FORÇAS OCULTAS

A vida de Rivail estava prestes a se transformar radicalmente. O professor, que conciliava a educação com o ofício de contador para sobreviver, passou a dar atenção cada vez maior ao invisível. A seu lado nessa aventura estava sua companheira há 23 anos, Amélie-Gabrielle Boudet. Professora de Letras e Belas-Artes, Amélie publicara três livros antes de conhecer o futuro marido: Contos primaveris, de 1825, Noções de desenho, de 1826, e O essencial em Belas-Artes, de 1828.

Como Rivail, ela sabia o quanto era inviável viver apenas da venda de obras didáticas e o quanto era dura a vida de educador na França do século XIX, com salário minguado e trabalho de sobra. Quando os caminhos deles se cruzaram nos corredores escolares, a afinidade foi imediata. Sempre entusiasmada e sorridente, Amélie — chamada de Gaby por Rivail — não aparentava ser nove anos mais velha do que o quase sempre sisudo companheiro de ensino.

A paixão pela educação e o sonho de construir uma escola em parceria, ou mesmo uma rede de ensino, os uniu quando Amélie já tinha 37 anos, idade tardia, à época, para pensar em filhos ou mesmo em um bom casamento.

No dia 6 de fevereiro de 1832, casaram-se em cerimônia civil, longe dos altares religiosos. Rivail, aliás, foi também discípulo de Pestalozzi nesta união: a mulher do fundador da escola de Yverdon era sete anos mais velha do que o marido e, como Amélie, vinha de família com boa situação financeira.

Sem filhos, o casal se dedicaria a instruir os filhos dos outros em escolas privadas ou instituições públicas, e chegaria a promover em casa, à rua de Sèvres, durante cinco anos, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada a alunos pobres da vizinhança.

Agora, em meio às aulas e cursos, planilhas contábeis e lançamentos de livros, Rivail precisaria encontrar tempo para os estudos do invisível. A ciência ainda não tinha nome, o objeto de suas observações não tinha corpo e seus novos mestres usariam forças ainda ocultas para se manifestar.

Rivail já tinha feito contatos com esse mundo misterioso quando começou a estudar, três décadas antes, as experiências conduzidas pelo médico alemão Franz Anton Mesmer. Ao observar a influência da lua sobre os altos e baixos da maré, Mesmer passou a especular sobre a possível influência de um fluido invisível — que permearia todo o universo — sobre o homem. Inspirado na ação a distância dos ímãs sobre os materiais metálicos, batizou esta substância de fluido magnético.

A ideia não era nova. Mesmer retomava uma linha de investigação percorrida desde a Antiguidade. O filósofo e médico suíço Paracelso, já no século XVI, atribuía um espírito a cada elemento da natureza: mineral, vegetal ou animal. Na mesma época, o médico e químico belga Jan Baptista van Helmont defendia a existência de um princípio vital comum aos homens e a todo o meio ambiente: o magnetismo animal.

O próprio Descartes, já no século XVII, declarou que o universo estaria imerso — e preenchido — por um éter onipresente. Quem sabe essas substâncias invisíveis não pudessem ser usadas para curar ou transmitir informações, emoções e energias de um corpo ao outro?

Mesmer passou da teoria à prática médica ao adotar, em sua clínica, tratamentos conduzidos com o uso de bastões de ferro imantados, mais tarde substituídos pela imposição das próprias mãos do magnetizador sobre os pacientes em sessões de cura. De acordo com este método, a transferência do fluido magnético do corpo do magnetizador ao do paciente reestabeleceria o equilíbrio do doente.

Apesar do ceticismo dos colegas de profissão, Mesmer avançou nas pesquisas e desenvolveu um instrumento tão original quanto polêmico: a cuba de magnetização. Uma caixa de madeira com cerca de 40 centímetros de altura, cheia de água temperada com limalha de ferro. Mesmer cobria esta caixa com uma tampa repleta de furos, de onde saíam barras de ferro móveis, e convidava então os pacientes a se recostarem em torno da cuba e a encaixarem as hastes metálicas, conectadas à “água magnética”, nos pontos do corpo em tratamento. Uma corda unia os participantes de cada sessão uns aos outros para permitir a circulação do fluido entre eles.

As sessões eram realizadas em salas acolchoadas, ao som de piano e à meia-luz, ao longo de várias horas, e atraíam nobres e burgueses abastados, dispostos a pagar caro para se livrar das agruras dos tratamentos convencionais daqueles tempos pré-anestesia: sangrias, ventosas e laxantes, por exemplo.

Mas as reações a estas intervenções magnéticas nem sempre eram tranquilas. Pacientes chegavam a sofrer convulsões violentas e de longa duração. Efeitos colaterais descritos assim neste relatório:

Movimentos de todos os membros e do corpo inteiro, aperto na garganta, sobressaltos dos hipocôndrios e do epigástrio, tremores e alucinação dos olhos, gritos penetrantes, choros, soluços e risos descontrolados. Reações precedidas ou seguidas de um estranho estado de torpor e de sonho, de uma espécie de abatimento e até de adormecimento.

Nas sessões à meia-luz na casa da sra. De Plainemaison, Rivail vislumbrava a ação de fluidos invisíveis nos movimentos da mesa e do cesto e se lembrava das descobertas de Mesmer e seus discípulos. Aquele mundo de forças e energias desconhecidas — livres da matéria pura e simples — sempre atraiu o discípulo de Pestalozzi.

Rivail conhecia bem a história do marquês de Puységur, adepto do mesmerismo. Em 1784, ele fora chamado às pressas para atender a um camponês de 18 anos, Victor Race, atormentado por fortes dores na coluna, acompanhadas de espasmos e convulsões. Após quinze minutos de passes magnéticos, o rapaz entrou em sono profundo, sem agitação e sem dor. Nesse estado de inconsciência, passou a atender aos pedidos do magnetizador, mesmo quando as ordens do marquês não eram expressas por palavras.

De olhos fechados, como um sonâmbulo, perambulou pelo quarto e seguiu caminhos tortuosos — beirais e terraços de difícil acesso — como se estivesse com os olhos abertos. A linguagem e a maneira de o camponês se comunicar ganhavam refinamento inédito durante este estado de sono acordado ou vigília dormente. Era como se um outro eu se manifestasse nele. Era como se visse o mundo com outros olhos. Quando voltou a si, descreveu o marquês, seu paciente estava curado.

A obra e as proezas de outro nobre ilustre, o barão Du Potet — considerado o principal representante da escola magnética na França —, faziam o coração de Rivail acelerar.

Algumas de suas declarações mexiam com a imaginação do professor desde os anos 1820, quando textos como estes vieram à tona:

O homem que admite apenas o que seus olhos veem tem uma visão bem curta. Aquele que não reconhece a visão do espírito se parece com o homem que, ao ver um livro fechado, não o abre, não faz nenhum esforço para saber o que ele contém nem em adivinhar seu conteúdo, mas afirma com segurança: “Não há nada escrito.”

Por mais cético que ainda fosse, Rivail identificava nos transes hipnóticos e nos passes magnéticos a influência de forças ocultas e concordava com as teses centrais difundidas pelo barão Du Potet:

Os novos fenômenos nos mostram que nossa alma pode perceber sem os órgãos dos sentidos e que, mergulhados no mais profundo sono, podemos tomar conhecimento de lugares distantes de nós, ver o que aí se passa e descrevê-lo claramente.

O professor sentiu na pele, ou melhor, nos próprios olhos, os efeitos do sonambulismo ao enfrentar um problema grave entre 1852 e 1853: a perda de visão, a ponto de já não conseguir ler nem escrever. Após uma série de exames, o médico especialista deu o diagnóstico: amaurose, com comprometimento irreversível do nervo óptico. O paciente deveria se preparar para o pior: a cegueira iminente.

Na dúvida, Rivail decidiu ouvir uma segunda opinião. Em vez de recorrer a outro médico, o velho estudioso do magnetismo bateu na porta de uma sonâmbula conhecida em Paris por promover curas milagrosas. O diagnóstico dela foi bem menos dramático: não era amaurose, mas, sim, uma inflamação nos olhos: “Em quinze dias experimentareis ligeira melhora; em um mês começareis a ver, e, em dois ou três meses, estareis curado.” Em seguida, receitou a aplicação de uma mistura de água e ervas.

O cronograma foi cumprido à risca.

Ao ver a mesa rodopiar e o cesto escrever na casa da sra. De Plainemaison, Rivail enxergou relações entre essas manifestações misteriosas, o magnetismo e o sonambulismo. Mas a mesa e o cesto — “sem nervos nem cérebros” — não poderiam ser encarados como sonâmbulos em transe.

Seriam então os fluidos magnéticos da sra. De Plainemaison os responsáveis por aqueles movimentos bruscos e pelas mensagens ainda vagas? Afinal de contas, os fenômenos só aconteciam na presença dela.

Era preciso estudar, e Rivail encontrou um campo de estudos mais fértil para suas pesquisas quando foi apresentado a duas meninas na casa da sra. De Plainemaison: Caroline e Julie Baudin, então com 16 e 14 anos, filhas de Emile-Charles e Clementine Baudin.