Questões de ordem de Lacerda – I

Câmara dos Deputados, em 11/8/1957.

Publicado no DCN de 28/8/1957, p. 6569.

O deputado Carlos Lacerda exercita seus instrumentos de líder da UDN para fustigar o jornalista e senador Assis Chateaubriand, que, nomeado pelo presidente Juscelino para embaixador do Brasil na Inglaterra, retarda sua viagem para Londres e permanece no Rio, frequentando o Senado. Um requerimento de informações da oposição, ao Itamaraty, é o objeto da reclamação de Lacerda. Quando o líder da UDN começa a falar, a presidência da sessão está sendo exercida pelo vice-presidente, deputado Godói Ilha. No final do debate, Ulysses assume seu lugar e fala como presidente da Câmara.

O Sr. Carlos Lacerda – Meu objetivo, submetendo tais requerimentos, com 25 assinaturas como manda o Regimento, por intermédio da Mesa, ao Plenário, decorre do fato de que alguns Srs. Ministros se julgam no direito de não responder a requerimento de informações individual, isto é, subscrito por um só deputado, ainda mesmo quando encampados ou encaminhados pela Mesa, o que a meu ver constitui flagrante violação da Constituição porque é evidente que, se a Mesa encaminha o requerimento, ela, ainda que não o encampando no seu mérito, tem o direito de exigir resposta do ministro.

Uma esdrúxula doutrina, uma espantosa doutrina, tem feito com que os Srs. Ministros e as autoridades do Executivo desdenhem essa obrigação constitucional, cuja transgressão importa, como V.Exa. sabe, em crime de responsabilidade. Foi para evitar isto e porque a Mesa até agora não tomou providências para a apuração de responsabilidades dos ministros faltosos que recorri àquele dispositivo do Regimento que autoriza a Mesa a submeter a Plenário requerimento de informações subscrito, no mínimo, por 25 Srs. Deputados. Assim fiz ontem, Sr. Presidente, com inteira isenção, porque é preciso que se obtenha resposta a esses dois requerimentos. Um deles, aliás, dirigido ao Sr. Presidente da República, refere-se a uma situação que a todos afeta, que afeta não apenas a um partido ou a uma facção nesta Casa: trata-se da situação da representação diplomática do Brasil na Corte inglesa. Até agora, parece, temos uma espécie de “mãe de São Pedro” representando o Brasil na Corte inglesa porque tornou-se um produto híbrido, ora é senador, ora é embaixador.

O Brasil vive há oito meses sem representação diplomática na Inglaterra. Talvez seja, sem estabelecer diminuições ou preterições a nenhum país, a segunda ou terceira representação por ordem de importância e, sem dúvida, a primeira na ordem da tradição da diplomacia brasileira, estando hoje vacante.

Impossível nos sujeitemos nesta Casa a não receber informações que, por lei, os ministros são obrigados a enviar. Em tais condições, deveria ser encaminhado ao Sr. Presidente da República meu requerimento de informações sobre a verdadeira situação do Sr. Embaixador – ou senador, conforme os dias da semana – Sr. Assis Chateaubriand.

Nesse caso, o chefe da nação não responde a requerimentos individuais dos Srs. Deputados, mesmo encampados e encaminhados pela Mesa. Desta forma, pareceu-me que a solução seria e será a de submeter tais requerimentos à deliberação do Plenário, que os tornaria então decisão do Plenário, e o crime de responsabilidade, pela não resposta, ficaria perfeitamente caracterizado.

Assim, imploro a V.Exa. submeta ao Plenário, incluindo na Ordem do Dia os dois requerimentos que, com o quórum regimental de 25 Srs. Deputados cada um, foram ontem encaminhados à Mesa, assim como, já agora, o requerimento de constituição de comissão parlamentar de inquérito, da mesma maneira que o requerimento de convocação do Sr. Ministro da Fazenda, a fim de que, tão logo S.Exa. se restabeleça e volte de Buenos Aires, explique à Câmara quais os resultados da Conferência de Buenos Aires e até que ponto pôde levar a colaboração do Brasil ao malogro dessa conferência.

Sr. Presidente, estou encaminhando tais requerimentos a V.Exa., na certeza de que todos eles, na forma do Regimento, serão por V.Exa., sempre atento à sua árdua e importantíssima missão, submetidos à aprovação do Plenário.

O Sr. Presidente (Godói Ilha) – Um momento. Vou responder, primeiramente, à questão de ordem do nobre deputado Carlos Lacerda.

A Mesa não pode acolher o pedido do nobre deputado Sr. Carlos Lacerda, nem submeter a Plenário o pedido de informações dirigido ao Poder Executivo, porque importaria em violação do Regimento, segundo o qual os pedidos de informações somente são submetidos à decisão da Mesa. Nos casos em que a Mesa opine pelo indeferimento, teria aplicação o dispositivo regimental pelo nobre deputado invocado, dispositivo que permite recurso dessa decisão para o Plenário. O art. 101, § 6º, está assim redigido: “Se for indeferido requerimento de informações ou retardado o respectivo despacho, será lícito ao deputado apresentá-lo diretamente ao Plenário”, etc.

Ora, não houve indeferimento nem retardamento. O pedido de V.Exa., nestes termos, não pode ser atendido.

O Sr. Carlos Lacerda – Sr. Presidente, V.Exa. me perdoe. O assunto é grave e permita que a ele volte, invocando dispositivo regimental, para ampliá-lo, invocando a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que diz no seu art. 13:

“São crimes de responsabilidade dos ministros de Estado:

(...)

4 – Não prestarem, dentro de trinta dias e sem motivo justo, a qualquer das câmaras do Congresso Nacional as informações que ela lhes solicitar por escrito, ou prestarem-nas com falsidade”.

Perdoe V.Exa. que eu, com a maior brevidade, argumente...

O Sr. Presidente (Godói Ilha) – V.Exa. está voltando ao vencido. A Mesa já esclareceu a sua posição em face do Regimento: os pedidos de informação deferidos pela Mesa e encaminhados, pelo seu órgão próprio, à consideração do Executivo são pedidos da Câmara. Nesse sentido, não há duas opiniões. Destarte, só quando a Mesa indefere pedido de informações formulado por algum dos Srs. Deputados ou quando retarda injustificadamente seu pronunciamento é que tem lugar a providência invocada por V.Exa.

O Sr. Carlos Lacerda – Permita-me concluir minha questão de ordem, Sr. Presidente, e V.Exa. verá onde quero chegar.

O Sr. Presidente (Godói Ilha) – Então é outra questão de ordem?

O Sr. Carlos Lacerda – É outra questão de ordem.

Estou citando o art. 13, item 4, da lei que define os crimes de responsabilidade. Nele se prescreve que as autoridades do Executivo que, ao fim de trinta dias, e sem motivo justo, não responderem às informações solicitadas, por escrito, por qualquer das câmaras do Congresso Nacional...

Como estava ao lado de V.Exa., Sr. Presidente, o presidente da Câmara que ora assume a direção dos trabalhos, V.Exa. me dará licença para recapitular brevemente, a fim de formular a questão de ordem.

Sr. Presidente, citei ao seu eminente antecessor, nosso prezadíssimo colega, deputado pelo Rio Grande do Sul, Sr. Godói Ilha, a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que, no seu art. 13, item 4, que V.Exa. o bem conhece, determina:

“Art. 13. São crimes de responsabilidade dos ministros de Estado:

(...)

4 – Não prestarem, dentro em trinta dias e sem motivo justo, a qualquer das câmaras do Congresso Nacional as informações que ela lhes solicitar por escrito, ou prestarem-nas com falsidade”.

Temos, portanto, uma de duas – e esta é a questão de ordem que caberá a V.Exa., com sua alta sabedoria e experiência, resolver: ou considera-se informação solicitada pela Câmara, prevista na hipótese do art. 13, item 4, toda aquela informação requerida por deputado individualmente, mas encaminhada pela Mesa da Câmara – e neste caso já incidiram em crime de responsabilidade as autoridades do Executivo que não deram resposta a todos os requerimentos em tais condições – ou, então, há uma outra forma pela qual o requerimento individual de um deputado se converte num requerimento coletivo, isto é, num requerimento da Câmara.

O SR. PRESIDENTE (ULYSSES GUIMARÃES) – Atenção!

O Sr. Carlos Lacerda – Sr. Presidente, ainda estou dentro do prazo. De fato, V.Exa. assumiu a presidência em substituição ao Sr. Vice-Presidente, enquanto eu formulava a minha questão de ordem. Permita V.Exa., pois não estou ganhando tempo nem perdendo, mas formulando uma questão de ordem da maior consequência para a autoridade e o prestígio do Poder Legislativo.

Foi um dos nossos eminentes correligionários e ilustre brasileiro, o Sr. Embaixador Raul Fernandes, quem, ao ocupar uma pasta do governo, sustentou doutrina que, apesar do respeito que tenho a S.Exa. e da admiração que lhe devoto, parece inteiramente destituída de fundamento, doutrina – se V.Exa. e ele me permitem – de homem do Executivo, e segundo a qual o ministro só está obrigado a responder a requerimento de informações, sob pena de incorrer na lei que define os crimes de responsabilidade, quando o requerimento for coletivo, isto é, for aprovado pela Câmara. Essa doutrina esdrúxula – e, pelo que sei, não encontra apoio no Regimento – foi, no entanto, a interpretação constitucional dada por aquele eminentíssimo jurista brasileiro.

Agora, Sr. Presidente, cabe à Mesa decidir: o requerimento individual do deputado, uma vez aceito e encaminhado pela Mesa, passa a ser requerimento da Câmara? Se o é, estão incursos em crime de responsabilidade todas as autoridades que não dão respostas na forma dessa lei. Se, no entanto, a teoria ou a doutrina sustentada naquele tempo pelo Sr. Embaixador Raul Fernandes é a doutrina da Mesa, é a doutrina boa, é a doutrina certa, neste caso, Sr. Presidente, deverá haver outra forma para dar cumprimento ao dispositivo constitucional que exige da autoridade solicitada, dentro de trinta dias, pronta resposta a requerimento de informações.

De sorte que pediria a V.Exa. cedesse esta questão de ordem, ressalvado, naturalmente, caso V.Exa. a decida logo, como penso que a sua sabedoria e a sua experiência são capazes de fazê-lo, o recurso da consulta à Comissão de Justiça, pois já não envolve apenas uma questão regimental, mas a aplicação da Lei de Responsabilidade e a interpretação do texto constitucional.

Aguardo a decisão da questão de ordem.

O SR. PRESIDENTE (ULYSSES GUIMARÃES) – A Mesa já esclareceu que tem, no que toca ao atendimento dos requerimentos de informações dos Srs. Deputados, cumprido o Regimento. Como manda o Regimento, estamos na Ordem do Dia.