VEJO UMA GRANDE CLARIDADE
Em 22 de abril de 1861, um adolescente de 14 anos, Jules Michel, morto oito dias antes, entrou em contato através da médium Costel, mãe do melhor amigo dele, ainda inconsolável. O que dizer aos amigos e à mãe, devastada pela dor?
— Estou morto? Vejo, vivo, penso como antes, apenas não me posso tocar e não reconheço nada do que me cerca.
As primeiras sensações da vida fora do corpo — “deitado, duro, naquele buraco onde não estou” — eram descritas assim pelo visitante invisível:
— Vejo uma grande claridade; meus pés não tocam o solo; deslizo; sinto-me arrastado. Vejo figuras brilhantes e outras envoltas em branco; pressionam-me e me rodeiam; uns me sorriem, outros me metem medo com seus olhares negros.
As lembranças do momento da morte eram confusas:
— Não me lembro muito do que senti. Tinha muita dor de cabeça (...). Estava entorpecido, queria mover-me e não podia, as mãos estavam molhadas de suor e sentia um grande trabalho em meu corpo.
Mas tudo terminara bem:
— Nada mais senti e despertei muito aliviado, leve como uma pluma.
Para os descrentes, a médium poderia ter forjado a mensagem para consolar o próprio filho e a mãe do morto.
No fim daquele mês, o camponês Henri Mondeux, recém-falecido aos 34 anos, também se manifestou na Sociedade. Quando ainda vivia em Touraine, tornara-se atração pública e notícia de jornal por um talento extraordinário: apesar de analfabeto e de jamais ter estudado, era capaz de resolver as mais complexas questões da aritmética de cabeça e em velocidade impressionante.
Como explicar este dom?
— Eu tinha a faculdade de ler em meu espírito os resultados imediatos de um problema. Eu tinha apenas de ler; eu era médium vidente e calculador... um livrinho de cálculo, de antemão preparado.
O diálogo terminou sem desafios póstumos de matemática.
Para os adversários da doutrina, atribuir ao sobrenatural prodígios da inteligência era um atentado à ciência.
Pouco depois, um espírita fervoroso, o dr. Glass, também mandou mensagens do mundo de lá através de um médium da Sociedade. Morto há quase cinquenta dias, agradecia por ter tido contato com a doutrina antes de fazer a “passagem”.
— Eu tive em mim, assim que morri, o perfeito conhecimento de mim mesmo e entrevi com calma aquilo que tantos outros temem com tanto pavor.
Para os antagonistas, testemunhos como estes eram mera propaganda para atrair novos adeptos. Para os espíritas, eram evidências da sobrevivência, ou melhor, da imortalidade do espírito.
Eles, os espíritos, estariam em todo canto, à nossa volta, e exerceriam influência constante sobre cada um de nós, para o bem e para o mal. Mentirosos, traiçoeiros, generosos, obstinados, covardes, dissimulados, brilhantes, obtusos — humanos, enfim, quase concretos, de acordo com este trecho de O livro dos médiuns:
O espírito não é, pois, um ponto, uma abstração; é um ser limitado e circunscrito, ao qual só falta ser visível e palpável, para se assemelhar aos seres humanos. Por que, então, não haveria de atuar sobre a matéria? Por ser fluídico o seu corpo? Mas onde encontra o homem os seus mais possantes motores, senão entre os mais raros fluidos, mesmo entre os que se consideram imponderáveis, como, por exemplo, a eletricidade?
Para Kardec não havia dúvidas: cedo ou tarde, todos deveriam se render às evidências.
O jornalista Louis Jourdan, do Le Causeur, não se entregaria tão facilmente. No livro Um filósofo ao pé do fogo, publicado naquele mesmo 1861, ele confirmou que lera e se surpreendera com O livro dos espíritos.
Nas páginas da obra — escreveu Jourdan —, uma nova doutrina ganhara corpo:
É um sistema completo, e não experimento nenhum embaraço em reconhecer que, se o sistema não tem a coesão poderosa de uma obra filosófica, se contradições aparecem aqui e ali, é pelo menos muito notável por sua originalidade, por seu alto alcance moral, pelas soluções imprevistas que dá às delicadas questões que, em todos os tempos, inquietaram ou ocuparam o espírito humano.
Mas isso — continuava — não o obrigaria a acreditar em quaisquer revelações atribuídas a espíritos superiores:
O que repilo absolutamente é que, sob pretexto de revelação, venham dizer-me: “Deus falou, portanto ides submeter-vos. Deus falou pela boca de Moisés, do Cristo, de Maomé, portanto seres judeus, cristão ou muçulmanos, senão incorrereis nos castigos eternos e, enquanto esperamos, iremos amaldiçoar-vos e vos torturar aqui.”
O jornalista exigia respeito ao direito de não crer:
Acima de todas as revelações, de todas as inspirações, de todos os profetas presentes, passados e futuros, há uma suprema lei: a lei da liberdade.
E exigia mais: “Quero perder minha alma, se isto me apraz.”