O HOMEM DAS BONECAS FALANTES

A dupla de “médiuns” americanos fascinara a corte e os plebeus franceses com suas exibições mágicas. Foram três meses de temporada lotada nos principais salões de Paris e em palácios da família imperial.

O prospecto do casal Girod era tentador:

Divertimentos nos salões parisienses. Novidade! Só novidade! O mundo dos espíritos obedece às suas vozes. Visões. Êxtase. Fascinação. Magnetismo. Espíritos batedores.

Para alegria das crianças, o ventríloquo Homem das Bonecas Falantes também entrava em cena, nas matinês, com preços reduzidos.

Para conquistar novos clientes, a dupla exibia um álbum com mais de duzentas páginas, repletas de cartas de felicitações assinadas por ilustres espectadores de seus feitos. Entre os fãs mais devotados, nada menos do que dezesseis arcebispos e bispos da França.

Muitas autoridades eclesiásticas foram arrebatadas pelo prospecto de divulgação do casal. Logo após listarem os prodígios do mundo dos espíritos, os supostos médiuns revelavam a origem de todas aquelas manifestações: ilusionismo.

Visões? Êxtase? Fascinação? Magnetismo? Espíritos batedores?

(...) tudo quanto a ciência e o charlatanismo inventaram, que embasbaca os crédulos de nossos dias, até lhes dar uma fé robusta em tudo quanto não passa de charlatanice, em que a gente é comparsa sem saber.

Uma das frases do panfleto não deixava dúvidas quanto à opção religiosa da dupla: “A fé cristã só terá a ganhar ao ver claramente que tudo quanto ela não ensinou não passa de brilhante charlatanismo.”

A cada exibição de ilusionistas como estes, suspeitas eram lançadas contra os fenômenos espíritas, mas Kardec não se intimidava.

Tudo poderia ser imitado, ele dizia, mas as cópias não eliminavam a autenticidade dos originais. O mágico finge entrar em estado sonambúlico, mas isto não quer dizer que o sonambulismo seja uma farsa. O pintor faz cópias perfeitas de telas de Rafael — mas ninguém poderá renegar o fato de que Rafael existiu.

Em seus argumentos, Kardec ia ainda mais longe — aos tempos de Cristo:

O prestidigitador Robert-Houdin transforma a água em vinho e tira de um mero chapéu objetos capazes de lotar uma grande caixa. Essas proezas desmentem os milagres das bodas de Caná e da multiplicação dos pães?

Imitar fenômenos físicos — Kardec afirmava — era fácil para quem tinha o dom da mágica, mas ele lançava um desafio ao senhor e à senhora Girod: imitar os fenômenos inteligentes testemunhados por ele em sessões onde mortos se manifestavam em mensagens pontuadas por informações desconhecidas pelos médiuns.

(...) e, melhor ainda, em longas dissertações de muitas páginas, escritas de um jato, sem vacilações, com rapidez, eloquência, correção, profundidade, sabedoria e sublimidade de ideias, sobre assuntos propostos naquele instante, fora do conhecimento e da capacidade do médium.

O casal foi embora de Paris antes de aceitar o desafio, e Kardec continuou a receber notícias do além vindas de todos os cantos.