E AS MESAS GIRARAM
Mas o palco agora era outro — a sala da sra. De Plainemaison. E as mesas teriam de exibir prodígios admiráveis para derrotar as desconfianças do professor Rivail.
Por mais que lesse os relatos do conde de Gasparin e de Eugène Nus e estudasse os pareceres de Faraday e Chevreul, ele precisava “ver com os próprios olhos e sentir com os próprios dedos” para descartar uma série de suspeitas e possibilidades.
Não bastava que as mesas se movessem — esses movimentos poderiam ser provocados, segundo Rivail, pela eletricidade dos corpos reunidos na sessão:
Esse conjunto poderia atuar como um condensador, cuja potência aumenta — ou diminui — de acordo com o número de fatores.
Não bastava que as mesas girassem:
O movimento rotativo existe na natureza — todos os astros apresentam movimentos rotatórios. Uma causa até então desconhecida poderia gerar, em pequenos objetos, impulsos até então restritos aos globos celestes.
Não bastava que esses movimentos fossem desordenados e que as mesas se lançassem de um lado para o outro e pairassem no ar, contra todas as leis da física:
Não vemos por acaso a eletricidade derrubar edifícios, arrancar árvores com raízes, lançar pesados corpos a distância, atraí-los ou repeli-los?
Mas e os ruídos insólitos, as pancadas inexplicáveis? Rivail também arriscava hipóteses para explicar estes fenômenos: a dilatação da madeira ou a “acumulação de fluido oculto”.
Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da natureza, ou todas as propriedades dos agentes que já conhecemos. A eletricidade multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar a ciência com uma nova luz.
E havia ainda outro fator, mais terreno, a investigar: a honestidade dos participantes das sessões. Quem estaria em torno das mesas? Quem conduziria as conversas com o além? Como garantir que, por trás de tantas maravilhas, não estivessem meros farsantes?
Rivail usaria um critério básico para avaliar a idoneidade dos envolvidos nos fenômenos das mesas girantes e falantes: o fato de cobrarem, ou não, pela exibição dos prodígios: “É necessário separar o ‘charlatanismo’ dos ‘atos sem lucro’. Charlatães, em rigor, não praticam o ofício de graça.”
Na casa da distinta sra. De Plainemaison, ninguém cobrava ingresso nem pedia doações. O espetáculo era gratuito e estava prestes a começar.
Chegou a hora.
As mesas giraram na casa da rua Grange Batelière e a cabeça de Rivail girou junto.
Os registros sobre o que ele viu naquela noite são bastante concisos: “As mesas giravam, saltavam e corriam em tais condições que não deixavam lugar para qualquer dúvida.”
Rivail testemunhou também o que definiu como “alguns ensaios, ainda muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta”.
Amparada nas bordas pelas mãos da sra. De Plainemaison, a cesta de vime moveu-se, aos solavancos, sobre uma placa de ardósia, rocha acinzentada usada como lousa na época. Encaixado no fundo do cesto, com a ponta voltada para baixo, um ponteiro da mesma pedra inscreveu frases esparsas na lousa. Eram respostas a perguntas lançadas ao invisível, escritas — ao que parecia — sem qualquer participação, ou consciência, da anfitriã.
Foi o bastante.
Rivail voltou para casa atordoado.
Entrevi, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo. Havia um fato que necessariamente decorria de uma causa.
Qual seria a causa daqueles movimentos inexplicáveis? O que — ou quem — estaria por trás dos giros das mesas e dos ditados do além?
Há ou não uma força inteligente? Eis a questão. Se esta força existe, o que é? Qual será sua natureza e sua origem? Está além da humanidade?
Rival decidiu buscar respostas, com os devidos cuidados, de acordo com métodos científicos adotados por ele desde os tempos de estudante.
Em muitos de seus livros, era assim que se definia: “discípulo de Pestalozzi, diretor de escola da Academia de Paris, membro de diversas sociedades científicas”. Melhor resumir o currículo do que exibir a longa lista de diplomas obtidos nas mais diversas instituições: Sociedade Gramatical, Sociedade de Educação Nacional, Sociedade para a Instrução Elementar, Instituto de Línguas, Sociedade de Ciências Naturais da França, Sociedade Promotora da Indústria Nacional, Sociedade Francesa de Estatística Universal e Instituto Histórico.
Em seus estudos, aulas e livros, Rivail seguia a cartilha do professor, jornalista e escritor Johann Heinrich Pestalozzi, fundador de um dos centros de ensino mais inovadores e renomados da Europa, o Instituto de Yverdon, na Suíça. Rivail tinha 10 anos quando foi matriculado no castelo de Yverdon por seu pai, o juiz Jean-Baptiste-Antoine Rivail, e pela mãe, a dona de casa Jeanne Duhamel.
No internato, os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade difundidos pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau — e hasteados como bandeiras na então recém-vitoriosa Revolução Francesa — guiavam as dez horas diárias de estudos e atividades complementares, como jardinagem, pintura e ginástica.
Numa época em que estudantes eram obrigados a decorar fórmulas e verdades irrefutáveis impostas pelos mestres, sob pena de experimentar a força de varas e palmatórias, o Instituto de Yverdon era uma revolução.
“A época de ensinar não é a de julgar e criticar”, ensinava Pestalozzi. “A individualidade do aluno deve ser sagrada para o educador”, defendia. E ia além: “O principal objetivo do ensino elementar não é sobrecarregar a criança de conhecimentos e talentos, mas desenvolver e intensificar as forças de sua inteligência.”
Quando Rivail passou de aluno a professor, fez questão de listar entre os próprios “princípios adequados ao ensino” os seguintes objetivos: estimular o espírito natural de observação da criança; cultivar a inteligência para que o aluno faça as próprias descobertas; levá-lo a conhecer o fim e a razão de tudo o que faz; e conduzi-lo a “apalpar com os dedos e com os olhos todas as verdades”.
“Observar” e “descobrir” eram dois verbos em alta na época. A ciência lotava teatros e disputava a atenção do público com peças e espetáculos musicais. O próprio físico Faraday, estudioso do eletromagnetismo, arrancava aplausos e suspiros da plateia ao exibir os poderes mágicos dos ímãs. Um deles, em formato de ferradura, fazia girar no ar um disco de cobre encaixado entre seus polos.
Ilusionismo? Não. Ciência. E ciência voltada para a investigação de mundos invisíveis, rastreados por microscópios e telescópios cada vez mais potentes. Dos átomos aos planetas, quais os limites?
Entre os vivos e os mortos, quais as fronteiras?