PROCURAM-SE MÉDIUNS
Em busca de contatos com o além, adeptos do espiritismo passaram a promover reuniões em casa ou em associações dedicadas ao estudo da doutrina. Já que as portas da Sociedade fundada por Kardec não estavam abertas a todos — até mesmo por falta de espaço —, o melhor seria seguir o exemplo do mestre e abrir “filiais” na própria cidade ou no próprio bairro.
Com O livro dos médiuns à mão, os estudiosos da nova doutrina — ou ciência e filosofia, como preferia Kardec — seguiriam as instruções contidas na obra para estabelecer comunicações com o invisível.
O capítulo XIX do manual era inspirador: “Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos espíritos é, por esse fato, médium.” Mas esta boa-nova era seguida por outra, menos empolgante: “Essa faculdade não se revela, da mesma maneira, em todos.”
O dom poderia ser apenas rudimentar, como nos médiuns sensitivos — “suscetíveis a sentir a vaga presença dos espíritos” —, ou espetacular e, portanto, raro, como no caso de médiuns de efeitos físicos, capazes de levitar e gerar fenômenos como a suspensão de objetos e a materialização de espíritos.
Outras várias categorias intermediárias de mediunidade estimulavam os fundadores das novas sociedades a ir em frente. Quem sabe não haveria entre eles um médium audiente, dotado do dom de ouvir a voz dos espíritos e transmitir suas mensagens? Ou um falante, cujas cordas vocais fossem utilizadas pelos espíritos para se comunicar? Ou ainda um vidente, como o já citado Adrien, capaz de enxergar o invisível?
Todos estes médiuns seriam muito bem-vindos em qualquer associação, mas uma categoria, em especial, traria ainda mais alegria, consolo e esperança a qualquer grupo: a dos escreventes ou psicógrafos, protagonistas de um capítulo inteiro em O livro dos médiuns: “De todos os meios de comunicação, a escrita manual é o mais simples, mais cômodo e, sobretudo, mais completo” — afirmaria Kardec já na primeira linha.
O método — que originou O livro dos espíritos e O livro dos médiuns — ofereceria uma grande vantagem sobre as outras opções do catálogo mediúnico: “Para o médium, a faculdade de escrever é a mais suscetível de desenvolver-se pelo exercício.”
Nesta categoria, ensinava Kardec, eram vários os caminhos a seguir.
O médium mecânico não teria qualquer consciência do que escreve. Seria apenas um instrumento para o espírito, que atuaria diretamente sobre sua mão e a impeliria da primeira à última frase da mensagem. Já no médium intuitivo o movimento seria voluntário e facultativo, e o psicógrafo teria, sim, consciência do que escreve, embora sem exprimir seu pensamento. O médium semimecânico ficaria no meio do caminho:
Sente que à sua mão uma impulsão é dada, independente de sua vontade, mas, ao mesmo tempo, tem consciência do que escreve, à medida em que as palavras se formam.
Kardec já testara e experimentara, através de diversos médiuns, todos os principais canais de comunicação com o além. Era com conhecimento de causa, portanto, que descrevia cada sistema.
Mas havia um problema: por mais que seguissem à risca as instruções de O livro dos médiuns, muitos leitores não conseguiam fazer qualquer conexão com o outro mundo.
Oravam, liam trechos das obras de Kardec, evocavam guias protetores, equilibravam o lápis sobre as páginas em branco e... nada. Muitos desistiam após horas de expectativa e ansiedade, e encerravam de vez as atividades para não frustrar os visitantes nem se expor ao ridículo.
Queixas e pedidos de socorro começaram a chegar à sede da Sociedade Espírita e Kardec decidiu publicar, então, na Revista Espírita, em março de 1861, uma lista de novas instruções aos adeptos.
Antes de tudo era preciso dar atenção especial a uma das frases de O livro dos médiuns: “Os médiuns são comuns, mas os bons médiuns, na verdadeira acepção da palavra, são raros.” E um bom médium, segundo Kardec, estava longe de ser perfeito. Seria apenas o “menos enganado” pelos maus espíritos.
A falta de intermediários com o além, no entanto, não deveria ser obstáculo à realização de reuniões espíritas. O médium — afirmou Kardec — não era uma presença indispensável nas sessões espíritas, como os músicos o eram em um concerto, onde o show é fundamental: “Numa reunião espírita, nós vamos — ou deveríamos ir — para nos instruir.”
Mas como suprir, então, a “escassez de bons médiuns” nas reuniões, sem cruzar os braços nem interromper as sessões?
A lista de atividades substitutas era um tanto frustrante para quem esperava se deslumbrar com fenômenos do além:
Reler e comentar as antigas comunicações, cujo estudo aprofundado fará ressaltar melhor o seu valor.
Contar fatos de que se tem conhecimento, discuti-los, comentá-los, explicá-los pelas leis da ciência espírita (...); examinar a parte da imaginação e da superstição.
Ler, comentar e desenvolver cada artigo de O livro dos espíritos e de O livro dos médiuns, bem como de todas as outras obras sobre o espiritismo.
Discutir os vários sistemas sobre interpretação dos fenômenos espíritas.
As sessões da Sociedade de Estudos Espíritas de Kardec, descritas nos vários números da Revista Espírita, pareciam bem mais atraentes.