudet; diz que conhece um pouco de francês e inglês. Com relação a esses escritores faz comentários mais ou menos acertados; em suma, é um indivíduo que tem algum conhecimento e inteligente para o meio em que vive. Interrogado sobre o motivo da sua internação, refere que, indo à casa de um seu tio em Guaratiba, prepararam-lhe uma assombração, com aparecimentos de fantasmas, que aliás lhe causam muito pavor. Nessa ocasião, chegou o Tenente Serra Pulquério, que, embora seu amigo de pândegas, invectivou-o por saber que preparava panfletos contra seus trabalhos na vila proletária Marechal Hermes. Tendo ele negado, foi conduzido à polícia, tendo antes cometido desatinos em casa, quebrando vidraças, virando cadeiras e mesas. A sua condução para a polícia só se fez mediante o convite do comissário que lhe deu aposentos na delegacia até que transferiram-no para a nossa clínica. Protesta contra o seu “sequestro”, pois vai de encontro à lei, uma vez que nada fez que o justifique. Nota de certo tempo para cá animosidade contra si, entre os seus companheiros de trabalho, assim como entre os próprios oficiais do Ministério da Guerra de onde é funcionário. Julga que o Tenente Serra Pulquério teme a sua fama “ferina e virulenta”, pois, apesar de não ser grande escritor nem ótimo pensador, adota as doutrinas anarquistas e quando escreve deixa transparecer debaixo de linguagem enérgica e virulenta os seus ideais. Apresenta-se relativamente calmo, exaltando-se, contudo, quando narra os motivos que justificaram a sua internação. Tem duas obras publicadas: Triste fim de Policarpo Quaresma e Memórias [sic] escrivão Isaías Caminha.
Marcha da moléstia e tratamento:
Purgativo – ópio
Saída:
Transferido em 27 de agosto de 1914
2.ª Entrada:
Nome: Afonso H. de Lima Barreto
Cor: parda – Idade: 38 anos – Nacionalidade: brasileira
Estado civil: solteiro – Profissão: Jornalista
Entrada: em 25 de dezembro de 1919
Saída: Transferido em 26 de dezembro de 1919
Diagnóstico:
Alcoolismo
Confere com o original. I. Ps. da U. B. Em 14 de maio de 1948
(a) Cecília de Oliveira Rocha
auxiliar de escritório