A NECESSIDADE DO IMPOSSÍVEL
Para Kardec, 1867 começava em clima de balanço de vida e de movimento. Uma década já se passara desde o lançamento de O livro dos espíritos, e a Revista Espírita estava prestes a completar dez anos de publicação, mês a mês, sem pausas e sem trégua. Uma tribuna permanente e uma linha direta de comunicação com aliados e adversários espalhados por todo o canto.
Sob o título “Olhar retrospectivo”, Kardec enviou, através da revista, em janeiro, uma mensagem aos antagonistas, que encaravam o espiritismo como um “fogo de palha”. Fogo de palha que já durava quase quinze anos, desde a primeira noite em que o professor Rivail vira com os próprios olhos o giro da mesa e o movimento do cesto na casa da sra. De Plainemaison:
A força de ação do espiritismo é atestada por sua persistente expansão. E há um fato constante neste avanço: é que os adversários do espiritismo consumiram mil vezes mais força para o abater, sem o conseguir, do que seus partidários para o propagar.
Aos aliados, reafirmou a orientação de deixar os fenômenos para trás e se dedicar à caridade: “Diante do bem, a própria incredulidade trocista se rende, e a calúnia não pode sujar o que está sem mancha.”
No entanto, o estrago provocado por embusteiros como os Davenport já estava feito e continuaria a repercutir nos jornais da época.
No France, em fevereiro, o colunista se espantava com a “inexplicável necessidade do impossível” demonstrada pelos espíritas:
Mostra-se-lhes o truque das mesas girantes e eles creem; desvendam-se-lhes as imposturas do armário Davenport, e creem mais ainda; exibem-se-lhes todos os cordões, fazem-nos tocar a mentira com o dedo, furam-lhes os olhos pela evidência do charlatanismo e sua crença se torna mais encarniçada!
Kardec recortava textos como estes e se indignava com descrições como as publicadas pelo jornal Messenger Franco-American, de Nova York, em março. Em reportagem sobre uma convenção de adeptos do espiritismo, o jornalista identificara em todos os homens e mulheres reunidos no evento a mesma aparência: um “aspecto do outro mundo”.
A palidez da pele, o emaciado do rosto, o profético devaneio dos olhos, perdidos num vago oceânico, tais são, em geral, os sinais exteriores do espírita.
O tom da matéria intitulada “Sempre os espíritas”, no Événement, era o mesmo. O jornalista Jules Claretie garantia: quem fosse a qualquer reunião de espíritas — “numa noite de desocupação e curiosidade” — encontraria “figuras bizarras, com gestos de energúmenos”:
Comprimem-se, curvam-se sobre as mesas onde os médiuns, com os olhos no teto, lápis na mão, escrevem suas elucubrações.
Claretie se surpreendera com a “promiscuidade de classes e idades” num dos salões lotados por “velhas de olhos ávidos e jovens fatigados”. Lado a lado, porteiros da vizinhança e grandes damas do bairro, alfaiates e laureados do Instituto, todos unidos para ouvir as mensagens do além... E que mensagens!
Ouvi Cervantes lamentar a demolição do teatro dos Dellassements-Comiques, e Lamennais contar que Jean Journet lá era seu amigo íntimo. A maior parte do tempo Lamennais cometia erros de ortografia e Cervantes não sabia uma palavra de espanhol.
O pior, para o jornalista, era que o espiritismo conquistava cada vez mais adeptos entre ex-céticos e ex-católicos:
O número dos loucos aumenta! O delírio é como uma onda que sobe. Então que luz há que ser achada para destruir essas trevas já que a eletricidade não basta?
Claretie talvez se rebelasse contra o conteúdo de mensagens postas no papel, na sede da Sociedade de Paris, em determinadas sessões. Frases soltas, pensamentos às vezes um tanto frouxos, assinados por figuras notáveis e por ilustres desconhecidos.
Napoleão:
— A guerra é um duelo que só cessará quando os combatentes tiverem forças iguais.
Newton:
— A ciência é o progresso da inteligência.
Balzac:
— A encarnação é o sono da alma; as peripécias da vida são os seus sonhos.