A REVISTA ESPÍRITA

De vez em quando, Kardec relia a mensagem do Espírito da Verdade sobre sua missão:

Não acredites que te seja bastante publicar um livro, dois, dez livros, e estares sossegadamente em tua casa. É necessário que te mostres no conflito.

O texto o ajudava a seguir em frente, apesar das críticas e dos riscos crescentes. Com o sucesso de O livro dos espíritos — cujas vendas aumentavam a cada dia —, passou a receber cartas de leitores de toda a Europa. Gente até então sem fé ou católicos devotados, e devastados por perdas em suas famílias, enviavam relatos sobre o impacto da obra em suas vidas e também sobre a pressão exercida por padres e bispos contra o sacrilégio da necromancia, o perigo e o pecado de dar voz e ouvidos aos mortos.

Muitas jovens, como Ermance, estavam sendo internadas em manicômios pelas famílias, com o apoio de médicos e párocos, diagnosticadas como vítimas de delírios histéricos e possessões demoníacas atribuídos a práticas espíritas. E muitos adeptos do espiritismo eram ameaçados de excomunhão pelas igrejas e de demissão pelos patrões ao professarem a fé na nova crença e ostentarem exemplares da obra de Allan Kardec em suas comunidades.

Como esclarecer e apoiar os leitores perseguidos? Como difundir as mensagens do mundo invisível vindas de todos os cantos, pelas mãos dos mais diversos médiuns? Em 15 de novembro de 1857, o autor de O livro dos espíritos recorreu a Ermance Dufaux para consultar seus conselheiros espirituais. Em pauta, um novo projeto: o lançamento da primeira publicação espiritualista da França — a Revista Espírita, com periodicidade mensal.

Os Estados Unidos já possuíam dezessete publicações sobre os mistérios do mundo invisível, mas um único jornal espiritualista circulava em todo o Velho Continente: o Journal de l’âme, editado em Genebra, sob a direção do dr. Boessinger.

Pelas mãos da jovem Ermance, vieram o aval do além — “A ideia é boa” — e uma série de conselhos editoriais para atrair a atenção do público:

— De começo, deves cuidar de satisfazer à curiosidade; reunir o sério ao agradável: o sério para atrair os homens de ciência, o agradável para deleitar o vulgo. (...) Em suma, é preciso evitar a monotonia por meio da variedade, congregar a instrução sólida ao interesse geral.

Mas havia um detalhe... E o velho assunto voltou à tona: apoio financeiro. Rivail ainda se dividia entre a contabilidade e a pedagogia, retomada aos poucos sob a censura do governo de Napoleão III, e sonhava abandonar os dois empregos para se dedicar integralmente ao espiritismo.

Se dependesse da boa vontade dos amigos invisíveis, o sonho teria de esperar:

— Por enquanto, não deves abandonar coisa alguma; há sempre tempo para tudo.

Cauteloso, Rivail sugeriu então lançar um “exemplar de experiência”, e só seguir em frente se a repercussão fosse favorável.

Nada feito.

— Um só número não bastará. Move-te e conseguirás.

Rivail se moveu até a empresa de um possível sócio, o sr. Tiedeman-Marthèse, que já demonstrara interesse em apoiar a publicação, mas voltou para casa frustrado. O empresário tinha mudado de ideia.

Com o apoio, inclusive financeiro, da compreensiva Amélie, o professor decidiu seguir em frente por conta e risco próprios. Ele mesmo escreveu, sozinho, todos os artigos da nova publicação, e, apesar de não ter um único assinante ou investidor, bancou a impressão dos primeiros exemplares da Revista Espírita, produzidos na Tipografia de Beau, a mesma responsável pela edição de O livro dos espíritos.

A publicação mensal começou a circular em 1º de janeiro de 1858 com o seguinte subtítulo na capa — “Jornal de Estudos Psicológicos” — e com o crédito em letras garrafais: “Publicada sob a direção de Allan Kardec”.

A epígrafe dava um peso científico ao periódico:

Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente é proporcional à grandeza do efeito.

No texto de introdução, menos veemente do que o prefácio de O livro dos espíritos, Kardec defendia o valor científico de sua investigação e definia os fenômenos das “mesas girantes e falantes” como a “infância” da nova doutrina:

Hoje ela é uma ciência, que descobre todo um mundo de mistérios, que patenteia as verdades eternas (...) e descobre o mais vasto campo jamais apresentado à observação do filósofo.

Pelas páginas da Revista Espírita, o público poderia, segundo Kardec, acompanhar o progresso desta nova ciência e se prevenir contra os exageros da credulidade e do ceticismo.

A revista seria uma “tribuna livre” para discussões “sensatas” sobre o espiritismo; uma fonte de divulgação de “fenômenos patentes” e um canal para a revelação de comunicações escritas ou verbais dos espíritos, “desde que tenham um fim útil”: “Em suma: abarcaremos todas as fases das manifestações materiais e inteligentes do mundo incorpóreo.”

No último parágrafo, a explicação para o subtítulo “Jornal de Estudos Psicológicos”: “Estudar a natureza dos espíritos é estudar o homem, pois ele um dia participará do mundo dos espíritos.”

Uma das primeiras missões de Kardec na nova publicação foi explicar o fiasco dos fenômenos mediúnicos investigados pela comissão formada pelo jornal Boston Courier no ano anterior.

O fracasso das irmãs Fox, dos irmãos Davenport e de outros companheiros de mediunidade repercutia em artigo publicado pelo Scientific American, em 11 de julho de 1858, e republicado, então, na Revista Espírita.

A descrição do desempenho de um dos supostos médiuns testados, o dr. Gardner, era constrangedora. Uma longa lista de “nãos”: não conseguiu fazer soar o piano sem tocar; não conseguiu mover uma pequena mesa de um só pé sem o auxílio das mãos; e não conseguiu descobrir a palavra escrita numa folha de papel dobrada e posta dentro de um livro.

Como explicar tantos fracassos?

Kardec reagiu aos ataques científicos com uma explicação sobre o comportamento voluntarioso dos espíritos:

Eles agem quando e perante quem lhes agrada; por vezes, quando menos se espera, é que a manifestação ocorre com mais energia; e, quando a solicitamos, ela não se verifica.

Além disso, a oferta de um prêmio em dinheiro, segundo ele, afastaria os colaboradores invisíveis:

É preciso saber que se pode obter cem vezes mais de um médium desinteressado do que daquele movido pelo engodo do lucro, e que um milhão não o levaria a fazer o que não deve.